terça-feira, 17 de janeiro de 2012

UMA NUVEM NEGRA



Mural na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Desenho de MANUEL LAPA
MANUFACTURA TAPEÇARIAS DE PORTALEGRE

CAPÍTULO XV

Não conseguia dormir. Fechava os olhos e via ao longe uma mulher de vermelho. Já passava da meia noite quando resolveu telefonar para casa. Beatriz atendeu e bastou ouvir a respirarão do marido para ficar preocupada.
- Pedro, estás bem? O colega não está por perto para te ajudar?
- Beatriz não exageres, sabes como eu sou, não é novidade, estou cansado e nestas alturas não consigo dormir. Precisei de ouvir a tua voz, sabes que me faz bem. Desculpa só ter ligado agora mas estava mesmo à luta com as ideias que me assaltam a cabeça.
Estou à janela, lá fora quase não se vê vivalma e o ar fresco e húmido parece que me atenua a dor de cabeça.
- Estou mesmo a ver que estás à janela fumando cigarro atrás de cigarro, como é costume. Isso não te ajuda. Deita fora e continua a falar comigo. Sabes Pedro não é fácil a vida de um Polícia, eu sei, mas olha que a vida de mulher de Polícia é bem mais dura.
- É verdade mas tu tens os miúdos, dão muito trabalho mas depois quando te deitas está feliz a acabas por dormir bem.
-Pedro pensas que eu não sinto a tua falta? Quantos dias, quantas noites eu quase nem de vejo e sempre que estás envolvido nalguma investigação que te desorienta, estás ao meu lado sem te lembrares que eu existo, que preciso de ti, que gosto de falar e de fazer amor.
- Desculpa meu amor, eu vou mudar, prometo, murmura Pedro.
- Mas eu não quero que tu mudes Pedro, quero apenas ser também parte das tuas alegrias e das duas tristezas e sentir o carinho duma mão amiga no meu rosto. Lembras-te como eu gostava dessas gestos? Olha ainda gosto! Vai meu amor, vai dormir, amanhã é um novo dia e, quem, sabe terás as duas dúvidas esclarecidas.
- Até amanhã Beatriz, fiquei tão feliz por te ouvir. Vou sonhar contigo e com os nossos filhos.
Desligou, voltou para a cama e adormeceu profundamente.
Como combinado foi tomar o pequeno almoço ao café do costume. Desta vez chegara primeiro, Carlos entrou todo risonho, barba por fazer e sentou-se à mesa.
- Estou com uma fome que nem te digo. Esta nossa vida de trabalho que nem nos dá tempo para comer uma francesinha, e riu-se alarvemente.  
- Oh Carlos, poupa-me as tuas aventuras, esquece o cansaço e conta lá o que sabes.
- Chefe, primeiro preciso de beber um café duplo, senão deixo que os olhos se cerrem.
Bebeu o café e enquanto aguardava uma refeição reforçada, começou a contar:
- Fiz tudo o que recomendou. Tive sorte, encontrei na sede do Banco uma senhora muito simpática que se dispôs a ajudar. Falou ao telefone com uma amiga, Secretária da Administração que aceitou conversar comigo.
Naturalmente agradeci a colaboração da Mariana e prometi que voltaria para lhe dizer o resultado.
A Secretária da Administração era, como são quase todas, muito senhora do seu nariz. Já não era criança mas fazia os possíveis por disfarçar as rugas e ao longe, até conseguia. Era contudo muito educada, ouviu o meu pedido, identifiquei-me para a tranquilizar e pediu para aguardar na sala de espera. Já estava a ficar cansado, esperei mais de uma hora, quando a Dr.ª. Ilda regressou com um envelope que me entregou. Aqui tem senhor Inspector, disse ela, o dossier tem todos os dados que constam do registo do nosso antigo Director Dr. Bernardo.  Uma parte é em papel, eram registos antigos, mas os dados mais recentes estão computorizados e copiados para esta drive que também leva consigo.
Fiquei muito sensibilizado com a atenção da Senhora e utilizei todo o meu vocabulário para enaltecer a colaboração recebida. Mas frisei que estava a correr um processo de averiguações pelo que os dados que me dera e a nossa conversa teriam que ficar em segredo. Acenou  sim, prontificou-se a esclarecer alguma dúvida se necessário e saí para o gabinete onde encontrara Mariana.
Eram já horas de almoço e sugeri um jantar para lhe agradecer a ajuda e para meu espanto ela acedeu.
Depois fui para o quarto de hotel, não sem antes ter comprado roupa interior, não trouxera a suficiente, abri o envelope e retirei os documentos e gravei o arquivo na drive para o disco do meu computador.
- Chefe, estava tão entusiasmado a contar o meu dia e deixei a comida no prato. Chamou o empregado e protestou dizendo que os ovos estavam frios e o bacon esturricado. Mande lá fazer tudo de novo se faz favor!
O Empregado pegou no prato, murmurou qualquer coisa que não se entendeu e seguiu para a cozinha.
- Está calmo, espera pela comida, esquece as conversas de conquistador e depois analisamos os dados que conseguiste e tentamos casar essas informações com o que eu obtive. Mas sem ter tido o teu género de trabalho, concluiu Pedro.
- Ok Chefe, mas só lhe digo que vai ficar siderado com uma fotografia da mulher do nosso amigo Bernardo!
- Não me digas que é loira e veste um vestido vermelho. Acertei?
- Carlos engasgou-se com a comida que mastigava, dizendo no final:
-Acertou, mas há coisas que só eu sei, porque a Mariana me disse. Ficámos empatados.
- Eu já admitia, dizia Pedro, a nossa vida para o Porto foram tempo perdido. Aliás, até escrevi no relatório que ontem enviei para a direcção. E quando menos se esperava, um só dia, uma só tarde, fizeram a diferença. Hoje devemos conhecer a história.
- Também tenho essa esperança. Mas tenho que corrigir. A diferença não foi um só dia, uma só tarde, foi também, uma longa noite.







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