OLHOS VERDES
Precisava de
tomar a medicamentação, mas ao abrir a caixa parou. Não, não iria disfarçar a doença.
Já chegava de enganos, a vida teria que a viver lúcido e desperto, só assim
conseguiria escrever o livro que acabara de sonhar.
Levantou-se, subiu
as escadas e foi para o terraço.
O cadeirão
parecia chamá-lo, sentou-se, e fixou o olhar no horizonte longínquo.
Uma breve
brisa acompanhava a lua que começara a sua viagem. Sentia qualquer coisa de
mágico naquele lugar. Estava isolado do mundo mas estava bem consigo mesmo. E
pela primeira vez desde há muito tempo sentiu fome.
De repente
ouviu barulho, desceu as escadas e entrou na sala principal. A mesa estava
posta com dois lugares. Do lado da cozinha ouviu Joana:
Assim fez.
Passou pouco tempo quando Joana entrou na sala, carregando uma terrina que
fumegava.
-
Não sei se gosta, mas como cheguei já tarde e os dotes de cozinheira não são
grande coisa, preparei uma açorda de poejos com um ovo para cada um. É uma refeição
típica do Alentejo.
O cheiro do
poejo e do alho eram um chamamento e Luís deliciou-se com a tigela de açorda
que repetiu.
Joana esboçou
um sorriso, chegou-lhe um prato com queijo do ovelha curado, convidando-o a
servir-se.
Luís comeu
com evidente prazer e ia agradecer quando notou que ela o olhava como se
quisesse ler os seus segredos. Sentindo-se objeto de escrutínio disse:-
-
Joana, porque me olha assim? Se quer conhecer-me, pergunte o que quiser e eu
responderei a tudo, com a verdade, prometo.
- Eu não tenho dúvidas de que o
fará, respondeu Joana, mas confesso que a sua decisão de vir habitar uma aldeia
perdida no meio da planície e numa casa em ruínas, me faz pensar que, por
qualquer razão que não conheço, mas pressinto, não gostarei de ouvir a sua
história. Embora eu possa parecer insensível, a verdade é que, ouvir uma
história triste despertará em mim angústia e sofrimento que tento esquecer.
Em
contrapartida proponho que o meu Irmão coordene a recuperação da sua casa e lhe
apresente o orçamento que você terá todo o direito de aceitar, solicitar correções,
enfim, sentir que estará a reconstruir o seu mundo.
Até lá é meu
convidado.
Por si e por
mim, vamos deixar correr o tempo, vamos viver da forma que é possível viver nestes
lugares. Sem compromissos, sem obrigações. Eu tenho as minhas rotinas, que
posso partilhar consigo, desde que esteja interessado em sair cedo, sem destino
e voltar a pôr-do-sol.
Percorro os
campos, paro com alguma frequência para admirar um formigueiro, uma flor.
Nesses momentos encontro-me comigo, relembro o que vivi e como vivi e faço-o em
comunhão com o que de mais belo existe, a natureza.
Quando me
quiser fazer companhia, já sabe é sair pelas sete da manhã e regressar pelas
sete da tarde. O caminho é o que for. Descansaremos quando nos apetecer, refrescar-nos-emos
nalgumas pequenas albufeiras, respiraremos o ar puro e o odor dos campos em
flor.
-
Joana, eu compreendo. A minha vida não será um romance, aliás teria até muito
pouco que contar. De qualquer modo o destino encaminhou-me para um lugar, que
me trouxesse as memórias da infância, o cheiro da terra e o brilho do sol. E
como prémio o poder sentir o fascínio de uns lindos olhos verdes.
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