sexta-feira, 7 de setembro de 2012

OS DIAS DO FIM

OS DIAS DO FIM

Apesar de algum nervosismo Catarina tentava contar ao Advogado tudo o que se lembrava.
- Comece pelo princípio, pediu o Advogado. Por exemplo, como é que conheceu o casal que a convidou para passar as férias de verão? Pelo que ouvi da sua vida e que registei, a Catarina não é acessível a qualquer pessoa  e que quase nunca vira. Então esse encontro foi arranjado. Se sim, por quem?
- Catarina caiu das nuvens, lembrava-se que sentira qualquer coisa estranha no convite ,feito por gente que mal conhecia, mas com o correr dos dias, fora esquecendo as dúvidas. Olhava para o Advogado, sentia que as palavras lhe fugiam, havia qualquer coisa importante que sentia necessidade de contar, mas estava bloqueada. Gaguejava, perdia-se com os pormenores, voltava ao início, mas cada vez ficava mais confusa. A memória não lhe obedecia. Nada a fazer, parou, escondeu o rosto, fechaando as mãos como se quisesse vencer o bloqueio e a memória não respondia.
Ficou assustada e desistiu, ficando com o olhar fixo do chão, ausente e perdida.
O Advogado quis parar com o sofrimento daquela mulher tão segura de si, que conhecera daquele dia, e que agora estava esgotada e sem confiança. E disse:
- Minha senhora, vamos ficar por aqui, não se massacre mais, a pergunta que lhe fiz, foi talvez demasiado directa. Peço desculpa. Esqueça, os porquês não serão importantes para a sua defesa.
Pelo que sei, admito que o Ministério Público retire a acusação. Não me admirava nada, mas se o não fizer iremos com calma desmontar a armadilha, em que se deixou apanhar. Porque foi uma armadilha, tem consciência disso não tem?
 Acenou que sim, mas não procurou saber mais nada. Naquele momento o que desejava era respirar o ar da rua, deixar que o vento lhe levasse os temores e encontrasse a paz que precisava.
Saiu amparada ao braço da amiga. O pequeno automóvel de Valéria estava estacionado na garagem do edifício, entrou e quando o automóvel encontrou a rua e o caminho de casa, abriu a janela e uma chuva leve fez-lhe bem. Recuperara do mau momento. Catarina entrou em casa, abriu a caixa de correio e voltou a ficar agitada.
- O que é que se passa, pergunta Valéria, estavas tão bem e voltaste a tremer?
- Sim mas de excitação. Esta carta é da editora a quem entreguei o livro de que te falei. Tenho medo de abrir, receio a resposta..
Valéria pegou no subscrito, abriu, retirou uma carta em papel timbrado e começou a ler em voz alta:
“- Cara Senhora,
Recebemos o seu romance “Os dias do Fim”.
A Direcção vem por este meio comunicar-lhe o nosso interesse em proceder à publicação do romance, com uma tiragem que consta do contrato que lhe submetemos em anexo.
Gostamos do seu livro e achamos que terá êxito. No nosso projecto será considerada também a sua adaptação para o cinema. Convidamo-la a analisar com cuidado os termos e as condições que lhe propomos e que serão certamente do seu agrado.
Ficamos aguardando a sua visita breve, para se assinar o contrato e se acordarem eventuais colaborações na revisão do texto, escolha da capa e da contra-capa, prefácio e ou dedicatória se for sua intenção.
Acredite, o seu livro será objecto de um lançamento que a sua qualidade justifica. Os intervenientes ficarão sujeitos à sua aprovação.
Apresentamos os nossos melhores cumprimentos”
- Catarina acorda, és uma escritora e esse vai ser o teu caminho. Fico tão feliz porque tu mereces esta notícia, ainda mais depois de uns momentos difíceis.
-Valéria, sabes que o livro se baseia numa história real. A ascensão de uma mulher ao estrelato e a sua queda no ocaso. Não assinarei o contrato sem primeiro ter um encontro com a mulher que me incentivou a contar a sua história, mas sem nomes nem datas.
Encontrei-a, há mais de vinte anos. Era eu uma jovem jornalista a dar os primeiros passos nesta vida e, ela uma estrela adorada pelos admiradores e disputada pelos produtores. Era uma mulher muito bela, muito elegante, os homens andavam loucos por um sorriso. Foi muito simpática ao falar comigo. Lembro que ao contrário do que diziam, não era uma cabeça vazia.
Quinze anos depois voltei a vê-la. Estava só, os anos não tinham sido generosos e o seu rosto, outrora luminoso e atraente, estava agora carregado de maquilhagem. Estava magra, perdera a elegância e disfarçava o perfil,  envolta em vestidos vaporosos que já não se usavam.
Fiquei triste. Já não era uma estrela, as paixões tinham desaparecido e o último homem da sua vida, fora um oportunista sem eira nem beira que lhe extorquiu o pouco amor próprio, que ela ainda tinha.
Foi na solidão de um banco de um bar, que ela me incentivou a escrever. Ela, a Margarida do livro, nome falso é claro, estava a aproximar-se dos dias do fim. Eu fui testemunha da decadência e por isso o livro terá de lhe ser dedicado.
FIM




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