sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

PORTUGAL , GUERRAS EM ÁFRICA




VINTE E OITO DEPOIS

Em Lisboa, no cais de embarque, uma multidão de pessoas acenava com lenços molhados de lágrimas. Eram esposas, mães e filhos que se despediam dos seus familiares que partiam para a guerra.

Os jovens partiam para a guerra, lá para os confins do continente Africano. Angola esperava por eles, os bravos soldados que haviam deixado as suas terras, donde muitos deles nunca haviam saído, e iam agora enfrentar todos os perigos duma guerra travada num lugar distante, porque essa era a vontade do ditador Salazar.

O paquete tinha sido transformado de modo a que havia beliches em qualquer sítio, incluindo os porões. Eram perto de quatro mil combatentes, três batalhões de infantaria, mais companhias de artilharia, enfim, era um mar de gente, que iriam, assim lhes disseram, defender a Pátria. Sete dias de viajem, passando o Equador, refazendo o caminho que os grandes navegadores haviam traçado, muitos séculos atrás.

Sim o mar sempre foi o nosso destino, o nosso fado, pensava o jovem oficial miliciano, encostado na amurada do paquete Vera Cruz.

Nascera perto da fronteira, ouvira contar e recontar histórias da guerra civil de Espanha. Esses relatos tantas vezes repetidos, haviam criado nele um sentimento de revolta mas também lhe despertaram o romantismo, que o acompanhava desde a adolescência.

E começando a ligar as histórias ouvidas à lareira, com os livros que lia, desde a poesia de Miguel Hernandez, Federico Garcia Lorca, de Pablo Neruda aos romances de Hemingway, Malraux, Orwell e outros mais reconhecera que as imagens daquela guerra o iriam acompanhar sempre.

E agora, anos depois, ali estava ele a caminho duma guerra.

Pensando bem talvez a guerra que iria combater não fosse tão trágica. Ou uma guerra pode, em alguma vez, não deixar marcas, interrogava-se?

Ouvira a história dos dois Portugueses que haviam percorrido o caminho na procura de salvar duas crianças vítimas inocentes daquela luta. Vira fotografias de crianças morrendo à fome e outras órfãs de guerra que foram levadas para bem longe e não mais voltaram. Agora, naquele momento de introspeção, não se lembrava no final da aventura dos dois irmãos. Teriam recuperado as crianças?

Que pena, como ele gostaria de pedir: “ Pai, conta-me outra vez”.

 

 

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

O CAMINHO


MADRID! TÃO LONGE!

Q grupo começou a retirada, carregando as mochilas, os sacos e as armas. Saíram sem palavras mas com sinais de cansaço espelhado nos olhos perdidos. E Dolores que tentava transmitir coragem aos companheiros, sabia que não podendo enfrentar de peito aberto os soldados do tércio, cada retirada minava o fervor dos guerrilheiros. Naquele dia em que dividira o grupo, sentira que o espírito de resistência enfraquecera. Olhava cada um dos companheiros que com ela ficaram e dizia-lhes e voz sumida:

 - Coragem camaradas, lutaremos até à vitória ou venderemos cara a derrota. Já nos tiraram quase tudo, os nossos Pais e Filhos, as nossas casas. Ficamos com a raiva e com a coragem de dizer, não.

Ganharam algum alento e começaram a descer dos montes, utilizando o caminho que Alonso já conhecia. Era um pequeno e perigoso trilho, que serpentava entre silvados e arvoredo, bordejando precipícios e penhascos. Enquanto se afastavam ouviam o estrondo do rebentamento dos morteiros e das granadas que a artilharia dos nacionalistas ia lançando sobre o acampamento. 

Era um caminhar em silêncio e só tiveram ordem para descansar quando o fragor dos rebentamentos ficou mais longe.

- Fizemos a parte mais difícil, disse Dolores, mas agora teremos que enfrentar desafios desconhecidos. Temos que atravessar terrenos abertos correndo o risco de sermos avistados por patrulhas do exército. Por muito que nos custe o mais acertado em marchar em grupo ainda mais reduzido. Vamos fazer assim:

- O Carlos e o Fadagosa seguem na frente evitando o contacto com o inimigo. Irão atravessar a estrada que vai até Albuquerque. Seguem pelo pinhal até encontrarem um carreiro quase abandonado e que segue até a uma casa em ruínas, Badajoz fica a uma hora de caminho. Esperam dois dias, apenas dois e sem sinais da nossa parte, metam-se ao caminho, procurem ajuda para chegar aos arredores de Madrid. É lá que estarão os nossos camaradas.

Sim tentem chegar a Madrid, é tão longe eu sei, mas é lá que ganharemos ou perderemos esta guerra.
Dolores abraçou os companheiros, dando-lhe forças mas estava sentindo a dor que nos resta no final duma história dura e cruel. Doía-lhe a alma.