PARA ALÉM DA SAUDADE
Passaram mais uns minutos, ouviu o
abrir duma porta, mesmo ao seu lado. Um homem saiu, pendurou uma proteção de fitas
coloridas contra as moscas e virando-se para o desconhecido disse:
-Vossemecê quer alguma
coisa do meu estabelecimento? São horas de abertura, é só entrar e escolher,
porque aqui não falta nada, e o que não houver hoje, posso garantir que será
entregue amanhã à tarde, disse-lhe um homem ainda novo, e que pelos vistos, era
o dono da mercearia.
Aliviado por encontrar alguém, Luís esboçou
um sorriso e respondeu:
- Sabe, eu estava era
admirado por não ver ninguém. Até pensava que me tinha enganado no destino. Eu
ainda não sei do que vou precisar. Primeiro terei de chegar a casa, arrumar as
minhas coisas ver então o que me faz falta.
-Então é o senhor o novo
dono da casa da colina?
- Sim sou. Queria um
lugar isolado, onde pudesse encher os pulmões de ar puro e beber a paisagem. Não
encontrei nada melhor e por isso aqui estou, contente, mas embaraçado com tanta
bagagem que não sei como transportar.
- Lá isolada a sua casa
é. Respirar ar puro e admirar a paisagem também lhe vai ser fácil, mas a casa
está desabitada há muito tempo, poderá encontrar algumas limitações ao conforto
em que terá vivido. Nada, porém, que não possa ser resolvido. Mas, acredite o
que lhe digo, os primeiros tempos não serão fáceis. O acesso também não o será, pois
se bem me recordo, existe apenas um carreiro, que deve estar em mau estado, e
que era utilizado, por uma carrocita pequena, puxada por um burro, quase tão
velho como o casal que lá habitava, e lá morreu. Não o quero desmoralizar, o
sítio é muito bonito, de verdade, mas também vai encontrar dificuldade, que não
previu. Por exemplo o abastecimento. Aqui não há rede de telemóvel. A energia elétrica
está desligada à tanto tempo, mais de cinco anos, que terá que ser feita a sua
revisão. O abastecimento de água é feito de um reservatório no telhado e, naturalmente deverá se limpo e testado.Terá a solidão como
companheira. Para qualquer coisa que precisar terá que contar comigo. E apenas
lhe posso garantir que, pela manhã eu ou o meu ajudante, passaremos pela sua
nova casa. Pode contar com a ajuda possível. Mesmo hoje, para o ajudar a
transportar as suas coisas, irei precisar da minha motoreta e do atrelado, pois
não me atrevo a utilizar a carrinha de caixa fechada com que me desloco.
Mas espere mais um pouco, logo que o
rapaz que me ajuda na loja se digne aparecer, faremos a mudança.
- Oh meu amigo, nem
imagina o meu alívio. Por isso esperarei o tempo que for preciso. Na verdade,
talvez eu tenha sido imprudente ao escolher a casa, como o refúgio que
precisava para descansar, mas agora não me resta outra alternativa que não seja
a de contar com a sua amabilidade e simpatia. Por isso lhe agradeço e esperarei
o tempo que for necessário.
- Então eu já volto. Já
agora apresento-me:
O meu nome é Manuel
Carvalho e aqui nas redondezas toda a gente me conhece pois, além de
comerciante, sou também o Presidente da Junta da Freguesia em que esta pequena
e quase esquecida aldeia está incluída.
Luís respirou fundo e recostou-se no assento. Finalmente a
aventura estaria a ter sentido numa altura em que ele já sentia alguma desalento.
Entretanto, começou a notar algum
movimento na praça, meia dúzia de pessoas que regressavam a casa depois de um
dia de trabalho no campo e dois homens, já trôpegos que aparando-se aos
cajados, caminhavam na direção do banco que ele ocupava. Luís apressou-se a
afastar a bagagem para libertar lugar para os seus novos companheiros.
Perante o olhar intrigado dos
velhotes, Luís feliz por ter encontrado companhia saúda-os com um sorriso,
desejando-lhe uma boa tarde.
Os velhotes olharam com desconfiança para
o forasteiro, e Luís apresentou-se:
- Não se admirem, sou o
vosso novo vizinho, e vou morar na casa na colina.
Os seus novos companheiros não
mostraram qualquer emoção, murmurando apenas um cumprimento que Luís nem
percebeu. Coitados, pensou enquanto os olhava com mais atenção. Viu homens
cansados, de olhos mortiços e faces descarnadas, como se aguardassem o fim.
Ficou impressionado, não deixou de pensar se
aquele retrato seria o seu espelho no futuro não muito distante. E tremeu.
Salvou-o dos pensamentos, o ruído
estridente de um motor. Era o amigo Manuel Carvalho que se aproximava, montado
na motocicleta, ligada a um pequeno atrelado, dizendo:
- Vamos embora amigo, vamos lá subir a
encosta. A casa na colina espera por si.
Enquanto o seu recente e prestável amigo
enchia o atrelado com a bagagem Luís olhou de novo para os velhos habitantes
que já conhecera, começou a recear que, para além da saudade que não morrera. A
aventura que ia iniciar lhe poderia trazer mais dor e sofrimento. A solidão
mata e ele já fizera uma parte do caminho.
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