segunda-feira, 20 de abril de 2015

A CASA DA COLINA










 


O SONHO IMPOSSÍVEL


 


Mas não acredito que o senhor seja homem para desistir. Pelo menos, dê oportunidade que o ocaso que o fez escolher este lugar, tão belo, tenha algum significado para si. Não acredito que tenha escolhido esta casa da colina por mero capricho. O senhor foi atraído por forças que, talvez não tenha ainda reconhecido, mas que, pode crer existem na natureza e na alma de cada um. Arrisco-me a prever que esta casa irá ter um papel na sua vida. Será um papel de felicidade ou de desesperança, isso caberá ao seu coração ir construindo.


 


Mais uma vez as palavras de Joana o deixaram indeciso. Tanta poesia, poderia querer adivinhar uma vida com futuro. E ele precisava dessa convicção para poder acreditar. Olhou de frente para Joana e, falou:


- De facto a casa tem alma, tem a sua, Joana. E eu sou tão carente de acreditar que me rendo. Vou cumprir o destino que aqui me trouxe, nesta colina, nesta casa, olhando o infinito que adivinho para lá daqueles montes. Já agora não me chama de senhor, o meu nome é Luís. Digo que já decidi ficar, não conseguirei viver na casa, preciso de recuperar das emoções e esperar os arranjos que terei de mandar fazer. Até lá, ficarei debaixo daquela árvore que já me estendeu o seu braço protetor.


- Reconheço que a casa terá de ser recuperada e isso demorará algum tempo, por isso vou-lhe fazer um convite:


 -Vivo na aldeia, ocupo o r/c duma casa que os meus Pais me deixaram, tenho o primeiro andar livre e ainda um pequeno terraço, que lhe posso alugar por um preço justo. Também tem umas vistas bonitas e o terraço pode servir para os seus exercícios matinais, já que não há casas mais altas na cercania. Ninguém irá reparar se está nu ou em cuecas.


O andar tem casa de banho e águas correntes, mas de um depósito no tecto. Quer dizer se quiser água quente para o banho, terá de me pedir e eu levo-lhe um balde. Mas como já o vi banhando-se em água bem mais fria, julgo que isso não vai ser um problema.


Pode ficar o tempo que quiser até à conclusão das obras, na sua nova casa.


Quando lhe falei em aluguer por um preço justo não estou a falar, exatamente, no pagamento de renda. Para mim o conceito de preço justo não é uma questão de dinheiro. É, contudo, uma questão de respeito e de independência.


- Mas o seu irmão e a vizinhança acharão bem que você partilhe uma parte da sua casa com um homem, para mais desconhecido, retorquiu Luís?


- Com isso não se importe, sou maior e vacinada e faço a vida de acordo com a minha maneira de ser e não tenho de prestar contas a ninguém. Sou livre como o vento. Respeito as pessoas, ajudo os que precisam mas mantenho sempre alguma distância que não é preconceito, mas apenas a defesa dos sentimentos e emoções que são apenas meus e não costumo partilhar. O meu irmão, único familiar próximo, entendeu a minha vontade. Também ele tem casa própria, terá amigas, nunca me disse que havia assumido algum compromisso duradouro, mas é a vida dele e goza-a como bem entende.


Quando temos de trabalhar juntos é na época da sementeira e da colheita. Mas o trabalho é tanto, que nem dá para conversarmos.


Mas, antes de se decidir, quero dizer-lhe que o que lhe proponho é apenas espaço físico, alguma companhia mas a Joana não estará incluída no negócio.


- Luís surpreendido com a afirmação, respondeu:


- Faça-me a justiça de acreditar, porque não me conhece, mas também eu sou e sempre fui muito independente. A Joana foi muito clara no seu convite. Far-lhe-ei companhia quando sentir necessidade dum ombro amigo e fique ciente que eu serei incapaz de pensar em qualquer coisa mais. Espero que ao olhar para mim não me veja como um doido ou um empecilho que, numa manhã encontrou nu e tremendo de frio, no cimo da encosta. Não me sentiria bem como um mendigo sem eira nem beira. Embora, afinal seja isso que de facto sou.


 


Joana hesitou um breve momento e com determinação começou a carregar o atrelado. Luís fez da fraqueza força e carregou a bagagem mais pesada.


- Luís o atrelado não suporta mais peso, avisou Joana. Por isso o seu lugar terá de ser partilhado comigo, no selim do condutor. Agarre-se bem à minha cintura, pois não quero perdê-lo, logo a seguir a tê-lo encontrado.


A descida da encosta feita com razoável velocidade e destreza, obrigou Luís a colar-se ao corpo da condutora. Sentiu o seu calor, há quanto tempo não sentia o calor do corpo duma mulher, mergulhou o rosto na cabeleira farta e respirou o cheiro a alfazema.


A motoreta parou à porta de casa, mas Luís nem disso se apercebeu. Foi Joana quem com um sorriso irónico lhe disse:


 - Pode largar-me, já chegamos.


Luís estremeceu, como se acordasse dum sonho, soltou as mãos, desceu da motoreta e encostou-se à parede, pois com a descida, havia sentido uma tontura inabitual.


- Olhe, disse Joana, eu tenho de ir à minha vida. Vá levando as suas coisas para o seu novo alojamento e se quiser arrume a seu gosto. Se quiser preparar alguma coisa para comer, sirva-se à vontade da cozinha e do que houver no frigorífico. Faça como se estivesse em sua casa. Só uma observação, dentro de casa não existem chaves nas portas. A única que existe é a chave da rua que está pendurada atrás da porta, mas não creio que precise de a utilizar.


Como é habitual, não sei quando irei voltar. O tempo para mim é marcado pelo sol ou pelas estrelas, não sou escrava das horas, aliás nem uso relógio. Fique à vontade, em algum momento regressarei.


Dito isto, arrancou a toda a velocidade e rapidamente desapareceu.


Luís empurrou a porta, viu logo em frente uma escadaria e retomou o trabalho já repetido e cansativo de transportar as malas, os sacos, a roupa e tudo aquilo que levianamente havia trazido.


No primeiro andar encontrou um quarto pequeno mas acolhedor. Ao fundo, bem junto da janela, tinha uma cama de ferro, com uma colcha bem bonita e dois almofadões a condizer. Aos pés, uma arca de madeira, que calculou servir para guardar a roupa da cama. Na parede oposta uma pequena cómoda e um guarda fato. Ao fundo, uma porta de correr separava o quarto duma pequena casa de banho. Ao lado espreitou uma escada com meia dúzia de degraus, subiu e encontrou o terraço. Era pequeno, mas tinha uma vista sobranceira a todas as construções em redor. Um cadeirão de verga virada para o ocidente significava que aquele lugar seria um refúgio de Joana nas longas noites de verão e, quase por certo, de solidão.


 


Voltou ao quarto. Estava cansado duma noite mal dormida, e por isso não tinha vontade de desfazer malas e arrumar o seu conteúdo. Resolveu descansar um pouco. Descalçou as botas, tirou o blusão e deitou-se em cima da cama.


Apesar do cansaço, as emoções daquele encontro, a personalidade e os sentimentos que Joana revelou, fizeram com que os olhos recusassem o sono e na memória revia os momentos, as palavras e sentia entranhado o calor do corpo duma mulher. Deu muitas voltas na cama, suspirou vezes sem conta, sentiu medo que o destino lhe tivesse reservado alegria ou sofrimento.


Levantou-se, abriu o computador, verificou que ainda tinha carga e começou a escrever. E começou pelo título, chamar-se-ia “ A CASA DA COLINA”. Depois delineou a história. Seria uma história de amor e lágrimas. Os personagens iriam nascer ao correr da escrita. Finalmente a cabeça descaiu sobre o teclado levou-o ao mundo que começara a imaginar.


A noite já se anunciava e, pela primeira vez desde há muito tempo, Luís sentiu que afinal, mesmo nos confins do mundo, naquela aldeola perdida no Alentejo profundo, poderia encontrar a razão para continuar vivendo, embora o seu corpo dorido e frágil, lhe segredasse, o sonho impossível.


 


 


 

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