domingo, 31 de julho de 2011

O HOMEM QUE RI

Finalmente livre. A história, O RAPTO, que me custou 29 longos capítulos de suor e lágrimas, acabou.
Confesso, fiquei tão feliz quando escrevi a palavra mágica! FIM.
Não vou sentir saudades e como sempre, não vou reler os textos que publiquei. Não vale a pena, pois acredito que se o fizer começarei a cortar, a remendar, a modificar, e no fim, a história ficará reduzida ao começo, um olhar desiludido de alguém vencido pela solidão, vagueando pelo amanhecer dum dia que sonhara e o final, a dor de quem acordou vencido.
Ao fim e ao cabo uma história igual a tantas outras que a vida nos lembra. Diz o Poeta “que o sonho comanda a vida”. Mas isso é poesia, já ninguém se atreve sequer, a sonhar.
E agora?
Agora fiquei preso pelos meus medos, parado numa encruzilhada, sem ser capaz de definir a direcção. Talvez precise de arrumar as ideias, coisa mais sem sentido o que acabei de escrever, é que para arrumar ideias é preciso que elas existam, não se arruma o vazio.
Mas não perco a esperança, um dia, em algum lugar, alguém pode dar-me uma oportunidade.
Não demorou muito. Ao sair de casa ouvi um vizinho comentar que a rua estava cheia de lixo.
LIXO, Eureka, ali estava um tema que me despertou e sobre o qual, reconheço, tenho alguma experiência e dia após dia me confronto.
E num momento hesitante de quem não sabe o caminho, nasce um homem que, finalmente, ri.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

O RAPTO

29 – CAPITULO FINAL

A história chegara ao fim. Uma história verídica cheia de amargura, desencontros, desilusões, sofrimento e que terminara com a morte trágica de um dos actores. Porém não fora uma peça de teatro, foram vidas vividas.
António tinha fechado o livro, nada mais havia para dizer. E foi assim que abandonou a sala e seguido pelos amigos e voltou para o gabinete.
- Agora peço para que me deixem só. Estou cansado, é verdade, triste e magoado, também, mas serei eu quem tem de arrumar as ideias, esquecer as imagens, apagar as chamas do fogo que quase me destruiu. Amanhã será um novo dia.
Fez um intervalo, fumou mais um ou dois cigarros. Sentia que de algum modo o fumo que inalava lhe causava torpor e desprendimento. Estava sereno quando decidiu espalhar pela secretária os papéis, fotografias e filmes que guardara no cofre e que estavam ligados ao caso que agora encerrara. Rasgou e destruiu tudo. Mas por ironia do destino, uma fotografia caíra no chão. Pegou nela e ficou paralisado. Maria Clara, nua deitada numa cama do hotel. Afinal os seus fantasmas não tinham desaparecido, ele sentiu que Maria Clara sorria só para ele.
Não se sentia bem. Precisava absolutamente de respirar, de se livrar do passado, esquecer, esquecer...
Abandonou o escritório, já era escuro, começou a andar sem destino. Apagara uma parte do passado e agora teria de encontrar o caminho do futuro.
Perdeu o norte, andava como um sonâmbulo. Na ruas que ia percorrendo não via pessoas, só sombras difusas e que nada lha diziam. Tropeçou, caiu e alguém lhe estendeu a mão e o ajudou a levantar, nem viu quem. Prosseguia a sua caminhada, andando algumas vezes no meio das ruas, mas nem as buzinas e insultos dos condutores o faziam desviar do caminho. Um homem que o seguia com o rosto lavado em lágrimas, ia tentando e conseguiu retirá-lo do meio do trânsito. Mas não mais do que isso, pois uma tentativa de ajuda, era repelida com brusquidão. Olhava o homem que lhe estendera a mão, era um desconhecido. Andou horas e guiado por uma qualquer força parou, não tinha força para mais. Sentou-se nos degraus e num acto reflexo pegou no telemóvel marcou uma tecla mas deixou cair o aparelho. Assim ficou, tombado tremendo de frio. Só os olhos teimosamente não se fechavam.
Carlos, era ele a sombra protectora, pegou no telemóvel caído e viu marcada a tecla 1. Tentou ligar e surgiu no ecrã o nome, Filomena. Carlos não sabia quem era, mas tentou. Ouviu do outro lado uma voz perguntar?
- António passa-se alguma coisa?
Foi Carlos que respondeu:
- Minha senhora, desculpe eu sou o Carlos amigo do Doutor António. Ele está muito desorientado, perdido e caído nos degraus duma casa aqui algures, perto da Avenida de Roma. Quando saiu do escritório, eu segui-o mas sem ele saber. Está cada vez mais desorientado, caiu inúmeras vezes e quando o ajudava olhava para mim como se nunca me tivesse visto. Foram mais de três horas que o trouxeram a este lugar. Aqui está caído, sem pronunciar uma só palavra. Foi ele que quis ligar, só conseguiu um número, depois perdeu-se. Só pude ver que ele escolhera a tecla 1 mas não teve forças para continuar. Fui eu que completei a ligação.
-Fez bem eu sou a mulher, ele tentou voltar para a nossa casa.
Por favor, fique com ele, não o deixe fugir, eu estarei aí dentro de dez minutos.
Um táxi parou junto da porta, com um forte chiar de pneus. Filomena saiu, correndo do carro, aproximou-se, olhou para aquele vulto tombado sobre um dos lados, sem se mexer e com os olhos vidrados. Sentado a seu lado, um homem utilizava o casaco para aconchegara o corpo caído.
Obrigada Carlos, ajuda-me e levá-lo para casa, porque sozinha sinto não ter forças.
Meu Deus António porque não ligaste? Mas vieste à minha procura. Com os olhos rasos de lágrimas pega no braço e murmurou-lhe ao ouvido.:
- Ajuda-me é só mais um pequeno esforço, estamos na nossa casa, quero-te muito tu sabes!
Pegou-lhe numa mão fria como gelo, enquanto Carlos o conseguia manter de pé e lhe guiava os passos até entrarem em casa.
- Vamos deitá-lo, ajude a tirar a roupa molhada. Abriu a cama Carlos pegou nele e com a força que nem sabia ter, meteu-o dentro da cama.
Filomena mediu a temperatura, tinha febre, verificou a tensão arterial, estava baixa. Deu-lhe um comprimido, sentou-se na beira, acariciando os cabelos e pegando na mão. Pouco a pouco o tremor deu lugar à tranquilidade e à calma, o rosto ganhou cor e António adormeceu.
Filomena aproximou-se de Carlos, deu-lhe um abraço dizendo:
- Felizes daqueles que têm amigos como tu. Obrigada do fundo do coração.
Creio que o meu marido está apenas esgotado e depressa recuperará.
Agora vou preparar um café fraquinho, acho que ambos precisamos, depois siga para sua casa, amanhã será outro dia.
Filomena ficou sentada à cabeceira da cama, mas pouco tempo depois sorriu, tirou a roupa e deitou-se agarrada, ao corpo do marido.

FIM

quarta-feira, 27 de julho de 2011

O RAPTO

28 – A VERDADE E A MENTIRA

A história é esta, prestem atenção:
A Doutora Maria Clara, médica, jovem viúva, com uma filha adolescente, em qualquer momento, que não sei quando foi nem é importante, envolveu-se numa relação amorosa com o meu ex-colega Artur Mateus; Ele era um homem simpático, atraente mas também sério e competente. Sofria duma doença terrível, o vício do jogo. Como acontece, quase sempre, quanto mais se perde num dia, mas se aposta para recuperar, perde-se de novo, e o ciclo não tem outro fim que não seja, a perda de tudo, até da vida.
O único bem que ele tinha, realmente importante, era uma família estruturada, mulher e dois filhos que, foram forçados a sair de casa como forma de fugirem ao inferno, em que o vício do jogo transformara aquele lar. Partiram, e levaram com eles, os únicos elos que Artur, ainda conseguia manter com a vida real.
Maria Clara estremeceu e manteve o silêncio.
- Não me custa a admitir, que ele se tivesse apaixonado por si, não é fácil resistir quando a Doutora usa o seu poder de sedução.
Mas, empurrado pela necessidade de arranjar dinheiro, vendeu-se a um grupo de traficantes de heroína, que tinha expandido a sua actividade para este País. Deu informações, protecção e começou a exercer pressão para ser parte mais activa no negócio e aumentar os seus proveitos. Quando o fez assinou a sua sentença de morte, já que mais tarde ou mais cedo eles iriam eliminar uma situação, potencialmente perigosa.
A necessidade de dinheiro era cada vez mais premente. Ele e a Doutora combinaram uma estratégia para o ir buscar, a quem o tinha, a Carolina, mas colocado num fundo, que seu Avô controlava.
A Doutora aceitou simular uma relação íntima com o homem que nem conhecia para poder aparecer como vítima de chantagem. Para isso posou para fotografias onde aparecia desnudada, num quarto de hotel, em posições sexuais, bem explícitas.
Maria Clara levantou os olhos como se implorasse compaixão.
- Não olhe para mim dessa maneira, a senhora sabe que é verdade. Combinou com o seu amante deixar-se seduzir por um indivíduo profissional, tendo pago do seu bolso, vinte mil euros por algumas dessas fotografias. Desse dinheiro o seu amante recebeu dezanove mil, o resto foi para o actor.
Não me diga que não sabia?
O seu parceiro de hotel, pressentiu que poderia arranjar mais dinheiro. Foi a sua casa, levou mais umas fotografias e pediu mais dinheiro. A senhora não estava e o envelope foi entregue à sua filha.
A Doutora aproveitou aquela oportunidade e aumentou o valor da chantagem para cinquenta mil. Foi a mim que contou mais essa mentira. Quando me falou neste pedido, isso só serviu para confirmar as minhas suspeitas. É que sabe, nessa eu já sabia, que o pedido tinha sido de apenas cinco mil euros.
Tentou, mais uma vez pedir a ajuda do seu Pai, mas ele ficou surdo ao seu drama.
Era preciso outro plano. E não hesitaram em utilizar uma jovem inocente, a sua filha, simulando um rapto, e forjando um pedido de resgate de centenas de milhares de euros a que para lhe dar mais autenticidade, juntaram umas fotos de Carolina. Estavam convencidos que para salvar a neta o Avô faria tudo. Mas você receava seu Pai. Era preciso encontrar alguém credível que pudesse conduzir a obtenção do dinheiro. E encontraram, fui eu o escolhido.
A Doutora, nunca esteve na PJ a comunicar o desaparecimento da sua filha! Veio a minha casa indicada pelo seu amante. Ele conhecia a minha recente separação e alguma atracção por mulheres bonitas e insinuantes. Aproveitaram a minha fraqueza para me conduzirem no vosso caminho.
Mas há sempre imponderáveis. Eu era e sou demasiado crédulo mas não totalmente ingénuo. Sabe, quando eu tive a certeza de que o rapto tinha sido simulado? Quando me deu o pedido de resgate, com as fotografias da sua filha. O sorriso inocente de Carolina, e um pedaço de um quadro na parede do apartamento onde tiraram as fotografias, denunciou-me o vosso plano. Carolina não estava raptada, mas de livre vontade no apartamento de Artur, e eu reconheci o pedaço do quadro que inadvertidamente fotografaram.
Porém o inesperado aconteceu. Os traficantes andavam a seguir Artur, esperando uma oportunidade para se verem livres dele. Mas não podiam, simplesmente matá-lo, pois receavam que houvesse mais gente envolvida ou que ele tivesse guardado informação. Para terem a certeza, precisavam de o convencer a confessar. E para esta gente, isso é sinónimo de tortura.
Conseguiram localizar o apartamento, e prepararam o rapto. Artur percebeu o perigo e tentou por mais de uma vez, contactar comigo, para pedir a ajuda. Mas eu não recebi os pedidos, pois tinha desligado o som do meu telemóvel.
- Enquanto isto se passava, onde estava a Mãe preocupada? Eu digo-lhe, estava a jantar num restaurante japonês, seduzindo este homem que está aqui, na sua frente. Eu também me sinto culpado, deixei-me inebriar e não quis ver o que na altura devia ter visto. A culpa também a carrego.
Interrompeu, sentira um cansaço que minuto a minuto lhe ia consumindo a energia. Levantou-se e saiu da sala. Procurou a casa de banho e deixou que a água fria aliviasse o fogo que lhe queimava a cabeça. Olhou-se no espelho e estremeceu. Envelhecido, olhos inchados, cabelo desgrenhado, barba por fazer e acima de tudo um esgar de dor. Mas tinha que acabar, agora não podia parar.
Ouviu o telemóvel, era o Carlos a perguntar se podiam ir com Carolina. Doutor António, penso que a devemos levar. Ela está muito perturbada, não chora não fala apenas se agarra à minha Mãe.
- Sim venham para o escritório, subam ao sétimo piso, nós estaremos na sala 2.
Recuperou um pouco da quebra por que passara e voltou para a sala de reuniões. Ansiedade, resignação, culpa, vergonha e uma réstia de esperança, eram sentimentos que António leu no rosto dos presentes. Imóveis, tensos como alguém que aguarda ouvir ler a sentença.
Apenas falta beber o resto do cálice, disse em voz apagada:
- Os traficantes perseguiam Artur, conseguiram a sua localização e pela calada da noite consumaram o rapto, mas viram-se numa situação que não previram. A presença de Carolina. Ela vira-os, também teria de desaparecer.
Mas no meio da desgraça tivemos um raio de sorte. Um amigo e colaborador também estava de vigília ao mesmo apartamento. Assistiu ao transporte do Artur e da Carolina, reconheceu alguns dos raptores e tomou nota das matrículas das viaturas. Nós acreditávamos que o refúgio do bando era em Vilamoura. Assim era, e num barco de recreio. Assaltamos o barco, libertamos a Carolina e encontramos o corpo de Artur morto e desfigurado pela tortura. E nem quero imaginar a dor e o terror com que Carolina assistiu a tudo.
Maria Clara deu um grito lancinante e pediu chorando copiosamente:
-Pare por favor, não me conte mais nada, tenha pena de mim. Quero ver a minha pobre filha! Depois de cabeça baixa confessou:
- Tudo o que o senhor disse é verdade. É horrível, mas foi assim. O que fiz foi para salvar o Artur, por quem estava apaixonada. As paixões cegam e só eu sei quanto me arrependi. Deixei avolumar os problemas, sentia que caminhávamos para o abismo, mas nunca tive coragem de lhe contar a verdade. O Artur era amigo de Carolina, que também gostava dele.
No desespero e para salvar a vida do homem que amava aceitei a farsa do rapto. Eu sabia que Carolina estava feliz e segura.
Que pena, foi isso que lhe disse a si quando jantámos naquele malfadado sábado.
E é verdade, perdera a oportunidade de contar tudo e pedir ajuda. Não sei se alguma vez poderei perdoar-me. Mas também eu me deixei fascinar.
Pode pensar, o que eu acabei de dizer, não serve para nada. Mas eu tinha de o fazer, porque naquele momento, naquele jantar eu estive bem perto, de lhe abrir o coração. Desgraçadamente, optei por mais uma vez, esconder. Nessa noite, já não vi Artur nem Carolina e admiti a tragédia. Procurei morrer, tentei mas para minha vergonha, não consegui.
A porta da sala abriu-se, Carlos e o Pai entraram e atrás Dona Elvira levando Carolina pela mão.
- A história acaba assim. Artur pagou o preço, ele sabia o que arriscava.
Mas para a vítima inocente, Carolina, fica uma ferida que vai demorar a sarar. Espero que ela vos possa perdoar. Levantou-se, deu a mão a Carolina e aparando-a entregou-a à família. Ela olhou para os amigos que deixara, hesitou e refugiou-se dos braços da Avó. Fizera a sua escolha.

terça-feira, 26 de julho de 2011

O RAPTO

27 – A FORÇA DO AMOR

Chegou a Lisboa muito cansado mas teimosamente, não o queria reconhecer. Passou pela casa de Carlos. A Mãe, uma senhora de cabelo branco, reconheceu-o, o rosto abriu-se num sorriso.
Falando baixinho, confessou que o marido e o filho estavam a descansar. A mesma coisa que o senhor Doutor devia ir fazer, recomendou a Dona Elvira.
- E a menina, perguntou António?
- A menina quando chegou nos braços do meu marido parecia uma criança. Ia preparar-lhe um banho e dei-me conta que não era uma criança mas uma jovem. Ela não me largava e tomou o banho sempre a segurar a minha mão. Fez-me chorar, aquela jovem tinha uma grande necessidade de carinho e olhava para mim com um olhar que nunca na vida irei esquecer.
Consegui que dormisse um pouco mas, como se fora uma criança mimada, tive que me deitar a seu lado. Eu sei que foi mimo a mais mas não resisti. Dormiu um pouco, muito agitada, sempre agarrada a mim. Acordou e está a comer, venha vê-la, já parece outra.
António viu o rosto triste, que lhe tinha povoado o cérebro, desde que a Mãe o procurara. Uma lágrima rebelde humedeceu-lhe o olhar.
Carolina não se apercebeu da sua presença, estava perdida e olhava pela janela como se procurasse um caminho.
- Deixe-a ficar assim, recomendou António, provavelmente logo irei telefonar para que a levem ao meu escritório, para se encontrar com a mãe.
Estacionou o carro, no lugar reservado no parque e sem passar pela recepção subiu no elevador directamente para o seu gabinete.
Sentou-se na cadeira, rodou para a janela e fumou dois cigarros quase seguidos.
Ligou o gravador do telefone fixo e ouviu as mensagens, todas deixadas por Maria Clara. A cada uma a ansiedade na voz ia aumentando, a última era mais murmúrio de palavras confusas, no final António só percebera perdão e ajuda.
Da recepção recebeu uma chamada, atendeu.
- Doutor está aqui a Dr.ª Maria Clara acompanhada pelo Pai e pela Mãe. Aguardam há horas mas já é hora de saída e não sei o que fazer. Não o vi entrar e só liguei porque as pessoas insistiram e eu tive pena.
- Está bem, veja se uma das salas de reunião está livre e diga-me. Logo de seguida mande subir.
Poucos minutos depois foi avisado que as visitas iam subir para a sala 2 do sétimo piso.
António continuou sentado, lutava entre dizer o que lhe ia na alma ou anunciar simplesmente o desfecho da história. Entrou na sala de reuniões.
A cabeceira da mesa estava um homem seco, rígido, com o semblante fechado, olhos duros sem emoção; ao seu lado uma senhora de idade, tímida, cabeça baixa e olhos vermelhos, sustendo as lágrimas. Finalmente a Maria Clara, que já nada tinha a ver com a mulher que, tanto o havia seduzido. Parecia uma sombra de si. Mas olhava de frente, não como um desafio, antes espelhando angústia e dor.
António ocupou a outra cabeceira. Era uma mesa grande e larga, havia distância e não intimidade, tudo seria mais fácil. Com voz fria como o gelo, António perguntou a razão da visita.
Foi o cavalheiro que tomou a palavra falando, sem emoção:
- Eu sou o avô de Carolina. Quis estar presente porque decidi aceitar o pagamento do resgate da minha neta. O senhor irá conduzir as negociações e eu deixo um cheque em branco que poderá completar com o montante exigido. Aceite por favor.
- Qualquer coisa na frieza das palavras, a ausência de sentimento, a soberba enquanto assinava e lhe estendia o cheque, fez com que António decidisse que iria dizer tudo o que lhe ia na alma. Sentia que devia isso a ele mesmo e à jovem perdida num atalho doloroso da vida. Respondeu:
- Não me interessa quem o senhor é. Guarde o seu cheque junto do seu coração, se for coisa que ainda tem. Se não gostar do que eu vou dizer, pode abandonar a sala, não o considero peça importante neste caso. Aliás, deixe-me dizer que não gosto de si nem da maneira como falou. O senhor não tem sentimentos, nem agora nem quando recusou ouvir e ajudar a sua filha,todos sabemos que cometeu erros mas toda a gente merece ser ouvida. Também os não mostrou quando ignorou que os problemas da sua filha se poderiam repercutir na sua neta. Como sempre e agora mostrou só pensou no dinheiro. Agora pode ficar tranquilo, o seu dinheiro não serve para nada. Não responda, não quero ouvi-lo.
Depois virando-se para Maria Clara:
- Agora chegou a sua vez, quero contar-lhe uma história. Será uma história dura e triste, de vidas sem rumo, de mentiras e tragédia, de egoísmo e irresponsabilidade, afinal tudo o que se passou na sua vida recente. Deixo para si a tarefa de escolher o seu papel. Melhor que ninguém, saberá o lugar que lhe coube neste drama e redescobrir a natureza do amor.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

O RAPTO

26 - RECOMEÇAR

António Pedro esteve no carro a pensar na estratégia mais adequada para o assalto ao iate Mar Belo.
Imaginou duas ou três situações mas esbarrava sempre com o desconhecimento do que poderia encontrar no barco. O assalto era um acto ilegal, ele não tinha autoridade para violar propriedade particular. Teria sempre que assumir riscos e o de cometer um crime e ser processado não era de excluir.
Mas tinha que admitir que Carlos, cuja sagacidade já pudera comprovar, fizera a identificação correcta do guarda do iate. Assim considerava como muito provável que o Artur Mateus e a jovem, retirados à força do apartamento, tivessem sido transportados para aquele lugar.
Acreditava que o sequestro de Carolina não fora previsto. Fora um imprevisto, estava no local errado, à hora errada, vira os seguranças que capturaram Artur, o verdadeiro alvo a abater, e isso era um risco que eles não poderiam correr, pelo que a levaram também.
Desde que começara a ligar factos e a ouvir versões, suspeitava que o rapto de Carolina tivesse sido simulado para arrancaram dinheiro ao Avô. E Maria Clara teria sido cúmplice. Teve quase a certeza quando viu o pedido de resgate e as fotos de Carolina. Artur ou Maria Clara tinham cometido um erro, para além do ar sorridente da jovem na fotografia, ele reconhecera uma parte de um quadro que já anteriormente vira em casa de Artur.
Ele conhecia bem o amigo. Polícia muito inteligente e capaz, sempre fora tentado pelo luxo e era um jogador compulsivo. Pressionado por dívidas de jogo, deixara-se corromper, dando cobertura ao grupo de traficantes. Correra um risco, provavelmente exigira de mais e ameaçara. Pagaria por isso o preço que, habitualmente, era a morte.
Tudo isto lhe parecia agora tão evidente que se recriminava como demorara tanto tempo a aceitar. Começara por desconfiar que a história de Maria Clara era uma cadeia de mentiras, mas deixara-se encandear pelos olhos duma mulher bela e insinuante.
Não havia volta a dar. Tinha de assaltar o barco. Não podia protelar, ou era agora ou poderia não ter outra oportunidade.
Telefonou aos companheiros e na calma da esplanada frente ao molhe, distribuiu as tarefas.
- Ele entraria na marina carregando um saco de super mercado. De rompante neutralizaria o guarda e sob a ameaça da pistola que levava no cinto, fá-lo-ia entrar dentro da cabine.
Afonso e Carlos deviam seguir alguns metros atrás, carregando o saco com as compras que tinham feito e entrariam na cabina, fechando a porta.
António olhou em redor e escolheu o momento para a acção. Acenou aos companheiros, disse é agora, e entrou na marina. Na proa do barco não teve dificuldade em surpreender o segurança e o empurrar com violência para dentro da cabine. Afonso e Carlos entraram logo de seguida. Aparentemente ninguém dera por nada e na cabine não viram movimentos suspeitos.
O segurança, deitado no chão com as mãos atrás das contas, sentindo o frio do aço da pistola encostada à cabeça e não ofereceu resistência enquanto Afonso e Carlos o amarravam com uma corda de nylon e o amordaçavam com a fita adesiva.
Fizeram um bom trabalho. A corda que o amarrava ligava o pescoço às pernas dobradas. Qualquer movimento brusco significava o seu estrangulamento.
Depois acenderam a luz e verificavam que num beliche, estava uma jovem amordaçada e amarrada. Apesar do terror espelhado no olhar, António reconheceu Carolina.
Foi Afonso, com a confiança que os seus cabelos brancos inspiravam, quem libertou a jovem e a aconchegou ao peito, acariciando a cabeça enquanto sussurrava ao ouvido, palavras de conforto.
Carlos foi buscar o carro, parou junto da porta da marina, o Pai entrou com a Jovem protegida com um cobertor e arrancaram para Lisboa.
António, permaneceu no barco e foi espreitar os recantos. Havia mais um beliche vazio. Desceu à casa das máquinas, num canto, dissimulado por debaixo das escadas, deparou com um fardo de plástico preto, amarrado com cordas de nylon.
Quis pegar nele, não conseguiu. Era, tinha a certeza, um corpo humano e imaginava de quem. Rasgou o saco no local da cabeça e o rosto de Artur Mateus ali estava, ensanguentado e desfigurado pela tortura a que fora sujeito.
O corpo estava preparado para ser lançado ao mar, com os pesos de cimento atados aos pés. O guarda devia estar à espera de instruções.
Ficou uns minutos, longos e doridos.
Voltou a tapar o rosto do cadáver, inutilizou o rádio do barco e desligou dois telemóveis que encontrou. O barco ficava sem comunicações e olhando para o preso que respirava mas não se mexia, ficou mais tranquilo. Fechou a porta e deitou fora a chave.
Agora era tempo de contar à Polícia. Ligou para o Inspector Pedro Lucena:
- Pedro falo de Vilamoura no Algarve. Manda vigiar um barco ancorado na marina. Chama-se MAR BELO e pertence a um grupo de narcotraficantes. Prepara-te, lá dentro está um segurança agora inactivo, mas também o corpo morto do Artur.
Acho que o guarda esperava a chegada dos companheiros. Boa sorte. Por favor esquece que eu liguei.
Caminhou pesadamente para o carro. Conduziu de vidro aberto para que o ar limpasse o cheiro a morte que sentia colado ao corpo.
Tinha chegado ao fim. O resto era como fechar a porta de um quarto escuro.
O tempo que levara a relembrar tudo o que acontecera, não lhe tinha arrefecido a raiva acumulada. Não, teria de a libertar, ainda que a verdade fizesse sofrer.
Mas só assim valeria a pena, recomeçar a viver.

domingo, 24 de julho de 2011

O RAPTO

25 – UM LONGO DIA

António Pedro chegou. Tinha um brilho estranho no olhar, uma mescla de cansaço, amargura e determinação. Carlos e o Pai estavam parados numa das avenidas de Vilamoura que dava acesso à entrada a quem conduzia de Lisboa, tendo tido o cuidado de dissimular o pequeno carro atrás de uns arbustos.
Conseguiam ver os carros para entrarem e saírem da zona. Todavia, como Carlos admitiu, só por sorte iriam encontrar os alvos. Tinham dormitado um de cada vez, mas com as matrículas dos carros suspeitos bem presentes.
- Vocês precisam de comer, sigam para o centro e vamos estacionar mas em lugar afastado. Pode ser que encontrem uma pastelaria já aberta, recomendou António Pedro.
- Chefe hoje é domingo, são nove horas da manhã, não temos notado muito movimento, o que é que podemos fazer? Estamos às escuras?
- Tens razão mas sinto que estamos no local certo. Não sei o que podemos fazer, apenas abrir os olhos, aguçar os ouvidos e pedir sorte. Enquanto vocês comem eu vou dar uma volta pela marina. Palpita-me que ainda sou capaz de encontrar noctívagos a recuperar da noite de sábado. Com sorte poderá ser uma pessoa que goste de falar. Entretanto vocês procurem uma farmácia de serviço. Quero que comprem uma caixa de luvas, outra de máscaras para a boca e nariz e mais dois rolos de adesivo, o mais largo que encontrarem. É uma precaução, podemos vir a precisar desse material.
Afonso, o Pai do Carlos riu comentando:
- Doutor vai assaltar uma casa ou…?
- Não sei ainda mas é melhor prevenir. Fica combinado que nos encontraremos num café na marina. Não sei qual, quem chegar primeiro dá um toque.
- Oh Chefe porque é que o senhor não aproveita a nossa companhia para tomar um bom pequeno-almoço? Desculpe mas o seu aspecto é de quem não se tem alimentado. E só o oiço falar de café e só o vejo fumar. Enquanto aqui está, sabe quantos cigarros já fumou? Não sabe pois não, mas eu digo, foram seis em menos de meia hora. Onde é que isso o vai levar?
- É certo que tem sido um tempo cheio de emoções, desafios, desilusões e muita frustração. E isso tem o seu preço, eu sei.
Hoje tem sido um dia particularmente longo,vazio e uma noite sem fim. Tens razão, preciso de parar e reflectir. Vou fazer-vos companhia, sigamos à procura de uma pastelaria ou um café aberto onde possamos retemperar as energias. Chegamos aqui, mas continuamos às escuras, procurando nem sei já o quê!
Encontraram um pequeno café. Era simpático e àquela hora tinha meia dúzia de clientes, frequentadores habituais e conversadores entre si. Mas que se calaram logo que viram entrar três estranhos.
António Pedro pensou para si que os casais que estavam no café, poderiam estar a dizer algo que só a eles dizia respeito ou a presença de estranhos os levara a serem prudentes.
Certo que praticamente só trocavam breves palavras. Mas assim que terminado pequeno-almoço e os três visitantes abandonaram o café, os puderam ouvir retomando a conversa que tinham interrompido.
Afonso ainda percebeu que eles discutiam a insegurança durante a noite.
Carlos e o Pai foram caminhando a pé, sem destino mas acabaram sentados numa esplanada na marina bem em frente aos barcos nela ancorados.
António Pedro seguiu outro caminho, perdido, sem destino. Sentou-se num banco de jardim a ver passar os poucos carros que circulavam. Era uma manhã de domingo, as ruas estavam quase desertas e na monotonia daquela manhã onde o sol já abrira, fechou os olhos e descansou.
Saiu do torpor com o som duma chamada no telemóvel. Era o que Carlos que com voz ansiosa lhe pedia para se juntar na esplanada da marina. Não demore penso que temos novidades.
António Pedro chegou, tinha recuperado algum vigor e sentando-se na mesa com os amigos perguntou:
- Conta lá as novidades.
- Chefe sente-se aqui um bocado. Eu sempre sonhei ter um barco igual a alguns que aqui estão, e poder passar a vida a apanhar sol e a pescar. O meu Pai, pelo contrário gosta mais do campo e trabalhar a terra onde nasceu.
- Mas a novidade é isso?
- Ai chefe não seja assim. Contei isto para lhe explicar a minha fascinação pelos barcos que aqui vejo. Porque, foi por tanto os admirar que descobri o que pode ser o fio da nossa meada.
- Antes de continuares, já compraram o que vos pedi?
- Não foi difícil, mostraram um saco, ali mesmo ao lado está uma farmácia de serviço.
- Então agora conta lá o que descobriste!
Carlos explicou que a sua atenção se centrara num barco bem grande que estava na primeira fila do cais. Notara algo diferente, só naquele via um homem corpulento, sentado na proa do barco enquanto bebia cerveja atrás de cerveja.
Ficara ainda mais atento, porque o desconhecido se levantara da cadeira, espreitou para o interior da cabine, fechou a porta e saíra para o exterior da marina. Chefe veja a minha surpresa, quando ele passou aqui ao lado eu reconheci-o, era um dos seguranças que ontem à noite esteve envolvido no rapto do seu amigo.
Enquanto ele esteve ausente fui dar uma espreitada. O barco chama-se MAR BELO e está matriculado em Algeciras.
O segurança voltou carregado com compras de super mercado, abriu a porta da cabine, entrou por breves momentos e ali está ele, refastelado a beber cerveja. O Chefe consegue ver?
- Sim vi.Sorriu e não se conteve, deu uma palmada no ombro do companheiro dizendo:
- Eu tinha ou não razão quando te fui buscar para trabalhar comigo? Senhor Afonso tem que ficar orgulhoso porque o seu filho é um jovem destemido e muito inteligente! Agora vamos sair daqui e depois de almoço, tentamos assaltar o barco. Eu vou estudar a nossa estratégia. Podemos estar no final de um dia longo,mas com o coração apertado, pois receio uma surpresa. E pode ser dolorosa, oxalá eu me engane.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O RAPTO

24 – CORAÇÃO INGRATO

Foi cheio de raiva mal contida, que voltou para o seu velho e desconfortável apartamento. Estava interiormente destruído, pela cabeça passavam turbilhões de imagens, palavras vazias, situações em que se deixara envolver, e que eram tão evidentes que só um coração solitário e carente não soubera ou não quisera reconhecer. Doía-lhe mais porque só ele era culpado.
Apetecia-lhe acabar com tudo, desistir, desaparecer mas lembrou-se duma miúda vítima inocente e que, talvez, só ele pudesse salvar.
Não conseguia descansar e dormir, vivia cigarros que fumava uns a seguir aos outros. Estava no limite mas decidiu continuar.
Espreitava à janela, esperando o nascer do dia. O relógio ficara esquecido na casa que fora convidado a abandonar. Não sabia as horas, a noite parecia lutar para atrasar o nascer do sol. Que horas seriam?
Lembrou-se do telemóvel abriu e ficou aterrado. Esquecera que o aparelho ainda estava no módulo silencioso, mas um sinal indicava que havia diversas chamadas não atendidas.
Foi com o coração nas mãos que começou a confirmar os números e a hora a que tinham tentado comunicar.
A primeira chamada fora do Carlos, registada às nove da noite, que repetira meia hora mais tarde;
Depois, alguém o tentara encontrar ligando por três vezes e com pequeno intervalo. A primeira fora estabelecida perto da meia-noite. Ficou assustado, reconhecera o número do Artur Mateus, teve o pressentimento amargo, três ligações tão seguidas indiciavam um pedido de socorro. Pobre amigo quanto precisara de ajuda, ele estava bem longe do mundo, perdido e enfeitiçado nos olhos de uma mulher.
Continuou a ler a lista das chamadas não atendidas. Carlos tentara ligar mais duas vezes, a primeira era uma hora da manhã e meia hora mais tarde nova tentativa. Por andaria agora o amigo, estaria ainda de guarda ou regressara a casa? Finalmente a última chamada fora feita pela Maria Clara já depois das três horas da manhã. Maria Clara aquela hora, algo imprevisto se passara. O que seria?
Esteve algum tempo perdido e sem saber o que fazer. A consciência pesava-lhe como chumbo. Não procurava desculpas, afinal ele fora o único culpado, mais ninguém. Não serviria de nada pensar que fora tão ingénuo que acabara sendo vítima dum coração ingrato.
Teve um assomo de energia e decidiu enfrentar o futuro.
Eram seis da manhã, começou por ligar para o número do Artur Mateus. Apenas por hábito, pois o telefone, como previa, já não dava qualquer sinal.
Tentou o Carlos e reconheceu a voz. Respirou de alívio, soube-lhe bem ouvir o amigo.
- Oh Chefe que susto nos pregou!
- Peço desculpa, mas agora, por favor, conta-me tudo!
- Então foi assim:
- Demos pela chegada ao apartamento que estávamos vigiando, do carro preto e grande que eu já conhecia. O condutor, o gajo gordo e careca, ficou no carro e outros três com todo o tipo de serem seguranças subiram pelo elevador. O meu Pai tocou para a porteira que lhe abriu a porta. Enquanto esperava confirmou que o elevador parara no sétimo e último andar. A Dona Preciosa, a porteira explicou ao meu Pai que aqueles inquilinos eram novos no prédio e raramente eram vistos.
O carro deu uma volta e acabou estacionando perto do nosso. Deu para ver a matrícula e o condutor.
Tudo ficou calmo e nós continuámos de vigia.
Mas já passava da meia-noite quando vimos parar junto à porta de entrada, um novo carro preto ainda maior. O motor ficou a trabalhar mas com as luzes apagadas. Poucos minutos após, três indivíduos saíram do edifício e entraram no carro. Dois deles levavam de rastos, um homem que não conseguimos ver bem, o outro carregava nos braços um corpo, que pelo tamanho só podia ser de uma rapariga.
Arrancaram em velocidade mas como passaram perto também deu para anotar o modelo e a matrícula.
Não sabíamos que fazer e o seu telefone não estava disponível. De repente o primeiro carro voltou, parou junto da porta do prédio e o condutor gordo e careca nosso conhecido, saiu e abriu a porta a um sujeito que, não havíamos ainda visto mas que, tudo indica, seria o chefe. Seguiu normalmente e até deu para ver o brilho do lume do charuto que o patrão fumava. Também anotamos a matrícula.
- Carlos e agora onde é que vocês estão?
- Depois da partida do último carro, como reconheci o condutor, lembrei-me que o Edmundo me contou que por vezes era o responsável por arranjar mulheres para festas que o chefe organizava numa casa que tinha no Algarve, na zona de Vilamoura. Então esse foi o nosso destino. Estamos aqui parados a descansar, já demos algumas voltas mas não localizamos nenhum dos carros.
- Tenham cuidado, podem correr perigo, aguardem por mim.
Esqueceu as suas dúvidas e angústias, pegou na pistola e munições, e voou para o Algarve. Era, pressentia, o fim do caminho.


quarta-feira, 20 de julho de 2011

O RAPTO

23 – FASCINAÇÃO

Consultou a internet localizou o restaurante de comida japonesa a que Maria Clara se referira e fez a reserva. Recomendou uma mesa discreta.
Abandonou o escritório, tomou um táxi e seguiu para a Polícia Judiciária. Há muito tempo que não fazia a prometida visita aos amigos mais chegados. O Lucena, velho companheiro de tantas investigações foi o primeiro que procurou. Depois do abraço António Pedro sentou-se no gabinete do amigo e perguntou:
- Então Pedro, novidades?
- Novidades, nada que tu não saibas. O que é que tens andado a fazer?
António Pedro contou em traços largos a investigação que vinha conduzindo e ao de leve mencionou os contactos mantidos com o Artur Mateus.
O amigo ouviu atentamente e comentou:
- Quando perguntaste por novidades eu devia ter percebido onde tu querias chegar. Era sobre o Artur não é verdade? Mas deves saber que ele se encontra suspenso há mais de dois meses aguardando a conclusão do inquérito a que foi sujeito. Não te faças de ingénuo, comigo não, tu vieste apenas confirmar algo que já sabias.
- Pedro desculpa, não te queria enganar. Pelos sinais de que me apercebi e pelas mentiras que ele me contou, concluí que o Artur se deixou apanhar numa teia da qual não consegue ou não quer fugir. Receio que acabe vítima da sua ambição.
- Como sabes estou a dirigir o departamento de combate ao narcotráfico. Por isso sei do que estás a falar. Tens o meu número de telefone confidencial, utiliza-o sempre que quiseres falar comigo. Conto contigo e tu podes contar comigo.
António Pedro deixou a sede da Polícia e regressou ao escritório. Não tinha tido notícias do Carlos e resolver telefonar.
O colaborador confirmou que estava com o Pai a fazer a vigilância. O meu Pai esteve a falar com a porteira, sabe como as senhoras são, sabem tudo e com jeito falam. O meu Pai teve paciência para ouvir mexericos e a certa altura ela confirmou que o inquilino do terceiro andar direito saíra mas voltara a entrar com sacos de um supermercado. Em voz baixa segredou que ele recebia visitas frequentes duma mulher mas que já à tempo não o via com a filha.
- Tudo está a bater certo com as minhas suspeitas. Continuem o excelente trabalho e diz se alguma coisa se passar.
Retirou o carro do parque e seguiu para o antigo apartamento. Estava finalmente bem disposto e até cuidou da sua imagem, escolhendo um fato que o fazia parecer mais jovem e com moderação aspergiu umas gotas da água-de-colónia que Filomena lhe oferecera pelo aniversário.
Chegou ao restaurante, mesmo em cima da hora marcada. Sem saber porquê colocou o telemóvel em silêncio e esperou no pequeno bar a chegada de Maria Clara.
Ela chegou com atraso mas a sua entrada não passou despercebida.
António Pedro não foi capaz de disfarçar o prazer que lhe deu, a companhia de uma mulher tão bela e fascinante. E que sabia tirar partido disso.
Sentaram-se, riram-se quando foi o pedido porque ele não percebia nada, do que a ementa oferecia. Acabou por ser ela a escolher a refeição, até as bebidas.
Pouco a pouco, foram chegando mais clientes e a sala estava já bem composta. Mas para António apenas ela existia. Tudo o resto era secundário e não o fazia desviar os olhos. Maria Clara sempre percebera a sedução que exercia sobre o companheiro e sentia-se confortável com a situação.
Foi com naturalidade que a sua mão procurou e acariciou a mão de António Pedro. Entrelaçaram os dedos os olhos resplandeciam. Pouco falavam, apenas um ou outro comentário e muitos sorrisos de cumplicidade.
Quando saíram do restaurante Maria Clara sussurrou:
- Que pena!
- É pena, porquê, perguntou António com voz trémula?
- Ela hesitou alguns segundos e respondeu, porque gostaria de prolongar estes momentos, mas não posso.
- E porque não? A noite ainda é uma criança.
- Lamento muito, mas eu tenho compromissos para a manhã bem cedo.
Ele não conseguiu disfarçar a desilusão. Mas Maria Clara fazendo aquele olhar que o encandeava, disse:
- Haverá outras oportunidades, prometo.
- Podíamos ir para qualquer lado e continuar a viver estes belos momentos, arriscou António!
- Também não, se o convite é para um bar de hotel, ainda que por poucas horas, seria um sacrifício muito grande. Ia avivar memórias, que quero esquecer, e isso roubar-me-ia todo o prazer.
À despedida, beijaram-se longamente. De repente, Maria Clara soltou-se e sem dizer nada entrou no carro e arrancou em velocidade.
António seguiu por momentos o carro que se afastava. Com ele, seguira um sonho. Ficara a tristeza de um equívoco que o seu ego alimentara. A realidade seria outra e ele estivera prestes a esquecer.
Estava ainda sentado na sala e ouviu tocar o telefone fixo. Foi atender e ouviu o que nunca esperaria ouvir. Era Filomena, quase gritando:
- Sai já da nossa casa. Esse espaço é dos dois, e eu não admito, que leves para aí as tuas conquistas.
Ele, balbuciou qualquer coisa, mas a Filomena continuou:
- Sabes o destino prega-nos partidas, e quando menos esperamos, vimos ruir as nossas esperanças. Logo hoje, depois de um dia de muito trabalho, os meus colegas me surpreenderam com um convite para jantar. E escolheram comida japonesa, imagina em que restaurante?
Eles conhecem-te, viram-te embevecido, como um jovem imaturo, bebendo dos olhos duma mulher. Calcula o que senti, quando o Filipe me segreda:
- Filomena, não olhes agora para o canto lá ao fundo, estão lá pessoas que queremos evitar. Vamos escolher outro restaurante se não te importas.
Foi como se dissessem, olha. Eu olhei e vi.
Quiseram desculpar-te, os homens são solidários. Filipe comentou, não dês importância ao que viste, aquilo não é um caso sério. Eu já conheço a senhora, e já a vi em momentos muito parecidos. Avisa o António para ter cuidado.
- Estás avisado. Não posso nem quero perdoar, mesmo que tenha sido uma aventura casual. Mas doeu-me muito. Não te quero mais na nossa casa. Sai daí, imediatamente, e leva a tua deusa contigo, disse com a voz trémula desligando de seguida para que António não se apercebesse, que chorava.
António sentou-se no sofá, pois as pernas tremiam-lhe. Tinha acabado de levar uma pancada forte, um soco violento no seu orgulho. Demorou algum tempo a recuperar do choque, e revoltou-se consigo mesmo.
Mal conhecia Maria Clara, mas um sorriso envolvente, um olhar convidativo e uma maneira sensual de cruzar as pernas e logo ficara obcecado. Para quantos não teria ela representado a cena?

terça-feira, 19 de julho de 2011

O RAPTO

22 – UM HOMEM E UMA MULHER

Carlos já estava no gabinete quando António Pedro entrou. Estava sorridente e eufórico. Olhe chefe, o Edmundo assinalou a mesma pessoa. Valeu a pena confiar nele, acho que a confirmação o vai ajudar, não acha?
- António Pedro olhou as fotografias assinaladas e não expressou qualquer surpresa.
Carlos ficou estupefacto e interrogou:
- Chefe, o senhor conhece a pessoa não é verdade? É um colega?
- Sim conheço e não só é um colega, é um amigo. Mas para te ser sincero tinha uma secreta esperança de estar enganado. Infelizmente não estava.
Vou precisar de ti. Quero que ajudes o Edmundo a sair e depois te prepares para vigiar esta morada, escreveu num papel. No terceiro andar desse prédio morava ou mora o Polícia que o Edmundo identificou. Presta atenção, ele é muito experiente e não pode sentir que o conheces. Se o vires entrar ou sair liga-me. Presta atenção redobrada à possibilidade de ele ser acompanhado por uma miúda com 12 anos de idade.
Tens de ser muito discreto, não facilites.
-Chefe fique descansado. O Edmundo tem o passaporte com a sua verdadeira identidade e tem dinheiro suficiente. Ele já me deu a morada do irmão em França onde se vai instalar e virá sempre que o Chefe queira. Por isso numa hora acerto tudo com ele e sigo para a vigilância. Para me movimentar vou pedir a ajuda do meu Pai, ele tem um carro pequeno mas muito bem conservado. Ele vai quer ir comigo, mas penso que será bom para me ajudar.
- Óptimo, faz como entenderes, mas não corras riscos desnecessários.
Carlos acabava de sair quando ligaram da recepção avisando que a Dr.ª Maria Clara pedia para a receber. Deu o sim e esperou.
Estava serena, no rosto apresentava alguns sinais de inquietação que os olhos com um brilho tão intenso pareciam desmentir.
Abriu a mala, tirou um cigarro que António Pedro lhe acendeu. Quando se olharam tão de perto António sentiu um apelo, uma promessa e ficou de tal forma fascinado que se distraiu e deixou que o fósforo lhe queimasse os dedos. Sacudiu-os nervosamente mas aquela situação mereceu um comentário irónico, de Maria Clara:
- Não me diga Doutor, está outra vez tão nervoso e cansado como estava ontem em minha casa! Diga-me sou eu que lhe faço assim tanto mal?
- Que ideia, balbuciou, estava apenas preocupado. E não deveria estar?
- Por favor Doutor não brinque com os meus sentimentos. Não escondo que a sua companhia me faz bem e me estimula mas não esqueci nem por um momento que, algures está a minha filha a precisar de ajuda. Mas se eu me esconder num canto a chorar, acha que ela voltará mais depressa?
António Pedro não respondeu mas sentiu que mais uma vez era ela que comandava as operações. E sentiu a sua fraqueza, Maria Clara já disso se tinha apercebido e jogava ao ataque. Limpou os pensamentos e concentrou-se no assunto principal. O rapto de Carolina.
- Diga-me Doutora o que pensa fazer sobre o resgate?
- Eu acho que não posso fazer outra coisa que não seja pagar. E conto consigo para isso. Pessoalmente não tenho disponibilidades para arranjar o montante exigido, mas existe um fundo em nome da Carolina, num montante que excede em muito o pedido e que pode ser mobilizado. Mas carece dum pedido meu, isso não é problema, mas do aval de meu Pai que é o curador desse mesmo fundo. Como já lhe disse o meu Pai fará tudo para resgatar a neta mas só com a garantia dada por alguém em quem confie, e o senhor será essa pessoa.
Pode interpretar como quiser a minha calma, mas acredite, só a mantenho porque acredito cegamente em si e sei que não me irá desiludir e tudo fará para me trazer sã e salva a minha filha.
- Doutora estive a olhar com muito cuidado o pedido de resgate. Não o papel que não é importante mas sim a fotografia. Sabe o que me espanta? Pela primeira vez vejo uma imagem sorridente de Carolina. Só posso ter uma leitura, ela não estava assustada e até parecia divertida com a situação!
Maria Clara hesitou, olhou de novo a fotografia, comparou com outras que trazia na carteira e por fim concordou ainda que com alguma relutância. Todavia acrescentou:
- O riso não me parece assim tão natural, talvez ele seja um retoque feito por qualquer especialista, só para me tranquilizar.
- Desculpe Doutora retocar uma fotografia para obter um sorriso de felicidade não cabe da cabeça de qualquer raptor por mais ingénuo que ele seja. Se fosse ao contrário faria sentido.
A minha posição é outra. Carolina quando tirou a fotografia estava acompanhada por alguém que ela conhecia e em quem tinha confiança. Talvez a Doutora imagine quem possa ser!
Mas não importa. Fale com o seu Pai e se ele quiser sabe onde me encontrar. Não se preocupe com o tempo exigido. Se o raptor falar, diga apenas que que precisa de mais tempo para arranjar o dinheiro. Implore e chore.Não vai ser difícil representar esse papel pois não?
- Farei com diz. Acho que o senhor na verdade não me conhece. Tenho pena, acredite do fundo do coração, eu sou capaz de dar tudo por quem amo.
Convide-me para jantar, eu terei muito prazer na sua companhia. Gosto muito de comida Japonesa e há um restaurante que gosto muito no começo da Avenida José Malhoa. O nome não sei mas será fácil de encontrar. Que me diz?
- Parece um pouco insólito ser você, desculpe, ser a Doutora a sugerir o encontro. Mas aceito, vou ver o nome do restaurante e farei uma reserva para as 21 horas.
- Gostei de o ouvir dizer você, obrigada e não esquecerei o nosso jantar.


segunda-feira, 18 de julho de 2011

O RAPTO

21 – A MULHER

Parou o carro longe da morada. Era uma rua de moradias de um e de outro lado, separadas por pequenos espaços ajardinados. Eram muito semelhantes, os construtores tinham lido pela mesma cartilha, eram casas de um bairro da classe alta e poucas alterações tinham sofrido ao longo do tempo.
Caminhou com um andar propositadamente lento. Seguia atento a carros estacionados junto ao passeio e ao mesmo tempo a veículos a circular com demasiada lentidão. Enquanto se aproximava sentia que caminhava para uma teia, que o podia envolver, mas que lhe trazia sensações de desejo e aventura.
Apesar das dúvidas sobre o comportamento de Maria Clara ela era como um íman que o atraía e do qual, não podia ou não se queria libertar.
Maria Clara devia ter assistido ao seu trajecto porque mal subiu os dois ou três degraus da entrada já a porta se lhe abrira. Maria Clara nada disse, apenas os olhos lhe sorriram enquanto se acomodavam num recanto acolhedor da sala, um lugar mais intimista iluminado por luzes indirectas.
Maria Clara sentou-se no sofá, e sem dizer uma palavra estendeu-lhe o anunciado envelope.
António Pedro recebeu mas não o abriu. Preferiu fixar o olhar no rosto de Maria Clara. Apesar da luz ou talvez por isso mesmo, pareceu-lhe que a expressão não traduzia o momento. Continuava uma mulher bonita e cuidada apesar do adiantado da hora, isso ele vira. Seria sempre assim ou ela ter-se-ia preparado para a entrevista?
António percebeu que se pretendia analisar com frieza a situação que ali o levava, tinham que afastar os olhos da mulher que o seduzia.
Finalmente abriu o envelope. Fê-lo sem emoção ou surpresa, o que ali estivesse escrito pouco adiantaria à tese que pouco a pouco ia ganhando contornos mais nítidos. Dentro retirou duas fotografias de Carolina, e uma folha de papel de fotocópia, onde escrito com letras recortadas de jornais, não identificáveis, coladas na folha de papel, vinha a nota do resgate.

PREPARA 500 000 E
QUARENTA E OITO HORAS PARA PREPARAR PAGAMENTO
ALGUEM DARA INSTRUÇÕES
POLÍCIA NEM PENSES
UMA FALHA… DIZ ADEUS A TUA FILHA


Nem um músculo se mexeu, pôs de lado o pedido de resgate e concentrou-se nas fotografias de Carolina. Esteve a olhar para uma e para outra, franziu o sobrolho e evitando olhar a mulher sentada na sua frente, perguntou em voz dorida:
- Dr.ª Maria Clara a senhora viu bem as fotografias de sua filha?
- Sim vi apesar de não ter conseguido evitar as lágrimas., foi a resposta.
- Ainda bem, assim temos que aceitar que as fotografias não foram manipuladas!
- Sim são de Carolina sem dúvida, coração de Mãe não se engana!
- Estou muito cansado, muito cansado. Vou voltar para casa e amanhã espero que possa passar pelo meu escritório. Estarei mais desperto, prometo. Entretanto vá pensando como pensa pagar o resgate. É isso que pretende fazer, não é verdade? Eu deixo o papel só ficarei com uma das fotografias de Carolina, esta por exemplo.
- Maria Clara levantou-se dizendo:
- O senhor tem a certeza que está em condições de ficar só?
Porque não fica mais um pouco, tomamos uma bebida e se quiser a casa é sua pode ficar a descansar? Acredite não me incomodará, eu tomarei conta de si! Eu também preciso de companhia nesta hora tão difícil!
- António Pedro estremeceu, mas respondeu que não iria ser uma boa ideia. Amanhã falaremos. Boa noite.
Caminhou rapidamente para o carro e conduziu para Lisboa. Estava tenso, sentia vontade de abandonar tudo, esquecer. Na verdade não se sentia bem. Dentro de si chocavam a razão e a paixão e percebia que essa mistura poderia ser explosiva. Encostou o carro, por momentos pensou retornar mas resistiu. Pegou no telemóvel e discou o número programado para a tecla 1. Tocou um bocado e uma voz feminina respondeu:
- Assustaste-me António Pedro, o que se passa para ligares a esta hora? Estás doente?
-Filomena, desculpa mas estava a pensar se por um dia ou dois podia ficar na nossa casa. Sei que tu não vives lá e não te vais importar, pois não?
- Tens as chaves, podes ir e não te vou perguntar o motivo porque queres lá ficar. Mas atenção não é para levares nenhuma das tuas conquistas porque não aceitarei. Descansa bem, parece-me que precisas. Boa noite.
Parou no hall, acendeu as luzes, e sentiu um leve tremor. Tudo estava como se lembrava. Os móveis não tinham pós, sinal que eram limpos com frequência. Foi ao quarto, a cama estava feita, abriu o roupeiro, encontrou ainda arrumadas as suas roupas, a sua colecção de gravatas, os fatos nos cabides, sapatos no local do costume.
Parecia ser o regresso a casa do filho pródigo! A calma que agora sentia era o contraste da agitação com o encontro que deixara.
Já se tinha esquecido, saíra de casa num impulso, e nada levara.
Foi ao quarto de vestir, encontrou as roupas de Filomena, a sua interminável colecção de sapatos, casacos de inverno, tudo arrumado. Enfim, também ela nada quisera levar.
No quarto de banho, ainda os seus artigos de higiene, a colónia preferida, o creme de barba, toalhas com o A e o F bordados, roupão, etc. nada faltava.
Vestiu o roupão, deitou-se em cima da cama e adormeceu.
Acordou era já dia, o cansaço vencera, a cabeça estava limpa de preocupações. Olhou para o telemóvel, tinha uma chamada não atendida. Fora feita às 9 da manhã pelo Carlos. Ligou, arranjou uma desculpa por não ter ouvido e Carlos, exultante, quase gritou:
- Chefe o Edmundo reconheceu em duas fotografias o homem que o contratou. Posso passar aí para lhas mostrar?
- Claro meu amigo, eu não estou no escritório, pedes a chave da recepção, eu aviso, entra e espera por mim. Eu não demoro.


domingo, 17 de julho de 2011

O RAPTO

20 – DESAFINADO

Pela primeira vez chegou cedo a casa. Estava muito cansado, cada vez mais dependente dos cigarros que fumava.
Pressentia que no meio da história que estava a seguir havia alguém a comandar cada momento, cada compasso, como um maestro a dirigir uma orquestra, na qual ele não era solista, apenas um figurante. A música não tinha fim, cada vez que se aproximava do clímax, parecia voltar ao início com outro tom e ele cansado deixava-se arrastar noutra direcção.
Dava voltas à imaginação para encontrar um caminho alternativo, mas percebera que os principais actores o haviam eleito para conseguirem os seus objectivos.
Já um antigo colega da Polícia lhe havia falado que Artur estava suspenso de funções à mais de dois meses e sujeito a um processo de inquérito, e ele admitia saber porquê; Já percebera que Maria Clara não representava o papel de uma mãe preocupada e inquieta. Mas Carolina, seria um simples joguete ou uma carta fora do baralho?
Quanto ao motivo não tinha dúvidas. Sempre aprendera que em casos cheios de contradições o ponto comum, seria sempre o dinheiro.
Esperava o amigo por volta das vinte e duas horas pelo que tentou dormir deitando-se no sofá. Não o conseguiu mas sempre descansara a cabeça. Já não sentia o zumbido que tanto o havia perturbado. Ainda era cedo mas decidiu colocar-se na janela que dava para a rua principal, com as luzes da sala apagadas e espreitando pelos cortinados o trânsito que passava. Queria ver chegar o amigo e, ao ver um carro de uma marca da gama alta, circular mais devagar enquanto o condutor ia olhando para a numeração, sem surpresa reconheceu o condutor e sentiu pena.
Ouviu tocar a campainha abriu a porta e recebeu a visita.
Artur aparentava estar mas agitado do que o habitual. Sentia que ele tudo fazia para esconder mas a calma forçada, era mais uma acalmia do mar antes da vaga destruidora.
Artur instalou-se no sofá, respirando fundo enquanto António prepara as bebidas.
- Como vês não me esqueci do que tu gostas, e trago para beber esta garrafa de whisky que encontrei na dispensa. Lembro que era o teu preferido, ainda não mudaste pois não?
- Tens razão, continua a ser a minha marca preferida. É cara o que é uma pena, mas é de primeira qualidade e a beber contigo sabe sempre melhor. Brindemos pois à amizade e aos velhos tempos!
- Artur nunca te cheguei a perguntar, sempre foste promovido ou alguém te passou?
- Já sabes como são as coisas, houve um gajo protegido por um Ministro qualquer, que ocupou o lugar de subdirector que me estava destinado. Mas vai-se vivendo.
- Eu perguntei porque te queria dar os parabéns, já que te vi a conduzir um carro topo de gama.
- Verdade, mas tomara que fosse meu. É dum amigo que não gosta de conduzir e por vezes eu posso desfrutar do prazer de utilizar um automóvel de classe.
- Artur é bom ter amigos porque às vezes damos um trambolhão e precisamos de alguém que nos ampare.
- Sim, é verdade, eu sofri com a separação da Irene e sinto muitas saudades dos meus filhos. Ainda por cima ela decidiu ir viver para o Minho e não me é fácil visitar e gozar da companhia dos miúdos. Mas sempre contei com a companhia dos amigos.
- Porém, arriscou António, alguém me segredou que os amigos que te rodeiam já não são os de antigamente e que não serão os mais aconselháveis. Desculpa-me mas mentiria se te escondesse o que me disseram!
- Estás a falar de boatos, não esperava isso de ti, mas já que me chamaste, vamos ao que interessa. O que se passa?
- Vamos falar sobre a Carolina. Corrige-me se eu estiver errado A rapariga desapareceu de casa da Mãe na segunda-feira passada, sem qualquer motivo que saibamos e na terça-feira a mãe esteve na PJ a apresentar queixa. Foste tu que tomaste nota da ocorrência e foi por tua sugestão que a Mãe me procurou?
- Confirmo foi assim!
-Artur, tu já conhecias a Dr.ª, Maria Clara dado que não é habitual ser um Inspector a tomar nota daqueles ocorrências... não é verdade?
- Não, não a conhecia de lado algum. Como não havia ninguém disponível no departamento, fui eu de facto, que fui receber a queixa. Depois transmiti o dossier a quem de direito e agora vou perguntando, ocasionalmente se há algum progresso na investigação. Por exemplo, nesta altura nem sei como está a andar o inquérito, pois tenho estado destacado noutras tarefas e nem tempo tenho tido para me informar. Mas tu também sabes que sobre a investigação não vou falar.
– Já agora, descobri durante a minha busca de Carolina, que há cerca de um ano foram mortos e atirados ao rio, presos com blocos de cimento nos pés, dois seguranças dum determinado estabelecimento de diversão, por suspeitas de serem informadores da Polícia. Sabes alguma coisa ou também não podes dizer?
- Ouvi falar. Penso que a investigação bloqueou por falta de testemunhas.
– Artur o que te vou dizer é grave. Eu sei quem cometeu os crimes e tenho uma testemunha presencial, disposta a depor em Tribunal!
- Nesse caso dá-me a informação que servirá para reabrir o processo.
- Não posso, lamento. A testemunha garante que o crime foi cometido, como aviso a um polícia que estava a exigir demais. Já me conheces, eu tenho a testemunha sob a minha protecção e não a vou expor enquanto tiver dúvidas sobre o envolvimento de alguém da corporação. A testemunha só testemunhará em juízo, quando eu sentir que o risco desapareceu! Mas para mim este processo é marginal, eu só estou interessado em encontrar a rapariga. Mas estou plenamente convencido, que o rapto foi executado, por pessoa ou pessoas ligadas ao mundo do crime, por razões que irei descobrir. Dou-te estas informações e não te peço nada em troca que não seja a verdade. Podes aceitar?
- Cheira-me a chantagem e não gosto da tua insinuação. António vê lá onde andas a mexer. Tem cuidado! Podes queimar as mãos...
- Eu não estou preocupado meu amigo e como prova aqui tens um sobrescrito contendo fotografias recentes dos suspeitos. Este assunto deixo-o nas tuas mãos, vai dar-te prestígio.
Artur levantou-se, bebeu o último gole, poisou o copo e replicou:
- De amigo para amigo. Cuida-te, toma precauções, pois podes estar a lidar com gente muito perigosa e a esta hora, já deves estar marcado. Se fosse a ti mudava de casa por uns tempos. Saiu batendo com a porta.
Ainda não passara meia hora depois da saída intempestiva de Artur, quando o telefone tocou. Do outro lado Maria Clara, com voz agitada pediu ajuda:
- Doutor, encontrei debaixo da porta um envelope com algumas fotos da Carolina e uma nota manuscrita com ameaças e o pedido do resgate. Ajude-me, o que hei-de fazer?
- Acalme-se, dentro de meia hora estarei em sua casa.
Saiu, pegou no carro e seguiu para Cascais. Entretanto na rádio transmitiam o disco com o Bolero de Ravel. Era, reconhecia, a música apropriada.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

O RAPTO

18 – AMOR DE PERDIÇÃO

Recostou-se no cadeirão. A mulher não era fácil e deixara muitas dúvidas no ar. Ou saberá mais e escondeu ou está perdida numa teia de mentiras.
No momento lembrou-se que Edmundo dissera que o gang tinha contactos estreitos com alguém da Polícia. Sentiu-se um mal-estar, receava que as dúvidas que sentia se viessem a concretizar.
Deixara-se envolver demasiado e amaldiçoava a hora em que tinha decidido escolher aquele caminho. Perdera as referências, o casamento e ganhara angústias e sobressaltos.
Ainda não se tinha refeito das emoções e já o telemóvel tocava. Conheceu o número. Era o Carlos:
- Chefe estive a vigiar a casa do Edmundo. Aí por volta das 11 horas reparei que um jipe preto subia e descia a rua, em marcha lenta. Levava dois homens, o condutor é um segurança do clube, aquele alto e gordo. O outro ocupante nunca o tinha visto.
Tirei duas ou três fotografias e anotei a matrícula do carro.
Tive medo pelo rapaz e enquanto o automóvel foi dar a volta para inverter a marcha, fui a correr bater à porta do Edmundo, que me abriu de imediato. Estava apavorado! Ele também estava à janela e também vira o carro.
Pensei fazê-lo sair do apartamento pela porta de serviço. Dei-lhe o meu blusão para ele vestir, e assim disfarçado disse-lhe para sair, apanhar um táxi para minha casa. Dei-lhe a morada e mandei-o embora.
Eu vesti um impermeável e desci pelo elevador. No rés-do-chão saí com a maior naturalidade e vi o tal capanga mal-encarado à espera no r/c. Já na rua, andei uns metros no sentido contrário ao carro suspeito, apanhei um táxi, dei umas voltas para ver se era seguido, e estou-lhe a falar aqui de casa.
- E o Edmundo desapareceu, claro!
- Não chefe. Está aqui comigo e vamos almoçar em casa. Os meus Pais foram visitar a minha Avó. Ele perguntou-me se o Doutor era de facto pessoa para o ajudar a sair para França, onde tem família. Como eu lhe dei essa garantia ele contou algo que escondera.
- Doutor arranje um pouco de tempo e venha a minha casa. É melhor ouvir da boca dele, pode ser?
- Claro que vou, espera por mim.
Lembrou-se que na gaveta da secretária tinha um álbum de fotografias com muitos dos antigos colegas, em grupo ou isoladas, algumas bem antigas outras recentes tiradas durante a festa de despedida que colegas e amigos lhe ofereceram. Meteu tudo na maleta e conduziu até casa do amigo.
A sua intuição dizia-lhe que uma parte do segredo por detrás do desaparecimento de Carolina dependeria de Edmundo e esperava que ele conseguisse identificar o Polícia ligado ao negócio dos estupefacientes.
Em casa do amigo, encontrou outro Edmundo. Já não tinha aquele ar insolente com que uma vez o enfrentara e tinha o medo reflectido no olhar.
Edmundo, nervoso, começou a falar.
Começou por lamentar não ter tido a coragem de recusar o serviço que lhe fora proposto. Se o recusasse não estaria agora escondido e a recear pela vida. Tudo começara quando um homem que frequentava o clube, o aliciara para a conquista da mulher que, naquela sexta-feira, estava com um grupo numa festa no bar.
O desconhecido garantira-lhe que tudo estava combinado. A Doutora sabia de tudo, a dormida num hotel as fotografias e o vídeo no quarto de hotel, em que a Doutora participara de livre vontade, até ao montante a exigir pelas provas, tudo fora delineado por outro e ele apenas executaria. Do trabalho recebera mil euros, o resto fora para o mandante.
Mas cometera um erro, tentara vender mais algumas fotografias, exigindo o valor de cinco mil euros. E foi ao tentar cobrar aquele valor que se vira envolvido numa história muito mais complexa do que imaginara.
António Pedro ouviu tudo com atenção mas o seu pensamento estava bem longe dali. Afinal o que ouvira não o tinha surpreendido. Rompeu o silêncio que se instalara naquela casa, dizendo:
- Edmundo podes correr perigo, eu sei, e por isso cumprirei o que te prometi e vou ajudar a tua saída para o estrangeiro. Mas antes quero que fiques com este conjunto de fotografias e com calma vê se numa ou em outra reconheces a pessoa que te contratou. Faz isso com muito cuidado, repete as vezes que forem necessárias e se encontrares assinala com um marcador.
Se encontrares a pessoa telefonem para mim, seja a que hora for e eu virei.
Mas vê com atenção. Pensa que há em pessoas em risco.
Entretanto o Carlos vai programar contigo a tua viagem. Se for preciso dinheiro eu pago.
Sem dizer mais nada, deixou a casa e ao sentar-se no automóvel, sentiu suores frios que lhe escorriam por todo o corpo, como um acesso febril. Recostou a cabeça no volante, ficou assim por largo tempo até que controlou a respiração. Depois recuperou força e seguiu para casa.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

O RAPTO

17 - SEXO MENTIRAS E VÍDEOS

- Doutora, acha que o seu pai também teria recebido fotos e o pedido de resgate pela sua filha?
- Não creio. Os meus Pais são muito frios comigo mas adoram a neta. Se lhes tivessem pedido qualquer coisa para resgatar a menina tê-lo-iam feito.
- Desculpe a pergunta, a senhora conhecia bem a sua filha? Ela teria algum comportamento ou hábito que pudesse explicar o seu desaparecimento?
- Sonhava vir a ser escritora. Tinha um bloco onde anotava factos ou curiosidades. Mostrou-mo algumas vezes e pelo que li, nem sequer se podia chamar um diário. Mas escrevia pequenas frases ou fazia desenhos, que para ela tinham algum significado. Por exemplo se saía e eu não estava em casa, deixava uma pequena nota escrita ou um desenho relacionado, tipo charada, que colava na porta do frigorífico. Eu conseguia saber o local, apenas e só, se decifrasse o enigma.
- É uma maneira interessante, de comunicar, por enigmas. A Doutora acha isso normal entre uma Mãe e uma filha de 12 anos? Não estamos a falar de uma criança, estamos a falar de uma jovem numa idade problemática! A Doutora não se terá esquecido que tinha uma filha adolescente e que eventualmente precisaria de conselhos e orientação? Não estranhou o que o seu Pai tenha recusado ajuda? O que é que ele saberia, a senhora sabe e me escondeu?
Maria Clara estava agora mais vulnerável, António apercebeu-se da situação e continuou:
- Dada a ausência de uma cumplicidade entre Mãe e Filha, não enjeita que ela tivesse recorrido a outras pessoas para obter resposta às suas dúvidas?
- Afinal na sua opinião Carolina fugiu desiludida com o seu comportamento ou foi raptada?
Maria Clara abanou a cabeça e respondeu:
- Doutor, eu vim procurar a sua ajuda para encontrar a minha filha desaparecida, e não para receber lições sobre a educação dos jovens. Desculpe que lhe diga, não me parece a pessoa mais indicada para me dar lições de comportamento.
Enfrentou sem pestanejar o interlocutor e, mais uma vez, cruzou as pernas, de forma desafiante.
- Doutora não percebo o seu desagrado pelas perguntas que formulei e que mostram a minha perplexidade e a minha convicção que a senhora apenas me contou uma história? E confesso, nem sei se é a sua história ou se ela foi encomendada!
Maria Clara como que ignorou a observação e respondeu à pergunta de António:
- Carolina, tinha amigos e amigas. Mas não a vejo a partilhar segredos. E se o fizesse, certamente que, algum deles já me teria dito algo.
- Ainda em vida do meu marido passávamos as férias de verão numa casa em Vilamoura. Ganhamos amizades e Carolina também tinha amigos da mesma idade com quem ia à praia.
Mas eram amizades de férias, normalmente com estrangeiros, que voltavam ao seu País. Alguns voltavam no ano seguinte e era agradável revê-los.
Depois da morte do meu marido fomos alguns dias de férias para casa dos meus Pais. Não correram muito bem. Por isso em Agosto passado decidimos retomar o hábito de férias em Vilamoura. Mas não foi a mesma coisa. Dos conhecidos de antigamente, não encontrámos nenhum. A minha filha, foi bater à porta de uma das vivendas próximas, procurando por duas amigas com quem mais privara. Já não as encontrou. Decidimos que para nós, aquele local já não fazia sentido. Partimos mesmo antes de terminar o período de aluguer.
- Doutora Maria Clara, por hoje ficamos por aqui e faça-me chegar, o endereço da agência que lhe alugava a casa. Talvez me interesse.
- Porém antes de sair tenho algo para lhe dizer e desta vez não será desagradável. Não precisa de se preocupar com o chantagista e com as fotografias e os vídeos. Esse assunto acabou.


quarta-feira, 13 de julho de 2011

O RAPTO

16 – LAGRIMAS E SUSPIROS

Maria Clara suspirou, e com os olhos no chão, começou a falar:
- No dia seguinte, sábado, recebi uma chamada de um número não identificado. Ia desligar mas uma voz que reconheci, fez-me a ameaça, dizendo:
- Minha amiga aqui na minha frente estão os seus documentos que com o entusiasmo da sua paixão esqueceu sobre a cama. Também uma colecção de fotografias, muito expressivas que lhe tirei quando você suspirava de êxtase. Gosto mesmo muito delas mas…
Preciso de dinheiro e já tenho pessoas interessadas. Você tem prioridade mas só por hoje. Arranje um envelope, coloque lá vinte mil euros eu faço a recolha e entrego-lhe as fotografias.
Foi um choque, como calcula, embora já estivesse à espera de algo no género. Respondi que estava de acordo, mas sendo sábado, onde é que eu ia arranjar tanto dinheiro? Ele riu-se, e respondeu que sabia muito bem, que o Banco com que eu trabalhava, estava aberto ao sábado, no Centro Comercial Colombo. Uma cliente como a senhora, não vai ter problemas, em levantar esta importância. Mas se não se quiser maçar, tudo bem, vou vender as fotos às revistas de pornografia e ainda ganho dinheiro. Até posso guardar uma ou duas, das que gosto mais. Passarei no seu consultório às 18 horas, esteja à porta, com o envelope nas mãos. Irei de carro, fazemos a troca e tudo fica entre nós. Depois desligou.
Não tinha ninguém a quem pudesse pedir ajuda e até tinha vergonha de o fazer. Fui a correr ao Banco, o gerente é um velho conhecido. Não fez muitas perguntas, mas tive de aguardar a chegada da carrinha de transporte de valores para receber o dinheiro. O Doutor Francisco, o gerente, só me recomendou que visse bem o que estava a fazer. Eu não respondi, fui a correr para a porta do consultório e aguardei. Á hora combinada um carro parou à minha beira, tirou-me o envelope, lançou ao chão um embrulho e desapareceu.
Parou e por breves instantes levantou os olhos para o Detective como a pedir ajuda ou avaliar o impacto das suas palavras.
Todavia, António Pedro não deixou transparecer qualquer emoção.
E Maria Clara continuou. Agora com a voz mais tremida:
Domingo, saí para espairecer um pouco. Fui andar, deixando que o vento me acalmasse a angústia e a vergonha.
Quando entrei em casa a minha filha contou-me que tinha lá estado um rapaz, deixado um envelope para mim, que ela havia colocado na cómoda do meu quarto. O envelope, aberto, continha mais fotos e um bilhete dizendo que o preço tinha subido. Exigia mais 50 mil euros pelas restantes, a pagar da mesma forma. Não tinha dinheiro mas o que mais me doeu foi a tristeza que vi nos olhos de Carolina. Tive a certeza, ela vira as fotos.
- Por acaso, a Doutora não tem consigo o bilhete a pedir os 50 000 Euros?
- Não, fiquei de tal maneira transtornada, que o rasguei, juntamente com as fotos.
- Percebo a sua raiva e a seguir?
- No dia seguinte, segunda feira, e depois de Carolina sair na carrinha para o colégio, liguei para o meu Pai e contei-lhe que uma imprudência da minha parte, me fizera cair nas mãos de um chantagista, e que para me libertar, precisava de ajuda financeira, de 50 000 Euros. Para além do apoio moral, que eu esperava receber, queria que ele assinasse comigo, um levantamento de dinheiro da conta da minha filha, para que pudesse comprar as fotos todas de uma vez. O meu Pai chamou-me um nome, que recuso pronunciar, disse que não assinaria nem para um cêntimo. Que fosse à Polícia, assumisse o meu erro, pagasse por ele e desligou-me o telefone.
- A Doutora acha que se o seu Pai visse o bilhete reagiria da mesma maneira?
- Conhecendo meu Pai, com ou sem bilhete a resposta seria a mesma.
Carolina não voltou para casa. Recorri às amigas que conhecia mas todas disseram que ela saíra do colégio na carrinha e descera perto de casa. Não sabiam mais nada.
Tentei os hospitais, admitindo um acidente mas sem resultado. A minha filha, simplesmente desaparecera sem deixar rasto.
Fiquei só, sem apoio de ninguém e o meu própria Pai recusara ajuda. Depois de almoço, fui à PJ apresentar queixa pelo desaparecimento. Disseram-me que provavelmente seria algum arrufo de namaorados e que ela voltaria. A maior parte dos casos era assim, pelo que era melhor esperar dois ou três dias. Foi ao verem a minha desilusão que me sugeriram o seu nome e endereço para seguir o caso.
Como se lembra, no dia seguinte de manhã, estive no seu gabinete a pedir ajuda.
Quando pela tarde regressei a casa, escondido no jardim, estava o chantagista a exigir o dinheiro que eu não tinha. Assustei-me e acusei-o do desaparecimento da minha filha, disse-lhe que a Polícia sabia do sucedido e referi também o seu nome. Foi quando ele me agrediu, fugindo de seguida.

terça-feira, 12 de julho de 2011

O RAPTO

15 – DERIVA

Já passava das seis da manhã quando decidiram sair do quarto da pensão. Antes espreitaram pela janela, o movimento à porta do bar. Não havia e a porta estava fechada. O que lhes chamou a atenção foi um jipe topo de gama, preto ou azul muito escuro, parado, motor a trabalhar e com um motorista ao volante.
O carro de António estava estacionado relativamente perto. António arrancou com as luzes apagadas, parou um pouco mais à frente para que Carlos e Edmundo entrassem na viatura. Não se apercebendo nem nenhum movimento do jipe suspeito, seguiu para o Lumiar, bairro onde o Edmundo dizia ter um apartamento.
Este não levantou quaisquer problemas, enquanto lhe revistavam a casa e lhe retiravam um pequeno computador portátil, uma série de CD, um outro telemóvel com câmara fotográfica, uma câmara de vídeo e outra de fotografia. Meteram tudo num saco e saíram para a rua.
Acabavam de descer os degraus da escada, Carlos volta-se para o António, e comenta:
- Chefe não lhe pareceu estranho que o Edmundo tenha entregue tudo sem protestar?
- Não porque deu para perceber que está apavorado e pronto para fugir. Por isso temos de ficar de olho nele. Carlos aguentas mais umas horas sem dormir?
- Ora tantas e tantas que eu passei. Só preciso de beber um café, comer qualquer coisa e estarei pronto para o que der e vier.
- Então vais ficar por aqui, para vigiares o Edmundo. Presta atenção, sobretudo a movimentos suspeitos com viaturas a pararem nas imediações do prédio Se ele sair sozinho vais segui-lo sem te fazeres notar. Se for acompanhado tenta tirar fotos da pessoa ou do carro, mas não os sigas, pode ser perigoso. Diz qualquer coisa depois de almoço.
Deixou o amigo encarregue da vigilância e conduziu para ao escritório. Eram quase oito horas da manhã, aproveitou para descer e tomar um café e subiu para fumar mais um cigarro. Precisava de se acalmar, estava excitado e não se cansava de olhar para o relógio.
Aguardou pelas nove horas da manhã e ligou para o Artur Marques. Teve sorte, o amigo atendeu perguntando se havia novidades.
António Pedro confirmou mas que preferia contar pessoalmente. Sugeriu que poderia passar pela PJ e relatar o que descobrira.
Artur respondeu:
- Eh pá, hoje não me dá mesmo jeito. Ando envolvido numa operação especial que me vai ocupar o dia em reuniões de coordenação e não consigo arranjar tempo disponível.
- Se bem me lembro, diz António, no meu tempo esse tipo de reuniões acabava por volta das dezanove horas. Não tenho problema é passar por aí a essa hora e se tiver que esperar, tudo bem, espero. Que dizes?
- António, por favor não insistas, mas para que não fiques zangado, posso ser eu a passar pelo teu escritório, mas nunca antes das dez da noite.
- Artur, assim vem antes a minha casa, a de Campo de Ourique. Tu tens o nome da Rua e o número da porta e não precisas de fazer um grande desvio. Estaremos mais à vontade e eu garanto que tenho em casa um scotch bem velhinho.
- Então não quero perder essa preciosidade. Aí estarei, responde Artur.
Olhou para o relógio, pouco passava das nove horas da manhã. Ainda dava tempo de passar por casa fazer a barba e tomar banho e voltar para receber a visita de Maria Clara. Ligou para a recepção e mandou subir a senhora que já chegara.
Não obstante estar cuidadosamente arranjada, Maria Clara evidenciava alguma tensão e nervosismo.
Sentou-se, olhou-o bem nos olhos e perguntou:
- Doutor já tem alguma indicação sobre a minha filha?
- Tenho apenas pistas que estou a trabalhar, mas lá chegaremos, respondeu. Mas não se esqueça que combinámos que hoje me contaria a continuação da sua aventura. Não se esqueceu, pois não?
Ela suspirou, colocou as mãos no rosto, esteve assim alguns minutos. Limpou os vestígios de lágrimas, respirou fundo e fez sinal de que estava pronta a continuar.
- Tudo bem, não se apresse, faça por não omitir pormenores que lhe podem parecer irrelevantes, e conte-me o resto, mesmo se isso a fizer sofrer. Acredite, só assim sentirá algum alívio na sua consciência. Mas não faças desvios, siga o caminho da verdade.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

O RAPTO

14 – SOB SUSPEITA

Carlos até podes ter razão, mas ele vai ter de nos contar a história.
- 0 Senhor já não é polícia e por isso não me pode obrigar a nada. Eu é que posso fazer queixa e o senhor vai ficar a saber como elas mordem, ameaçou o prostituto.
- É verdade, mas não sendo polícia posso arranjar maneira de saíres daqui sem essa bela figura. Não me provoques e conta-me tudo, será melhor para ti. Perante o silêncio, António Pedro acelerou:
- Carlos tira-lhe a carteira com os documentos para que saibamos como ele se chama, onde mora, com quem vive, o nome do protector, etc.
O suor começou a escorrer pelo rosto e a fanfarronice quase desapareceu.
- Senhor Doutor não fiz nada de mal. Apenas um pequeno golpe para sacar algum.
- Então eu ajudo-te. Engataste a fulana no clube, levaste-a para o hotel, drogaste-a e com o teu telemóvel, tiraste umas fotografias. Roubaste da mala os documentos, os cartões, e concluíste que ali havia massa da grande. Deste à sola e foste vender as fotos à tua conquista. Foi assim, não foi?
Ele acenou que sim.
- Então e ela pagou-te quanto?
- Pagou vinte mil euros pelas fotografias e pelos documentos.
- Vinte mil Euros? Achaste pouco e percebeste que tinhas encontrado uma mina e quiseste mais. Foste a casa dela para sacar mais algum. Em vez da Mãe encontraste a filha e raptaste a miúda! Onde é que ela está? O que é que lhe fizeste?
- Edmundo, assim se chamava o suspeito começou a tremer como varas verdes.
-Eu não fiz nada à miúda, juro. Apenas lhe dei um envelope com mais algumas fotografias da Mãe e o pedido de mais 5 mil euros. Depois tive medo que o motorista que tinha ido comigo, fosse contar alguma coisa ao patrão e desisti. À noite voltei a casa da Médica para ver se ela pagava e ela ameaçou-me com a Polícia e com um detective privado, porque a filha tinha sido raptada. Eu fiquei aterrorizado pois nunca mais havia visto a miúda. Dei-lhe uns socos e ela deu-me o seu nome e direcção. Gritou por socorro e eu fugi. Como se lembra, no dia seguinte logo pela manhã, fui ter consigo, para lhe contar o que agora estou a dizer, mas o senhor nem me quis ouvir. Esta é a verdade, juro.
- Então eu vou colocar-te a questão de outra forma. Também acho que um cobardola como tu, não era capaz de montar uma operação de rapto da pequena. Mas alguém o fez. O teu amigo motorista foi contar ao teu protector a tua visita e tu tiveste de contar a história. Foi ele quem se ocupou da miúda?
- Não, não o meu amigo não sabe de nada.
- Olha, se te queres safar tens de contar a verdade. Eu não acredito em ti e para mudar a minha opinião vais dizer-me o nome e o poiso habitual do teu sócio e onde é que ele tem a miúda. Estou a ficar impaciente e nervoso. Vou levar-te até ao clube e vou lá perguntar pelo dono. Se ele estiver apresenta-nos. Depois vais dar um passeio e quando acabar, nunca mais vais ter vontade de te veres ao espelho.
- Por amor de Deus não me leve ao clube, se o meu amigo desconfia de alguma coisa vou acabar no fundo do Tejo com um bloco de cimento preso aos pés. Ele não está no clube, mas os seguranças, se me virem consigo, vão pôr a boca no trombone.
- Essa ideia do fundo do rio, com o bloco de cimento nos pés é gira. Já o viste fazer isso, a quem?
- Foi a dois seguranças que ele descobriu davam informações à Polícia. Foi o ano passado, eram o Tomás e o Bernardo. Tratou deles e com outro companheiro meteu-os no barco, que tem na doca de Santos, e largou os embrulhos no meio do rio. Quando regressaram, bem dispostos, o patrão comentou que o serviço feito naqueles dois teria de servir de exemplo para o Polícia.
- Tu assististe a esse crime ou ouviste contar?
- Fiquei no carro, mas vi tudo.
- Então conheces o Polícia?
- Não sei quem é.
- Edmundo a coisa está feia para ti. Para que te possa dar uma ajuda, tens que descobrir o que é que os teus amigos fizeram à miúda. Vamos levar-te a casa para que nos dês o cartão do telemóvel e verificar se tens ou não mais fotos guardados no computador ou noutro cartão. A tua actividade acabou hoje. Descobre onde é que eles têm a miúda e eu ajudo-te a sair do País.

domingo, 10 de julho de 2011

O RAPTO

13 – A NOITE DO CAÇADOR

Carlos presta atenção. Esta noite quero procurar um tipo que frequenta o mais conhecido dos clubes de striptease masculino, onde engata mulheres para depois fazer chantagem. Eu não sei o nome dele mas se o vir, saberei identificá-lo.
Vou precisar de ti, para escolheres um quarto numa pensão da Avenida da Liberdade, daquelas onde ninguém faz perguntas, cujas traseiras dão para a rua onde está localizado o clube mais bem frequentado.Tu sabes qual é, não sabes?
Escolhe um quarto do qual possas vigiar a entrada de pessoas e os automóveis que te possam parecer suspeitos.
Depois de tratares disso, mandas uma mensagem a dar o número do quarto. Eu irei ter contigo, levando o cavalheiro.
Ah, antes que me esqueça, abriu uma gaveta da secretária, aqui tens uma câmara de vídeo e este envelope com dinheiro para o quarto e mais que precises. Como vês é tudo muito simples e tu não corres qualquer risco. Estamos de acordo?
- Obrigado chefe por confiar em mim. O que me acaba de entregar vale muito dinheiro mas eu sei que posso resistir à tentação. Não o deixarei ficar mal, respondeu Carlos com uma lágrima no canto do olho.
- Eu sei e acredito. Agora vai lá tratar da tua vida e logo nos encontraremos.
António Pedro ficou só. Cheio de esperança procurou companhia. Discou o número de telefone da mulher e quando ela atendeu, convidou-a para jantar. Não teve sorte. Filomena estava a trabalhar no escritório, num processo urgente a não tinha tempo nem para comer.
- Olha vou jantar uma pizza e uma coca-cola, que encomendei para o escritório. Se te apetecer, aparece e dividimos o manjar. Não teremos é muito tempo para conversar. Mas se eu acabar a horas decentes e quiseres esperar podemos ir beber um copo e falar sobre …o tempo.
Desculpa, eu gostava de te ver mas, tenho um compromisso para a noite. Não dá, paciência, fica para outra vez.
- Acredita António, já estava à espera da tua desculpa. Afinal nada mudaste.
Ficou sentado à secretária fumando mais um cigarro, quando se lembrou que ainda ninguém havia mencionado, a existência de pedido de resgate. Então, a miúda foi raptada para quê?
Acho estranho, pois a Mãe ainda não falou dessa eventualidade, ou o que ela me está a contar é apenas a verdade que lhe interessa que eu saiba? Muitas dúvidas, poucas certezas, mas um facto indesmentível. A garota está desaparecida.
Creio que o indivíduo que hoje quero agarrar poderá ser uma peça fundamental.
Antes da hora de jantar, recebeu o SMS do Carlos. Dizia, tudo tratado. Quarto 103.
Eram apenas oito horas e não sabia como matar o tempo. Retirou o carro do parque e foi procurar um pequeno restaurante onde era conhecido. Comeu bem e como não havia muita clientela, ficou cavaqueando com o patrão.
Saiu, ainda era cedo para a visita que pretendia fazer e decidiu aguardar em casa a hora de sair.
Todavia estava impaciente e o tempo demorava a passar. Eram apenas vinte e três horas e já estava a circular na Rua do clube alvo, até encontrar um local vago para estacionar.
Caminhou com calma até à porta do clube nocturno. O porteiro era um velho conhecido de outros bares que o cumprimentou com toda a simpatia:
- Então senhor doutor, como vai? Já não o via há muito tempo!
- Tem razão Manuel, mas hoje apeteceu-me tomar um copo e como estava aqui perto, vou aproveitar. Mas não esperava vê-lo aqui, pois se a memória não me falha, era porteiro noutro estabelecimento. Mudou de emprego ou de patrão?
- As duas coisas. O Bar onde antes trabalhava começou a ter problemas e a clientela a fugir. Surgiu esta oportunidade, quando o porteiro deste foi despedido e o senhor Alexandre me convidou a vir trabalhar com ele. E não estou arrependido.
- Disseram-me que para se entrar é preciso um cartão e eu não tenho!
- Nem precisa, pode entrar, claro, mas olhe que isto ainda está muito fraquinho. Só lá por volta da uma da manhã é que começa o movimento. Mas é às sextas-feiras e sábados que a casa enche e tem fila de espera. Nessas noites, o controlo das entradas é mais rigoroso.
Entrou, habituou os olhos à luz difusa, que uma série de projectores, estrategicamente apontados, fazia reflectir nos globos de vidro facetados e coloridos, criando o ambiente habitual. Luz agressiva e intermitente sobre o palco deixando na penumbra a pista de dança e as mesas espalhadas ao longo da sala.
Estavam apenas meia dúzia de pessoas na sala, sobretudo homens solitários sentados ao balcão. Escolheu a extremidade mais próxima da entrada, puxou de um banco alto e encomendou um whisky duplo com uma pedra de gelo. Rodou o copo entre as mãos, aspirou o odor da bebida, fez sinal de ok e começou a beber.
Pouco a pouco foram chegando clientes, sendo mais notado um grupo bem disposto de senhoras, que se instalou nas mesas, à volta da pista. Encomendaram as bebidas, e o espectáculo começou.
A música subiu de tom, acompanhando o desfile. Os gritinhos do costume como reacção aos movimentos lânguidos e lascivos dos bailarinos subiam de tom à medida que eles iam retirando, uma a uma, as peças de vestuário.
Pelo espelho colocado atrás do balcão, António Pedro apercebeu-se da entrada de mais um noctívago. Este era especial pois era quem ele esperava. Cabelo com gel, fato impecável, pose estudada, estendeu o impermeável à senhora do bengaleiro, avançou uns passos e ficou parado na entrada, olhando com atenção para as mulheres. O caçador estava a escolher a presa.
O Investigador pagou as duas bebidas que havia consumido e foi generoso na gorjeta. Voltou-se para sair, pegou no braço do desprevenido cliente, dizendo-lhe ao ouvido:
- Não te lembras de mim? Hoje sou eu que te quero falar. Anda, como se fôssemos bons amigos e não faças ondas.
O interpelado olhou-o com surpresa, olhou para o porteiro como a pedir ajuda mas não obteve atenção. Resignou-se e mesmo a contragosto foi caminhando ao lado do Investigador até ao quarto alugado onde Carlos, de luz apagada, se entretinha a filmar o movimento dos carros. António Pedro fechou a porta, cerrou as persianas da janela e abriu a luz.
Pronto, podes sentar-te ali naquela cadeira para estares mais à vontade enquanto me contes tudo, mas mesmo tudo, para que eu não ficar desiludido e zangado!
De repente, Carlos olha para o intruso e comenta:
- Oh chefe esse gajo que aí trás não passa de um chulo bem relacionado e especialista em esquemas de chantagem! É conhecido no meio, porque apesar de explorar as vítimas, nunca foi violento e não passa de um cobardola.
- Podes ter razão, mas eu já vi uma das vítimas, com os olhos bem marcados, com os socos que ele lhe deu!
- É provável, mas só se a senhora reagiu ameaçando com a polícia. Ele tem um medo de morte de ser apanhado e de cair em desgraça junto do protector. Dizem que paga a um chefe de gang para poder trabalhar à vontade. Esse sim é um tipo perigoso, este é um só um figurão.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

O RAPTO

12 - PERFÍDIA

Maria Clara fez uma pausa prolongada. Parecia que a sua confissão avivara marcas, continuou a falar mas de uma maneira algo estranha e pouco perceptível. Falava de solidão e de medo, de confiança e de desilusões.
António Pedro entendeu que não valeria a pena continuar uma conversa de palavras desligadas. E disse isso mesmo, sugerindo uma pausa.
- Sim acho que preciso. Abriu a mala, retirou um cigarro que levou à boca. Parou e perguntou, posso fumar? António acendeu-lhe o cigarro comentando:
Espero que o fumo a acalme e lhe dê a tranquilidade para continuar. Porque a sua história não acaba aqui, pois não?
- Não, infelizmente. Isto foi apenas o início de um pesadelo.
- Já percebi que acabou vítima de um chantagista não é verdade? Pagou ou recusou? Será que Carolina foi raptada para reforçar a chantagem? São muitas perguntas a que me vai ter responder. Mas hoje não. Pense bem, não tente esconder um só pormenor porque eu acabarei por saber e não gosto de ver traída a minha confiança. Amanhã espero por si à mesma hora.
Quando se despediam António, de uma forma propositadamente casual, pergunta:
- Claro que tudo o que me contou o fez também na PJ, ou não?
- Bem, na verdade respondi a todas as questões mas não falei da aventura nocturna. Tive vergonha.
- Já imaginava, mas não se preocupe este assunto ficará entre nós e claro, o amigo com quem se deitou.
De volta ao gabinete o António telefonou para o Artur Marques, utilizando o número geral da PJ. A telefonista respondeu, secamente, que o Inspector não estava de serviço. Apenas para confirmar ligou para o telemóvel, deu sinal de desligado.
Pousou o telemóvel, abriu a janela por onde uns tímidos raios de sol de fim de dia se anunciaram, acendeu um cigarro e esboçou um sorriso.
Na sua cabeça começava a alinhavar os contornos daquela história e a distribuir os papéis a cada um dos protagonistas.
Ainda não eram 18 horas quando a telefonista ligou para o informar que se encontrava na recepção o senhor Carlos Figueira, Carlos quê? Carlos Figueira senhor doutor. Ah já me havia esquecido, pode mandar subir.
Bem, nem queria acreditar. O rapaz que entrou no gabinete tinha um aspecto cuidado, com o cabelo cortado curto, barba feita e até vestia uma camisa branca por baixo do casaco de fazenda. As calças estavam bem engomadas e os sapatos brilhavam. Não se conteve e disse:
- Olha lá, onde é que tu andaste metido? Como é possível essa transformação num só dia e com a centena de euros que eu te dei? Explica-me lá o que se passou?
- Não foi nada de especial. Quis aproveitar a oportunidade que o senhor me deu para mudar de vida; Falou-me em trabalhar para si, logo não podia aparecer aqui feito um maltrapilho. Voltei para casa dos meus País, de onde havia fugido. Receberam-me de braços abertos e deram-me a confiança para continuar. Sei que não vai ser fácil mas conto também com a sua ajuda para que volte a ter uma vida normal.
- Todos esperamos que sim. Agora senta-te e conta-me se ouviste alguma coisa sobre o desaparecimento de uma menina loira de 12 anos?
- Ninguém fala em tal assunto. Nem ouvi comentários de alguns indivíduos que são reconhecidos como os olhos e os ouvidos da Polícia.
- Já suspeitava e fala-me agora quem é que controla os negócios da noite, droga, armas, prostituição, tu sabes a que me refiro!
- Sabe Doutor, ouvi falar que o gang que controlava o mercado da droga, perdeu a sua influência a favor de um grupo novo, dirigido por alguém muito poderoso e que conseguiu escorraçar os concorrentes.
Eles utilizam segurança própria e servem-se dos estabelecimentos de diversão nocturna, bares, cabarets e casinos, como bases de distribuição.
Segundo o meu contacto, um Cabo-Verdiano, que prometi não identificar, este grupo trafica heroína refinada num porto do sul da Europa e que faz entrar no País através do Algarve. Ele afirma que a organização tem muitas ramificações mas que a base principal se estabeleceu na Turquia.
E agora prepare-se! Segundo o meu amigo, os chefes da rede em Portugal movimentam-se com total à vontade pois beneficiam de um contacto importante com alguém importante da Polícia.
- Pois é Carlos, alguém se vendeu e eu até suspeito que é.


quarta-feira, 6 de julho de 2011

O RAPTO

11 – A MULHER DE VERMELHO

Ficaram em silêncio durante uns breves momentos. Para Maria Clara, aqueles breves segundos em que exibira os sinais da agressão deram-lhe o alívio e tempo para retomar o domínio da situação. E foi incisiva no contra-ataque:
- Aqui tem, está agora convencido que eu estou a dizer a verdade, ou ainda pensa que o indivíduo que o visitou é o meu homem, como insinuou. Doutor, faça-me a justiça de não me considerar masoquista e de, ao menos, ter um certo bom gosto.
E em jeito de desafio, ostensivamente voltou a cruzar as pernas.
António pediu a Maria Clara para recolocar os óculos confirmando:
- Como eu calculava foi agredida e imagino por quem. Mas o que tem de explicar é o porquê?
- Está bem, vou contar-lhe o que me aconteceu. Não é uma história de que me orgulhe, por isso espero que compreenda o meu embaraço.
Na passada Sexta-feira, fui convidada para uma festa de despedida de solteira de uma colega e amiga. Avisada de que a festa podia acabar tarde, pedi à empregada que, nessa noite, ficasse lá em casa fazendo companhia à minha filha.
Assim foi feito e a minha filha até comentou:
- Oh Mãe põe-te bonita pois és capaz de arranjar algum namorado.
Ri-me e confesso que fui um pouco ousada no vestido que escolhi. Fui buscar um que já não usava há vários anos, vermelho e com um decote generoso.
Eu não sabia como era a festa para que fora convidada, nem que seria reservada a mulheres. Mas foi assim e depois de muita conversa, algumas bebidas e enquanto a noite avançava o álcool ia soltando a língua e a imaginação. Contavam-se histórias de conquistas amorosas, de decepções sentimentais e até de frustrações sexuais. A Rita, casadoira, pediu um pouco de silêncio e disse:
- Apesar de tudo os homens fazem falta. Olho e não vejo nenhum. Temos de colmatar esta falha. Vamos a um clube que me recomendaram e que tem striptease masculino.
E assim lá fomos. Durante bastante tempo senti-me incomodada com o espectáculo, principalmente, quando a numerosa assistência feminina, aplaudindo os dois artistas em palco, gritava tira, tira tudo. Levantei-me do meu lugar e fui à toilette dar uns retoques. Sob o efeito da bebida tropecei e fui amparada por um homem simpático que se mostrou muito gentil. Discretamente, ajudou a levantar-me e fez-me companhia durante o resto da noite. Dançamos, rimos e sem saber como, acabamos num hotel na Av. José Malhoa. No quarto tomei mais uma bebida que ele me preparou e não me lembro de mais nada.
Acordei com o sol já alto. Estava sozinha, desnudada e apenas tapada com um lençol. Todavia, espalhadas pelo quarto estavam as minhas roupas. Vesti-me à pressa, peguei na mala de mão, saí do hotel, evitando olhar o recepcionista. Sentia vergonha e o receio de ser reconhecida. Afastei-me um pouco, apanhei um táxi que passava e voltei para casa.
Durante o percurso, abri a mala e verifiquei que as chaves de casa tinham desaparecido, e que a carteira dos documentos também. Contudo o dinheiro, não parecia não ter sido mexido, ou pelo menos de tal não me apercebi.
Evitei ver a minha filha que estava a ler num canto do jardim. Tive vergonha e medo que ela me fizesse alguma pergunta embaraçosa. Subi ao meu quarto, tomei um duche rápido, mudei de roupa e só depois fui ter com ela. Carolina deu-me um beijo e um abraço muito prolongado. Senti naquele abraço e no silêncio que se seguiu a premonição que a minha imprudente aventura iria ter consequências desagradáveis.

terça-feira, 5 de julho de 2011

O RAPTO

10- SEDUÇÃO

Enquanto olhava as fotos de Carolina, uma jovem bonita, loira, cabelo caído sobre os ombros mas sempre de semblante fechado, sem um sorriso, António Pedro não conseguia esconder que se deixara envolver numa história que já não dominava. Sentia-se a caminhar sobre uma fina aresta que um sopro o poderia derrubar. Ele sabia que estava a ser seduzido e pior, começava a gostar.
- A sua filha Carolina é uma jovem muito bonita, mas parece-me um pouco triste, foi o único comentário que lhe ocorreu.
- Não é tristeza a minha filha foi sempre muito reservada e como não gostava de ser fotografada, escondia-se como se a máquina lhe pudesse roubar algum sentimento. A sua timidez perante uma máquina fotográfica ou perante uma câmara de filmar era uma característica que herdou do Pai.
Na verdade nem me lembro de a ver numa foto onde esteja sorrindo. Contudo, no dia a dia era uma jovem igual a qualquer outra da sua idade.
- Não consigo compreender, diz António Pedro. Se ela não era doente, o seu ar triste só pode ter uma explicação, ela não era, ela não é, uma menina feliz. Terei razão?
Notou ou julgou perceber algum embaraço, mas não comentou. Abriu o questionário e começou a ler os dados. Deu-lhe uma primeira leitura, voltou ao início e com um lápis começou a sublinhar partes do texto.
- Dr.ª Maria Clara, lembra-se, certamente, da conversa que aqui tivemos ontem. Fui muito claro, quando lhe disse que apenas aceitaria o seu caso, com garantia da sua parte de que nada me seria ocultado. Algo de bom ou algo menos bom. Mas sempre a verdade. Para mim, uma omissão, pode significar que há qualquer coisa a esconder. Por exemplo, indicou o nome do Pai da Carolina, mas não explicou porque razão, ele não está aqui consigo, o que faria todo o sentido, mesmo se estivessem separados. Igualmente nada diz, quanto ao vosso agregado familiar, amigos próximos, etc.
- Eu posso explicar, o meu marido morreu repentinamente há três anos. Tem sido um período duro de esquecer e por isso não fui capaz de o dizer assim tão friamente. Espero que entenda. A minha filha adorava o Pai e temos enfrentado a sua morte, unidas na dor. Eu sou filha única. Os meus Pais vivem na província, em Barcelos, mais alguns tios e tias e primos não sei quantos. Não somos uma família muito unida.
- Naturalmente Carolina dava-se bem com os Avós, o que é que eles sabem do desaparecimento, interroga António?
- Por razões pessoais há já alguns meses que não vejo os meus Pais. Como imagina são do Minho, fica longe, e são muito devotados à religião católica, nem sempre compreendem as pessoas, que não pensam como eles, e por isso nos afastamos um pouco. Todavia, tive o cuidado de lhes telefonar, a dar a notícia do desaparecimento da neta, mas fui mal interpretada, pois o meu Pai acusou-me de ser eu a responsável.
- É uma atitude estranha de seu pai, ou ele sabe mais e não o disse, ou talvez não goste do homem, com quem tem mantido, digamos, um certo relacionamento!
- Não compreendo onde o senhor foi buscar essa ideia. Esse homem não existe. Mexeu-se na cadeira e descruzou as pernas como que pretendesse desviar a atenção.
António continuou:
- Vai-me desculpar, mas compreenderá a minha surpresa, por uma mulher atraente e insinuante como a Doutora não ter uma relação sentimental, o que seria perfeitamente admissível, tendo em consideração que é viúva há três anos. O que eu não acredito é que o seu namorado seja uma pessoa recomendável. E, ou muito me engano, o seu Pai pensará o mesmo.
Para ser mais claro, hoje tive uma visita de um homem, que me pareceu uma pessoa da sua intimidade. Queria, conhecer o teor da nossa conversa de ontem, não hesitou em ameaçar e de afirmar que tudo o que a Doutora me pudesse ter dito, não passaria de uma série de mentiras. Fiquei muito surpreendido, com a vulgaridade do sujeito e intrigado com a vossa relação. Obviamente expulsei-o do gabinete, mas nada melhor do que esclarecer as dúvidas. Para começar, quer fazer o favor de tirar os óculos escuros
A voz soou ríspida e o tom imperativo. Visivelmente constrangida, Maria Clara tirou os óculos e olhou frontalmente para António. Mostrou, o que os óculos escuros pretendiam esconder, hematomas recentes que apesar dos retoques de pintura eram bem visíveis.
Para António não fora uma surpresa. Mas mesmo assim sentiu um mal-estar e desviou o olhar.