sábado, 21 de janeiro de 2012

EM PORTALEGRE


Aos que tiveram a paciência de ler, uma história cheia de boas intenções, mas que no seu desenrolar se mostrou confusa, aborrecida e repetitiva, apresento as minhas desculpas.
Quis ir para além e afinal só prolonguei a história porque me lembrei de a ilustrar com pequenas obras de arte executadas na Manufactura de Tapeçarias de Portalegre.
Não estarei habilitado a contar a história das Tapeçarias de Portalegre, nem tal me atrevo. Isso ficará como anexo a este post.
Todavia há uma razão muito funda que me traz alegrias, tristezas, dor e saudade. O lugar das minhas memórias chama-se Covas de Belém. Foi rodeado por oliveiras e pinheiros que cresci, que brinquei e que chorei. Ali na encosta da serra, aprendi a viver, ouvindo a música do vento e o canto dos pássaros; Ali vivi os meus sonhos e travei as minhas batalhas. E a cidade era Portalegre.
A cidade foi sempre esquecida. Foi importante centro industrial da cortiça e de lanifícios mas tudo isso morreu ou deixou apenas sinais e lágrimas dos que por lá ficaram.
Quando comecei a ilustrar os escritos com as Tapeçarias de Portalegre, fi-lo com o propósito de dar a conhecer uma arte, creio que única em Portugal, dando testemunho da dedicação e saber de homens de mulheres que emprestam ao que fazem, não só a técnica mas sobretudo o coração. E assim talvez algures no Mundo, alguém partilhe a beleza do trabalho e sinta que a arte, qualquer que ela seja é parte da vida. Da nossa vida. 
Finalmente posso fazer alguma coisa por Portalegre. Coisa pouca, mas com carinho.
Sim, como o poema de José Régio:
“ Em Portalegre cidade
Do Alto Alentejo cercada
Por serras, ventos, penhascos, oliveiras e
Sobreiros ….”
É ASSIM QUE EU ME LEMBRO DA VELHA CIDADE!
"Tapeçarias de Portalegre
uma história que data de 1946
|Vera Fino
Directora da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre

Embora Portugal seja um país de grande tradição têxtil, e grande parte dos feitos épicos dos portugueses tenham sido representados em tapeçaria, foram-no em tapeçarias encomendadas na França e na Flandres pois até ao século XVIII não existia a tradição da Tapeçaria em Portugal.
O Marquês do Pombal, após o terramoto de 1755 que destruiu grande parte daquelas peças, procurou fundar duas fábricas de tapeçarias, uma em Lisboa e outra em Tavira, as quais no entanto não lhe sobreviveram.
Só praticamente dois séculos depois, em Portalegre, voltou a existir tapeçaria em Portugal.
A história das tapeçarias de Portalegre é, assim, uma história recente. Data de 1946, quando dois amigos, Guy Fino e Manuel Celestino Peixeiro, resolveram fazer reviver a tradição dos tapetes de ponto de nó, em Portalegre. A concorrência era grande e o negócio não mostrava viabilidade. Foi então que Manuel do Carmo Peixeiro, pai de Manuel Celestino, desafiou os dois jovens a fazer tapeçaria mural com um ponto inventado por ele, anos antes, enquanto estudante têxtil em Roubaix. Todos se lançaram de alma e coração no projecto. A primeira tapeçaria surge em 1948 sob cartão de João Tavares (fig.1).
Outros pintores como Júlio Pomar, Maria Keil, Guilherme Camarinha, Renato Torres, Lima de Freitas, contam-se entre os primeiros que colaboraram com a Manufactura de Tapeçarias.
Fig.2.1
Fig.2.2
Foram tempos difíceis pois "os velhos do Restelo" não acreditavam que fosse possível tapeçaria portuguesa. A tapeçaria tinha que ser francesa ou flamenga.
O reconhecimento e a aceitação da tapeçaria de Portalegre só aconteceram em 1952, pela mão dos próprios tapeceiros franceses que se deslocaram a Portugal para a grande exposição "A Tapeçaria Francesa da Idade Média ao Presente". Guy Fino, aproveitando a ocasião, resolveu pôr em confronto as duas técnicas, expondo simultaneamente no SNI duas grandes tapeçarias sob cartão de Guilherme Camarinha que tinham sido tecidas para o Governo Regional da Madeira. Os técnicos franceses, convidados a visitar esta exposição, admiraram a técnica e a perfeição conseguida com o ponto de Portalegre. Estavam lançadas as tapeçarias de Portalegre.
Faltava no entanto cativar Jean Lurçat, o renovador da tapeçaria francesa, para a tapeçaria de Portalegre.
Depois de um primeiro contacto em 1952, Guy Fino conseguiu convencê-lo a visitar a Manufactura em 1958. Aí confrontou-o com duas tapeçarias (fig.2):
      - Uma tecida em França e que o próprio Jean Lurçat oferecera à esposa de Guy Fino,
      - e a sua réplica tecida em Portalegre.
Convidado a identificar a tapeçaria francesa, Lurçat escolheu a tecida em Portalegre.
Mais tarde veio a considerar as tecedeiras de Portalegre como as melhores tecedeiras do Mundo, fazendo tecer em Portalegre, de 1958 até à sua morte, um grande número das suas tapeçarias.
Este facto, conjuntamente com a obstinação de Guy Fino, em muito contribuiu para a internacionalização da tapeçaria de Portalegre.
A tapeçaria de Portalegre parte sempre de um original de um pintor (fig.3). É a transposição para um outro suporte e a uma outra escala da obra criada por um pintor. É no entanto muito mais que uma simples reprodução.
Fig.3
A tapeçaria de Portalegre é uma obra de arte original, única pelas suas qualidade intrínsecas e pela técnica usada para traduzir o modelo original. Este é ampliado para a dimensão final sobre um papel quadriculado próprio, em que cada quadrícula representa um ponto (desenho de tecelagem). A desenhadora tem em seguida que corrigir o desenho, tendo em atenção os contornos, as formas, as tonalidades das cores e todos os pequenos detalhes que a tecedeira deve ler e traduzir em tecelagem.
Tem ainda que escolher as cores fazendo a equivalência entre o original e as mais de 7000 cores da paleta de lãs da Manufactura.
De referir que a trama decorativa é composta de 8 cabos, o que permite misturar cores diferentes na mesma trama, levando a efeitos cromáticos muito ricos (fig.4).
Fig.4


Fig,5

Fig.6
As cores escolhidas são indicadas no desenho de tecelagem através do número de referência, sendo as diversas zonas de cor, coloridas com aguadas indicativas, de modo a auxiliar as tecedeiras na identificação da trama a usar.
Uma vez pronto, o desenho de tecelagem (fig.5) constitui o original para as tecedeiras, e pode, de algum modo ser considerado o equivalente ao "carton" na tapeçaria francesa, o qual foi desenhado em tamanho natural pelo cartonista.
Falta ainda preparar os novelos de lã, de acordo com a escolha feita pela desenhadora, os quais são suspensos do tear, e suspender também, um pouco mais abaixo, o desenho de tecelagem, à altura da cabeça das tecedeiras.
A tapeçaria começa a ser tecida pela base, do lado do avesso.
As tapeçarias de Portalegre são tecidas manualmente em teares verticais (fig.6). A trama decorativa envolve completamente os fios da teia levando a uma densidade de 2.500 a 10.000pontos/dm2. A tapeçaria cresce horizontalmente. Depois de  cada  passagem  da trama decorativa há a introdução de uma fina trama de ligação, a qual fica invisível, escondida pela espessura da trama decorativa.
Fig.7
Isto confere à tapeçaria de Portalegre uma grande resistência. A técnica de Portalegre permite realizar detalhes muito pequenos donde resultam formas muito precisas (fig.7).
As tapeçarias de Portalegre têm um grande poder decorativo que lhes advém do facto de serem baseadas num original de reconhecido mérito, das dimensões das peças, do facto da técnica de Portalegre dar origem a peças planas, e ainda do facto da trama decorativa ser 100% lã, o que faz com que, embora as cores utilizadas possam ser luminosas, a tapeçaria não tenha o brilho de um óleo, sendo mais suave para o olhar, melhorando além disso as condições acústicas e térmicas da sala onde se encontra.
As tapeçarias de Portalegre são séries limitadas de 1, 4 ou 8 exemplares, numerados e autenticados pelo pintor através da sua assinatura no "bolduc" - pequeno rectângulo de pano onde, para além da assinatura do pintor a tapeçaria é identificada pelo título, número e onde são ainda indicadas as das dimensões."
Se passar por Portalegre não deixe de visitar o museu da Tapeçaria. Fica bem no centro da cidade velha. Siga o website e saiba mais.
http://www.mtportalegre.pt/pt/

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