A CASA SE QUEDA SOLA
Mas
conseguiram chegar ao terreiro em frente da casa. Manuel ajudou a descarregar a
bagagem que ficou junto à entrada da casa. Por perto havia uma azinheira grande
e frondosa e foi à sua sombra que Luís se sentou, arfando e limpando o suor.
- Então
amigo, já chegamos, abra a aporta que eu ajudo a levar as suas coisas, propôs o
motorista!
- Não se
prenda comigo, vou descansar e logo irei levar as coisas com calma. Fico-lhe
muito agradecido, sem a sua ajuda teria desistido pode crer, disse Luís com
algum desalento na voz.
- Pronto eu
não insisto, respondeu Manuel, mas lembre-se que a casa não estará preparada
para o receber. Faça por descansar e amanhã eu ou o meu ajudante passaremos por
aqui para ver o que será preciso.
- Sim
obrigado, para esta noite tenho comigo o indispensável. Tenho roupa, água e comida
e vontade de visitar a casa que me fascinou.
Ajeitou-se no
declive ao lado da azinheira, estendeu as pernas, acendendo um cigarro que
saboreou com prazer e pensou que só aquele momento, admirando os campos que se
estendiam por pequenos montes e vales até onde a vista alcançava, já teria pago
o cansaço da sua aventura. Mas que estava ainda no começo.
Decidiu ir
ver a nova casa. Procurou a chave, abriu a porta e rapidamente voltou para a
sombra da árvore. A casa exalava um cheiro pestilento, pútrido, carregado de
odores de água podre. Ficou verde e as náuseas foram o prenúncio dum vómito
seco, que após muitas convulsões conseguira expelir um líquido amarelo que lhe
feria a garganta. Era o fígado a dar sinais que ele também conhecia e de que se
esquecera. Na verdade, naquele dia ainda não comera nada. Abanou a cabeça, não
conseguia esconder a sensação de desânimo. Aquilo não era uma casa, não podia
ser a sua casa, mas parecia ser um túmulo que já cheirava a morte.
Desistiu. A casa ficou vazia.
Para combater a angústia e o desespero voltou para debaixo da árvore e decidiu que ali ficaria pela noite até o sol raiar e escolher o caminho do regresso. A casa estava só como só e vazio estava o seu coração.
Estava tão
cansado que se deixou adormecer. Quando acordou, noite alta, sentiu frio e teve
de procurar na mala alguma roupa mais quente. Por sorte, encontrou na mala, um
velho blusão de cabedal, com o qual se aconchegou. Voltou a deixar-se dormir e
só acordou ao raiar da aurora.
Inebriado com
a beleza do nascer do dia, resolveu praticar os exercícios aprendidos, quando
praticara artes marciais. Despiu-se e começou por fazer alguns exercícios,
enchendo o peito de ar e tonificando todos os músculos. De seguida lembrou-se
dos movimentos da arte marcial que praticara e exercitou-se até se sentir
cansado. Para um primeiro dia, e para quem já não praticava há tanto tempo, o
esforço tinha sido exagerado e o corpo pedia-lhe descanso.
Olhou em
redor da casa e pareceu-lhe ouvir o correr de um pequeno regato. Foi ver e de
facto, brotando de umas rochas na traseira da casa, corria um fio de água,
depois retida num tanque de pequenas dimensões. Nem hesitou, saltou para dentro
do tanque, esfregando-se com energia, a água ainda estava fria. Só aguentou uns
breves minutos, saiu a correr à procura de uma toalha para se secar, quando
ouviu o ruído da motoreta que acabava de parar mesmo junto da sua bagagem. Não
era o Manuel que a conduzia, mas sim uma mulher, ainda jovem, que se ria da
figura que ele fazia, tapando com as mãos os órgãos genitais, e batendo o dente
com frio.
Luís vestiu-se,
com a mesma roupa da véspera, sentou-se no lugar de eleição debaixo da árvore, e
quando a mulher voltou já tinha recuperado da situação insólita que acabara de
viver. Todavia havia nos seus olhos sinais evidentes de tristeza e desilusão.
E eram tão
marcados que a mulher parou na sua frente e disse com voz triste:
-
O meu nome é Joana e sou a irmã do Manuel. Ele contou-me que a casa da colina
já tinha um novo proprietário e eu quis ver, com os meus olhos a pessoa que
escolheu aqui viver.
Percebo que o
meu irmão que está sempre muito ocupado, talvez não o tenha avisado do que iria
encontrar, logo que abrisse a porta.
É evidente
que sofreu uma desilusão, certamente não esperava encontrar uma casa em ruínas,
mas acredite que a primeira impressão é para esquecer.A casa precisa de ser recuperada depois de cinco anos abandonada, mas acredite, se há casas com história e com alma eu dir-lhe-ei que esta é uma delas.
Um dia alguém
lhe contará que a casa da colina é um exemplo de amor, de amor quase intemporal.
O casal que a construiu e nela viveu não eram camponeses, foi o sonho de amor
que os fez deixar Lisboa, deixar o conforto de uma casa de família da alta
burguesia e terem construído, nesta linda colina, a casa onde viveram o seu
amor.
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