sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

UMA AVENTURA NOUTRA CIDADE

CAPÍTULO – VIII – A DESILUSÃO

Pouco passava das 19,30 quando Paulo entrou no hotel onde a amiga estava alojada. Pediu para anunciarem ao quarto 314, mas na recepção informaram que o hóspede ainda não tinha chegado, porque a chave estava no cacifo. Procurou um sofá, num recanto do átrio, sentou-se e pegou numa ou duas revistas, já antigas, que foi folheando só para passar o tempo.
Deu pela entrada de Maria Teresa.
Ela subiu rapidamente para o quarto, demorou algum tempo, desceu e encontrou o amigo.
Estava distraído e não deu pela aproximação de Maria Teresa. Ela tocou-lhe no ombro, e com ar embaraçado, pediu desculpa pelo atraso.
Depois deu-lhe um beijo na face, comentando: Em França façamos como os Franceses. Chamaram o táxi e Maria Teresa deu a morada dum restaurante na Rive Gauche. Penso que irá gostar, É um restaurante genuínamente francês, simpático e acolhedor. Come-se bem, não é caro e ninguém anda a correr atrás de nós para dar lugar a outros. Podemos conversar o tempo que nos apetecer.
O restaurante tinha de facto um ambiente agradável. Escolheram uma mesa num canto da sala, longe do burburinho. Entregaram os impermeáveis ao empregado do bengaleiro e sentaram-se. Ao chefe de mesa que se apresentou com as ementas debaixo do braço, Maria Teresa encomendou para os dois. Deixe comigo, disse, vamos comer autêntica comida francesa e começamos por beber um vinho branco como aperitivo e que é excelente. Leve e saboroso.
Brindaram à amizade, tomaram um gole de vinho e Maria Teresa fixando o olhar no companheiro, exclamou:
- O Paulo disse-me que estava a mudar, lentamente, mas parece que a mudança foi profunda. E não estou a falar da sua roupa nova, que lhe assenta muito bem. Quando nos conhecemos a bordo, ainda era casado e hoje já é solteiro, ou escondeu a aliança?
Não esperava isso de si. Não ando à procura de uma aventura e o seu procedimento feriu-me. Talvez a culpa tinha sido minha e você interpretou a minha franqueza, com a disponibilidade de ir para a cama consigo, na primeira oportunidade. Enganou-se, confundiu amizade e simpatia com um vulgar engate, como vocês costumam dizer. Se não se importa fique para jantar sozinho ou procure outro tipo de companhia, porque eu vou voltar ao hotel. Durante a viagem , por simpatia, contei-lhe uma parte da minha vida. De si, recebi uma lição sobre Bancos e auditoria financeira. Fico agradecida.
Adeus, eu não merecia isso. Saiu porta fora.
Paulo, estremeceu, ficou perplexo e sem reacção. Culpava-se, porque não soubera e podias tê-lo feito, dizer que o seu casamento tinha acabado e reconhecer sua parte no final.
E agora, voltei a ficar só. Regressou penosamente ao hotel, deitou-se na cama olhando o tecto, como à procura de um sinal, ou de ideia que o fizesse reganhar a confiança perdida. Vou mandar um mail, e começou a escrever.
“Maria Teresa,
Não sei se irá ler esta mensagem até ao fim ou se, simplesmente, a apagará. Peço-lhe só dois minutos e depois decida, mas dê-me esta oportunidade. Eu tenho de lhe pedir desculpas pelo sucedido e contar-lhe a razão.
Sabe, o meu casamento já estava moribundo e eu não sabia. Pouco tempo antes da viajem, a Amélia, a minha ex- mulher, decidiu acabar, e seguir uma vida diferente. Foi tudo muito repentino. No fim de semana antes da viajem, passei o tempo a embalar as minhas coisas para poder abandonar a casa onde vivia. Fui literalmente posto na rua. Com tudo isso, nem me lembrei de tirar aliança. Tal como o meu relacionamento, a aliança era um hábito e nada significava. A minha ex-mulher acusou-me de ser casado, em part-time, e, embora me doa reconhecer, ela tinha razão. Poderia ter evitado aquela situação? Talvez, se tivesse observado os sinais, de que as coisas entre nós, não iam bem e tivesse mudado tanta coisa no meu comportamento. Não o fiz, a água não volta a passar duas vezes debaixo da mesma ponte, e por isso passado é passado.
Devia-lhe esta explicação. Não escondo que a Maria Teresa me fascinou. Tê-la conhecido foi uma lufada de ar fresco na minha vida. Não a irei esquecer. Paulo

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

UMA AVENTURA NOUTRA CIDADE

CAPÍTULO – VI - FASCÍNIO

Paulo ficou em silêncio e pensativo. Não se lembrava de algum dia se ter exposto quando agora o fizera.
Maria Teresa aproveitou para sair do lugar, comentando que precisava de se ir refrescar, porque tinham começado a descer para Paris.
Quando voltou ao lugar, a chefe de cabine anunciava o início da descida para o Aeroporto de Orly, recomendava a manutenção dos cintos de segurança apertados, e avisou que durante a descida iriam atravessar uma zona, com alguma turbulência.
Maria Teresa olhou para o companheiro do lado e murmurou: Não estranhe por agora seguir calada, mas este momento faz-me sempre medo. Vamos deixar a conversa onde estava. Fechou os olhos, apertou com força os braços da cadeira, estremeceu com a turbulência e só descansou quando sentiu o trem de aterragem a tocar a pista.
Recuperou o sorriso, pediu a Paulo que lhe desse a mala de mão que estava ao lado, abriu, retirou um cartão de visita, escreveu qualquer coisa e entregou-o dizendo: Guarde, não é provável que numa cidade como Paris nos cruzemos, mas se me quiser dizer alguma coisa no intervalo do seu trabalho, tem o telemóvel. Aliás quem sabe se um dia não lhe dá vontade, a si e à sua mulher, de irem até ao Porto e fazerem-nos uma visita. Garanto que seriam bem recebidos.
Paulo agradeceu, guardou cuidadosamente na carteira o cartão recebido, tirou um cartão do Banco, lamento este não é pessoal, salvo o telemóvel. Se precisar dos meus serviços, não hesite e telefone.
Com a agitação habitual dos desembarques Maria Teresa saiu primeiro para a manga e dirigiu-se ao tapete das bagagens, com o telemóvel ao ouvido.
Paulo chegou bastante tempo mais tarde, já havia malas a percorrer o tapete, mas não via a sua. Olhou mais além e viu que Maria Teresa, lhe acenava apontando para uma mala grande que se aproximava do lugar onde estava. Percebeu, retirou-a, e colocou-a no carro que Maria Teresa já empurrava.
Entretanto continuava a olhar para o tapete, cada vez mais vazio. Só a sua mala não aparecia. Só me faltava mais esta, murmurou, a minha mala foi parar não sei onde.
Maria Teresa não se apercebeu, acenou-lhe um adeus de despedida e seguiu para a fila de táxis.
Paulo corria o aeroporto à procura da mala. Acabou por se dirigir ao serviço de reclamações, esperou numa longa fila e lá deu nota do desaparecimento da bagagem. Disseram-lhe, que teria ficado retida em Lisboa e só viria no dia seguinte. Barafustando conseguiu deixar o endereço do hotel onde se iria hospedar para que lhe levassem a mala, logo que ela chegasse.
Não ficou muito convencido que o empregado tivesse percebido o que ele queria. Pensou, amanhã, falo com a incompetente da Secretária e digo-lhe para ela se ocupar do assunto, caso contrário tão depressa não iniciarei o meu trabalho.
Saiu para a zona de chegadas, percorreu alguns metros num sentido e noutro e lá encontrou uma loja onde comprou uma camisa, roupa interior, objectos de higiene pessoal, que lhe custaram os olhos da cara, e com o saco na mão lá foi tomar o táxi para o Hotel.
O trânsito estava infernal, era o pára arranca, mas estranhamente não se sentia revoltado como era costume. Aceitava as explicações do motorista, com um sorriso.
Pensava para si, afinal esta vida são dois dias porque é que eu hei-de andar sempre zangado? A viajem com Maria Teresa, tinha sido fascinante e reconheceu que acabara de conhecer uma mulher diferente. Esboçou um sorriso, não queria que o encontro já tivesse acabado.
A viajem foi demorada. O táxi chegou ao hotel já passava das 18,30. Paulo fez o registo, subiu ao quarto que lhe estava destinado. Gostou, era um hotel perto do local onde iria começar o trabalho e isso dava-lhe um certo conforto. Gratificou o criado, largou a bagagem que se reduzira a um pequeno saco de plástico,e uma mala de computador.
Estava com fome, pelo que foi a correr tomar um duche, teve de vestir a mesma roupa porque, desgraçadamente só tinha comprado uma muda de roupa e saiu à procura dum local para jantar.
Bem perto dos Campos Elísios encontrou uma brasserie, não lhe pareceu mal e jantou o tradicional bife grelhado, que acompanhou com salada e água. Declinou a ementa das sobremesas, arriscou beber um café, andou um bocado na avenida e recolheu-se ao hotel. Chovia bastante e as ruas estavam quase desertas.
Já estava instalado num sofá quando se lembrou e foi buscar o cartão que havia recebido. Era um cartão da Empresa, “ Ateliers MTA – Haute Couture” – com o endereço e o nome de Maria Teresa Almeida, Direction Internationale.
No verso, escrito à mão tinha uma pequena mensagem.
"Gostei da companhia. Obrigada. Teresa "
Que pena não ter visto o cartão antes, lamentou-se, senão já lhe teria telefonado. A companhia dela fez-me bem, e sinto um estranho fascínio pela pessoa e por o que ela representa.Eu preciso de deitar fora as frustrações, os complexos e os meus conceitos, sob pena de a vida se transformar num viver sem sentido, como a Amélia me avisou.
Amanhã telefono.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

UMA AVENTURA NOUTRA CIDADE

CAPÍTULO – V - PAULO

- Por quem é, esteja à vontade, sempre quero ver, diz Paulo com evidente alívio.
- Deixe-me olhar bem para si. Passados alguns minutos, durante os quais Paulo se sentia a ser desmontado, peça a peça, Maria Teresa chegou a uma conclusão.
Então é assim. Eu acredito que a maneira como as pessoas se apresentam no seu local de trabalho, no vestir e no comportamento, tem muito a ver com a profissão e arriscando um mais até podemos encontrar, igualmente, traços da personalidade.
No seu caso, o Paulo é quadro de um Banco, não é verdade?
- O que é que a leva a dizer isso, explique-me lá.
- Porque em Portugal quando entramos num banco , quase todos os funcionários se vestem da mesma forma. Um fato azul escuro, liso, gravata discreta, camisa branca, sapatos pretos. É assim ou não é? Mais parece um uniforme. Conheci alguns quadros bancários, desde quadros superiores a quadros intermédios e todos eles usavam o mesmo tipo de “uniforme”, e pior, é que a certa altura reparei, que também as mulheres, designadamente as que estavam em contacto com o público, vestiam no mesmo formato conservador e com alguma falta de gosto. Eram poucas as diferença dos colegas masculinos. Deve ser muito aborrecido, trabalhar uma série de horas num local onde quase todos, parecem quase todos.
- Nunca tinha pensado nisso, comentou Paulo. Mas também disse que o vestir, mostra a maneira de ser de cada um. O que é que as minhas roupas lhe dizem?
- Maria Teresa voltou a olhar com pormenor e respondeu: - Tenho alguma dificuldade, mas arrisco a dizer que é introvertido, conservador, pouco sociável e agarrado a preconceitos. Acertei?
Como começaram a servir uma refeição ligeira a conversa ficou por ali.Maria Teresa que apenas escolheu beber um sumo, aproveitou para espreitar o companheiro de viajem, com receio que as palavras que acabara de utilizar o tivessem magoado. Na realidade, receava ter falado de mais.
Todavia Paulo, ou não dera atenção ou não se sentira atingido, pois estava às voltas com a embalagem da refeição, enquanto a hospedeira lhe servia um copo de vinho tinto. Deu uma dentada na sandwich, e por azar deixou que uma parte do recheio lhe caísse sobre a gravata. Com o guardanapo de papel, começou, dissimuladamente, a esfregar a nódoa. Desistiu de comer a refeição, bebeu o vinho que havia pedido e arrumou as coisas no tabuleiro, e resolveu comentar as ideias da companheira de viagem.
Não me recordo se já lhe disse que acertou na minha profissão. Na realidade nem era um teste assim tão difícil. Pode parecer que todos os quadros bancários, designadamente os que têm contacto com o público, se vestem da mesma maneira. Não acho que tal seja tão evidente, pois há sempre algo que distingue um dos outros, por razões de bom pessoal. Reconheço que as pessoas agem de forma mais formal. Mas não se esqueça que os Bancos são entidades conservadoras por natureza. Pelo menos procuram fazer passar essa ideia aos seus clientes. Todavia não há actividade que eu conheça, continua Paulo, que seja mais inovadora, do que a actividade bancária, por vezes demasiado o que, normalmente, comporta riscos. O meu trabalho é de Auditor, aquele sujeito mal encarado, que mal entra no Banco, é imediatamente catalogado como o espião, que vem ver se descobre algum papel fora do lugar, ou para descobrir algum desvio. Mas não é assim, o meu trabalho não é espiar é confirmar a correcção das operações e o cumprimento das regras da boa e prudente gestão. E nisso, estamos a prestar um serviço, principalmente, aos clientes do Banco. Prevenir, corrigir, identificar e caracterizar riscos ou exposição ao risco, pouco prudentes é o que distingue um Banco sólido.
- Mas diga-me lá, o que é que um homem que vista com bom gosto e distinção é diferente?
Isso faria dele um mau auditor, perguntou Maria Teresa?
- Claro que não, mas se for ao Banco e lhe aparecer um tipo mal barbeado, jeans velhos e ténis, camisa fora das calças, também não iria confiar nele pois não?
Quanto a sua perspectiva sobre a minha personalidade acho que acertou. Sou introvertido na presença de quem não gosto, sou conservador no vestir e no comportamento, não sou de facto muito sociável, na medida em que não faço muitas amizades e terei, também reconheço, alguns preconceitos, que até já me causaram alguns dissabores.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

UMA AVENTURA NOUTRA CIDADE

CAPÍTULO – IV – A VIAJEM

Maria Teresa, nem esperou pela resposta e continuou. Desculpe, ainda estou a recuperar da correria para não perder este voo. O tempo no Porto estava horrível e parece que em Paris também chove com abundância. Afinal estamos a meio do Outono e se não chover agora quando é que chove?
- O senhor desculpe, eu tenho um defeito muito grande, não gosto de estar calada, principalmente, porque andar de avião me faz sentir sempre algo nervosa, mas se isso o incomodar, não tenha receio de mo dizer.
O avião deixou a pista sofreu algumas fortes rajadas de vento lateral, até entrar na altitude de cruzeiro. Estabilizou mas a luz avisadora de apertar os cintos de segurança continuava acesa. O Comandante, deu as boas vindas aos passageiros, pediu desculpa pelo atraso na partida, disse que o tempo em rota estava aceitável embora pudessem encontrar, perto do destino, alguma turbulência.
Maria Teresa tinha-se mantido em silêncio. Quando a luz dos cintos de apagou, respirou fundo, ajeitou-se na cadeira e virou-se para o companheiro sentado à janela dizendo:
- Parece que não vai confortável aí nesse lugar, pois não? Eu não me ofereço para trocar porque também detesto sentir-me presa. Mas experimente passar para o banco do meio, sempre é mais espaçoso, e eu não me importo que mude as minhas as coisas e as coloque no seu lugar da janela. Vai ver que se vai sentir mais confortável.
Paulo agradeceu, murmurou qualquer coisa como é uma boa ideia, levantou-se no banco para fazer a mudança. Mas tão desajeitadamente o fez que bateu com a cabeça na bagageira e, ficou de novo sentado no lugar da janela. Maria Teresa riu-se com a situação, enquanto Paulo, ferido no seu orgulho, parecia ter desistido.
Maria Teresa, confortou-o dizendo que aquilo poderia ter acontecido a qualquer um, que vá tão desagradado e incomodado, como me parece que o senhor vai, porque até se esqueceu de desapertar o cinto de segurança.
Paulo esboçou um sorriso amarelo, desapertou o cinto de segurança e com a falta de jeito que o caracterizava, lá conseguiu fazer a troca do lugar. Respirou de alívio, como se tivesse saído de um buraco.
- Ah aqui, estou bem melhor, obrigado pela sua ideia, conseguiu finalmente dizer.
Ainda não respondeu à minha pergunta, diz Maria Teresa, também vai em trabalho?
- Desculpe, com o desconforto que sentia até me esqueci. Sim, também vou em trabalho e o meu nome é Paulo.
- Paulo, permite-me que o trate assim, já percebeu que eu falo pelos cotovelos. Não consigo estar calada durante muito tempo. E continuou-o.
Sou designer de moda, estudei nas melhores casas que pude e trabalhei com excelentes estilistas em Portugal. Um dia, pensei porque não criar a minha própria marca? Em segredo, fui estabelecendo os contactos necessários, encontrei um economista amigo que me elaborou o plano de negócios, solicitei e obtive o financiamento, para colocar em marcha a minha ideia. Montei um pequeno atelier com duas excelentes profissionais que conhecia. Constituímos uma sociedade na qual eu sou responsável pela criação e pelo marketing e as minhas sócias pela produção.
Começamos a ter sucesso, depois de muito trabalho e investimento pessoal, junto das grandes marcas e hoje já temos o quadro de pessoal aumentado em mais dez colaboradoras e se esta visita correr bem, vamos ter de admitir mais gente.
O engraçado, é que eu só disse ao meu marido quando a nossa empresa estava a operar em ritmo de cruzeiro. Quis mostra-lhe do que era capaz.
Eu sei que ele não ficou aborrecido, e comentou com satisfação, com os amigos e colegas de trabalho a minha situação. Dizia, vejam lá, casei com uma mulher de negócios e não sabia. Vou avisar o chefe que ou revê as minhas condições ou largo o lugar e vou trabalhar com a minha mulher. Claro, isto dito em tom de brincadeira durante as pausas para o café, porque na realidade, ele é engenheiro de sistemas de informação e gosta imenso do que faz.
O Aníbal, o meu marido, é uma pessoa muito diferente de mim. É reservado, mas sabe sorrir, pode dizer talvez, mas raramente diz não. Nestas minhas andanças entre Porto, Lisboa, Paris e Milão, é ele que garante a assistência aos nossos dois filhos, embora, por vezes, tenha de recorrer à ajuda dos meus Pais, que moram bem perto da nossa casa.
Gosta sobretudo de ler, ouvir música e estudar desenvolvimento de software, de brincar e passear com os filhos. Mas não gosta nada da vida social que o meu negócio necessariamente implica. É nessas ocasiões, festas e cocktails, a que ele mais vezes se escusa a comparecer, mas ficará triste se eu não for. E eu vou, pois gosto de me divertir, sou uma pessoa alegre faladora e gosto de companhia. Disso já se apercebeu não é verdade?
Se me perguntar qual o segredo do sucesso, eu digo que talvez seja o desafio, que é o facto de sermos apenas mulheres a desenvolver e gerir o nosso negócio. O que muito nos orgulha.
Já percebeu, sou casada, tenho dois filhos a Madalena com 9 anos e o Filipe com 6 e moro em Gaia. Só não lhe digo a idade e não se atreva a perguntar.
Agora fale-me um pouquinho de si, se lhe apetecer, eu falo muito, mas também sei ouvir.
Paulo hesitou, pensava que história iria contar. Maria Teresa antecipou-se.
- Não me vai levar a mal, se eu tentar adivinhar o seu trabalho, pois não?

domingo, 26 de dezembro de 2010

UMA AVENTURA NOUTRA CIDADE

CAPÍTULO – III - MARIA TERESA

Enquanto revira momentos da sua vida recente, não lhe dera conta que bastantes passageiros já tinham entrado e ocupado a maior parte dos lugares que a sala de embarque. Mesmo assim, mas lá conseguiu arranjar um lugar para se sentar e o do lado para colocar o PC e a gabardina por cima.
Estava impaciente, por isso ficou pouco tempo sentado. Levantando-se o foi espreitar pela vidraça o movimento de um avião, que acabara de atracar.
Estava um dia ventoso e chuvoso e com forte neblina. Tudo se conjugava para um atraso do seu voo, mais do que o previsto. Tudo lhe parecia estar contra ele, o tempo sombrio, a chuva persistente, a partida retardada. Ele, que planeara dar um passeio por Paris, via-se agora confrontado com a alternativa de ficar confinado ao Hotel, fechado no quarto e vendo Televisão. Resignado, voltou para o lugar, que deixara livre, mas que entretanto já estava ocupado por outro passageiro.Encolheu os ombros, e continuou a andar de um lado para o outro, absorto nos seus pensamentos.
Deu pelo encosto do avião à manga, a saída dos passageiros, as operações de limpeza, verificação e abastecimento do aparelho. Pode ser que, afinal, seja um pouco mais rápido, pensou com alguma esperança.
Algum tempo decorrido, as hospedeiras deram início ao embarque dos passageiros.
Pegou nas suas coisas entrou, localizou o lugar que lhe estava destinado, arrumou a mala do Pc na bagageira e a gabardina e sentou-se. Era um lugar à janela o que ele detestava. Chamou a hospedeira e pediu-lhe para ver se havia possibilidade de trocar de lugar. Esta respondeu-lhe que não seria fácil, pois ainda faltavam entrar os passageiros vindos do Porto e cujo avião acabara de aterrar. Em princípio, poderá haver alguns lugares disponíveis, mas já sabe são lá para a cauda do aparelho e não lhe recomendo. Tente trocar de lugar, com outro passageiro. Há muita gente que prefere os lugares à janela. Pode ser que tenha sorte.
Entre dentes, chamou incompetente à Secretária, que nem se dera ao trabalho de lhe perguntar as suas opções.
Horas antes, no Aeroporto Sá Carneiro, Maria Teresa, procedia ao check in no avião para Lisboa com ligação a Paris. O marido apressava-a, pois ainda tinha de voltar à cidade, levar os filhos ao colégio e ir trabalhar, e com a chuva forte que caía, não augurava um retorno fácil.
- Eu bem te disse, que era melhor ter vindo de táxi, e assim não estavas nesse frenesim, mas foste tu que insististe em me trazer ao aeroporto. Por isso não te ponhas com queixinhas. Afinal só vou estar fora uma semana e vão ver que o tempo passa a correr. Aníbal, não te esqueças que a carrinha do colégio vai levar as crianças a casa da minha Mãe e depois tu passas por lá. Até te fica em caminho. Se estiveres atrasado telefona à minha mãe para ela dar o jantar aos miúdos. Quando chegar eu telefono.
Beijou e abraçou a filha de 9 anos e o filho de 6, deu um beijo apressado ao marido e, carregada com o casaco, a mala, uma maleta e o Pc mais a mala de cabine lá foi a correr para a sala de embarque.
Durante a viajem para Lisboa, apanharam vento forte, o que nunca é agradável. O comandante teve de mudar de pista de aterragem, perdeu mais algum tempo. Faltavam uns minutos para a partida do voo para Paris, de maneira que os passageiros em trânsito, tiveram de andar bem depressa e só quando entraram no aparelho puderam respirar de alívio.
Maria Teresa, com o cartão de embarque na mão e sobraçando a bagagem não encontrava o lugar. A hospedeira que estava mais perto, viu o número da cadeira, é o 8 F, minha senhora, fica ali ao lado daquele cavalheiro que está a ler o jornal. Venha comigo. Pegou na mala de cabine, abriu a bagageira, que como é habitual estava quase completa, deu um empurrão para um lado e para o outro e lá conseguiu encaixar o trolley. Pronto, minha senhora, o resto das coisas terá de as colocar no chão, debaixo do banco da frente.
Maria Teresa sentou-se, no lugar do corredor, viu que a cadeira do meio estava vazia e aproveitou para lá colocar a restante bagagem. Sentia-se afogueada pela corrida, respirou fundo, limpou algumas gotas de suor e preparou-se para a viajem.
Olhou em redor, com receio que o dono do lugar, onde colocara as suas coisas aparecesse e só ficou mais tranquila, quando assistiu ao fecho da porta. Ainda bem, pensou, não preciso de ir apertada.
O aparelho iniciou a descolagem o vizinho da janela, dobrou o jornal.
- Desejo-lhe boa viajem, disse-lhe Maria Teresa com um sorriso nos lábios.
-Ah desculpe, boa viajem igualmente para si, respondeu Paulo.
A propósito, o meu nome é Maria Teresa e vou em serviço. O senhor também?

sábado, 25 de dezembro de 2010

UMA AVENTURA NOUTRA CIDADE

CAPITULO – II – RECORDAÇÕES

No silêncio da sala de embarque, por enquanto quase vazia, Paulo ia procurando entender o terramoto que sacudira de forma tão dura a sua vida particular.
Lembrava-se da discussão, quase inofensiva que, após uma questão profissional com uma colega, tida tido com Amélia. Furioso, porque teria sido ultrapassado na carreira, e por uma mulher, que estava certo devia andar a dormir com o Chefe, o seu mal estar alastrou a casa, comentando que as mulheres em todas da mesma raça.
Quando acabou o desabafo, inoportuno e a despropósito e julgava que a questão teria morrido, Amélia, sem qualquer justificação, diz-lhe querer dar outro rumo à sua vida, e ter sido convidada para exercer funções em Madrid, convite que teria aceite.
De início, Paulo não lhe pareceu que a notícia pudesse significar um sinal de ruptura, na relação conjugal, afinal Madrid fica ao pé da porta e os fins de semana poderiam ser passados em conjunto, ora em Madrid, ora em Lisboa. E foi isso que transmitiu, ingénuamente, reconhecia agora, à mulher.
A resposta foi incisiva e não deixava margem para dúvidas.
–“ Nem penses nisso, ainda não percebeste que estou cansada de estar casada em part-time, e que a nossa relação se veio deteriorando até não passar de um equívoco? Tu não casaste comigo, casaste com a tua profissão e o que fazias comigo, podes fazer com qualquer mulher que se cruze no teu caminho. O meu amor morreu, e digo-te mais, só para que abras os olhos. Eu não fui convidada a ir trabalhar para Madrid, fui eu que me ofereci para o lugar, como forma de colocar ponto final à nossa vida em comum.
E acrescentara para dar mais força à sua decisão.- Quero encontrar alguém que me faça verdadeiramente feliz, com quem possa ter filhos, que partilhe comigo as coisas mais simples da vida, que coloque em primeiro lugar o nós e não o eu. A ti desejo encontres uma pessoa que se encaixe no teu perfil, mas receio que, se não modificares a tua maneira de ser, em vez duma companheira, venhas a encontrar uma mulher a dias com quem, por vezes, fazes sexo.
Depois continuou com o golpe final.
– “Como sabes, como estipulado no nosso casamento, a casa é minha assim como o seu mobiliário. Quer dizer, que já a aluguei e que tens um mês para retirares os teus pertences.
Já comuniquei ao nosso amigo e advogado Júlio Maria esta situação e ele ficou encarregue de formalizar, o necessário, para a celebração do divórcio. Espero sinceramente, que não te oponhas. Seria uma perda de tempo pois a minha decisão embora pensada há muito tempo foi tomada agora, e é irreversível.
Não te quero mal e acredita que durante algum tempo me fizeste feliz. Mas as coisas mudam e a vida é tão curta que tem de ser vivida na plenitude. É o que quero fazer.”
E foi assim, tão claro e transparente que tudo acabou. Na verdade, o que mais o magoava não era a separação, era ter sido a mulher a ter tido a coragem de se libertar do quotidiano igual e repetitivo, em que a vida a dois se tornara.
Tinha sido educado da forma tradicional, via a relação entre a Mãe e o Pai, o homem a mandar e a mulher a obedecer, como deve ser. Amélia nunca havia sido a mulher obediente e calada e nunca se coibira de dar as suas opiniões. Na questão sexual, Paulo sentia-se bem e nunca se interessou pelos sentidos, anseios ou desejos da mulher. Se para ele tudo estava certo, era porque tudo estava bem.
E agora, ali estava, a caminho da cidade sonhos, com o desafio profissional muito importante e que há tanto tempo desejara, mas carregando as recordações, boas e más, e os ressentimentos que fui acumulando. Pior que tudo, sinta-se extremamente vulnerável. Deixara de ter certezas e isso, era o que mais lhe doía.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

UMA AVENTURA NOUTRA CIDADE

CAPÍTULO I – A PARTIDA

Sentado na sala de embarque do Aeroporto, Paulo, um homem de rosto fechado e melancólico, aparentando trinta anos de idade, aguardava a ordem de embarque do voo para Paris. A hora marcada para o embarque era às 11,50 com a partida do avião marcada para as 12,35.
Como lhe era habitual, chegara bem cedo, para evitar a confusão da última hora, coisa que abominava. Já estava na sala de embarque quando ouviu a informação de que, devido ao regresso tardio do aparelho, o voo se encontrava com atraso de 1 hora.
Uma hora, dizem eles, o que significa que este será um dia perdido.
Quando chegar a Paris, formalidades de desembarque, retirar a bagagem, apanhar um táxi, irei chegar ao hotel a horas de jantar. Fiz mal e despachei para seguir no porão, a mala de cabine, sem ter necessidade de o fazer, e tudo só para evitar andar a puxar o trolley. Que chatice, pensou, ao menos podia ter recebido a informação do atraso, antes de entrar na sala de embarque e poderia ter aguardado sentado, a uma mesa do bar, e aproveitar o tempo para rever alguns dos apontamentos, que tinha no portátil, e que lhe iriam facilitar o trabalho em Paris. Aqui na sala de embarque, que não tardará ficará cheia, não dá jeito.
Era uma viajem que fazia pela primeira vez, ao serviço do banco onde desempenhava funções de auditoria e, embora se encontrasse preparado para tal tarefa, não podia ignorar que havia colegas com sinais evidentes de frustração e inveja. Mas isso até lhe dera gozo.
Tinha sido uma surpresa a decisão do Administrador. Como o Auditor Internacional, reportara algumas questões delicadas nas contas do Banco no Brasil, o Presidente decidira que ele deveria lá ficar, até ao total esclarecimento das questões e devia ser escolhido outro Auditor para fazer o trabalho das Agências em Paris. E o Chefe de Departamento acabara por o escolher a ele, dado que se reconhecia qualidades, e vontade de progressão na carreira. Era uma oportunidade que lhe dava e só podia esperar o melhor, sublinhou.
Tomou conhecimento da decisão na sexta feira pela tarde.A Secretária da Administração, tratou de lhe marcar o voo e de lhe reservar o hotel. Ainda antes do fim do dia, entregou-lhe o envelope com o bilhete e o vocheur do hotel, dizendo-lhe que bastaria estar no Aeroporto, com 30 minutos de antecedência, pois ela se ocuparia de fazer pela Internet, o respectivo check in.
Paulo, era um quadro preparado mas ambicioso, pelo não gozava de muitas simpatias entre os colegas e, por isso tinha poucos a quem pudesse chamar amigos. Fechado no seu mundo, nem partilhara com eles o trabalho que iria devolver, ainda por cima na cidade dos seus sonhos.
A nomeação dera-lhe tanto prazer, que até o fizera esquecer os momentos menos bons, porque passava na sua vida particular.
No sábado,iria ocupar todo o dia a arrumar as suas coisas pessoais, para as retirar da casa que habitava; Teria de ir à procura de uma pensão para se alojar durante algum tempo e distribuir por familiares, as malas de roupa, as caixas com livros e outros artigos para lhos guardassem, até voltar e ter oportunidade de arranjar um apartamento. Tudo porque Amélia, com quem vivia há alguns anos, tinha exigido que abandonasse a casa e que o devia fazer , apenas em vinte e quatro horas. A casa era dela, como bem frisou, e não estava disposta a protelar uma decisão, que se arrastava.
Paulo lembrava que, há alguns meses atrás, tinha tido um conversa, dura e inesperada, com a mulher, que acabara em ruptura, mas a que, como era seu hábito, não dera grande importância. Mas Amélia não esquecera e como ele não se apressava a sair, apresentou-se um ultimato a que não pode fugir.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

OUTROS NATAIS

É, seguramente um privilégio da idade, termos um baú cheio de recordações de Natal.
Alguns foram, como tudo na vida, mais tristes do que outros.
Quando me pergunto o que mais recordo no Natal, vou às memórias da minha infância, encontrar a festa mais simples e de maior significado.
Sentados à volta da lareira, cumpríamos a tradição das filhós e das azevias, tendendo a massa e fritando-a numa caçarola de barro, com azeite bem quente.
Éramos poucos, mas éramos todos.
Eu, que já ajudava com o rolo da massa e a minha irmã mais nova que cantava canções de Natal, acabávamos vencidos pelo cansaço e íamos dormir. Eram sonhos lindos, porque pela amanhã saíamos da cama alvoroçados, para ir à procura da prenda que o menino Jesus nos deixaria no sapato.
É lá encontrávamos um chocolate e um brinquedo, que com muita ternura nos eram dados.
O tempo inexorável, dos "todos" que éramos naquele Natal, apenas deixou três. Eu que escrevo, a minha irmã mais nova que há-de lembrar e a minha irmã mais velha, aquela cuja memória é o nosso reportório de infância.
Os que partiram, deixaram um vazio que não se preenche e aqui os lembro com saudade.
O meu Cunhado, o habilidoso e paciente fritador de filhós, o meu Pai que acabava por escolher ir trabalhar no turno que começava à meia noite, a minha Madrinha que coordenava com a sua forte personalidade todas as tarefas e a minha Mãe que era a responsável pelos serviços de apoio.
Não seria justo esquecer, que muitos outros Natais, também me deixaram gratas lembranças. Então já como adulto, Marido Tio e Pai, com outros personagens e em outros lugares, mas sempre com o mesmo espírito de alegria.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

INSÓNIAS

Nas noites de alguma insónia, e elas são frequentes, dou por mim a pensar que estranha forma de vida é esta!
Imagino os sonhos que sonhei, dou liberdade às recordações acumuladas em tantos anos, preocupo-me com o futuro, protesto contra a mediocridade, critico os políticos e os seus serventuários e por fim fica o zero, o vazio, o pensamento tumultuado e a sensação de que a realidade, não andando longe do que dela se espera, é como algo de irreal e nublado.
Depois de tantas voltas, de tantos desafios que a mesmo me coloquei, acabo de mãos vazias e com a certeza de que o dia que se segue, será mais um, igual a tantos outros.
Afinal, nada fiz e o mundo continua a girar sobre si mesmo, com os mesmos problemas, as mesmas desgraças, a sorte de alguns e a desdita de tantos outros.
Sempre assim foi e sempre assim será.
Tento chamar-me à razão mas em vão porque era preciso que“um raio de razão seguisse pura”. Desiludido e cansado procuro o outro eu. Preciso de encontrar o equilíbrio e a tranquilidade que só o John Doe me dá, para poder contar uma qualquer história, qualquer coisa que não tenha nada a ver com os fantasmas que povoam a minha cabeça.
Terei de seguir por este caminho, escrevendo, escrevendo até não poder mais.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O AMOR E UMA COISA MARAVILHOSA!

Estamos na semana do Natal.
É tempo de falar dos pobrezinhos, e olhar para eles com a caridade cristã, da promessa de que deles será o reino do céu.
Eles, os verdadeiros pobres, agradecem a graça de assim terem nascido. Porque sempre ouviram dizer que o dinheiro não traz felicidade e, “que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino do Céu”.
Olha a sorte que eles tiveram. Tivessem eles tido outro destino e estariam a engrossar a fila dos “camelos” à procura de lugar para o paraíso na terra, nem que seja um qualquer paraíso fiscal, para colocar em bom recato os proventos que, com tanto árduo esforço foram acumulando.
O tempo da pobreza, da exclusão social, do desemprego, são temas obrigatórios nos tempos que correm. Qualquer pobre diabo que se preze, mas que gosta de dar uns palpites, fala e repete estes dramas. Chora lágrimas de crocodilo como se, de um momento para o outro, fossem uma novidade, ele, que até garante ter no bolso a salvação.
Mas, tenhamos esperança. Deixemos passar a festa, deixemos o circo eleitoral fazer os números do costume e estes temas irão perdendo as primeiras páginas dos jornais e dos noticiários das TV’s.
Voltaremos em boa hora, a ouvir os relatos de roubos, crimes de morte, assaltos, que fazem as delícias do público dos programas de entretenimento. Se o ramalhete for ainda completado com amores e divórcios das estrelas, ou do nosso modesto “jetset”, com um pedacito de sexo à mistura, melhor ainda.
Ao fim e ao cabo não precisamos do “Wikileaks” para coisa nenhuma. O que o famoso sítio vem divulgando, é tão interessante quanto o nossos segredos domésticos.
HAJA DEUS, um só não basta, HAJAM DEUSES!
E, contando com a ajuda divina, afinal o mundo é uma coisa maravilhosa!


Louis Armstrong-What a Wonderful World
Enviado por redhotjazz. - Clipes, entrevista dos artistas, shows e muito mais.

domingo, 19 de dezembro de 2010

O CAMINHO

É verdade! Quase um mês de ter começado a contar uma história de amores, descontando uma semana de férias, mais ou menos forçada, escreveu-se o capítulo final.
Não foi uma escrita fácil, os textos foram um permanente conflito entre a razão e o coração.
Não é só sentido figurado, mas algumas partes da história,só foram mesmo escritas pela mão esquerda, pelo outro eu, o sonhador, aquele que sempre teima em persistir.
A mão direita, aquela que é comandada pela razão, parou e ficou inerte. Foi o eu racional que, mais uma vez, quis desistir.
É, pois um compromisso entre duas vontades que vivem no mesmo ser. E, naturalmente, um compromisso nunca é uma ruptura, cede quantas vezes à facilidade e o resultado, espelha isso mesmo.
Aprendemos essa lição e interiorizamos que só voltaremos a escrever uma história mais longa, quando houver uma sintonia, que permita escrever a tuas mãos. Pensar com a razão e escrever com o coração, mesmo que faça sofrer, esse terá de ser o caminho.
Por agora é olhar o mundo que nos rodeia e que quase havíamos esquecido.
Durante este tempo tantas coisas deixamos por dizer. Tantas novidades a que não demos a devida atenção. E os dias, foram riquíssimos, apesar do pecadilho dos mesmos e velhos actores, das rábulas repetitivas e fora de moda, que todos os dias nos invadem.
Como no cinema, o cenário e os efeitos especiais substituíram as ideias. Nada mais é natural e genuíno. O marketing, faz o trabalho de transformar qualquer medíocre numa estrela. Por quanto tempo?
Isto é uma cruz que teremos de carregar até ao fim dos nossos dias, e a que nunca seremos capazes de responder.
E agora, o que fazer?

sábado, 18 de dezembro de 2010

UMA HISTÓRIA DE AMORES


CAPITULO – XX - O REGRESSO

Maria da Glória embarcou no dia seguinte de regresso a Lisboa.
Foi com pena que disse adeus aos amigos Pedro e Carolyn, que se despediu duma cidade que, na realidade, não chegara a conhecer. Para trás, deixara os museus que queria visitar, os vestidos que planeara comprar, e principalmente, deixara uma parte de si mesma.
O voo era nocturno, pelo que no silêncio da cabine, relembrou o carinho com que Marjorie a havia recebida na sua casa, humilde, mas cheia de amor e cumplicidade entre a Mãe e o Filho. Sentia, oh como sentia, os braços do Anthony em volta do seu peito, chamando-lhe tia, enquanto ela lhe ia mostrando o album com as fotografias que o Pai lhe havia enviado, e contando histórias, umas verdade outras fruto da sua imaginação. A criança, que era o retrato do Francisco, na mesma idade, ouviu tudo em silêncio. Só disse que a Mãe lhe havia contado que o Pai, era estrangeiro e teria morrido pouco tempo depois do seu nascimento.
Entretanto, Marjorie saíra do quarto e entregou-lhe um envelope, dizendo:
- Aqui está tudo o que pediu. Para si, dou-lhe a minha gratidão. A senhora será sempre alguém que não esquecerei e cuja coragem e determinação muito respeito. Guardarei no meu coração o momento em que a conheci.
Já a bordo, Glória , levava no colo o envelope que Marjorie lhe havia dado. Segurava-o, com força, como uma coisa preciosa. Ainda não se sentia com coragem de o abrir. Vou abrir em casa, porque se chorar, não precisarei de esconder de ninguém, pensou. Será um momento só meu.
Fechou por momentos os olhos e limpou uma lágrima teimosa, que lhe escorria pela face. A assistente de bordo, passou naquele instante, tocou-lhe no ombro, perguntando se havia alguma coisa que pudesse fazer por ela, pois se tinha apercebido, que não estaria bem.
Maria da Glória, respondeu, que aquela lágrima furtiva, era de felicidade. Também se chora de alegria, como sabe. De qualquer modo, obrigada, está tudo bem.
Quando espreitou pela janela e viu a sua Lisboa, sentiu-se de volta a casa. Precisava da tranquilidade depois de alguns dias cheio de momentos tristes mas, outros que não mais esqueceria.
Abriu a porta de casa e pousou a bagagem. Respirou fundo, sentou-se na sala e viveu o regresso a casa onde, quase sem dar por isso, todas as sombras se tinham desvanecido. Estava, finalmente, em paz consigo mesma. Na véspera Eulália, tinha deixado um lindo ramo de flores e um bilhete, escrito com a ternura dos simples:
“Para a melhor senhora do mundo. Bem-vinda a casa”.
Sorriu e o rosto voltou a ganhar a luz perdida.
Recostou-se no cadeirão e abriu o envelope.
Lá estavam diversas fotografias do Anthony, desde bebé até ao adolescente de dez anos.
Também as coordenadas bancárias, da conta pessoal de Marjorie e um envelope pequeno, que abriu e de onde tirou um documento.
Correspondia ao registo do nascimento, no dia 8 de Março de 1999, pelas 10 horas da manhã, de uma criança do sexo masculino, filho de Marjorie Berthier e de Francisco Albuquerque de Freitas, e a quem foi dado o nome de Anthony Berthier Albuquerque de Freitas.
Hospital Universitário de Brooklynn, 10 de Março de 1999
Não sentiu surpresa pelo documento que acabara de ler. Já pressentira que Marjorie não fora capaz de registar o filho como Mãe solteira e o registara como filho do Francisco.
Não sem amargura, murmurou, olhando para a fotografia do marido:
- Francisco, afinal foste reconhecido, oficialmente, como Pai. Apesar do que fizeste sofrer, foste um homem com sorte. Amanhã, vou colocar no jazigo da tua família, onde repousas, uma fotografia da Marjorie, do teu filho e uma cópia da certidão de registo do seu nascimento.
Depois, escreverei o capítulo final. Darei seguimento as compromissos que assumi e desejo que, lá onde estiveres, descanses em paz.
Eu vou seguir o meu caminho, livre e de conciência tranquila. O passado foi uma nuvem passageira, que se esfumou e morreu no ar.
Pegou no telemóvel, escreveu uma mensagem: Guilherme, regressei gostava de o ver. Preciso do seu carinho.
Um beijo, Glória.


FIM

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

UMA HISTÓRIA DE AMORES


CAPÍTULO – XIX – DUAS MULHERES

Maria da Glória já estava no átrio do hotel quando Carolyn chegou. Era ainda cedo, pelo que foram descendo, calmamente, a Broadway, evitando falar no passado. Escolheram para almoçar um restaurante italiano que ficava perto do Flatiron. Enquanto comiam, Carolyn ia contando a sua aventura como empresária. Sabe, dizia ela, tenho aqui perto uma pequena galeria de arte; Não é grande negócio, porque exponho obras de autores modernos e pouco conhecidos , mas o espaço é agradável e aparece sempre, alguém para conversar. Não faço publicidade, mas tenho muitos conhecidos dos meus tempos de jornalista, que não esquecem e vão passando a mensagem.
Depois de almoço seguiram as duas para a galeria. Glória admirou algumas obras de arte contemporânea, ocupando duas salas, bem decoradas e com espaços de convívio.
Quando Marjorie chegar eu levo-a até ao meu pequeno gabinete. Depois virei buscar a Glória, apresento-a como uma amiga e afasto-me para falarem mais à vontade.
Marjorie chegou cedo, seguiu para o gabinete e estiveram alguns momentos a falar e Carolyn pediu um momento. Voltou com Maria a Glória e disse:
- Marjorie, quero apresentar-te a Glória uma amiga minha. Vão conversando porque eu tenho de sair por um momento.
Sentada numa poltrona, esfregando as mãos, com manifesto nervosismo, Marjorie nada disse. Notava-se que estava inquieta e perplexa ao mesmo tempo. Maria da Glória, sentou-se na poltrona em frente, sorriu, dizendo:
- Por favor não esteja nervosa, fui eu quis muito falar consigo e conhecê-la pessoalmente, porque em fotografia, já a tinha visto. Como deve ter percebido eu sou estrangeira, mais concretamente de Portugal.
Maria da Glória, olhando-a profundamente nos olhos, pensava o que dizer. E, com receio que a emoção a traísse, inventou uma outra personagem.
- Sabe, eu sou a irmã do Francisco, que há uns anos você conheceu e amou.
O meu irmão morreu no final do ano passado e na hora da partida, teve ainda forças para me contar o que se tinha passado entre vocês. Foi com lágrimas nos olhos, que me pediu a procurasse e executasse a sua última vontade. E, eu jurei a alguém querido, que o faria. E é para isso, e só por isso, que aqui estou.
A sua última vontade foi:
- Procurá-la, deu-me uma fotografia, e dizer-lhe o quanto sofreu, por não ter tido coragem de assumir, o amor que os uniu.
- Garantir que, não tendo herdeiros directos, a sua fortuna, deveria ser entregue ao filho, sendo que a Mãe deverá ter todos os poderes sobre a gestão do dinheiro.
Assim, o valor que Francisco enviara, mensalmente, para a conta especial em nome do Anthony poderá ser levantado e dar-lhe o destino que entender, sem formalidades adicionais. Também escreveu que o remanescente da fortuna deveria ser enviada para uma conta bancária da Mâe, porque ela saberia, melhor que ninguém cuidar do filho.
Estes movimentos serão realizados, logo que eu regresse ao meu País, porque tenho os poderes para o efeito e pode estar certa de que tudo será cumprido, como meu irmão desejou.
Em contrapartida, pediu:
- Uma fotografia do filho, que não conheceu, que eu devo levar comigo, para colocar no jazigo de família;
- Que aceitasse receber este album de fotografias, que ele preparou com retratos dos Pais e dele enquanto criança e depois já adulto, para que pudesse mostrar ao filho, quem era e como era o seu Pai.
Esse album, manchado com lágrimas, que ele deixou escapar, enquanto o preparava, está aqui e quero pedir-lhe que o aceite.
Marjorie recebeu o album, folheou-o rápidamente a demorou-se mais a olhar para a última foto, porque era o Francisco que ela conhecera.
Depois, escondeu a cara com as mãos e chorou.
Limpou as lágrimas com o lenço que Maria da Glória lhe estendia.
Esteve em silêncio durante alguns minutos, olhando para um lado e para o outro como se não soubesse o que dizer.
Depois com a voz ainda embargada e olhando para o chão, respondeu:
- Eu não estava preparada para este momento. Compreendi, agora, que Carolyn é sua amiga e a ajudou a planear este encontro.
Foi muito doloroso, confesso. Relembrei o passado, que julgava estar bem distante. Dói sempre, reabrir uma ferida.
Mas permita-me que lhe diga, que o que mais me impressionou, foi a sua coragem em vir à minha procura, e as palavras que proferiu. Eu quero acreditar em tudo o que me disse, mas sei que o Francisco era filho único, foi ele que mo disse e não deveria estar a mentir. Por isso não tenho dúvidas, quem acabou de falar comigo, não foi uma irmã, que não existe, mas a mulher que amou o mesmo homem e com ele viveu.
Agora, depois de a ouvir, sinto por si um grande respeito. É preciso ter um grande coração para se preocupar comigo e com o meu filho. Só agora entendi, porque o Francisco me disse,uma vez, que não tinha a certeza de ser capaz de abandonar a esposa. E tinha razão.
O que aqui se passou deu-me uma lição para a vida.
Todos nós acabamos por viver, não uma história de amor, mas muito mais,
uma bela história de amores.
Venha a minha casa, amanhã por exemplo, para conhecer o meu filho. Eu sei que Carolyn lhe dirá onde é e como lá chegar.
Depois, teremos a calma necessária, para resolver e satisfazer a sua vontade e os seus pedidos. Digo os seus pedidos, porque o coração me diz, que eles são de facto, seus. E por isso que Deus a abençoe.
Levantou-se, rápidamente, saiu do escritório, acenou a Carolyn e partiu.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

UMA HISTÓRIA DE AMORES


CAPÍTULO – XVIII – MARJORIE

Ainda não eram dezoito horas, e Glória já estava sentada no lobby do hotel de modo a ver a entrada. Como ia assistindo ao movimento da rua, estava distraída e não deu pelo passar do tempo.
Pedro Martins entrou , olhou em redor e ia dirigir-se à recepção, quando reparou numa senhora sentada, olhando fixamente para a porta, aparentando aguardar alguém. Pensou, ser a Maria da Glória e dirigiu-se ao lugar, perguntando:
-É a Drª. Maria da Glória, não é verdade?
- Sim,... Dr. Pedro Martins, respondeu.
Depois dos cumprimentos de circunstância, Pedro Martins pediu licença para se sentar e escolheu um lugar bem de frente para Glória e começou a falar, olhos nos olhos.
- Drª Maria da Glória, ao telefone a senhora disse-me precisar da minha ajuda. Eu, não sendo ingénuo, calculo que seja sobre qualquer assunto relacionado com o seu falecido marido, e por isso aqui me tem, à sua inteira disposição.
Maria da Glória, aproveitou para resumir, parte, do que sabia sobre a vida do marido, naqueles dois anos em Nova York. Rematou a conversa, olhando para Pedro, e dizendo, naturalmente, o senhor soube do que se passou, não é verdade?
Pedro, hesitou, como a medir as palavras, mas perante o olhar tranquilo de Maria da Glória, acabou por responder que, sim, tinha sabido da ligação do Dr. Francisco, porque ele mesmo lhe contara.
- Sabe minha senhora, posso garantir que quando ele falou comigo o senti completamente dividido e sem saber o que fazer. Por um lado, acredite, ele permitiu, se não fomentou, a paixão desenfreada de Marjorie. Mas também, se deixou apanhar, por esse sentimento avassalador. Estava completamente perdido, e não era capaz de tomar uma decisão. Eu, na altura um jovem de pouco mais e vinte anos, vendo a ligação tão forte que os unia, disse-lhe que o melhor seria pedir o divórcio e seguir em frente. Ele olhou para mim, duma forma algo estranha dizendo não sou desses, rematou, duma forma que me deixou perplexo, porque não entendi o que queria dizer.
Creio mesmo que, as nossas relações pessoais, esfriaram, a partir daquela conversa. O Dr. Francisco nunca mais me falou no assunto.
Como penso que sabe, ele partiu às escondidas e eu só soube na véspera da partida, quando ele me chamou, para me entregar uns dossiers importantes, dado que seguiria para Lisboa no dia seguinte.
Ingénuamente, eu perguntei-lhe quando tencionava voltar, ele respondeu com a voz embargada - talvez nunca mais.
Incrédulo com o que ouvia, ainda perguntei se os assuntos pessoais tinham ficado resolvidos e como. Respondeu-me, com os olhos rasos de lágrimas, que não. Apenas isto, nada mais, mas eu subentendi o restante, e tive pena.
Eu conheci a Marjorie, porque o Dr. Francisco me convidou algumas vezes para jantar e para algum espectáculo na cidade, apresentando-me a companheira, como sendo uma amiga. Ela era bastante mais jovem, muito bonita e elegante. Era também muito simpática e gostava de conversar. Nos olhares, nos mais pequenos gestos que trocavam entre si, dava para ver, que na realidade, o que havia entre ambos era muito mais do que amizade, e que a paixão que os unia e que não conseguiam disfarçar, não era uma coisa simples.
Fiquei com imensa pena dela, confesso, pois a única culpa, que se lhe podia apontar, era gostar demasiado do seu marido.
Esta é a parte da história que a drª. Maria da Glória queria conhecer, não é verdade?
- Sabe, Dr. Pedro, eu já tinha tirado as minhas conclusões, mas aproveito para lhe perguntar se não voltou a ter notícias do meu marido, nos dez anos que entretanto, já passaram?
- Na verdade, recordo que em princípios de 1999, o mês não posso precisar, estava eu em Washington, quando recebi uma carta do Dr. Francisco a dizer que se ia reformar. Ao mesmo tempo, confessou-me que vivia amargurado, pois Marjorie lhe tinha escrito uns meses antes, a comunicar que ia ter um filho dele, mas que se recusava a reconhecê-lo como Pai. Tinha perdido o contacto com ela e procurava uma maneira de a ajudar e de criar condições financeiras para o futuro do rapaz. Sim, ele confirmou que era um rapaz e até me disse o nome, creio que Anthony se a memória não me falha. Pediu a minha ajuda e eu não fui capaz de a negar.
Quando voltei para Nova York, algum tempo depois, tentei localizar a nova morada de Marjorie, mas não tive sucesso.
Por sugestão de um colega, fui falar com o gerente do Banco com quem trabalhava. Queria a sua ajuda para abrir uma conta que pudesse receber o dinheiro enviado para uma criança. O Gerente, embora fosse um procedimento incorrecto concordou em abrir a conta no nome que eu lhe indicasse e que a morada seria a minha.
Informei o Dr. Francisco, e passados alguns dias, ele telefonou a agradecer-me a minha diligência,e a comunicar o nome do beneficiário e o montante mensal da transferência. Se a memória não me falha, eram mil e quinhentos dólares mês.
Fui recebendo os documentos, fui até chamado à Inspecção do Banco, porque a situação era algo irregular, mas deixaram passar, com o meu compromisso de resolver o assunto dentro do mais curto prazo.
Destas diligências dei conta, por correio electrónico, ao Dr. Francisco.
O destino quis que, no verão de 1999, eu tivesse acompanhado Carolyn, que entretanto conhecera e com quem acabei por casar, à apresentação, na loja SAKS da quinta avenida, da nova colecção Outono/Inverno. Eu não dava muita atenção à roupa, mas, porquê mentir, reparei bem nas manequins. Imagine a Senhora, que um dos manequins era a Marjorie.
Acabado o desfile, arranjei maneira de falar com ela, mas sem dizer o que pretendia. Quando nos viu e me reconheceu, quis voltar as costas mas eu insisti para lhe dar uma palavra, que podia ser importante para ela, mas principalmente para o flho. E falei da transferência que mensalmente Francisco vinha fazendo a favor da criança. Ela abriu os olhos de surpresa, chorou muito, lágrimas verdadeiras, mas recusou qualquer tipo de ajuda.
Drª Maria da Glória, deixe-me interromper aqui a nossa conversa, para avisar a minha mulher que irei chegar um pouco mais tarde.
Pedro afastou-se um pouco, ligou o telemóvel, falou um bom bocado. Glória ouviu-o repetir, por mais de uma vez o nome do marido, o que a intrigou. Era evidente que ele estaria a contar à mulher o que se tinha passado. Pedro voltou com um convite que, sem saber bem porquê, não surpreendeu Glória.
- Doutora, a minha mulher insiste para que eu a convide a vir jantar nossa casa. Pessoalmente, também ficaria muito satisfeito se aceitar este nosso pedido. Não vai ser um jantar muito formal mas creio que não levará a mal. O que me diz?
- Aceito o vosso amável convite mas não quero que a minha presença constitua algum constrangimento. Eu não sou uma pessoa muito formal, e troco bem uma refeição especial por uma agradável conversa.
- Então se assim é, e estiver de acordo, tomamos um táxi e seguimos já.
Maria das Glória gostou de Carolyn logo à primeira vista, pelo à vontade com que esta a recebeu. Tomaram um aperitivo e jantaram informalmente, conversando animadamente sobre Portugal, que Carolyn já havia visitado, e de que gostava muito.
Sentados na confortável sala, Pedro decidiu concluir a história que começara a contar.
- Continuando a nossa conversa, e por o Banco me pressionava a resolver a questão da conta irregularmente aberta, enviei novo mail ao Dr. Francisco dando conta da situação. Não recebi resposta, mas passado um ou dois meses deixei de receber os documentos bancários. Pensei que o Dr. Francisco teria conseguido resolver o caso sem a minha intervenção e de certa maneira, esqueci.
Creio que até comentei esta situação contigo Carolyn, lembras-te?
- Sim lembro muito bem. E já agora vou fazer uma confissão.
Eu conhecia Marjorie desde quando,jornalista, escrevi sobre moda. Tivemos vários encontros e daí nasceu alguma intimidade e confiança mútuas. Pouco tempo depois de a termos encontrado na passagem de modelos, recebi uma chamada dela pedindo para falar comigo. Combinamos um encontro e ela contou-me toda a sua história de amor e levou consigo o bebé, na altura com dois anos.
- Carolyn, mas tu nunca me contaste nada, porquê, perguntou Pedro?
- Marjorie pediu-me que guardasse segredo e eu cumpri o prometido. Até hoje, porque creio que a Glória merece saber toda a verdade.
Marjorie procurou-me impelida por dificuldades financeiras. As sua economias tinham desaparecido, a famíla ajudava no que podia e trabalho era difícil de arranjar. Ela sabia da existência dos fundos à ordem do filho, mas não sabia o que fazer.
Fui com ela ao Banco, aceitou legalizar a situação, mas por força das instruções do ordenador, não lhe era permitido aceder ao dinheiro. Era demasiado orgulhosa para pedir a Francisco autorização e não o quis fazer.
O gerente do Banco, que também me conhecia, sugeriu que ela contraisse um financiamento pelo valor que não excedesse um montante previsível da conta do filho mas que exigiria, um avalista. E eu avalizei a operação.
Marjorie nunca falhou uma prestação e o Banco nada me exigiu.
Falámos, ocasionalmente uma vez ou outra, até para eu saber se tudo estava a correr bem para ela e para o menino. Disse-me que sim, tinha desenvolvido um projecto de criação de uma linha de moda e que já comercializava alguns modelos. O negócio tinha-lhe permitido ir amortizando o empréstimo e ter um pequeno apartamento só para ela e para o filho e dando-me a morada para eu a visitar. O que fiz, algumas vezes, a última das quais, há um mês atrás.
E é isto, a minha parte na história. Não conheci o Dr. Francisco, Marjorie nunca criticou o seu comportamento. A dor que sentiu reservou-a para si. Por isso Glória, não lhe tenha rancor, ela não merece.
Pedro, ficou sem saber o que dizer. Por momentos o silêncio foi de chumbo.
Maria da Glória, de olhos molhados, abanou a cabeça em sinal de resignação.
- Como devem calcular, meus amigos, o que eu sabia até hoje, não me foi contado por ninguém. Só uma questão levantada pelo meu Banco, acerca da transferência de dinheiro, é que me levaram a querer conhecer a história, que, estava longe de imaginar, sequer, tivesse acontecido e principalmente, que ela pudesse envolver tanta dor. Eu não vim aqui remexer no passado. Ele está morto e enterrado. Vim porque, na realidade, a criança é o único herdeiro do meu marido. Sei que o dinheiro não paga desgostos, mas eu só partirei se encontrar a Marjorie e vir a criança e acordar a forma de poder entregar a herança paterna. Nada tenho contra ela. Como eu, também foi vítima de circunstâncias que assumiram uma dimensão impensável. O que me move, aquilo que me deu forças para, embora muito ferida, ter decidido encerrar esta história de amores e desencontros, foi a lágrima de um moribundo, e que só mais tarde, bastante mais tarde, entendi.
- Hoje já é tarde, mas amanhã, sábado tentarei falar com Marjorie, combinando um encontro na minha galeria, propôs Carolyn. Não lhe vou dizer do que se trata mas julgo que a Glória poderá aparecer, após o meu aviso, e encontrar-se com ela. A conversa será entre duas mulheres, extraordinárias, mas apenas entre as duas. Eu afastar-me-ei.
- Fico-vos grata por tudo, e só lamento, que o jantar tenha sido prejudicado, pelo vento frio do passado, terminou Glória.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

UMA HISTÓRIA DE AMORES


CAPÍTULO – XVII – ESPERANÇA

Sentada num sofá, desiludida e perdida, Glória, chorou.
A todas as desilusões e surpresas que a vida lhe reservara, juntava agora o ruir da esperança. Não conseguira encontrar o caminho que sonhava lhe traria a paz de espírito. Não conseguia libertar-se do olhar suplicante que vira em Francisco, na hora do adeus, mas não sabia que mais poderia fazer.
Talvez esquecer, como tantos amigos lhe disseram.
Ouviu Guilherme a perguntar da parte do quarto se podia entrar. Estremeceu alvoraçada. Afinal, toda a sua louca aventura tivera qualquer coisa de mágico. Despertou sentimentos que já havia esquecido. Abriu a porta e sem dizer uma palavra refugiou-se dos braços do amigo, como se tivesse encontrado um porto de abrigo, para um barco à deriva.
Guilherme acariciou com ternura a cabeça que repousava no seu ombro.
- Glória hoje vamos jantar num restaurante Francês, muito intimista e agradável. Também tem pista de dança e boa música, mas isso pouco lhe vai interessar porque ainda não deve ter recuperado das pisadelas que lhe causei.
Vamos viver mais este nosso momento e amanhã ... bem amanhã é outro dia e qualquer coisa nos havemos de lembrar.
Saíram para jantar e conversaram até bem tarde. Glória bem insistiu para dançarem mas Guilherme não se deixou convencer. Mais tarde vai ter tempo de me dar umas lições privadas.
No dia seguinte, sexta-feira, Maria da Glória não saiu do hotel tendo passado a manhã a cuidar do corpo e da mente.
Tinha acabado de abandonar a mesa de massagens quando o telemóvel tocou. Era um Guilherme eufórico:
-Glória, nem vai acreditar, mas por acaso encontrei uma pessoa amiga que trabalha na Biblioteca, uma nossa compatriota a viver aqui há muitos anos. No meio da conversa disse-me que se divorciara já há algum tempo e que agora partilhava um apartamento com uma secretária tradutora nas Nações Unidas. Eu contei-lhe a sua procura e ela está convencida que a amiga conheceu o seu marido. Diga-me o nome e a Carmo vai tentar localizar alguém que com ele tivesse trabalhado. Pode ser?
- Claro, o nome é Francisco Albuquerque de Freitas e esteve ao serviço entre 1996 e 1998. Oxalá a sua amiga consiga alguém que me possa guiar porque ando meio perdida na confusão. Ouviu Guilherme repetir a alguém o nome do marido e dizer:
- Glória eu já lhe ligo.
Aguardou algum tempo, pareceu-lhe muito, mas Guilherme voltou a ligar.
-Glória, tome nota deste número de telefone, que disse e repetiu número a número. Ligue e peça para falar com o Dr. Pedro Martins. A nossa amiga garante que ele foi o chefe de gabinete do seu marido. Disso tem a certeza porque quer um quer outro eram o ai Jesus das mulheres. Eu já vou ter consigo ao hotel, ok?
- Sim eu espero antes de ligar.
Glória sentiu um choque. No momento lembrou-se que Francisco, por mais de uma vez lhe falara no Pedro, um jovem licenciado que com ele trabalhava. Como é que eu pude esquecer?
Subiu ao quarto aguardou Guilherme e optou por ligar pelo telefone fixo. Foi atendida por uma voz feminina que se identificou como sendo Susana Dias e solicitou falar com o Dr. Pedro Martins.
- O senhor Doutor não está no momento, mas se quiser deixar uma mensagem, ela ser-lhe-à entregue.
- Muito bem, diga-lhe que o meu nome é Maria da Glória, sou viúva do Dr. Francisco Albuquerque de Freitas, estou na cidade, no New York Palace Hotel e gostava de falar com ele sobre um assunto de natureza particular. Não se esqueça por favor.
- Com certeza o Doutor será informado.
Glória exultava, parecia que estava finalmente no caminho certo e que se aproximava do objectivo. No fim do dia recebeu a chamada. Era a assistente do Dr. Pedro Martins, dizendo-lhe para aguardar um momento.
- Drª Maria da Glória, daqui fala o Pedro Martins. Recebi uma mensagem da minha assistente, dizendo que a senhora me tinha procurado,e por isso aqui estou à sua disposição. Antes do mais, e porque soube que o Dr. Francisco faleceu há pouco tempo, deixe-me que lhe apresente as minhas condolências. Ele não foi só o chefe foi um verdadeiro amigo, acredite.
- Muito obrigada. Dr. Pedro, eu gostaria de o ver, porque penso que me pode ajudar num assunto privado. Se me arranjar alguns minutos ficarei muito agradecida.
- Drª Maria da Glória, terei o maior prazer em a ver e se lhe puder ser útil, ficarei feliz. Deixe-me consultar a agenda para ver qual a data mais adequada, é só um momento. Ora hoje é sexta-feira um dia em que ficarei livre um pouco mais cedo. Pensando melhor eu poderia passar pelo hotel, digamos, cerca das dezanove horas e poderemos conversar à vontade. Está bem assim?
- Sim, fico esperando e obrigada.
Glória, com os olhos brilhantes, abraçou Guilherme dizendo que o fim estava próximo.
- Pode ser e eu só espero que tudo dê certo para que limpe a sua cabeça e volte a pensar na pessoa mais importante e que tem andado algo esquecida. A Maria da Glória, ainda se lembra dela?
- Guilherme, credite em mim, conhecê-lo foi a melhor coisa que me aconteceu nos últimos tempos e sabe que por entre esperanças e desilusões, estarmos juntos me fez imensamente feliz.
- Eu vou viajar no sábado e esperava convencê-la a voltar comigo. Mas agora, entendo que deve ficar. A viajem de regresso vai ser mais só do que é habitual, porque eu deixo aqui uma parte de mim. Boa sorte. Eu ficarei a sofrer de saudade.
Até breve, Guilherme. Quando voltar iremos recordar o que de bom aqui passámos, e eu estarei, finalmente, livre.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

UMA HISTÓRIA DE AMORES


CAPÍTULO – XVI – CAMINHOS SEM FUTURO

Maria da Glória , cerrou com força os olhos, como se quisesse afastar a cortina que a impedia de olhar em frente, sacudiu a cabeça e reencontrou de novo o equilíbrio, que quase estivera a perder. Teve um dormir agitado e povoado de fantasmas do passado.
Esteve quase a desistir do projecto. Receava que a sua persistência fosse um erro que, ela própria, acabaria por pagar. Todavia, decidiu continuar a sua peregrinação.
De repente, lembrou-se da carta que Francisco enviara a Marjorie e fora devolvida. É que, não conseguia perceber como é que Francisco conseguira mandar o dinheiro, sem a identificação completa do destinatário. Essa dúvida, que só agora percebia, deu-lhe a certeza de que Francisco teve ajuda de alguém para resolver o problema, alguém íntimo . Esse alguém deveria ter sido um colega. Mas quem? Nas cartas que Francisco lhe enviara ele poderia ter falado dessa amizade, mas Glória não se lembrava de qualquer nome.
Levantou-se cedo, mas sem saber o que fazer.
Saiu do hotel, sem ter nada programado e foi andando e sem dar por isso chegou a Times Square. Não gostou, havia muita confusão, muita gente barulhenta, pelo que depressa voltou para a quinta avenida.
Cansada de andar de um lado para o outro, entrou de novo na loja SAKS para dar uma vista de olhos. Subiu ao andar, onde estavam expostos, os modelos de colecção de roupa feminina, e foi vendo um ou outro que poderia vir a comprar. Uma solícita empregada, dirigiu-se-lhe perguntando se precisava de ajuda. No vestido tinha uma placa discreta a dizer “sales assistant” e o nome que não conseguiu ler. Maria da Glória, olhou a interlocutora, respondendo que, por momentos estava só a admirar.
- Quando quiser, minha senhora, a SAKS e eu mesma, estaremos sempre ao seu dispor.
-Enquanto a assistente se afastava um pouco para atender outra cliente, Maria da Glória, olhou-a com mais atenção, porque sentira um click. Ela tentara recriar no seu imaginário, como seria a Marjorie, dez anos depois das fotografias que conhecia, e esse retrato tinha bastante semelhança, com o perfil que via, na vendedora. Não resistiu e aproveitando um momento, em que esta estava disponível, encheu-se de coragem, abriu a mala , retirou uma das fotos da mulher que procurava, aproximou-se da empregada e perguntou:
- A senhora desculpa a minha ousadia. Mas acho-a muito parecida com esta fotografia, que é de uma pessoa que procuro. Ela era modelo e até pode ter desfilado na loja. Por acaso, a fotografia não lhe é familiar?
A assistente pegou na foto, esteve, por momentos a olhar para ela e respondeu:
- Como deve calcular, minha senhora, eu conheci muitos modelos e há, normalmente um padrão comum entre eles. Todavia e sem uma certeza absoluta, a modelo desta fotografia, desfilou aqui em dada altura. Quando, não me lembro e do nome também não, respondeu.
- Permita-me um conselho, suba ao 5º Andar, procure pela Louise Clark, que foi quem se ocupou, durante muitos anos, da selecção dos modelos. Se, como penso, a senhora que procura desfilou nesta casa, a Louise pode ainda ter a sua ficha. Não perde nada em experimentar, e esteja à vontade, porque a minha colega é, muito prestável.
- Muito obrigado pela sua gentileza e simpatia, Jennifer, respondeu depois de ter conseguido ler, o nome escrito na placa.
Subiu ao andar de escritórios e pediu para falar com Louise Clark.
Aguardou um instante , veio uma senhora, baixa, fisionomia simpática e com olhos bem vivos, por detrás dos óculos, aparentando ter mais de cinquenta anos, que se lhe dirigiu, algo intrigada:
- Eu sou Louise Clark, em que lhe posso ser útil?
- A senhora desculpe o incómodo, mas a Jennifer, disse-me que talvez me pudesse ajudar, para encontrar este modelo, e exibiu a foto, pois estamos convencidas que ela desfilou para esta casa, embora há cerca de dez anos. Eu sou estrangeira, perdi o contacto com ela, mas por razões pessoais, gostaria de a localizar. Sei, apenas, que o nome é Marjorie Berthier.
Louise, torceu o nariz, dizendo que dez anos na vida de uma modelo é muito tempo e não podia garantir que ela ainda constasse dos registos da casa. De qualquer modo, dê-me quinze minutos, que eu vou ver se ainda encontro a ficha.
Demorou um pouco mais, mas com ar triunfante, Louise voltou com uma ficha na mão. Aqui tem, minha senhora, ainda encontrei, desactualizada é certo, a ficha de registo da modelo que procura.
Com a mão, ligeiramente trémula, Maria da Glória, pegou na ficha e confirmou tratar-se de Marjorie. Sim é de facto a mesma pessoa, permite-me que tire alguns apontamentos?
- Então minha senhora, é mais fácil dar-lhe uma fotocópia. Entre aqui para o meu gabinete, sente-se por favor, que eu já lha dou, disse Louise.
Quando reentrou no gabinete com a fotocópia, comentou que receava que a ficha fosse de pouca utilidade pois estava manifestamente desactualizada.
Sabe que, por norma, uma modelo quando deixa de preencher os requisitos exigidos para desfilar, continua ligada ao mundo da moda, embora para outro trabalho. Experimente telefonar para o número que eu escrevi no verso da ficha e fale com a Marge, dizendo que vai da minha parte. Ela trabalha como agente de diversos modelos e se houver alguém a ter o contacto recente com quem procura só poderá ser ela.
Maria da Glória agradeceu a simpatia e a colaboração que tinha encontrado e que nunca iria esquecer. Foi num caminhar mais apressado que voltou ao hotel. Queria ver com calma os dados da ficha.
A ficha identificava a modelo, como anotou, depois de traduzir o mais importante:
- Nome. Marjorie Berthier
- Data de nascimento: 26 de Junho de 1970
- Nacionalidade: Canadiana
- Residência: 384, W 26 th Street – New York City,
- mudou para 240, E 71 th street, apartamento 08 - 1065 – NYC, em 31 de Outubro de 1996
- Telefone: 91506748035
- Altura: não traduziu
- Peso: não traduziu
- Desfiles: Fevereiro 1996, Maio 1997, Setembro 1997, Fevereiro 1998, Julho 1998, Setembro 1999
- Agência: Freelancer

Leu e voltou a ler a ficha. Chegou à conclusão que, Marjorie, começara a viver com o Francisco em Outubro de 1996, pois o endereço era o que ela conhecia. Isto é que foi uma paixão fulminante. O Francisco, dois meses depois de estar em Nova York, já tinha arranjado companheira. Não perdera tempo, o que é estranho, dado que sempre o conhecera como, uma pessoa muito indecisa e pouco comunicativa, na primeira impressão. Pelos vistos, eu estava bem enganada.
Voltou a olhar para a ficha, reparando que pelas suas contas Marjorie que devia ter sido mãe em Fevereiro/ Março de 1999 e por isso, naquela loja, apenas teria desfilado por uma vez depois do nascimento do filho.
Reconhecia que o que soubera era quase nada. Não acrescentava nada de importante.
Ainda assim, decidiu ligar a Marge, seguindo o conselho que recebera. Ligou o número, foi atendida por uma assistente que lhe disse que Marge só estaria disponível para a receber durante o coffee break, cerca das dezasseis horas. Concordou e tomou nota do endereço que lhe deram.
Telefonou a Guilherme, o telemóvel estava desligado e enviou mensagem dizendo que, logo no primeiro dia teria de faltar ao encontro no jardim.
Almoçou uma refeição ligeira e chegou ao endereço, um loft no primeiro andar, onde havia uma grande aglomeração de jovens. Perguntou a alguém por Marge e indicaram-lhe um senhora, que num recanto, rodeada de uma bateria de telefones e de assistentes, dava ordens em voz nada meiga. Olhou para o relógio, eram dezasseis horas precisas quando o espaço da Marge ficou livre e uma assistente lhe servia um café, num daqueles copos bem grandes que tanta confusão faziam a Glória. Levantou o olhar, reparou na presença estranha, consultou a agenda e perguntou:
- É a amiga da Louise que telefonou a pedir uma entrevista?
- Sim sou eu e lamento se lhe vou roubar alguns minutos pois já reparei que está muito atarefada.
- Não se preocupe isto aqui é assim quase todos os dias. Mas diga-me o que pretende?
- Eu procuro uma modelo que já não vejo há bastantes anos. Sou estrangeira como deve ter reparado, e creio que só a Marge me poderá ajudar. A pessoa que procuro é esta, entregando uma fotografia e a ficha da casa Saks?
- Marge demorou alguns segundos a olhar a fotografia e a ler a ficha, abriu um ficheiro ao lado da secretária, comentando enquanto o percorria, que já tentara guardar a informação no computador, mas que não se dera bem. Ela precisava de sentir o cheiro do papel do arquivo. Guardava ali mais de vinte anos de trabalho, papéis que representavam sonhos desfeitos, desilusões sofridas de tanta gente que representavam para ela pedaços de vida, dela e de tantos jovens.
Aqui está a informação que pretende. Eu agenciei diversos trabalhos para esta modelo, mas o último foi já no ano 2001, uma pequena participação num comercial, mais porque ela me pareceu com dificuldades financeiras.
Depois não tenho qualquer registo, lamento.
Sabe que a vida de uma modelo, salvo as que alcançaram o estrelado, é tão efémera como a das borboletas. Veja a quantidade de jovens que aqui viu.
Todas se deixaram deslumbrar pelas luzes de ribalta e, muito poucas terão uma verdadeira oportunidade. Mas é assim a vida.
Glória acenou que sim e saiu no meio da enorme confusão. Foi com uma lágrima furtiva, que passou entre tantas jovens cheias de esperança, amanhã ou depois vítimas da desilusão. Tomou um táxi e seguiu para o hotel.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

UMA HISTÓRIA DE AMORES


CAPÍTULO – XV - SINAIS DE PAIXÃO

Enquanto regressavam, Guilherme perguntou quanto tencionava regressar.
Glória, estremeceu e foi com uma voz contida que respondeu. Não sei meu amigo. Eu não vim em turismo, vim à procura de encontrar a minha tranquilidade. Nesta grande cidade vivem, penso, duas pessoas que eu tenho de encontrar. Só assim poderei enterrar o passado e olhar o futuro. Assim o meu regresso está condicionado ao sucesso da minha procura. Depois, com mais tempo, contarei a minha história, se ainda a quiser ouvir.
- Então Glória, não falemos de coisas tristes. Esta noite vamos ao teatro, como combinado e depois se tiver gosto iremos a um clube de jazz, ouvir música e beber um copo. Depois combinaremos como vai ser a nossa vida durante os dias em que aqui vamos estar. Havemos de encontrar uma solução que lhe permita continuar a sua procura do passado e a mim continuar a viver consigo o momento presente, olhando com esperança para o futuro.
Glória ficou no hotel, teve a ousadia de se vestir mais informalmente, mas sempre com o bom gosto habitual. Quando saiu, levou na mão um botão de rosa e, com um gesto de ternura, prendeu-o na lapela do casaco do amigo.
A peça de teatro era interessante, mas muito do tempo, passaram-no a trocar olhares e sorrisos.
Depois, ao som da música e de uma bebida, as barreiras tinham-se esfumado e sentiam-se felizes por isso. Não eram necessárias palavras, os silêncios eram mais eloquentes.
Á despedida, na porta do hotel, Glória aflorou com um beijo simples os lábios de Guilherme e sem se voltar, subiu ao quarto.
Enquanto olhava pela janela, foi pensando no breve encontro que tivera e no prazer que sentira. Eram muito diferentes, mas talvez por isso uma relação pudesse dar certo.
Também assim fora com Francisco. Ela desinibida, alegre e comunicativa, ele sóbrio, carregado de complexos e muito fechado e acabara como acabara. Mas não penso que tal se vá repetir. Guilherme, deu para ver, é como um livro aberto e ela já não era a rapariga impulsiva e ingénua que fora.
Reconhecia que era uma mulher de impulsos e, talvez pelos desenganos recentes, qualquer futura relação não podia ter equívocas. Mas, reconhecia, via em Guilherme alguém com quem poderia refazer a vida. Que estranho, pensava para si, qual é o sortilégio desta cidade, que em horas me fez despertar claros sinais de paixão, e quase me me fez esquecer a razão da minha visita?
Afinal, tal não havia já acontecido com Francisco?
Guilherme passou pelo hotel por volta das dez horas da manhã, caminharam alegremente de mão dada, almoçaram juntos num restaurante simples mas agradável. Como o ambiente era acolhedor Guilherme conseguiu que Glória lhe contasse a sua história pessoal, a sua amargura e o seu desejo de encontrar a criança que o marido não tivera oportunidade de conhecer.
Guilherme atónito, não conseguia compreender as justificações de Maria da Glória e abanava a cabeça dizendo:
- Minha boa amiga, a sua intenção cuja nobreza não discuto, é uma aventura cujo desfecho, só por um golpe de sorte não deixará de fracassar. Esqueça tudo o que se passou. Viva o futuro, regresse comigo e eu prometo-lhe toda a atenção e amizade de que for capaz. Você merece e pode ser feliz. E eu, digo do fundo do coração, gostaria de fazer parte da sua vida.
- Terá toda a razão Guilherme, mas eu receio que deixar um assunto perdido na poeira do tempo, mais tarde ou mais cedo, me venha a causar desgosto e mal estar. Para o meu equilíbrio emocional e para poder enfrentar o futuro, preciso de colocar um final nesta história. Pode não lhe parecer razoável, eventualmente até terá razão, mas eu sou assim.
Não vou aceitar regressar como me propôs. Fico, mas quando regressar, espero ouvir da sua boca as mesmas palavras.
Foi em silêncio que caminharam, de mão dada, até ao Bryant Park, onde se sentaram. Guilherme indicou-lhe o edifício que estava no lado oposto dizendo ser a Biblioteca, onde ele passava muito tempo em pesquisas sobre o seu trabalho. E isso deu-lhe uma ideia. Voltou-se para Glória dizendo:
- Já tenho uma solução. Veja bem, a Glória faz as suas buscas da parte da manhã, enquanto eu aproveito para naquela Biblioteca que lhe apontei coligir alguns dados, que preciso para o meu próximo estudo. Podemos combinar o nosso encontro para as dezasseis horas, neste mesmo lugar. Depois passaremos o resto do tempo juntos. Que lhe parece, podemos começar amanhã?
Glória não tinha como responder. Ela também sentia que a companhia lhe ia agradar.
Guilherme, entusiasmado, propôs levá-la ao hotel para descansar um pouco. Volto mais tarde, com a promessa de um programa bem diferente.
Assim, foram ver um jogo de basquetebol ali bem perto.
O companheiro que ela conhecera hesitante e envergonhado, era agora uma companhia livre e até com ironia. Virando-se para Glória lança o desafio. Se se atrever a dançar com este péssimo e desengonçado dançarino, vamos a um clube que me foi recomendado, que passa música de qualidade e assim para o romântico. Valeu?
- Claro, até parecemos um casal de jovens namorados.
Foi de facto uma noite diferente a que Glória não estava habituada mas que a fez vibrar como há muito tempo não sentia. Gritara o nome dos jogadores, aplaudia os cestos mais espectaculares, bebia cerveja por um copo de plástico. E depois deixou-se embalar pelos sons da música e, dançou, dançou, como se quisesse afastar todo o passado.
Subiram ao quarto, juntos pela primeira vez. Algo constrangidos, cruzaram olhares e beijaram-se. Havia uma chama que os aproximava, mas havia também,uma barreira invisível que não conseguiam ultrapassar. Guilherme, apercebendo-se da luta interior da companheira, perguntou-lhe em que pensava.
Glória, com ar ausente, respondeu:
- Meu caro eu penso em algo em que não deveria sequer pensar.
Guilherme, afagou-lhe o rosto com ternura e saiu.

domingo, 12 de dezembro de 2010

UMA HISTÓRIA DE AMORES


CAPÍTULO XIV - CENTRAL PARK

Ela, que não tinha por hábito jantar, foi ver a ementa do restaurante do hotel, pareceu-lhe interessante e decidiu que, para o primeiro dia, já tinha andado o suficiente e o melhor seria comer qualquer coisa ligeira.
Subiu ao quarto, trocou de roupa e vestida de forma elegante mas sóbria desceu pouco depois para a sala de jantar.
Quando regressou ao quarto, fugindo do bulício do lobby, abriu a televisão mas sem dar particular atenção ao programa que era apresentado, pegou no apontamento que tinha preparado sobre a segunda pista.
Anotada tinha a morada do marido, 240, E 71 th street, apartamento 8 e o nome dos amigos que Marjorie tinha indicado numa das cartas, June e Bill W.... Não seria grande pista, reconhecia, mas não a queria descartar. Podia ser que o porteiro ainda seja o mesmo e se lembre dele e da companheira, ou o casal June e Bill W qualquer coisa ainda lá viva, o que seria sorte demais.
Como a morada no Banco não ficava longe, colocou na mala o dossier respectivo já que tencionava seguir o caminho que, lhe parecia mais óbvio. Até se surpreendera porque tinha programado outras opções, quando a única pista com alguma probalidade de sucesso seria o Banco. Afina, ela enviava o dinheiro, podia cancelar tudo e até mudar de banco. Eles teriam de lhe dar respostas.
O telemóvel tocou, não reconheceu o número mas decidiu atender. Do outro lado uma voz de homem perguntava-lhe como estava e se ainda se lembrava do companheiro de viajem.
- Claro que me lembro Guilherme, respondeu Glória. A conferência correu bem?
- Sim, bastante bem e sinto-me recompensado. Não pude deixar de lhe dar a notícia porque a sua força e determinação me ajudaram. Amanhã vou regressar a Nova Iorque, se ainda não se esqueceu do que combinamos, gostaria de a ver e de sair a passear um pouco. Sei, por experiência própria, que para uma pessoa só, a cidade não é muito agradável. Pode ser Drª Maria da Glória?
- Claro que sim, mas tem de esquecer o Doutora. Só que tenho a manhã ocupada pelo que só nos poderemos encontrar à tarde. Que lhe parece?
- Para mim está óptimo, se não estiver muito longe podíamos encontrar-nos no Central Park, junto do memorial John Lennon.
- Eu penso que andarei ali por perto, pelo que estou de acordo com o local do encontro. Fica combinado, caro Guilherme, lá estarei. Boa noite e até amanhã.
Central Park, entendera bem o local do encontro. Que ironia, pensou com um sorriso algo amargo. Vou estar ali, onde tudo começara entre Francisco e Marjorie.
Levantou-se bem disposta e cheia de energia para o segundo dia da sua peregrinação. Mais uma vez decidiu ir subindo a 5ª avenida até encontrar o Central Park. Era ali que de tarde se iria encontrar com o Guilherme. Vai fazer-me bem pois terei alguém com quem conversar. Dali seguiu o mapa até encontrar a rua que procurava, que desceu até chegar ao edifício onde o marido tivera o apartamento. Hesitou em chamar a portaria, na realidade estar tão perto do local onde Francisco vivera o seu amor, trazia-lhe uma sensação estranha.Todavia, embora com pouca esperança, tocou a campainha e passado pouco tempo apareceu um porteiro fardado. Glória contou resumidamente, o que procurava mas o porteiro depressa a desenganou. Estava ali há pouco tempo e não conhecera Francisco. Quanto ao casal June e Bill Wright sim, ainda os conhecera, mas eles tinham optado por viver a reforma na Florida e tinham vendido o apartamento.
Agradeceu e afastou-se depressa do local. Não devia sequer ter vindo, pensava, porque há sempre uma ferida que reabre. Sentiu, que ao ter escolhido este pista, frágil como se provou ser, o teria feito por ciúme e alguma amargura.
A agência bancária ficava dois quarteirões abaixo. Apresentou-se e exigiu falar com o director. Insistiu e,com alguma relutância, apareceu um funcionário muito pouco simpático. Glória mostrou os documentos que levava e explicou que pretendia saber o endereço do titular da conta, sem o que, seria forçada a cancelar todas as operações com aquele Banco. Peter Gordon, “branch assistant” como constava do cartão que entregara, ausentou-se alguns momentos e voltou com um impresso que Glória deveria preencher e assinar. Esse documento irá ser submetido aos serviços Jurídicos do Banco, para apreciação. Mas não espere uma decisão antes de um mês respondeu com um sorriso irónico.
Glória, mantendo a calma e olhando, frontalmente o interlocutor respondeu:
- Meu caro e pouco educado senhor Gordon. Garanto-lhe que o senhor e o Banco irão ouvir falar de mim. E bem antes do que pensa.
Rasgou o impresso, arrumou aos documentos e saiu do Banco.
Desapontada com mais aquele insucesso, garantiu para si mesmo, que fosse como fosse, haveria de cancelar os contactos com aquele Banco. Prometo.
Almoçou nas redondezas, mais uma vez sem grande prazer e seguiu para o local combinado com Guilherme. Quando lá chegou, ainda não eram quinze horas, mas no meio das pessoas que circulavam na periferia do parque, logo vislumbrou o amigo que sobraçava um ramos de rosas.
Guilherme, como ela já percebera, era tímido e foi com algum nervosismo que lhe pediu para aceitar as flores.
Glória, não se conteve, esboçou um sorriso e disse:
- Obrigada Guilherme, gosto muito de rosas vermelhas, a cor da paixão.
O amigo ficou algo envergonhado e até a voz lhe saiu em surdina.
Depois, enquanto se sentavam num banco admirando as flores e as tropelias de dois esquilos, Guilherme soltou-se, começou por falar da conferência, com entusiasmo e de repente a contar a sua vida. Glória ficou assim a saber que ele era professor de literatura na Universidade do Porto, que tinha quarenta e nove anos, divorciado e a viver em Vila Nova de Gaia num pequeno apartamento que lá comprara. A família, mãe e mais dois irmãos continuavam em Vila Real onde ele costumava passar as férias de verão.
Era apaixonado por música clássica, muito especialmente por Mozart, Bach e Schubert, dizendo ter uma razoável colecção de discos destes compositores. Se a Glória também gostar de música, qualquer dia convido-a para irmos a um concerto. Aceitaria?
- Claro que sim, irei com prazer. E se formos andando, propôs enquanto me fala mais de si, propôs Maria da Glória?
- A minha vida é simples, gostos simples como um transmontano com alguma educação. Para além de ler e ouvir música, gosto de passear livremente pelos campos da minha terra, falar com as pessoas que vou encontrando, normalmente pessoas idosas, porque a juventude já há muito que abandonou as aldeias e fugiu para as grandes cidades. Mas tenho muito respeito pelos que ficaram e sempre que falo com eles sinto que aprendi qualquer coisa. A Glória, pelo contrário, parece-me uma pessoa muito urbana, com outros gostos e preferências pelo que a conversa com este camponês de alma, não lhe deve ser particularmente interessante.
- Aí é que o Guilherme se engana. Sou de facto nascida e criada em Lisboa, mas reconheço que as grandes cidades nos fazem perder a capacidade de ouvir os outros e com isso, não poucas vezes, nos afastamos da realidade, criando à nossa volta, um mundo fechado que nos aprisiona. E olhe que eu sei bem do que falo!
Guilherme interrompeu o passeio, olhou para o relógio e para Glória, exclamando! Já me esquecia de lhe dizer que comprei bilhetes para uma peça de teatro e para hoje. Com certeza que a Glória vai querer descansar um pouco pelo que lhe sugiro regressemos. Eu acompanho-a ao seu hotel, depois passarei, por volta das 19,30 e seguimos para o teatro. Parece-lhe bem?
- Sim tudo bem, ficarei à sua espera.

sábado, 11 de dezembro de 2010

UMA HISTÓRIA DE AMORES


CAPÍTULO XIII - RECORDAÇÕES

O táxi demorou bastante tempo até parar à porto do hotel. Pagou e não se esqueceu de dar a gratificação, que lhe haviam recomendado na Agência.
Gostou do quarto. Era amplo e estava mobilado com gosto.
Desfez a bagagem e quando acabou estava cansada, mas um banho de imersão seria o tónico que precisava.
Na banheira sentia o calor da água revitalizar-lhe os músculos, mas começou a ter dúvidas sobre a oportunidade da busca a que se propusera. Porém, depressa as afastou. Afinal o primeiro passo estava dado e agora só precisava estabelecer um critério e um caminho para encontrar os fios da meada, tarefa que não se lhe afigurava muito fácil.
Enquanto esperava que lhe servissem no quarto a refeição ligeira que tinha encomendado, sentou-se à secretária, a rever com mais atenção os apontamentos que tinha tomado ainda em Lisboa, com os caminhos que pensava seguir na sua procura.
Tinha preparado uma ficha para cada hipótese, com os dados que conhecia, sem estabelecer tempo para o seu seguimento. Sabia que para algumas lhe bastaria um dia mas para outras não acreditava fosse tão rápido.
Ordenou as fichas de modo a começar pelas mais fáceis, porque isso lhe permitia ambientar-se à cidade.
Pegou na ficha número um, tinha apenas o endereço parcial, do fotógrafo onde Marjorie tinha tirado as fotos que dera a Francisco, fografias que também levava.
Para começar no dia seguinte, pareceu-lhe bem, pois a rua não deve ficar muito distante do hotel. Em boa verdade não depositava grandes esperanças nesta pista. Dez anos depois seria pouco provável que o estúdio fotográfico ainda existisse e mesmo em caso afirmativo, se teria algum registo actualizado da cliente. Estava convencida que seria perder tempo, mas não queria deixar de tentar.
Separou o dossier do banco. Nele levava fotocópias legalizadas pela Embaixada, onde o Banco emitente certificava ser ela a titular da conta de origem dos fundos, com todos os poderes. Contava passar no banco em qualquer momento e tentar obter informações sobre a movimentação do dinheiro transferido e, principalmente, a morada de envio dos extractos bancários.
Deitou-se cedo, mas não dormiu bem. Muitos sonhos agitados, insónias e muitas preocupações. Na manhã, reparou que tinha marcado no rosto os sinais de alguma preocupação , e de uma noite mal dormida.
Ficou fixada no espelho. Não se revia na imagem triste que o espelho lhe dava e decidiu que precisava de fazer algo para recuperar o ar sereno e a aparência da mulher realizada, determinada e feliz que fora até há bem pouco tempo. O que lhe ia na alma era uma dor, que se nada fizesse seria a sua companheira para o resto da vida.
Desceu para o pequeno almoço, e foi à recepção, para pedir o plano da cidade. Reparou que, bem em frente da recepção o hotel tinha um salão de SPA. Entrou e aproveitou a manhã, para se submeter a um tratamento de estética.
Saiu e sentiu-se outra, mais jovem e mais leve. Passou por um espelho, e de relance espreitou a silhueta. Era impressão sua ou estava de facto uma pessoa diferente.
A sua primeira reacção, quando saiu do hotel, foi de esmagamento. A imponência dos edifícios, o número de pessoas a circular, era uma segunda feira de sol, lembraram-lhe, quanto diferente, era Nova Iorque das outras cidades Europeias, que conhecia. Sentiu um calafrio quando, começou a percorrer a E 50 na direcção da quinta avenida, mas depressa se descontraiu, e reconheceu para si, que afinal, até era capaz de vir a gostar da cidade.
Enquanto caminhava, tranquilamente, foi apreciando o movimento, mas notou que, pela maneira de vestir e comportamento um pouco anárquico, os transeuntes seriam na maioria turistas. Não pode deixar de reparar em muitas lojas vazias, outras encerradas, alguma apatia dos naturais, que era a marca duma crise económica que se sabia ter começado mas nem ninguém se atrevia a prever o fim.
Parou por minutos, espreitando as galerias exteriores da loja SACK’S. Gostou e registou que, era um local a visitar com mais tempo, ficava perto do hotel, e gostou particularmente, dos modelos de roupa feminina que estavam expostos. Registou que seria uma boa ideia, numa oportunidade, perder a cabeça e comprar um ou dois modelos, porque os preços eram agradavelmente atraentes.
Foi descendo a quinta avenida, até encontrar a E 45, que procurava. Dobrou a esquina e começou a percorrer a rua, olhando com atenção, na esperança de encontrar o fotógrafo, onde a Marjorie tirara as fotos que oferecera ao Francisco. Percorreu alguns quarteirões, mas da loja nem sinal. Era querer muito, pensava com os seus botões, que passados dez anos, tivesse a sorte de encontrar, e logo no primeiro dia, a loja em causa.
Como entretanto estava muito perto da Grande Central, entrou, admirou o tamanho, e a enorme confusão, de passageiros a entrar e sair pelas diferentes portas, o que lhe fez sentir, uma sensação de claustrofobia. Saiu na primeira saída que encontrou, mesmo em frente do edifício da Crysler. Já ouvira falar, que valia a pena subir ao alto para desfrutar da paisagem, mas não o fez, até porque lhe pareceu, que o mesmo estava encerrado.
Voltou para trás, desta vez subindo a Park Avenue, pois queria ver de perto o famoso hotel Waldorf Astoria. De frente para o mítico hotel, relembrou, quantos filmes vira, em que o hotel era também um protagonista. Já lá vão muitos anos, pensou consigo mesma.
O andar devagar, espreitando lojas, cansa mais do que parece.
Encontrou um elegante salão de chá, entrou e escolheu um lugar que lhe permitia saborear o chá que havia pedido ao mesmo tempo que espreitava o movimento na rua.
Já estava a gostar da cidade e ainda quase nada vira. Enquanto caminhava, pareceu-lhe encontrar lugares que lhe não eram desconhecidos, pois os lembrava de tantos filmes que gostara.De repente, pareceu-lhe ouvir a música de Henry Mancini, Moon River e logo a associou ao filme Breakfast at Tiffany’s. Continuou a subir a quinta avenida, até à W 57, pois, recordava, de ter visto no mapa, que era na esquina, que se encontra a famosa joalharia.
Durante o percurso, apercebeu-se que passava mesmo ao lado do MOMA. Fez um pequeno desvio e foi espreitar os cartazes, com o programa das exposições previstas no museu. Havia várias, mas anotou apenas, uma apresentação de obras de pintura da escola expressionista. Gostava muito da pintura desse período, e marcou na agenda de bolso, um dia para fazer a visita.
Chegou, finalmente, junto da famosa joalharia, andou a ver as vitrines mas, embora apreciasse uma bonita jóia, não se mostrou disposta a entrar e ver mais de perto. Ter estado ali, já lhe lembrara tempos idos.
Começava a ficar cansada. Pensava que não devia esquecer-se do objectivo da visita e por isso teria de se resguardar um pouco. Almoçou num restaurante sem nada que a fizesse voltar e regressou ao hotel para descansar um pouco.
Sentada numa poltrona do seu quarto de hotel, assinalou como sem resultado a primeira pista. Nem valia a pena continuar a procurar o estúdio de fotografia.
Dormitou um pouco, refrescou-se e voltou a sair com o objectivo de subir ao Empire State Building a dali assistir ao entardecer. Do alto, olhou para a grande cidade e deu-se conta que encontrar alguém naquele mundo, com as informações de que dispunha, iria ser uma tarefa quase impossível. Tirou algumas fotografias tentando apanhar o pôr do sol e a luz reflectida no topo de alguns edifícios, desceu e subiu a pé para o hotel.