quarta-feira, 5 de setembro de 2012

OS DIAS DO FIM

MUDAR DE VIDA

O Editor da revista telefonou-lhe pedindo para se apresentar na redacção. Ela era apenas uma avençada, não devia satisfações mas a sua colaboração num dos cadernos era uma parte substancial do seu rendimento.
Foi e enfrentou o homem de quem não gostava, tendo tido alguns problemas de relacionamento que nunca sararam. Edmundo receava Catarina, sabia que ela tinha uma agenda muito detalhada e documentada e portanto seria uma inimiga perigosa. Mas desta vez era ele que lhe apresentou fotografias dela a ser conduzida no carro celular acusada de traficar cocaína. O seu rosto abriu-se num sorriso alarve comentando:
- Minha pobre amiga como é que você se deixou apanhar nas teias da Lei e logo suspeita de traficante de drogas duras?
Catarina ia responder mas Edmundo não lhe deu tempo e continuou:
- A sua colaboração nesta revista acabou, a Administração mandatou os serviços Jurídicos para defenderem o bom nome desta revista que não pode ser ferido pelo seu comportamento irresponsável e que pode arrastar a Revista para um processo Judicial, que fará as delícias dos nossos concorrentes.
Fica por isso suspensa a sua colaboração, mande os recibos referente a trabalhos ainda não liquidados, receberá o seu valor e nunca mais, repare bem, nunca mais a quero encontrar na redacção.
Adeus e lembre o meu último aviso. Tenha cautela, não solte o seu conhecido mau génio. Arranjarás mais problemas, isso será garantido.
Catarina levantou-se e aproximando-se cara a cara do Edmundo, replicou:
- Ri melhor quem ri por último. O mundo dá muitas voltas e um dia alguém poderá contar as tuas manobras, as tuas mentiras, a tua chafurdice que levaram um homem, desculpa se te ofendi, um indivíduo medíocre a atingir uma posição para a qual não tens o mínimo de preparação.
A tua história dará um livro. O título até poderá ser” como subir na vida corrompendo os outros e vendendo-se a si mesmo.”
Não será propriamente um livro recomendável mas adivinho terá sucesso garantido. Ainda irei pensar nisso.
 Virou-lhe as costas e saiu batendo com estrondo a porta do gabinete, deixando Edmundo exposto ao riso dos colaboradores que tinham assistido à cena.
Respirou de alívio logo que abandonou a revista. Agora teria de procurar trabalho.
Ela sabia que tinha mercado, já rejeitara muitas ofertas de trabalho porque lhe exigiam a exclusividade.
Agora livre poderia escolher.
Podia mas não foi. Fez inúmeros contactos, foi sempre recebida com atenção mas as pessoas culpavam a crise traduzida na diminuição das tiragens, nos cortes de publicidade, na dificuldade de arranjar patrocínios. E todos acabavam por dizer que lamentavam, mas não tinham verba disponível para contratar uma especialista. Faziam as revistas com fotografias, meia dúzia de notícias mal alinhavadas, mais umas fotografias com alguma carga erótica e pronto. Fecha e sai para as vendas.
Na realidade, Catarina andara muito tempo afastada das realidades do dia a dia. O seu trabalho era com outra qualidade, razoavelmente pago, ganhara nome e experiência mas agora nada lhe iria servir.
Tinha algumas reservas financeiras, não tinha encargos avultados mas os recursos não eram inesgotáveis.
Enquanto no sossego da casa ia pensando no futuro o passado estava a bater-lhe à porta. E foi-lhe levado por um agente da Autoridade sob a forma de uma notificação para comparecer no julgamento sobre a rede de tráfico de droga onde se vira envolvida.
Ficou abalada com a notificação, sentiu  que um tremor que percorria o corpo. Esquecera-se que tinha contas a prestar e nem procurara um advogado. Não valerá a pena, pensava, não cometi nenhum crime, ninguém me vai condenar por algo que eu não fiz. Pelo menos não me lembro de ter guardado os malditos envelopes.
Estendeu-se no sofá, fechou os olhos e reviveu a sua vida, à procura daquela jovem, cheia de projectos, capaz de transformar o mundo, sonhos que pouco a pouco fora perdendo.
Era ainda jovem quando perdera os Pais num acidente de automóvel. Fora o seu primeiro contacto com a realidade da vida. Como tudo lhe parecia agora distante. Perdera afectos, faltou-lhe o ombro amigo mas não se deixou vencer.  Todavia os sonhos pedidos nunca mais foram encontrados.
Apaixonou-se, mas foi um amor efémero,  ao menor percalço soçobrou.
Agora, a aproximar-se dos quarenta anos,  tinha  mais um desafio. Não tinha trabalho e brevemente estaria sentada no banco dos réus de um Tribunal. Que importa, se a minha vida foi desperdiçada  eu fui a culpada, devo pagar o preço.
Deixara-se envolver pelas recordações. Era como se assistisse a um filme, quer o projector transmitia a velocidade dez vezes maior. As imagens sucediam-se, os rostos eram aparições fugazes e no final ficava o vazio, o fim.
O telefone tocou. Era um som desagradável que no silêncio da noite lhe feria os ouvidos.
Atendeu, era Valéria, a amiga que lhe restava:
- Catarina perdoa, esqueci-me te dizer que amanhã pelas onzes horas temos uma reunião com o Dr. Maurício Costa, o advogado que me foi recomendado pelo meu chefe. Ele é o advogado da Agência e acedeu a organizar e conduzir a tua defesa no processo do Algarve.  Não podes faltar e eu passarei por casa para te acompanhar.
Agora descansa, vemo-nos amanhã.   
Catarina estava ausente, ouviu a amiga mas não respondeu. Sentiu-se cansada e vencida. Na sua cabeça apenas uma ideia fazia caminho. Mudar de vida e procurar fazer algo de diferente. O quê, não fazia ideia, mas voltar ao passado não, o passado eram apenas memórias.

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