quarta-feira, 22 de abril de 2015

A CASA NA COLINA








OLHOS VERDES


 


Precisava de tomar a medicamentação, mas ao abrir a caixa parou. Não, não iria disfarçar a doença. Já chegava de enganos, a vida teria que a viver lúcido e desperto, só assim conseguiria escrever o livro que acabara de sonhar.


Levantou-se, subiu as escadas e foi para o terraço.


O cadeirão parecia chamá-lo, sentou-se, e fixou o olhar no horizonte longínquo.


Uma breve brisa acompanhava a lua que começara a sua viagem. Sentia qualquer coisa de mágico naquele lugar. Estava isolado do mundo mas estava bem consigo mesmo. E pela primeira vez desde há muito tempo sentiu fome.


De repente ouviu barulho, desceu as escadas e entrou na sala principal. A mesa estava posta com dois lugares. Do lado da cozinha ouviu Joana:


 
- Estou a acabar o jantar, quase uma ceia, e esperava que acordasse para o convidar a partilhar comigo. Sente-se à mesa e aguarde só uns minutos.


Assim fez. Passou pouco tempo quando Joana entrou na sala, carregando uma terrina que fumegava.


- Não sei se gosta, mas como cheguei já tarde e os dotes de cozinheira não são grande coisa, preparei uma açorda de poejos com um ovo para cada um. É uma refeição típica do Alentejo.


O cheiro do poejo e do alho eram um chamamento e Luís deliciou-se com a tigela de açorda que repetiu.


Joana esboçou um sorriso, chegou-lhe um prato com queijo do ovelha curado, convidando-o a servir-se.


Luís comeu com evidente prazer e ia agradecer quando notou que ela o olhava como se quisesse ler os seus segredos. Sentindo-se objeto de escrutínio disse:-


- Joana, porque me olha assim? Se quer conhecer-me, pergunte o que quiser e eu responderei a tudo, com a verdade, prometo.


            - Eu não tenho dúvidas de que o fará, respondeu Joana, mas confesso que a sua decisão de vir habitar uma aldeia perdida no meio da planície e numa casa em ruínas, me faz pensar que, por qualquer razão que não conheço, mas pressinto, não gostarei de ouvir a sua história. Embora eu possa parecer insensível, a verdade é que, ouvir uma história triste despertará em mim angústia e sofrimento que tento esquecer.


Em contrapartida proponho que o meu Irmão coordene a recuperação da sua casa e lhe apresente o orçamento que você terá todo o direito de aceitar, solicitar correções, enfim, sentir que estará a reconstruir o seu mundo.


Até lá é meu convidado.


Por si e por mim, vamos deixar correr o tempo, vamos viver da forma que é possível viver nestes lugares. Sem compromissos, sem obrigações. Eu tenho as minhas rotinas, que posso partilhar consigo, desde que esteja interessado em sair cedo, sem destino e voltar a pôr-do-sol.


Percorro os campos, paro com alguma frequência para admirar um formigueiro, uma flor. Nesses momentos encontro-me comigo, relembro o que vivi e como vivi e faço-o em comunhão com o que de mais belo existe, a natureza.


Quando me quiser fazer companhia, já sabe é sair pelas sete da manhã e regressar pelas sete da tarde. O caminho é o que for. Descansaremos quando nos apetecer, refrescar-nos-emos nalgumas pequenas albufeiras, respiraremos o ar puro e o odor dos campos em flor.


- Joana, eu compreendo. A minha vida não será um romance, aliás teria até muito pouco que contar. De qualquer modo o destino encaminhou-me para um lugar, que me trouxesse as memórias da infância, o cheiro da terra e o brilho do sol. E como prémio o poder sentir o fascínio de uns lindos olhos verdes.


 

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