Júlio Resende
15 – DE VOLTA AO PASSADO
As confissões alimentaram o germe da desconfiança entre as duas amigas.
A chinesa LI ficara muito surpreendida ao saber que a amiga teria sido confidente do homem,
de quem se tinha enamorado. E que nada dissera.
Não considerava essa omissão uma razão para sentir ciúme. Já havia reconhecido que Paulo fora apenas um encontro fortuito, que não teria, como não teve, um sinal de paixão. Tinha sido uma lembrança que depressa iria esquecer.
Mas, passou a olhar para Bárbara de forma diferente. Não mais a passou a ver como uma amiga em quem pudesse confiar, e o mal ficou.
Também Bárbara sentira que a amiga, lendo apenas parte da carta de Paulo, estava a testar alguma reserva ou a sua sinceridade. Desconfiava que Li tentara confirmar suspeitas e por essa desconfiança não lhe perdoaria.
Na verdade recebera apenas uma carta de Paulo, onde ele se mostrava indeciso quanto aos seus sentimentos, confessava o receio de poder magoar alguém que pudesse esperar dele algo que ele não se sentia ser capaz de dar. Tinha sido franco, dizendo que Li o tinha deslumbrado, como nunca se sentira antes, mas continuava a ter medo. Acordava desejando-a mas a fascinação do momento, transformava-se em temor, que nem sequer conseguia explicar.
Por sua vez Bárbara havia respondido à carta, recomendando que as dúvidas e os medos não teriam razão de ser se, ele fosse franco e honesto com a mulher que dizia amar. Para isso deveria explicar as suas dúvidas, mas que o deveria fazer olhos nos olhos. Sugeriu a Paulo lhes fizesse uma visita, e ela estaria fora, enquanto ele e Li procurariam o caminho.
Paulo não respondera e nada dissera. E por qualquer razão que não conseguia entender, Bárbara ficou feliz por a correspondência com Paulo ter tido o seu final.
Com a aproximação do Natal, uma época que sempre fora especial, enquanto ela e a Mãe, faziam a consoada, conversavam até de madrugada, comendo filhoses e azevias que a Mãe fazia com muito esmero, Bárbara desejou ficar só. Não queria juntar-se aos amigos que a tinham convidado e até esperava que Li aceitasse os convites que, dizia, lhe teriam feito.
Naquele ano assim foi. Li iria passar o período de férias a Nova Iorque, tinha lá familiares. Também anunciou que encontrara um companheiro, dizia ser um amigo especial, mas que talvez viesse a ser mais do que isso e, portanto, deixaria de partilhar a casa com Bárbara. Já tinha encontrado um apartamento perto da Universidade onde ambos davam aulas e onde iria viver com o companheiro.
E foi assim, de uma forma fria que terminara a amizade entre as duas.
Bárbara reconheceu que aquela fora a melhor solução. Ela iria ficar só, partilhando o apartamento apenas com as suas recordações.
A noite de Natal doeu, a solidão começava a pesar e as horas não passavam.
Par combater o mal-estar, decidiu voltar a abrir a caixa onde a ver a Mãe guardara as suas memórias. Retirou as fotografias que espalhou pela cama e olhou uma a uma.
Colocou a caixa sobre a mesa e, pela primeira vez, notou que a caixa estava forrada e que um dos lados estava descolado. Com a mão trémula procurou no forro e encontrou um pequeno diário. Ficou na mão com o pequeno livro, não era maior que um pequeno caderno escolar. Leu a primeira página:
“Esta é a história da minha vida. Começou quando com dez anos de idade, me levaram da casa dos meus Pais.
Depois foram anos de sofrimento até que aos dezasseis anos me libertei e recomecei a viver. Mas as marcas daqueles seis anos ficaram marcadas para sempre. Tudo começou, e mudou de página. Bárbara ia continuar a ler. Tinha curiosidade, mas resolveu salvar um pouco da alegria da noite de Natal. Não era muita, mas ainda tinha recordações recentes. Amanhã, decidiu, amanhã vou ler a história de minha Mãe.
Sem comentários:
Enviar um comentário