sexta-feira, 17 de abril de 2015

A CASA NA COLINA





A CASA SE QUEDA SOLA


 
Foi uma subida difícil. Como Manuel previra o caminho estava quase intransitável o que lhe exigiu perícia, acelerações no motor, em alguns lugares mais íngremes foi necessário recorrer à força de braços para mover a composição. Manuel era um homem ainda jovem, criado no campo e, apesar do suor que lhe escorria pelas fontes não parou de empurrar. Luís também procurou ajudar, mas entre tropeções e escorregadelas a sua ajuda foi apenas cheia de vontade, porque força não tinha.


Mas conseguiram chegar ao terreiro em frente da casa. Manuel ajudou a descarregar a bagagem que ficou junto à entrada da casa. Por perto havia uma azinheira grande e frondosa e foi à sua sombra que Luís se sentou, arfando e limpando o suor.


- Então amigo, já chegamos, abra a aporta que eu ajudo a levar as suas coisas, propôs o motorista!


- Não se prenda comigo, vou descansar e logo irei levar as coisas com calma. Fico-lhe muito agradecido, sem a sua ajuda teria desistido pode crer, disse Luís com algum desalento na voz.


- Pronto eu não insisto, respondeu Manuel, mas lembre-se que a casa não estará preparada para o receber. Faça por descansar e amanhã eu ou o meu ajudante passaremos por aqui para ver o que será preciso.


- Sim obrigado, para esta noite tenho comigo o indispensável. Tenho roupa, água e comida e vontade de visitar a casa que me fascinou.


 Ajeitou-se no declive ao lado da azinheira, estendeu as pernas, acendendo um cigarro que saboreou com prazer e pensou que só aquele momento, admirando os campos que se estendiam por pequenos montes e vales até onde a vista alcançava, já teria pago o cansaço da sua aventura. Mas que estava ainda no começo.


 Decidiu ir ver a nova casa. Procurou a chave, abriu a porta e rapidamente voltou para a sombra da árvore. A casa exalava um cheiro pestilento, pútrido, carregado de odores de água podre. Ficou verde e as náuseas foram o prenúncio dum vómito seco, que após muitas convulsões conseguira expelir um líquido amarelo que lhe feria a garganta. Era o fígado a dar sinais que ele também conhecia e de que se esquecera. Na verdade, naquele dia ainda não comera nada. Abanou a cabeça, não conseguia esconder a sensação de desânimo. Aquilo não era uma casa, não podia ser a sua casa, mas parecia ser um túmulo que já cheirava a morte.


 Desistiu. A casa ficou vazia.

Para combater a angústia e o desespero voltou para debaixo da árvore e decidiu que ali ficaria pela noite até o sol raiar e escolher o caminho do regresso. A casa estava só como só e vazio estava o seu coração. 




Estava tão cansado que se deixou adormecer. Quando acordou, noite alta, sentiu frio e teve de procurar na mala alguma roupa mais quente. Por sorte, encontrou na mala, um velho blusão de cabedal, com o qual se aconchegou. Voltou a deixar-se dormir e só acordou ao raiar da aurora.


Inebriado com a beleza do nascer do dia, resolveu praticar os exercícios aprendidos, quando praticara artes marciais. Despiu-se e começou por fazer alguns exercícios, enchendo o peito de ar e tonificando todos os músculos. De seguida lembrou-se dos movimentos da arte marcial que praticara e exercitou-se até se sentir cansado. Para um primeiro dia, e para quem já não praticava há tanto tempo, o esforço tinha sido exagerado e o corpo pedia-lhe descanso.


Olhou em redor da casa e pareceu-lhe ouvir o correr de um pequeno regato. Foi ver e de facto, brotando de umas rochas na traseira da casa, corria um fio de água, depois retida num tanque de pequenas dimensões. Nem hesitou, saltou para dentro do tanque, esfregando-se com energia, a água ainda estava fria. Só aguentou uns breves minutos, saiu a correr à procura de uma toalha para se secar, quando ouviu o ruído da motoreta que acabava de parar mesmo junto da sua bagagem. Não era o Manuel que a conduzia, mas sim uma mulher, ainda jovem, que se ria da figura que ele fazia, tapando com as mãos os órgãos genitais, e batendo o dente com frio.


 
- Não fique assim envergonhado, já vi homens nus. Mas para ficar mais à vontade eu vou dar uma volta e volto já.


Luís vestiu-se, com a mesma roupa da véspera, sentou-se no lugar de eleição debaixo da árvore, e quando a mulher voltou já tinha recuperado da situação insólita que acabara de viver. Todavia havia nos seus olhos sinais evidentes de tristeza e desilusão.


E eram tão marcados que a mulher parou na sua frente e disse com voz triste:


- O meu nome é Joana e sou a irmã do Manuel. Ele contou-me que a casa da colina já tinha um novo proprietário e eu quis ver, com os meus olhos a pessoa que escolheu aqui viver.


Percebo que o meu irmão que está sempre muito ocupado, talvez não o tenha avisado do que iria encontrar, logo que abrisse a porta.
É evidente que sofreu uma desilusão, certamente não esperava encontrar uma casa em ruínas, mas acredite que a primeira impressão é para esquecer.
A casa precisa de ser recuperada depois de cinco anos abandonada, mas acredite, se há casas com história e com alma eu dir-lhe-ei que esta é uma delas.


Um dia alguém lhe contará que a casa da colina é um exemplo de amor, de amor quase intemporal. O casal que a construiu e nela viveu não eram camponeses, foi o sonho de amor que os fez deixar Lisboa, deixar o conforto de uma casa de família da alta burguesia e terem construído, nesta linda colina, a casa onde viveram o seu amor.


 


 


 







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