Mural na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Desenho de MANUEL LAPA
MANUFACTURA TAPEÇARIAS DE PORTALEGRE
CAPÍTULO XV
Não conseguia dormir. Fechava os olhos e via ao longe uma mulher de vermelho. Já passava da meia noite quando resolveu telefonar para casa. Beatriz atendeu e bastou ouvir a respirarão do marido para ficar preocupada.
- Pedro, estás bem? O colega não está por perto para te ajudar?
- Beatriz não exageres, sabes como eu sou, não é novidade, estou cansado e nestas alturas não consigo dormir. Precisei de ouvir a tua voz, sabes que me faz bem. Desculpa só ter ligado agora mas estava mesmo à luta com as ideias que me assaltam a cabeça.
Estou à janela, lá fora quase não se vê vivalma e o ar fresco e húmido parece que me atenua a dor de cabeça.
- Estou mesmo a ver que estás à janela fumando cigarro atrás de cigarro, como é costume. Isso não te ajuda. Deita fora e continua a falar comigo. Sabes Pedro não é fácil a vida de um Polícia, eu sei, mas olha que a vida de mulher de Polícia é bem mais dura.
- É verdade mas tu tens os miúdos, dão muito trabalho mas depois quando te deitas está feliz a acabas por dormir bem.
-Pedro pensas que eu não sinto a tua falta? Quantos dias, quantas noites eu quase nem de vejo e sempre que estás envolvido nalguma investigação que te desorienta, estás ao meu lado sem te lembrares que eu existo, que preciso de ti, que gosto de falar e de fazer amor.
- Desculpa meu amor, eu vou mudar, prometo, murmura Pedro.
- Mas eu não quero que tu mudes Pedro, quero apenas ser também parte das tuas alegrias e das duas tristezas e sentir o carinho duma mão amiga no meu rosto. Lembras-te como eu gostava dessas gestos? Olha ainda gosto! Vai meu amor, vai dormir, amanhã é um novo dia e, quem, sabe terás as duas dúvidas esclarecidas.
- Até amanhã Beatriz, fiquei tão feliz por te ouvir. Vou sonhar contigo e com os nossos filhos.
Desligou, voltou para a cama e adormeceu profundamente.
Como combinado foi tomar o pequeno almoço ao café do costume. Desta vez chegara primeiro, Carlos entrou todo risonho, barba por fazer e sentou-se à mesa.
- Estou com uma fome que nem te digo. Esta nossa vida de trabalho que nem nos dá tempo para comer uma francesinha, e riu-se alarvemente.
- Oh Carlos, poupa-me as tuas aventuras, esquece o cansaço e conta lá o que sabes.
- Chefe, primeiro preciso de beber um café duplo, senão deixo que os olhos se cerrem.
Bebeu o café e enquanto aguardava uma refeição reforçada, começou a contar:
- Fiz tudo o que recomendou. Tive sorte, encontrei na sede do Banco uma senhora muito simpática que se dispôs a ajudar. Falou ao telefone com uma amiga, Secretária da Administração que aceitou conversar comigo.
Naturalmente agradeci a colaboração da Mariana e prometi que voltaria para lhe dizer o resultado.
A Secretária da Administração era, como são quase todas, muito senhora do seu nariz. Já não era criança mas fazia os possíveis por disfarçar as rugas e ao longe, até conseguia. Era contudo muito educada, ouviu o meu pedido, identifiquei-me para a tranquilizar e pediu para aguardar na sala de espera. Já estava a ficar cansado, esperei mais de uma hora, quando a Dr.ª. Ilda regressou com um envelope que me entregou. Aqui tem senhor Inspector, disse ela, o dossier tem todos os dados que constam do registo do nosso antigo Director Dr. Bernardo. Uma parte é em papel, eram registos antigos, mas os dados mais recentes estão computorizados e copiados para esta drive que também leva consigo.
Fiquei muito sensibilizado com a atenção da Senhora e utilizei todo o meu vocabulário para enaltecer a colaboração recebida. Mas frisei que estava a correr um processo de averiguações pelo que os dados que me dera e a nossa conversa teriam que ficar em segredo. Acenou sim, prontificou-se a esclarecer alguma dúvida se necessário e saí para o gabinete onde encontrara Mariana.
Eram já horas de almoço e sugeri um jantar para lhe agradecer a ajuda e para meu espanto ela acedeu.
Depois fui para o quarto de hotel, não sem antes ter comprado roupa interior, não trouxera a suficiente, abri o envelope e retirei os documentos e gravei o arquivo na drive para o disco do meu computador.
- Chefe, estava tão entusiasmado a contar o meu dia e deixei a comida no prato. Chamou o empregado e protestou dizendo que os ovos estavam frios e o bacon esturricado. Mande lá fazer tudo de novo se faz favor!
O Empregado pegou no prato, murmurou qualquer coisa que não se entendeu e seguiu para a cozinha.
- Está calmo, espera pela comida, esquece as conversas de conquistador e depois analisamos os dados que conseguiste e tentamos casar essas informações com o que eu obtive. Mas sem ter tido o teu género de trabalho, concluiu Pedro.
- Ok Chefe, mas só lhe digo que vai ficar siderado com uma fotografia da mulher do nosso amigo Bernardo!
- Não me digas que é loira e veste um vestido vermelho. Acertei?
- Carlos engasgou-se com a comida que mastigava, dizendo no final:
-Acertou, mas há coisas que só eu sei, porque a Mariana me disse. Ficámos empatados.
- Eu já admitia, dizia Pedro, a nossa vida para o Porto foram tempo perdido. Aliás, até escrevi no relatório que ontem enviei para a direcção. E quando menos se esperava, um só dia, uma só tarde, fizeram a diferença. Hoje devemos conhecer a história.
- Também tenho essa esperança. Mas tenho que corrigir. A diferença não foi um só dia, uma só tarde, foi também, uma longa noite.
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