segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

UMA NUVEM NEGRA

PINTURA DE GUILHERME CAMARINHA
Exposta sala de sessões da Cãmara Municipal do Porto
TAPEÇARIAS DE PORTALEGRE

CAPÍTULO VII

Passou a noite a desenhar esquemas, caminhos e a tecer conjecturas.
Tudo o que sabia, era tão pouco, passava em quadros que ia percorrendo num determinado sentido. O homem desconhecido fora executado.
Todavia  no seu subconsciente havia um sinal que lhe dizia que ele estaria a seguir o caminho errado, o homem ter-se-ia suicidado.
Hesitou, o raciocínio lógico não combinava com a hipótese suicídio, mas?  
Deixou pairar a dúvida, adormeceu e de manhã saiu de casa directamente para o Guincho. Preparou-se para esmiuçar o terreno e os arbustos e fendas rochosas das arribas. Não tinha equipamento de pesca mas convencera o Alfredo, um colega pescador, a emprestar-lhe o equipamento necessário. Pelo que na mala do carro levava os utensílios.
Chegou cedo, havia bastante movimento na Auto-estrada mas no sentido Cascais Lisboa e por isso apenas perdeu algum tempo a atravessar Cascais e encontrar da estrada para o Guincho.
Era uma manhã cinzenta e ventosa desagradável para quem se quisesse dedicar à pesca.
Montou a cana, lançou o fio com o anzol tão longe quanto foi capaz, mas não se saiu nada bem. O lançamento ficou curto, o anzol nem chegou à água, estava maré baixa, e ficou fixo numa fenda da rocha.
Sentou-se na beira da ravina. Só tinha dois caminhos, ou cortava o fio mas não tinha nenhum anzol suplementar ou teria que se aventurar a descer até à rocha ,onde o equipamento ficara preso. Optou por descer.
O local era mais agreste do que parecia. Escorregou algumas vezes e salvou-se agarrando a raiz de arbustos que, por sorte, resistiram ao seu peso. Desenvencilhou-se da situação e ao escalar a rocha que lhe prendia o anzol, pareceu-lhe ver  debaixo da água de numa cavidade da rocha, um objecto pequeno mas familiar. Pego nele e sorriu, acabara de encontrar uma chave típica de cacifo e tinha marcado o número B 45.
Voltou para trás, no preciso momento que uma forte e intempestiva chuvada se abateu sobre o local. A nuvem negra, como que lhe apressara a descoberta. A chuva pouco importava, cortou o fio de pesca, arrumou tudo no porta-bagagens do carro e regressou ao trabalho.  
Exultava, aquela chave abriria um cacifo que esconderia a verdade. Agora teria de que tentar reconstruir ou inventar o caminho que a vítima seguira, colando as poucas pontas que estavam completamente soltas para procurar num Aeroporto ou numa estação de caminhos de ferro o cacifo correspondente aquela chave.
Entrou no gabinete com um sorriso estampado no rosto. O agente que com ele trabalhava, tinha regressado de uma viajem de serviço e tinha novidades para lhe dar. Mas antes, riu-se com gosto da figura do colega, vestido de pescador, encharcado até aos ossos e comentou:
- Olha Pedro, para a pesca submarina o equipamento não é esse, foste enganado.
- Pois é, a pesca não é a minha especialidade, mas consegui pescar esta chave, mostrou, e que para mim vale mais do que um bom robalo. Mas vou ter de ir a casa mudar de roupa, pois apesar da excitação tenho frio.
- Vai e volta depressa, pois enquanto andaste a mergulhar nas ondas, uma senhora admitiu como possível que o cadáver fosse do ex-marido. Ela vive no Porto e calcula lá, o irmão é Polícia e mostrou-lhe a fotografia que enviaste para o comando da PSP. Ela e o irmão vieram a Lisboa e seguiram com o Diogo para a morgue. Ele telefonou há minutos e disse que a senhora identificara o cadáver.
Grande notícia Carlos, eu vou a casa mudar de roupa mas demorarei pouco tempo e não gostaria que ela prestasse declarações sem a minha presença, Tu e o Diogo esperem por mim, recomendou Pedro enquanto corria para tomar um táxi.
Pedro regressou depressa e encontrou sentada no cadeirão junto da sua secretária uma mulher lívida e com o rosto manchado de lágrimas.
-Lamento que a senhora tivesse que ver um cadáver, o que nunca é agradável, mais ainda tratando-se de alguém que conheceu bem, mas vou-lhe pedir que conte uma pouco da sua vida com o seu ex-marido, agora cadáver. É capaz de nos ajudar?
- Sim, contarei tudo que souber, mas é verdade que ver o corpo do meu marido, pai dos meus filhos me deixou arrasada. Já disse ao seu colega que reconheci o corpo que me mostraram é o do meu marido, Bernardo Augusto Esteves dos Santos.
Fomos casados quinze anos e comigo vivem os nossos dois filhos, Ana de doze e Jorge de oito anos.
Nunca nos divorciamos, mas durante mais ou menos um ano após a nossa separação, nunca mais o vi.  Bernardo deixou-se enfeitiçar por uma colega. Ficou de tal maneira fascinado que a nossa vida se tornou um inferno. Ela tomou conta do corpo e da mente do meu marido e ele passou a ser um joguete nos jogos de sedução. Esqueceu o nosso casamento e até os filhos de quem tanto gostava.
O meu marido, mesmo depois de casado e enquanto trabalhava no Banco, foi estudando e formou-se em economia. A Administração nomeou-o director dum departamento internacional, passou a ganhar muito dinheiro e a viajar pelo mundo acompanhado pela mulher que o seduziu.
Até que eu desisti. Custou-me muito, é verdade, mas não posso esquecer que quando lhe exigi que devia abandonar a nossa casa, vi no qualquer coisa nos olhos, uma sombra, uma dor, um lamento e algumas lágrimas lhe caíram. Mas ele não foi capaz ou não quis romper o encantamento em que se deixara enredar.




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