segunda-feira, 7 de outubro de 2019

VIVER E MORRER

A MORTE CHEGA CEDO




A Morte chega cedo
Pois breve é toda a vida
O instante é o arremedo
De uma coisa perdida.


O amor foi começado,
O ideal não acabou,
E quem tenha alcançado
Não sabe o que alcançou.


E tudo isto a morte
Risca por não estar certo
No caderno da sorte
Que Deus deixou aberto.


(FERNANDO PESSOA, in "Cancioneiro








1 -  NOVA IORQUE


      A noite caiu de repente sobre a cidade, que foi ficando prisioneira da luz que as janelas dos altos edifícios, marca indelével deste cidade que, sobranceiramente, desafiava as leis da física.
A noite era sinal de vida, numa cidade que nunca dorme. Aqui e ali, uma estrela parecia descer o céu, atraída, quem sabe, pelo fascínio da noite em Nova Iorque.


Era assim, neste duelo de luz e sombras, que, Pedro, se deixara envolver. Afinal estava na grande cidade, e tantas recordações guardara no mais profundo do seu ser. Tanto tempo, sussurrava com a voz tremida e os olhos vidrados nos desenhos  que lhe pareciam sombras dum homem perdido e sem esperança.
Vivera na cidade , frequentara um curso na Universidade, cumprindo os desejos dos Pais que tudo fizeram para que ele encontrasse o seu caminho.
Mas o destino trocou a esperança pela angústia e pela dor.
Inesperadamente recebera a notícia de que a Mãe tinha fechado os olhos numa noite fria. Ela escondera a doença até ao fim. O Pai ficou esmagado, não aguentou o choque e também partiu.
Pedro estava em Lisboa e no espaço de um mês, perdeu-se na tragédia em que se deixou envolver.
Lisboa, a sua cidade, perdera a sua razão de viver e sentiu que tinha que fugir. O Nova Iorque seria o destino.
Vendera a casa e com o dinheiro que lhe sobrou depois de cumprir os desejos dos Pais, comprou um bilhete para Nova Iorque mas, não podia retomar o estudo na Universidade. Tinha que começar a trabalhar.
Procurou e encontrou trabalho numa livraria, encontrou os livros que lhe iriam moldar o seu futuro. Livros de Poesia, de amor e de história.
Então conheceu o amor duma vida.
Foi um encontro marcado pelo destino.
Carol era uma mulher que queria viver todos os minutos de cada dia. Pedro entregou-se partilhando momentos de paixão.
Mas Carol escondera o destino que já conhecia. Apesar do amor ela sabia que um dia teria que partir. Esse dia aconteceu num mês  frio de inverno.
Pedro esperou, esperou e pressentiu que Carol havia sido uma miragem.
Nova Iorque fora o desabar dos sonhos. Tão poucos, apenas alguns meses numa vida!
A dor foi ainda maior porque recebeu uma carta que, gritou, tem que ser uma carta de Carol, da minha Carol.
As mãos tremiam-lhe para abrir a carta. E não foi capaz de esconder as lágrimas ao começar a ler.
Pedro
Quero cumprir a promessa que fiz à Carol, a minha única filha, e dizer-lhe que ela se sentiu tão feliz nos dias em que apaixonadamente viveram que lhe escondeu a doença cujo fim se aproximava.
Ela chegou a acreditar que o amor fosse a cura, fosse o milagre. Sim imaginou que o Amor tudo poderia curar.
Mas, numa noite ela sentiu que se aproximava a negra sombra, fugiu e regressou a casa para morrer.
Antes começou a escrever uma carta que junto.


"Pedro, meu amor, minha vida
Fui tão feliz que não consegui contar-te que a noite se aproximava. Peço perdão. Amo-te tanto que podia resumir a minha vida aos momentos, alguns meses, algumas horas, algumas noites, em que te encontrei e me entreguei. Eu queria pagar na tua mão, acariciar o teu rosto, beijar os teus lábios, mas fugi…


Estas palavras foram escritas antes de fechar os olhos.
Eu choro a minha filha, peço-lhe que guarde a sua memória, mas, por favor siga o seu caminho.
Por vezes, quando não se espera, encontra-se a alma gêmea e, acredite, desejo-lhe esse caminho.
Obrigado pelo carinho com que viveu os últimos dias da Carol.
Mas a vida continua
Elisabeth













sexta-feira, 16 de agosto de 2019

FASCINAÇÃO


UMA MULHER

Um dia, o telefone interno tocou e do outro lado a rececionista perguntou:

“- Tenho aqui à entrada uma senhora que lhe pretende falar. Não tem hora marcada e não existe registo de chamada prévia. O Senhor Doutor pode recebê-la?”

Hesitou, algum caso de divórcio quase de certeza, o que não lhe agradaria mesmo nada. Mas era a primeira pessoa que o procurava e esse facto despertou-lhe o interesse alimentando a secreta esperança de encontrar um caso interessante. Respondeu sim.

- “Pode subir ao 5º. Andar letra C, o Doutor António Pedro, espera-a minha senhora, informou a rececionista.”

António Pedro retomou o seu hábito, ajeitou o nó da gravata, vestiu o casaco, mirou-se ao espelho e gostou de se ver, e abriu a porta de acesso ao gabinete. A mulher que entrou era atraente, alta, cabelo negro, como os olhos, elegantemente vestida, não passaria despercebida em qualquer lugar. Andaria na casa dos trinta e cinco anos calculou enquanto a ajudou a tirar o casaco, que colocou dobrado nas costas de uma cadeira. Acompanhou a senhora até à poltrona de braços, colocada em frente da secretária e convidou-a a sentar.

            - “Então, em que lhe posso ser útil, perguntou?”

            - Doutor desculpe ter vindo sem marcação, mas o seu nome foi-me sugerido pelo Inspetor Marques da PJ, como sendo a pessoa certa para me ajudar. O meu nome é Maria Clara Figueiredo de Meneses, estou muito preocupada com o desaparecimento da minha filha de 12 anos. E por isso aqui estou, para contratar os seus serviços, quero encontrar a minha filha. António Pedro sentiu alguma frustração. Depositara esperanças num processo apelativo, e afinal era, apenas, um caso de desaparecimento de uma menor. Com aquela idade o costume era de fuga com o namorado ou o receio de comunicar algo que a embaraçasse, fosse sobre o aproveitamento escolar ou algum problema típico duma adolescente. Por momentos pensou recusar. Mas qualquer coisa no olhar da mulher sentada na sua frente fê-lo estremecer e tomou a decisão de continuar. Aqueles olhos negros, profundos, desvendaram-lhe a alma. Ele sentiu que o iriam fazer esquecer o passado recente.

Com um ar distante, António Pedro foi dizendo que a PJ, tinha um excelente departamento especializado para tratar estes casos, tem tido muito sucesso e, além do mais, tem também os meios necessários e a experiência para investigar esse tipo de situações. Eu pelo contrário não sou experiente nessa área da investigação. Maria Clara argumentou que a PJ tinha sido o seu primeiro caminho. Dera todas as informações que lhe pediram e o processo fora aberto. Mas, dizia recear que, apesar da reconhecida competência do Departamento, o caso da filha fosse mais um. Por outro lado, vim ter consigo recomendada por um amigo e antigo colega, porque o senhor tem uma grande vantagem, tem tempo e uma reconhecida sensibilidade e eu ficaria mais tranquila se o desaparecimento da minha filha for investigado de perto, quase me atrevo a dizer em regime de exclusividade. E estou disposta a pagar por isso. Peço não me desiluda, eu acredito que o senhor vai conseguir trazer de volta a minha filha.

            Ficaram um momento em silêncio. O apelo de Maria Clara tinha sido feito de forma veemente e nervosa, mas António Pedro não vislumbrara no olhar angústia e dor. Era estranho, pensava, não lhe parecera que a visitante, fosse assim tão capaz de esconder sentimentos tão naturais. Prolongou o silêncio, olhando fixamente o rosto da senhora, como se quisesse captar qualquer sinal que o levasse a recusar. Foi com um frémito que desconfiou, que o caso não era apenas o desaparecimento da jovem, e isso fê-lo mudar de ideias. Sentira algum desconforto, como se alguém o estivesse a empurrar para um lado negro. Alguém que sabia que só assim ele aceitaria o desafio. Fora certamente o amigo, mas não entendia o porquê.

Levantou-se da secretária, andou alguns passos de um lado para o outro, parou em frente da cliente, olhou-a nos olhos e disse:

“- Minha senhora, estou disposto a aceitar o seu caso mas terá de confiar, absolutamente, em mim. Isso significa, dar-me todas as informações que eu lhe pedir, mesmo se elas lhe parecerem deslocadas ou até demasiado íntimas. Vou precisar de a conhecer, saber o seu agregado familiar, conhecer o que pensa o Pai da criança, como é a rotina do vosso dia-a-dia, onde passam férias, com quem costumam conviver, amigos, etc. Aceitarei investigar o caso que me traz, mas quero que fique bem claro, não vou ser simpático e se a conclusão, se a ela chegar, for uma imensa dor, mesmo assim eu não deixarei de a assinalar. Se estiver de acordo, preencha agora ou entregue-me depois, o questionário que aqui tem, e estendeu-lhe uma folha A 4, e junte uma série de fotos da sua filha, sozinha ou em grupo, que tenham sido tiradas nos dois últimos anos. Quanto ao pagamento dos meus serviços falaremos mais tarde. Não antevejo custos extraordinários.

Maria Clara, aceitou as regras sem levantar qualquer obstáculo, dizendo apenas que não gostaria de ver a fotografia da filha, nos ecrãs da Televisão ou nas primeiras páginas dos jornais. Compreenda o meu desejo de privacidade.

Pareceu-lhe razoável e tranquilizou-a.

Concentre-se no fundamental, tente encontrar qualquer coisa a que não tenha prestado atenção e que poderia ter originado a que a sua filha perdesse a confiança e fugisse. Às vezes há um pequeno sinal e isso pode ser a diferença entre o sucesso ou o insucesso. Mas pense bem, não me esconda nada. Aqui tem o meu cartão com os números de telefone e o endereço de correio eletrónico. Esteja à vontade para me contactar se algo lhe ocorrer. Amanhã, pelas 14 horas gostaria de a receber, e comentar os dados do questionário que lhe entreguei. Esperarei por si. Entretanto deixe-me por favor um cartão com o nome e endereço.

Acompanhou a cliente à porta, despediu-se com um aperto de mão que lhe pareceu algo estranho. Os olhos de Maria Clara estavam brilhantes e ele sentiu um fluxo de sangue que lhe percorreu as veias. Foi o início do caminho que, no fim o deixou ferido.

 

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

ESTRELA DA TARDE


                                                       ESTRELA DA TARDE

 

 Nascera e fora criado no Bairro de Campo de Ourique e com a morte dos Pais ficara com a casa que agora ocupara depois da zanga com Filomena. Foi a pé percorrendo a rua que não bem conhecia. Pouca gente, o Bairro tinha uma população envelhecida que se resguardava da noite. Caminhava lembrando os cafés que já não existiam, as lojas entretanto fechadas, o jardim sem jovens. Conhecia a noite na cidade, mas a outra noite, a dos perigos, dos desencontros, da miséria e do abandono. Mas agora no silêncio das ruas que ia percorrendo até casa, sentia uma nova noite, tão calma que lhe apetecia abraçar. A casa era confortável mas tão vazia que se tornava fria. Faltava calor humano. Olhou para trás e lembrou.

            “Apenas por orgulho, não fora capaz de reconhecer o equívoco, que a sua vaidade masculina alimentara, que mais não fora que uma relação platónica mal resolvida. Não dera qualquer explicação quanto Filomena o confrontou e pior, sentira-se o ofendido. Cometera o primeiro erro, reconhecia. Afinal teria sido fácil justificar que fora um momento platónico, mas não foi capaz. Arrumara meia dúzia de objetos pessoais, enchera uma mala de roupa, empacotou a papelada solta e saiu de casa, instalando-se no apartamento onde agora estava. Na realidade confiava que a sua situação, fruto de uma birra, em breve voltaria à normalidade. Acreditara nisso, mas não dera o primeiro passo. Filomena não tardaria a telefonar para o convidar a regressar, foi a ideia que sempre dominou os dias tristes. Cometera um segundo erro. Filomena não fez o gesto que ele esperava.

            Para sua surpresa, a mulher, que exercia advocacia num escritório de prestígio, decidira também, abandonar a casa comum e ir viver para casa dos Pais. Ele não tinha família próxima. Ficou só. Abdicou um pouco do seu orgulho e conseguiu que a mulher se encontrasse com ele, ocasionalmente, mas nunca manifestando o desejo, verdadeiro, de reatar a vida em comum. Nos encontros esporádicos, falavam como dois amigos, evitando o que os separara. Julgara que pouco a pouco, a situação iria ficar esquecida. Todavia, subestimara o carácter da mulher. O que mais lhe custava era que ele amava Filomena e sentia-lhe a falta, mas teimava em não o confessar e era demasiado orgulhoso para pedir perdão. Quando Filomena, a meio de uma conversa inócua, e perante o enfado com que ele a ouvia falar do seu trabalho, lhe perguntou, num repente, se ele queria o divórcio, estremeceu e respondeu negativamente. Mas aquela simples pergunta, causara-lhe um estranho mal-estar. Ela já teria outra relação, concluíra roído de ciúmes.”

            Optou por fumar mais um cigarro, abrindo a janela da sala para deixar entrar a aragem fresca que se sentia. Mas a dor de cabeça não desapareceu. Nos primeiros momentos da sua nova situação, António Pedro confortara-se, pensando nas vantagens que poderia obter, sendo um homem liberto de compromissos. Queria viajar por África, mas Filomena era muito citadina e dissera sempre não, optando pela Itália a França e, sobretudo Nova Iorque. Agora só e sem nada que o impedisse, teria a oportunidade de cumprir esse sonho, mas o desejo depressa seria esquecido na preguiça e na desilusão de cada dia que passava. Ao deixar um trabalho muito intenso e absorvente, teria tempo para escrever as memórias e ler os livros que se amontoavam no escritório. Rejubilava com isso, contudo nada fizera.

            A separação fora um erro. Ele sofria mais quando encontrava a Mulher e a via mais alegre. Ela sempre se cuidara e tinha muito gosto na forma com que se vestia. E continuava assim. Ele, por sua vez, apesar de vaidoso, sempre escondera esse sentimento, aparentando distância e indiferença, algum charme discreto, alimentando assim os olhares cheios de promessas das mulheres que conhecera. Por ironia os colegas entendiam que esse comportamento era uma estratégia de um homem tímido e inseguro. E sabiam o que diziam. Todavia agora perdera o encanto que lhe reconheciam e até começou a descuidar a sua apresentação. Nada aconteceu como previra. Menos de 6 meses depois da reforma, já estava cansado. Os dias custavam a passar e começou a ficar sentado em frente da TV, sonolento, e dia a dia mais alheio do mundo. Dera voltas à cabeça, para encontrar qualquer coisa, que lhe ocupasse o tempo. Era egocêntrico bastante, para pensar que tudo se devia concentrar à sua volta. Em consequência, qualquer atividade que implicasse partilha ou supervisão dera sempre mau resultado. Os outros não o compreendiam nem aceitavam a sua, por vezes, irritante impertinência.

Sentira-se frustrado e incompreendido, e concluíra que o que quisesse fazer teria de ser sozinho. Só não sabia era o quê.

Assustou-se, passeava no Castelo quando um antigo colega lhe pousou a mão das costas e disse:

- António, estás a cumprir alguma pena? Olha-te ao espelho, recomeça a viver. Estás tão triste e nem reparas na beleza do rio iluminado pela estrela da tarde. Acorda companheiro!

 

A decisão, na realidade a única decisão que fora capaz de tomar desde que saíra da Polícia e de casa, não fora um caminho de rutura. Nada fora fácil, em tudo errara ou desistira. O caminho não o fez, retomou-o, ainda que com algumas cambiantes. O vírus estava lá, todas as suas qualidades e defeitos se mantiveram. António Pedro voltara ao rebanho. E de tal modo que, quando a Administração do condomínio, lhe sugerira, a conveniência de colocar na placa de entrada do edifício, o nome e a atividade, decidiu indicar, simplesmente, o que sempre fora:

          António P. Castro – Investigador

Demorou algum tempo a arrumar as estantes com os livros que lhe interessavam, contou à ex-mulher e alguns amigos o que tinha decidido fazer e ficou esperando o seu primeiro cliente.



ANGÚSTIA


                               ANGÚSTIA

A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.


 

                                           SOLIDÃO

                                                                             

            Era o entardecer de um dia de fim de Verão e o sol que se escondia por entre as nuvens dispersas, perdia luz e calor. António Pedro acabara de entrar no gabinete, recentemente alugado, num edifício de escritórios nas Amoreiras. Ficou fascinado com a paisagem que se lhe oferecia, sentindo um agradável torpor que se acalmava os sentidos. Como era belo o entardecer e o lento cair da noite.

            Foi buscar uma cadeira e um cinzeiro, sentou-se em frente da janela que abriu, para beber o ar da noite pura e serena enquanto saboreava um cigarro, enviando o fumo em círculos que se diluíam no ar. Entrara agitado no seu gabinete. Tinha sido um dia a correr de um lado para o outro, juntando os papéis que queria levar, os livros que sempre o acompanhavam e escolhendo o computador mais adequado ao seu trabalho. Agora estava tranquilo. Olhava para o seu novo espaço, era uma nova vida que estava começando, cheio de esperança e ao mesmo tempo com a angústia de perceber que a sua vida se modificara e num período muito curto. Primeiro o seu trabalho e depois o seu casamento. Mas a vida é assim, nada é eterno tudo é passageiro, concluiu enquanto apagava o cigarro. Perdeu-se na noite calma e serena onde nada acontecia. Mas com ele ficaram as recordações. Abriu o computador, olhou de relance para o correio eletrónico, mas nada havia de interessante. Não admira, pensou ele, apenas falei a um reduzido grupo de amigos, comunicando o meu novo caminho.

            “Até ele mesmo se surpreendeu, quando com 54 anos de idade decidira abandonar o cargo de Inspetor da Polícia Judiciária. Tinha sido uma decisão repentina, motivada por algum cansaço e pelas mazelas que uma longa e difícil investigação, que lhe ocupara mais de dois anos de trabalho e dedicação exclusiva, perseguindo o autor de alguns crimes hediondos. Conseguira mas nunca mais fora o mesmo. O seu perfil psicológico ficara afetado porque em vez do raciocínio frio e analítico passara a deixar-se levar pelo ódio e pela revolta. Ficara cansado e escolhera outro caminho. Esta alteração de personalidade afetara, também, a relação conjugal. A mulher, Filomena, tinha sido sempre o suporte e o amparo nos momentos difíceis, mas um pequeno incidente havia minado a confiança. Encontrara por acaso, no bolso do casaco que António pendurara no cabide do quarto, uma carta redigida em termos apaixonados. Quando lhe mostrara a carta e lhe pedira explicações, ele incomodado, respondeu ter sido uma paixão não correspondida, duma antiga colega de Universidade, um relacionalmente que terminara antes do casamento. Filomena, nada dissera, mas mostrara-lhe a data, um mês atrás.

            “ Nunca pensei que me andasses a trair, disse ela, e esta carta não terá sido a única. Imagino o seu conteúdo, de certeza que a tua amante é a colega que te acompanhou nas últimas investigações que foste fazer ao Porto. Investigações, digo eu, talvez eu tenha sido a única pessoa que acreditou. Os teus colegas e amigos certamente sabiam mas, como sempre, funcionou a regra de segredo que vocês, os homens, gostam de cultivar. Parva que eu fui!”

António Pedro despertou quando o relógio de parede anunciou a meia-noite. Estava tão perdido nos seus pensamentos e nem se apercebera como o tempo passara. Sacudiu as memórias, sentiu pela primeira vez o frio da noite e a angústia de regressar a uma casa vazia.

 

 

sexta-feira, 19 de julho de 2019

QUATRO SONHOS - AMOR


 

                                         QUATRO SONHOS

                                             

                                             A  M  O  R

 

 

 

                                       A  CASA NA COLINA

 
9- UMA VIDA 

 

Luís regressou à casa da colina. Pela manhã, abrigado do sol que a amiga azinheira lhe dava, ficou, espreitando o movimento das máquinas ceifando o trigo. Viu homens e mulheres trabalhando desde o nascer até ao pôr- do- sol. E também, só nessa altura, regressava a casa.

Foram dias de melancolia e de angústia. Quase se dar por isso, o sol ia ficando mais fraco, sinal que o verão terminara e, também ele sentia que o Outono ia chegando.

Não conseguia dormir e começou e percorrer a casa restaurada mas que ainda guardara móveis antigos. Uma arca de madeira encostada no vão de uma janela chamou-lhe a atenção. Sentou-se, abriu a tampa e foi encontrar fotografias e cartas que representavam a história de amor e de desespero de que Joana lhe dera sinais e o Manuel lhe contara.

Encontrou muitas fotografias que foi percorrendo desde o primeiro álbum até a carta de despedida dos infelizes Elvira e Jorge.

Luís tremeu, compreendera a ligação de Joana com as ruínas da casa da colina e isso foi a mais um passo para uma noite perdida. Sem dormir e sem comer.

Quando as forças lhe começaram a faltar, deixou de fazer a peregrinação até à árvore e foi ficando sentado na beira da cama. Fechava os olhos e imaginava ver Joana a cuidar da Elvira e do Jorge, o casal que ali vivera os últimos anos de uma vida sofrida.

As sombras queriam contar a história de amor mas ele já a conhecera. Ela estava escrita em cada parede.

Sentiu que as mãos começaram a tremer e os olhos cansados. Era tempo de se despedir. O verão terminou, o Outono aproximou-se trazendo as nuvens em que se iria perder. Reunindo as últimas forças, arrastou-se para uma mesa, sentou-se e escreveu o seu fim.

 

 “ Meu amor,

Eu vivi os melhores dias da minha vida infeliz, partilhando os nossos corpos. Não esperava, nem nos meus raros momentos de esperança, poder sentir de novo o calor do corpo duma mulher, ardente e apaixonada.

Sofri com a tua partida que, todavia já receava.

O teu irmão contou-me histórias da tua vida. Depois, encontrei fotografias, tuas, da Dona Elvira e do Senhor Jorge. Agora percebo a história de amor que me quiseste fazer sentir. Amor e dor. Mas dor é algo que eu já carrego.

Mas eu quero acreditar que sou capaz de enganar a noite que se cerra sobre a minha vida, e ver-te abrindo os braços como uma promessa de amor. Um minuto basta-me!

Sonho meu, tu és a vida e eu ficarei esquecido no pó que o vento irá espalhar pela colina.

Mas fui feliz. Valeu a pena.

Eu acredito que, um dia, irás voltar à casa da colina. Nesse dia pensa em mim, naquele náufrago que um dia encontraste.

Meu amor, minha loucura, minha deusa, ADEUS.”

 

Num último esforça arrastou-se para debaixo da azinheira, da sua azinheira. Deixara de se alimentar, Para quê pensava? A morte já vem a caminho.

E foi no crepúsculo dum dia de Outono que sentiu que um vulto caminhava na sua direção.

No último gesto, reunindo as poucas forças que lhe restavam deu um passo em frente e gritou JOANA! As pernas não responderam ao seu grito e caiu. E foi o fim.

 


 

terça-feira, 16 de julho de 2019

QUATRO SONHOS- AMOR


 

 

                          QUATRO SONHOS

 

 

                                                        A M O R

 

                                     A CASA NA COLINA

 

8 – OUTONO

 

 

Entretanto ao cair da noite de Domingo o Joaquim levou-o a uma outra aldeia, onde Manuel o aguardava.

Comeram quase em silêncio depois saíram sentaram-se num cadeirão, encostado à parede e virado para o horizonte e começaram a fumar.

Luís experimentou acender o cigarro, sem resultado, mais outro e acabou por desistir. Aquele encontro poderia ajudar a perceber o caminho mas…

Foi o Manuel que, fixando o olhar no Luís começou a conversa.

 

- Eu acredito que tem sido difícil este momento. Sei que sentiu o prazer e a alegria do verão, mas agora é preciso ganhar forças para enfrentar o Outono. Digo isto porque não terá sido fácil enfrentar que Joana partiu. Confesso que para mim não foi uma surpresa. E vou contar uma estória que talvez o ajude a conhecer o drama que minha irmã tem vivido e, espero, essa história lhe dê forças para esperar.

A casa na colina, como já percebeu teve uma ligação muito forte à minha irmã. Foi uma ligação de entrega, amizade amor e dor. Admito que ela se escondeu e que ande, perdida no meio de pessoas, duma grande cidade, vivendo o medo do futuro. Medo por ela mesmo, por recear não ser capaz de esquecer o passado que tanto a feriu.

 O Luís trouxe-lhe um novo alento, talvez não se tenha apercebido, mas Joana apaixonou-se e não foi capaz de reconhecer o amor. Fugiu, quem sabe, um dia voltará.

E para entender o medo da minha irmã, deixe-me contar uma história de amor, que se transformou em dor e sofrimento.

“ Quando o nosso Pai morreu, tinha eu quinze e Joana dezoito anos de idade, foi um choque que mexeu na nossa vida. Joana, estava em Lisboa no primeiro ano da faculdade de medicina. Fora sempre uma aluna exemplar, orgulho dos Pais que tudo fizeram para que ela seguisse o sonho.

Mas a vida é, por vezes, madrasta. Ainda não refeitos da morte do nosso Pai, e num espaço de algumas semanas, a minha pobre Mãe seguiu o mesmo caminho.

De repente o destino entregou a Joana a responsabilidade de garantir o nosso sustento e o futuro seria o que Deus quisesse. Mas o sonho da universidade ficou por ali.

Eu perdi-me, deixei-me levar por caminhos ínvios e ela encontrou-me, deu-me carinho e salvou-me.

Joana namorava desde os bancos da escola, com um colega, filho único de uma família considerada e toda a gente acreditava no casamento.

Também ele, Duarte é o seu nome, seguira para Lisboa mas escolhera outro caminho.

O destino pode trazer felicidade e dor. E Joana recebeu, apenas, dor.

Duarte que conquistara o seu coração não era o homem certo. Joana regressou a casa e ele continuou em Lisboa, depois no Porto, a fazer ela não sabia o quê.

Os Pais do Duarte eram pessoas simples mas com algumas propriedades. Tinham a casa onde viviam, uma casa grande nos arredores de Beja e uma pequena casa, esquecida no cimo dum monte.

O filho regressou a casa, perseguido por credores de dinheiro que gastara no jogo e no consumo de droga. Pagar era uma questão de vida ou de morte. Obrigou o Pai a vender as melhores terras, a melhor casa e apenas lhes deixou a casa da colina. Entretanto desapareceu.

Joana tinha por hábito subir até a casa da colina. Para ela era o momento de fuga aos desgostos que a vida lhe reservara.

E foi numa dessas visitas que encontrou os Pais do Duarte que não lhe souberam esconder que com eles apenas tinha levado os desgostos, a pobreza e a doença.

Joana investiu algumas, pequenas, poupanças e assegurou condições de vida para aquele casal.

Entretanto a doença da Dona Elvira agravou-se e foi internada no Hospital de Beja. Numa das visitas o médico chamou Joana de parte, dizendo-lhe que o hospital pouco poderia fazer por uma doente, sofrendo de uma doença sem cura, apenas era sujeita a cuidados paliativo e que chorando pedia para voltar para casa. E eu, digo-lhe, não apenas como médico mas como ser humano, que ela terá um fim menos doloroso, em casa, junto das pessoas que ama.

 

O marido, o senhor Jorge, olhou para Joana e com os olhos rasos de lágrimas, pediu ajuda. Joana abriu os braços e disse sim. Para aquela pobre família destruída, passou a ocupar o lugar da filha que eles haviam sonhado.

Foi assim durante mais de cinco anos, até que um dia, a minha irmã foi a Beja levantar a medicação, e voltou a correr para a casa da Colina. Sentiu um pressentimento, lembrou-se do beijo que o Senhor Jorge lhe dera quando ela montara a motocicleta para ir a Beja. Sim o calor do beijo tinha um sabor de despedida.

Conduziu com a máxima velocidade que a motoreta lhe permitia, subiu a encosta e entrou na casa da colina.

E o pressentimento transformou-se em realidade. Na cama jazia a Dona Elvira e deitado a seu o marido que a decidira acompanhar na última viagem.

Na pequena mesa do quarto Joana encontrou a nota Jorge escrevera antes de pôr termo à vida e que dizia:

 

 

“ Joana:

Do fundo do coração obrigado por tudo o que nos deste. Foste a única alegria que vivemos depois do abandono a que por amor tivemos de enfrentar, Tu foste a luz, o riso e a alegria para dois velhos cansados. Mas tudo tem um fim. Vamos fazer a viajem com um ultimo pedido. Se o nosso filho, Duarte aparecer pedindo ajuda, em nome de Deus dá-lhe o teu abraço. Não chores, tu mereces ser feliz.

Adeus

Elvira e Jorge.”

Manuel acabara de contar a história da casa na colina. Uma história de amor que ficara gravada no coração de Joana e permanecia viva em qualquer canto daquela casa. Olhou para Luís e rematou:

- Luís percebe a razão por que Joana se escondeu?

Luís acenou o sim e afastou-se.

Ficou perdido entre a esperança do reencontro e a dor esquecimento.

Decidiu que a casa da colina seria o seu lugar. Talvez Joana voltasse com o Outono.

 

 

 

sábado, 6 de julho de 2019

QUATRO SONHOS - AMOR


                       QUATRO SONHOS

                              A M O R

                       A CASA NA COLINA

6 – ANGÚSTIA

 

Luís leu e releu a carta. A despedida não fora uma surpresa, ele já pressentia que o sonho morrera. Era o fim que receava pois com os seus problemas, o seu destino ligado a uma doença sem cura, nada poderia oferecer a alguém tão carente e desiludida da vida como Joana se mostrara.

Também porque percebera que Joana teria uma história de amor destruído, quase adivinhava, a Casa na Colina fora palco da angústia que a carta de Joana denunciava.

Joana partira deixando-o mais ferido do que alguma vez poderia pensar.

Nos momentos em que se entregou sentia que o corpo de Joana lhe despertava desejos de resistir. De lutar até ao fim.

A mensagem que Joana lhe deixara podia ser entendida como um convite a partir e deixar a casa.

Sentiu que o destino o empurrava de novo para a casa da colina. Era o lugar que escolhera para esconder as suas dores, as suas angústias e quase se esquecera no turbilhão de sentimentos em que se deixara cair.

Pois bem, iria continuar o sonho e, quem sabe, talvez viesse a encontrar a paz.

Vivera quase sempre só. O seu casamento fora um erro e durara pouco tempo. Depois o seu tempo passara-o entre o trabalho, solitário e sem futuro e um ou outro encontro ocasional, e o prazer de fumar, cigarro após cigarro enquanto sentado num banco de jardim, assistia ao movimento apressado de pessoas que não conhecia.

Agora era tempo de se olhar no espelho e ver um rosto magro, triste, respirando a angústia que o fim se aproximava.

Decidido, acertou os pormenores com o ajudante do Manuel, embalou as suas coisas e voltou a subir a colina. Enquanto caminhava sentia renascer a esperança. Afinal, fora lá que encontrara Joana, fora na colina que se deixara enfeitiçar. E pela primeira vez acreditou que seria lá que se encontrariam de novo ou se perderiam para sempre.

Cheio de energia começou a penosa subida. Foi descansando ao longo do caminho e já o sol estava no seu zénite quando chegou ao destino. Descansou um pouco e entrou em casa, ainda com alguma desconfiança.

Mas encontrou uma grande diferença. Não precisaria mais de dormir ao relento pois a casa estava limpa, pintada e até tinha meia dúzia de peças de mobiliário já antigo.

O Joaquim transmitiu-lhe o recado do Manuel:

- O meu patrão disse que os trabalhos que pediu já foram executados. A casa já tem luz e água canalizada. Também vai encontrar roupas de cama, móveis de cozinha que a Menina Joana já havia encomendado. Ele garante que o senhor irá gostar da sua nova casa.

 Ah e já me esquecia de lhe dizer, O senhor Manuel gostaria de jantar consigo na próxima noite de domingo. Eu virei buscá-lo se estiver de acordo.”

Luís concordou.

Ficou sentado a ver o sol que se punha no horizonte. Estava agitado e não conseguia fechar os olhos.

Pensava que se voltasse para a cidade poderia deixar que Joana continuasse a viver a sua vida. Afinal, pensava, “terei eu sido egoísta e pensar só em mim e trazer a inquietação a quem não a merecia?

Pela noite dentro, sentiu que estava perdido. Ou partia ou ficava?

 Não conseguiu dormir. Levantou-se para ver o nascer do sol e ficou admirando a cor das searas, prenúncio de que a época da ceifa se aproximava. E com ela, talvez Joana regressasse.

A colina seria do ponto de encontro. Ele esperaria porque, agora acreditava, o amor é uma coisa maravilhosa e um dia iria ver Joana subindo a colina.

 

terça-feira, 2 de julho de 2019

QUATRO SONHOS -AMOR


                       QUATRO SONHOS

                              A M O R

                       A CASA NA COLINA

 

 

6 – NÃO, NÃO É UM ADEUS

 

 

Durante alguns dias o relacionamento entre os dois passou a ser menos envolvente. Era uma situação confusa, parece que nenhum queria dar o passo em frente.

Luís começou a caminhar pelos campos, seguindo os carreiros que Joana lhe tinha ensinado. O livro que sempre o acompanhava ficava por abrir, o caminho por entre as árvores passou a ser o lenitivo para as suas mágoas. Abraçava as árvores, acariciava as flores campestres que encontrava no caminho, num momento de libertação e reconhecimento pela natureza.

Voltou à sombra que escolhera, sentou-se encostado ao velho tronco, e foi assaltado pela dúvida. Afinal o que se estaria a passar na sua vida, perguntava-se:

- Como é que tudo começara, e porque se encontrava, agora, só e perdido?

- Afinal ele queria encontrar um local, para viver só, com os seus medos e angústias. Mas o destino, quando nada esperava, levou-lhe ao encontro, uma mulher, ainda jovem mas com uma forma de estar na vida tão diferente, que o perturbava. Sentia que Joana escondia sentimentos de dor e a sua solidão teria alguma coisa a ver com um desgosto de amor. Porque percebera que ela era uma mulher que se dava e se escondia dum momento para o outro. Como se a paixão fosse qualquer coisa que lhe despertasse sensações, que queria esquecer. Joana vivera um sonho de amor, só podia ser, e algo correra mal e a fizera descrer. De repente deixara o sonho de amor e ficava com medo.

Estava perdido num labirinto de paixões. Desejava Joana com todas as forças de que ainda era capaz e estava disposto a enfrentar o futuro, mas seria justo prometer algo que não se tem a certeza de poder cumprir?

Mas, num dia igual a tantos outros, Luís encontrou Joana, despida e deitada na beira da represa coberta de flores, oferecendo o corpo ao calor do sol. Parou, ficou sem palavras mas… palavras para quê, perguntava-se?

Despiu-se e foi anichar-se junto ao corpo que se lhe oferecia.

E foi mais um momento em que a paixão os fez esquecer o passado e mais uma vez se entregarem.

Os corpos suados, esgotados naquele momento em que de novo esqueceram o mundo e sararam algumas feridas, deixaram a marca das unhas cravadas com raiva e desespero. 

Ficaram estendidos, em silêncio.

Regressaram a casa. Joana lembrou que as obras de recuperação da casa já estavam a decorrer e, talvez fosse aconselhável ver se tudo responde aos seus desejos. Entretanto, com a chegada do calor de Julho que já se aproxima, começarão os trabalhos nas searas. Também para mim.

Luís percebeu que Joana lhe dizia para partir. Mas, para ele, partir era morrer um pouco. Sentiu que estava a mais. Nunca mais se atreveria a sonhar. No fundo, sabia que uma vez terminados os trabalhos da sua casa, a sua vida e a sua relação com Joana teria um novo sentido.

Ao voltar de mais um passeio, encontrou a mensagem que Joana deixara sobre a mesa.

Hesitou, mas começou a ler.

 

“Luís o que vou escrever não é uma carta de despedida, nem um adeus.

Mas preciso de dizer.

Vivemos momentos em que o desejo, tanto tempo reprimido, venceu a razão. Mas acredita que me entreguei com toda a paixão que fui deixando crescer desde que te conheci. Mas não leves a mal o que eu disser, porque na verdade eu ainda não enfrentei os meus fantasmas. Fazer amor contigo, foi como um grito, que precisava soltar, mas continuar esta relação pode ser doloroso para ambos. E eu já sofri mais do que merecia.

Deixei morrer os meus sonhos, o amor foi uma ilusão passageira. Fiquei só.

 O nosso encontro pode ter sido uma partida da vida. Juntar duas pessoas em ruína física e mental é cruel. Mas também pode ter sido uma esperança.

Preciso de encontrar o meu caminho sem sombras, sem dúvidas, por isso decidi partir sem destino e sem prazo.

Não penses que eu fugi de ti, pensa antes que uma pausa poderá ser bálsamo para as minhas feridas.

Acredita como eu, talvez algum Deus me arraste de novo para os teus braços, pois eu sei que sempre te irei amar.

Adeus, não te esqueças de mim. Vai visitar a casa na colina, talvez numa sombra, num raio de sol, num recanto escondido, venhas a encontrar a alma daquela casa. E se sentires esse sentimento, vê bem, talvez a alma seja a minha.

Joana”

 

 

domingo, 30 de junho de 2019

QUATRO SONHOS -AMOR









                                                       QUATRO SONHOS


                                                               A M O R
  
                                     
                                                      A CASA NA COLINA








 


5 – POEMA DE AMOR


 


 


Aquele momento, fora o encontro de dois corações desesperados. Fora uma vertigem que passou como uma nuvem perdida.


 Joana saiu correndo. Luís ficou sentado controlando as emoções.


“Quem diria que eu, desiludido na vida, fugindo à procura de um lugar calmo para viver o resto dos dias, passados três do início do caminho, iria viver um momento tão emotivo, tão apaixonado? Ele que já havia esquecido o amor e o sexo, entregaram-se como se fosse o primeiro dia, do primeiro amor.


Ficou no lugar onde ainda sentia o calor e o cheiro daquela mulher que lhe deixara marcada na pele os sinais de desejo e de angústia. Ficou revivendo aquele momento.


Fechou os olhos mas não conseguia dormir. Precisava de um calmante que o médico lhe aconselhara para um batimento acelerado do coração. Desceu, abriu a caixa dos medicamentos, encontrou o calmante que tomou e, enfim, enfim descansou.


Acordou cedo, barbeou-se, tomou um duche rápido, a água estava mesmo fria, limpou-se com energia e sentiu de novo o calor. Vestiu uns calções e uma camisola leve, calçou ténis e desceu.


Joana não estava na sala, mas tinha deixado uma chávena, pão e manteiga e no fogão a cafeteira que ainda fumegava. Serviu-se, generosamente de café, comeu uma fatia de pão com queijo, e sentiu que a felicidade chegara.


Sentia-se leve e sedento de companhia. A noite, aquela primeira noite, seria o prenúncio dum verão escaldante, talvez o maior e mais intenso. Até quando? Ah isso não sabia nem queria saber. Seria até ao fim.


Ouviu o ruído da motoreta, saiu à rua e Joana já o esperava sentada ao volante e avisando:


 


- Hoje está um dia de sol que me desafia a ver as árvores a florir, o trigo a crescer, o canto dos pássaros, enfim a Natureza é a minha confidente e companheira. Convido-o para ficar a conhecer o meu mundo mas ficará num local à sua escolha e eu irei fazer o meu trabalho. Levo um farnel para si e de for do seu agrado, traga um livro, daqueles que eu vi no seu saco de viajem, e espere por mim.


Luís voltou a casa, abriu o saco dos livros e escolheu o livro que poderia ser a história da sua vida. Vinte Poemas de Amor e uma Canção desesperada. Autor, Pablo Neruda.


Com os solavancos pelo caminho, Luís sentiu o mesmo desejo que perfumara a noite que não esquecera. Ele bem sentia a pele macia da companheira, por baixo dos seios soltos. Isso excitou-o como há muito tempo se não sentia, e fazia-o desejar que a viajem fosse até ao fim do mundo.


Mas Joana parou à sombra de uma velha oliveira e explicou:


“ Esta oliveira marca a separação de três propriedades. Naquela encosta que se vê à esquerda, plantei um olival novo. São oliveiras plantadas há dois anos e que são regadas num sistema gota a gota. Pertencem-me e eu trato-as como se trata um filho. Dia sim, dia não, faço-lhe uma visita, falo com elas, limpo algumas ervas e sento-me numa pedra que me permite espraiar os olhos pelos campos e beber a magia do meu Alentejo. Esqueço as desventuras e os desgostos, porque como Luís deve calcular, também os sofri. Aprendi a viver a tranquilidade e a beleza da natureza e as oliveiras que plantei com suor, dar-me-ão os frutos que me ajudarão a enfrentar o futuro.


A seara que se estende daqui até aquele monte, e indicou uma elevação bem distante é minha e de meu irmão. Foi a herança que recebemos dos nossos Pais. Cultivamos o trigo ou outro cereal conforme o mercado ou se o ano for seco ou chuvoso. É o Manuel quem toma as decisões. Este ano, como choveu bastante semeamos trigo e é de esperar uma boa colheita.


Os terrenos que não estão cultivados são de pouca qualidade, embora seja neles que construímos duas pequenas barragens de terra, guardando a água das chuvas e de um pequeno regato que por ai corre. É uma zona pedregosa, cheia de flores selvagens, com o cheiro da esteva e da madressilva. Passo muito do meu tempo, estendida numa rocha, molhando os pés na água, e ouvindo o chilrear da passarada que aqui faz os seus ninhos.


O Luís escolha um lugar de que goste, ficará só enquanto eu vou beber o cálice da minha amargura. Demorarei tempo mas no final do dia passarei para o levar. Parou a motoreta, indicou ao companheiro a árvore que serviria de local para o encontrar no regresso, Luís desceu, caminhou e sentou-se na sombra do pinheiro.


 


Luís descansou algum tempo e começou a caminhar. Sem destino, foi guiado pelo pensamento que encontrou um pequeno grupo de madressilvas, com as flores chamando as abelhas que voavam sugando o néctar. Ficou fascinado, para um citadino não seria fácil reconhecer a beleza do trabalho das abelhas operárias, duma sociedade perfeita.


Avançou, escorregou e caiu na água da pequena lagoa que as madressilvas escondiam. Ficou encharcado, voltou para o local de onde partira e deitou-se aproveitando o sol que, mesmo ao entardecer dum dia de Abril, lhe dava o conforto que há tanto procurara. Precisava de calor, no corpo e no coração. Afinal, quando esperava o sinal de partida, encontrou prazer, ternura e amor. Tremeu pensando: Estarei sonhando e tudo será, apenas, uma nuvem passageira?