segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

OS CRIMES DO X



6º. Episódio
Quinta-feira, 12.11.2009

Frederico tirou 6 cassetes e colocou-as na mesa. Agora é só passar, olhar e tentar encontrar algo. Presumo que o chefe se interesse por uma viatura que de madrugada tenha ficado estacionada na área de serviço, fora do alcance das câmaras de vigilância.
Assim só na filmagem da entrada e da saída poderemos encontrar algum indício.
Não te esqueças, acrescentou o companheiro, que falamos com um dos empregados que estava de serviço na noite de 16 de Outubro, primeiro crime. Ele garante que reparou numa viatura negra, compacta, destas agora em moda, que esteve estacionada durante bastante tempo. Mas não viu ninguém e também sabe que por vezes, são casais de namorados.
Entretanto Frederico ligou o projector começou a passar a cassete do dia16 de Outubro.
O que viram eram imagens de viaturas em reabastecimento, com os condutores e com maior visibilidade no acto de pagamento. Sugeriu que podiam assinalar as matrículas dos carros, com as características que o funcionário disse ter visto, e pedir a DGV a identificação dos proprietários. Mas Frederico, contrapõe o colega, era preciso que o suspeito que procuramos, fosse muito ingénuo para se deixar apanhar numa câmara de vídeo, de uma estação de serviço.
Monteiro recosta-se na cadeira, cruza as mãos na nuca enquanto olha fixamente para o colega.
Oh Chefe o que é que eu tenho para me olhar dessa forma? Pergunta Frederico?
Estremecendo, o Inspector confessa que estava a olhar na direcção mas, na realidade, estava a pensar no desafio que temos pela frente. O homem que perseguimos, deve ter um sangue frio extraordinário e uma mente brilhante. Temos de continuar a seleccionar casos para análise, na verdade esse é o caminho. Temos de encontrar entre as vítimas ou parentes próximos, alguém que corresponda ao perfil. Se encontra-mos um caso ou outro, lá vou ter de andar a pedir autorização para a realização de escutas, porque de outro modo, só com um tiro de sorte o apanhamos.
A não se que ele continue a matar e cometa um erro. Não será o primeiro, lembra o Figueiredo.
Sim é verdade, até porque nestes casos, matar passa a constituir não só um acto de vingança como um desafio. Por isso a tese de “quem mata torna a matar”. Mas se ele for inteligente e parar, ficaremos num beco sem saída.
Estou com dor de cabeça de ver tantas horas de vídeo. Vamos parar porque assim não vamos lá. Vocês aproveitem para descansar porque, hoje a partir da meia-noite, quero que dêem uma volta pela cidade, mas com o carro descaracterizado. Podem ter sorte e se cruzem com o nosso amigo.
Como o Inspector não se mexia da cadeira e enquanto os dois colegas já se preparavam para sair da sala, Figueiredo toca-lhe no braço dizendo:
-Vai também descansar, não te deixes dominar pelo desafio que te colocaram.
O Inspector olhou para o colega e amigo, acenou com a cabeça dizendo que tinha o pressentimento que algo iria acontecer.
Mas não vale a pena pensarmos nisso. O que tiver que acontecer acontecerá.

domingo, 30 de janeiro de 2011

OS CRIMES DO X





5º. Episódio

Quinta-feira, 12 /11/2009
Como receava dormiu mal. Ainda foi à procura do medicamento que o médico que lhe receitara para aquelas ocasiões, não o encontrou e de repente lembrou-se que nem o tinha comprado. Melhor assim, pensou Artur Monteiro, já que mesmo que com dificuldade, quero sentir o pensamento livre e não condicionado por uma droga qualquer. Levantou-se muito cedo, como costume, e foi ao café perto de casa, aberto às sete horas da manhã, para o pequeno-almoço. O senhor Luís, dono do pequeno estabelecimento, já o conhecia e serviu-lhe o habitual. Um café duplo, uma garrafa de água e um pão com manteiga e voltou a resmungar, que o Doutor não tendo juízo ainda vai ter uma surpresa.
Entrou no gabinete, cerca das oito e trinta da manhã, levava dois jornais, que lia de relance, até porque repetiam as mesmas notícias.
Mas naquele dia, reparou numa pequena nota, referindo que a Polícia andava no encalço de alguém, que decidira fazer justiça pelas próprias mãos. Teriam sido encontrados, mortos e torturados, dois conhecidos assaltantes. Uma fonte de confiança, garantira ao jornal que, brevemente, iria ser feita uma detenção.
Acabava de ler o que teria sido uma fuga de informação, na altura em que o Figueiredo e o Frederico entraram na sala.
Figueiredo, olhando para o amigo comentou: - Então Monteiro voltaram as noites sem dormir? Tem cautela e lembra-te que os amigos servem para os momentos difíceis.
Isto é um período que há-de passar, agora olhem e vejam e notícia. Alguém andar a passar informações.
Oh chefe o que aí diz é conversa de corredor, porque a verdade é que quem a escreveu e quem a passou, não sabem de mais nada.
Tudo bem, então contem lá o que ontem me quiseram esconder.
Então é assim, localizamos o ferro velho, tivemos alguns problemas porque o guarda estava armado de caçadeira e não nos queria deixar entrar. Lá o convencemos e ele contou-nos que era assaltado com frequência. Ainda há dias, não soube precisar quando, alguém entrou no recinto, e roubou-lhe uma carrinha. Ainda por cima era a única que andava e que ele utilizava.
Fomos dar uma volta ao recinto, é maior do que supúnhamos, e a rede à volta tem tantos buracos que não guarda nada. Ele foi connosco e lá nos informou que a carrinha era uma “Ford" de caixa fechada.
Porém e quando nos estávamos a despedir, o pobre homem, vira-se para nós de olhos arregalados e aponta uma carrinha, escondida num monte de sucata, jurando que era a que lhe tinham roubado. A surpresa do homem era genuína, e para nós foi uma confirmação que não esperávamos. Chamámos a brigada científica para colher impressões digitais e recomendamos que tivessem particular atenção a vestígios de sangue ou outros fisiológicos. Estivemos com eles até acabarem o trabalho, fechamos e selamos a carrinha que ficou guardada junto à porta do sucateiro. Os colegas da científica não deram grandes esperanças já que, o interior da carrinha tinha sido meticulosamente queimado.
Agora Frederico, conta o resto que eu já estou cansado.
Então andamos um bom bocado a pé, por um caminho de terra batida mas com tantas pegadas que não dava para ver nada em concreto, e fomos ao posto de abastecimento. Eles tinham a funcionar câmaras de vídeo cobrindo a área das bombas, do escritório e uma parte da entrada do parque.
Apreendemos as cassetes desde o dia 15 até ao dia 26 de Outubro. Estão aqui para as visionarmos. Não devemos alimentar grandes esperanças. Quem executou os crimes sabe o que anda a fazer. Não é um amador qualquer, que se lembra de queimar o interior da viatura, dificultando a obtenção de indícios.
Sim, é trabalho de profissional, disso podemos estar certos, concluiu o Inspector Monteiro.
Mas meus amigos, de tarde vamos olhar as cassetes, e depois descansamos. Porque não se esqueçam, hoje é a noite do predador.

sábado, 29 de janeiro de 2011

OS CRIMES DO X




4º. Episódio

Após a saída dos colegas, depois de dar voltas à cabeça, Monteiro lembrou-se que costumava guardar notas que lia na imprensa, relacionadas com crimes. Foi à procura das caixas de arquivo, já eram uma dezena e bem volumosas, começou a ler as notícias.
Muitas estavam desactualizadas, outras por que os crimes relatados não se encaixavam no perfil que ele tinha desenhado. Todavia, encontrou algumas notícias que valeria a pena trabalhar, confrontando-as com a listagem que o Frederico estava ultimando.
Esteve a entretido com a procura e não ouviu o som de uma mensagem no telemóvel.
Já era noite cerrada, decidiu ligar a saber o que se passava. Pegou no aparelho e viu a mensagem curta do Figueiredo, dizendo que estavam de regresso.
Por volta das 22 horas os dois investigadores entraram no gabinete, sentaram-se com evidente alívio, olham um para o outro, como a decidir quem devia falar.
Foi o Figueiredo, dizendo: - Oh Monteiro, creio que nem vale a pena perguntar, mas tu já foste jantar? É que nós não, e o que temos para dizer pode tomar algum tempo. Vamos comer qualquer coisa?
Embora a contragosto, o Inspector aceitou a sugestão, sublinhando que não tinha muito apetite mas faria companhia.
Jantaram e evitaram falar da investigação. Monteiro desconfiava que eles tivessem encontrado qualquer pista e por isso estava ansioso por voltar ao gabinete.
Sentindo isso e como a sua amizade lho permitia, Figueiredo chamou a atenção do chefe:
- Olha Monteiro, nós estamos os três medidos do mesmo barco, quer dizer que daremos o melhor para deslindar o caso. Haverá, certamente, momentos de tensão que nos irão tirar o sono, mas não são estes. Porém eu vejo em ti sinais de muito cansaço e são preocupantes.
Tens as tuas razões para a instabilidade, eu sei, para tens de parar esse teu frenesim ou então acabarás como uma depressão às costas.
Nós confirmámos algumas das nossas suspeitas, é certo, mas também só isso. Vamos deixar o assunto para amanhã, valeu?
Se vocês já combinaram assim, eu espero mas isso não me vai ajudar a descansar. Não vou beber café nem digestivos, vou para casa e não se esqueçam de guardar a factura do jantar. Até amanhã, por voltas da 9 horas.
Frederico surpreendido com a reacção do Inspector comentou que ele parecia ter ficado zangado.
- Ficou mesmo, principalmente, consigo próprio, respondeu o colega.
Sabes Frederico, ele não gosta que eu lhe lembre que, foi por causa da sua obsessão com o trabalho, que o casamento acabou. A Mariana cansou-se, saiu de casa e pediu o divórcio. Vive no Porto e ficou com a tutela dos dois filhos, um rapaz de 17 e uma rapariga com 13 anos. O Inspector só vê os filhos de acordo com a Lei.
Eu sei quanto a reparação lhe doeu, a mais agora, porque a ex-mulher já refez a sua vida com outro homem.
O Monteiro é muito orgulhoso e não é fácil para ele pedir ajuda, por isso a sua terapia é o trabalho, mais trabalho, para não pensar na vida que deixou fugir.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

OS CRIMES DO X




3º. Episódio
Quarta-feira, 11/9/2009
Os três investigadores continuavam reunidos, em silêncio, conjecturando sobre os dados que tinham obtido.
De repente o Inspector Monteiro, sacudiu a cabeça como se quisesse afastar dúvidas, e decidiu:
- Meus amigos, apesar dos relatórios que nos deram, vamos tentar compreender o percurso das vítimas, até ao local onde foram encontradas. Porque não localizar os locais? Frederico, você é capaz de, com o computador, nos ajudar a perceber?
Frederico acena que sim, introduz uma palavra-chave do computador, liga-o ao projector, comentando:
- Como podem ver, estou a projectar o mapa da zona onde os corpos foram encontrados. A marca vermelha identifica o primeiro, a verde o segundo.
No mapa a distância não parece grande e de facto não é. O primeiro estava na beira de uma caminho que dá acesso por viaturas à zona do Meco e o segundo num caminho pouco utilizado para a lagoa de Albufeira. A distância do local para a estrada principal que segue para Sesimbra, é sensivelmente a mesma.
Através do Google tentei analisar com mais detalhe as respectivas zonas do achamento. Nada de especial, não há casas na proximidade. Todavia, saindo por um carreiro da estrada que até certo ponto, foi comum para o transporte, encontramos um sucateiro, numa clareira entre as árvores, sem vedação e onde se aglomeram veículos danificados, eventualmente para posterior amálgama.
Oh Frederico, não sei se a Polícia investigou o sucateiro mas acho que nós o devemos fazer. Eu estou convencido que as vítimas não foram executadas no local onde foram encontradas, e um espaço cheio de sucata é o lugar ideal para cometer um crime. No mapa que nos mostraste, eu também vi uma gasolineira, que sei estar aberta toda a noite. Assim o meu raciocínio, concluíu o Figueiredo, é:
- O criminoso raptou as vítimas, imobilizou-as e utilizou a sua própria viatura para os levar até perto do sucateiro. Aí, transferiu-os ainda vivos para o interior duma carrinha,que previamente teria preparado, aplicou o garrote e foi colocar os corpos no local onde foram encontrados. Só depois, utilizando o que pode ser uma navalha, lhe faz a marca no peito e espetou o papel de aviso. Escondeu a carrinha no meio da sucata e andou a pé, mas por estrada alcatroada, até ao lugar onde tinha o carro parado, ou seja, a estação de serviço de que vos falei.
Embora existam muitos “ses” o cenário que o Figueiredo desenhou é aceitável.
Eu sei que já é um pouco tarde e vão apanhar muito trânsito, por isso não percam mais tempo. Eu vou ficar aqui até tarde, se encontrarem alguma coisa podem dar-me um toque e eu esperarei. Mas antes, Figueiredo, se tu te quisesses vingar e decidisses executar pelas tuas mãos o culpado, como é que farias?
Percebo onde queres chegar Monteiro, mas espero que o nosso justiceiro não pense da mesma forma senão...
Eu mantinha-me longe, deixava passar algum tempo e depois apanhava um ou outro delinquente menos perigoso e matava-o, criando a ideia de alguém andava, indistintamente, a fazer justiça. Quando chegasse a vez de eliminar o meu alvo, já ninguém se lembraria de mim.
Pois é, e essa é a minha dor de cabeça. Vá, vão lá ver o sucateiro.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

OS CRIMES DO X






2º. Episódio
O Subinspector Figueiredo decide abordar um amigo e colega, com um convite para uma cerveja, do sítio do costume. Os dois amigos encontram-se sentados ao balcão, quando Figueiredo, numa forma pretensamente casual, comenta com o amigo que tinha ouvido falar, nos corredores, nos dois indivíduo encontrados mortos, havendo quem falasse de execução. A mim, diz para o colega, custa-me a acreditar nessa teoria. Tanto quanto sei eram dois delinquentes sem ligações.
Rodrigues, olhando para o colega pergunta:
Olha lá, tu convidaste-me para uma cerveja mas afinal, o que queres é falar do assunto do momento. Queres tirar nabos da púcara?
Não é isso, responde Figueiredo, é que eu dei comigo a pensar que falta qualquer coisa. Pelo que eu ouvi, parece que a posição dos corpos foi encenada. Se o foi, deve haver outra razão, quem sabe vingança, só que nestes casos os criminosos costumam deixar uma mensagem.
Rodrigues mexe-se por não se sentir confortável e responde:
- Talvez a mensagem seja a própria posição das vítimas, de mãos atadas, como se estivessem a pedir misericórdia.
Sim, até podia ser, mas para crimes de vingança o criminoso deixa uma marca, ou ou aviso.Para mim havia uma mensagem escrita e alguém ficou com ela.
Oh Figueiredo, como é que tu sabes isso?
Não sabia mas agora já não tenho dúvidas. Arranjas uma cópia e o assunto fica entre nós?
Por essa conversa lá me levaste, reconhece o amigo. Uma cópia não, o que posso é dizer-te o conteúdo, que se resume a duas palavras escritas com letras de carimbo, embebidas em tinta vermelha. O bilhete, cartão pequeno e vulgar dizia Vento Divino. Só isto.
Agora percebo, diz Figueiredo, os investigadores receiam tratar-se de um justiceiro. E quando se fala em fazer justiça pelas próprias mãos, a opinião dos jornais é que é obra da Policia. Faz todo o sentido, a reserva na informação. Obrigado velho amigo, descansa que a minha boca é um túmulo e da equipa a que pertenço não há fugas.
Como ficara acordado, os três investigadores reuniram-se na sala reservada.
Era uma quarta-feira, dia 11/11/2009. O Inspector Monteiro, dirigindo-se aos dois colegas, alertou:
- Como podem ver os painéis na parede, servirão para colocar toda a informação relevante sobre este caso, desenhar cenários e procurar estabelecer padrões. Eu dos meus contactos tive uma confirmação que aliás já esperava. Não se trata de ajuste de contas entre bandos rivais e o assassino não é do meio.
Agora Figueiredo, avança para o quadro e escreve o que está prestes a soltar-se. Descobriste algo importante e isso pode ver-se no teu rosto. O que foi?
O Subinspector Figueiredo, levanta-se, caminha na direcção do painel principal e bem ao meio escreve a palavra : Vento Divino.Afasta-se para o lado, todos lêem e ele comenta:
Os crimes estavam assinados. Por razões que até podemos entender, esta mensagem não foi divulgada. A mensagem é um cartão branco ou parte de uma folha de caderno vulgar que se vende em qualquer lugar, escrita a letras em maiúsculas VENTO DIVINO. Foi previamente escrito, utilizando aqueles carimbos de madeira, que se encontravam em qualquer papelaria.
Queres tu dizer que os crimes foram premeditados, não é assim? Ou são vingança ou pretendem desviar a atenção, baralhando. Preocupa-me esta última hipótese pois isso significa que alguém definiu o objectivo final, e desenvolveu uma estratégia. As vítimas podem ser apenas um ensaio ou, o que é mais provável, servirem de cortina de fumo. Bom trabalho Figueiredo.
Frederico levantou-se do lugar e dirigiu-se ao quadro e transcrevia notas manuscritas,que ia resumindo:
Reparem que a primeira vítima foi morta no período entre as quatro ou cinco horas antes do cadáver ter sido encontrado. Como foi cerca das 9 da manhã, a morte deve ter-se verificado entre as quatro ou cinco horas da madrugada do dia 16 de Outubro.
A segunda vítima, o corpo só foi encontrado perto do meio-dia, e os peritos médicos calculam que a morte tivesse ocorrido cerca das três da manhã. Logo assinalamos como data provável da morte, a madrugada do dia 23 de Outubro.
Podem notar que são sextas-feiras, assim o dia da caça é a quinta-feira.
Já agora, quero dizer-lhe senhor Inspector, que a listagem que pediu ainda não está pronta. Amanhã terminarei se receber algumas participações que não estão na base de dados.
Ok, Frederico, quando concluir prepare, para nós, mais dois exemplares.
O que eu acho estranho é o dia dos crimes. Quinta-feira? Deve ter algum significado!

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

OS CRIMES DO X




1º. Episódio

Foi no dia 10 de Novembro de 2009, uma terça-feira pela manhã, que dois operacionais da PJ, se encontraram num gabinete amplo, equipado com uma mesa de reunião, com dois computadores, impressoras e projectores
Não se conheciam, mas o mais velho, homem de ar bonacheirão, mas de olhos muito vivos, comentou que tanto aparato só podia significar um trabalho difícil. Olhando o colega, apresentou-se como subinspector Figueiredo, mas preferia que o tratasse só pelo nome. Eu costumo brincar dizendo, que subinspector é alcunha.
Você, é novo nestas andanças, para aqui estar é porque alguém o conhece bem, não?
- Sinceramente não sei, sou o que vocês costumam chamar de maçarico. O meu nome é Frederico e só sei pelo meu chefe, que ficaria a trabalhar com o Inspector Vítor Monteiro, pessoa que eu nem conheço.
- Tal como eu previa, responde o Figueiredo, o que nos espera é coisa fina, pois o Inspector Monteiro é uma das estrelas cá do circo.
A porta da sala abre-se e entra, com ar decidido, um homem de pouco mais de quarenta anos, alto, de óculos de aros finos. Não parece ser um experiente inspector da PJ. É considerado ter um feitio difícil e os colegas referem-se a ele como o professor.
Saudou com o sorriso o colega Figueiredo, cá estamos nós de novo não é velho amigo, e dirigido o olhar para o Frederico, fez questão de referir que, apesar de irem trabalhar juntos pela primeira vez, sabia com o que poderia contar.
Eu sou o Vítor Monteiro, tenho fama de ser uma pessoa muito exigente e sou. Também sou conhecido porque que sei trabalhar em equipa e dou sobretudo ao valor ao esforço conjunto.
Fui escolhido pelo nosso DG mas só aceitei com duas condições:
A primeira, é que os contactos com os Procuradores do MP não serão da minha responsabilidade. Dei-me mal e não sou bem visto pelos Magistrados.
A segunda é poder escolher duas pessoas para trabalharem comigo nesta investigação. Essas foram vocês.
Levantou-se e entregou a cada um dos presentes um memorando com fotografias e algumas notas, acrescentando:
- A investigação é esta. Vejam e espero a vossa opinião.
O Inspector tamborilava com o lápis no tampo da mesa enquanto os dois colegas liam o extenso documento e viam as fotografias.
Depois perguntou:
- Frederico, você leu o que é público. Não parece nada de especial, ou não? O que me diz?
Frederico, com a voz algo tremida, deu a sua interpretação:
- Segundo eu, tudo indica estarmos na presença de um “serial killer”. As vítimas foram executadas com garrote o que não é habitual entres lutas de “gangs”. O que me perturba, mas pode ser coincidência, é que as vítimas são delinquentes com passagem pela prisão, por assalto à mão armada e violações. Será quem os matou, nos quer empurrar para crimes por vingança?
Perante o olhar interrogativo do Vítor Monteiro, Figueiredo, mais experiente, acrescentou:
– Como sabe Inspector, já nos conhecemos há muitos anos e eu já ando envolvido em investigações de crimes violentos faz muito tempo. Eu vejo ódio como na maneira como eles foram mortos. Receio que o X marcado no peito das vítimas, já cadáveres, utilizando um instrumento cortante, signifique vingança, como referiu o Frederico. Estou convencido que vai haver mais vítimas e que estamos perante executores, frios e com um qualquer plano. Vai ser difícil.
Basicamente, penso o mesmo que vocês, mas interrogo-me por que razão foi decidida a criação de uma equipa especial para este caso? Não gosto disto, leva-me a pensar que alguém, quando nos forneceu os dados sobre os dois crimes, se esqueceu de algum dado relevante.
Figueiredo, você dá-se bem com pessoal das brigadas de investigação da PSP e da GNR. Veja se descobre o que eles esconderam. Por norma estes crimes têm assinatura. O relatório do médico forense indica que na letra X aparece um orifício, provavelmente feito com um alfinete. Será que havia alguma mensagem e que alguém omitiu o facto, para proteger alguma investigação em curso?
- Frederico, agarre-se ao computador e elabore um ficheiro com todos os casos conhecidos já julgados ou por julgar nos três últimos anos. Quero crimes por assalto à mão armada com sequestro e violação. Quero saber os dados sobre os suspeitos ou condenados e principalmente conhecer as vítimas, onde moram, o que fazem, quem são, etc.
Esta sala será daqui em diante o nosso local de trabalho. A porta é fechada e só se abre para limpeza na presença de qualquer um de nós. Reunimo-nos amanhã ao meio-dia.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

QUANDO MORREM OS SONHOS

2 –
Concentrado na decisão que idealizara, parecia ver o mundo com outras cores. Um leve sorriso surpreendeu até os colegas de trabalho, designadamente os mais próximos. Em surdina, comentavam de uns para outros, que ou ele teria ganho a lotaria ou haveria mulher a dar-lhe a volta à cabeça.
Alberto apercebia-se dos murmúrios e ficava feliz. Ter uma aventura amorosa era o tónico que ele precisava, era o renascia das histórias que esquecera.
Mas não sabia como dizer à mulher. Sem mais sem menos não faria sentido e aproveitando uma discussão, podia ser, mas isso era coisa que nem ele se lembrava, de alguma vez ter acontecido.
A melhor seria inventar uma semana de serviço longe do País e daí escrever-lhe uma carta a dizer que o amor morrera, que ele iria procurar outro caminho.
Começou a escrever no portátil, o rascunho da carta. A coisa não estava a sair bem, o texto não lhe agradava, porque ou era de um lamechice pegada ou era tão formal que mais uma carta de negócios. Nunca pensara que escrever uma carta de justificação e despedida, com um texto que traduzisse a angústia e a esperança que lhe iam na alma, lhe fosse tão difícil.
Não conseguira, perdera o jeito de escrever. As frases que agora lhe vinham à memória eram vazias, não tinham vida, eram simples palavras acantonadas num texto mal construído e totalmente desligadas da realidade. Não era assim que ele imaginara uma carta de despedida. Reconhecia que ia ter de reler os seus escritores de culto e os poetas que me encheram a alma, pois talvez voltasse a sentir a emoção e a paixão de uma carta, de amor ou de desamor.
Todos os textos que havia tentado escrever, alguns cheios de algumas palavras frias como o gelo, outros com uma simples declaração “ fim do caminho, já não te amo mais”, ou alguns ensaios para uma carta que fosse a fotografia do passado, com tantos momentos que lhe encheram a vida mas que, num dado tempo, lhe mostraram que tinha renunciado aos sonhos, tudo gravou na memória da máquina, numa pasta a que chamou, adeus.
Relia os textos, eliminava as frases banais e quanto a inspiração ajudou, justificava os seus anseios, o receio que o tempo se esgotasse e ele deixasse fugir os sonhos por viver.
Gostava desta confissão. Não havia recriminações, ele era que assumia a culpa e pedia perdão.
Todavia, tinha dificuldade em encenar a deslocação e o envio da carta. Quanto mais pensava, mais sentia a sensação da fuga dos cobardes.
Na realidade, deu-se conta de que o Alberto que queria partir, que queria fugir porque lhe faltava o ar para respirar, aquele que sonhara sonhos impossíveis, eram uma miragem da adolescência, era o D. Quixote à procura da sua Dulcineia, porque a vida não era governada por sonhos, por oníricos que eles sejam. A vida é dar e partilhar e ele teria recebido, talvez mais do que dera.
O tempo ia passando e Alberto não conseguia o impulso que lhe fugia. O conflito entre o sonho e a realidade, tinha bloqueado a decisão.
Mas o destino encarregou-se de lhe indicar o caminho.
Enquanto conduzia de regresso a casa, relendo, repetindo, mentalmente há exaustão o que havia escrito e pensado, olhando o mar em busca de coragem para partir, cometeu uma distracção e chocou com violência no carro que circulava à frente e que estava parado no semáforo. Acordou na ambulância, deixou fugir uma lágrima, chorando pelos outros mas, principalmente, chorando por ele próprio e pelos seus moinhos de vento.

sábado, 22 de janeiro de 2011

QUANDO MORREM OS SONHOS



1 º CAPÍTULO

Alberto Pimenta estava a passar por uma crise. Isso reflectia-se no seu desempenho profissional, no seu estado de espírito e numa apatia à volta do mundo e das pessoas.
Era um homem muito contido e reservado e só ele entendia os motivos do seu estado emocional.
Estava à beira de completar os cinquenta anos, olhava para o passado e perguntava-se onde e como tinha deixado morrer os sonhos. A resposta não era fácil e nem era capaz de definir os momentos.
Tinha casado aos vinte e quatro anos de idade com uma rapariga que conhecia deste sempre. Apesar da amizade que os unia enquanto jovens, o casamento tinha sido decidido entre famílias. O primeiro filho nasceu dois anos depois, o segundo três anos após e ao completar trinta anos de idade nasceu uma rapariga.
Agora dava-se conta, que com trinta de idade já tinha a família constituída. Não era o projecto de vida que alguma vez pensara. Fora Pai e não vivera a vida que sonhara.
A mulher era uma excelente companheira, uma mãe exemplar mas na sua vida de casados nunca notara dela um lampejo de desejo. E, na altura que os filhos seguiam o seu caminho, nada se alterara e a vida em comum, tornou-se um hábito.
Quando pela manhã se levantava, olhava-se ao espelho e não sentia qualquer emoção.
Nem por o cabelo lhe começar a rarear, tampouco por algumas rugas ou na expressão baça dos olhos.
Alberto sentia sim, a falta de paixão, ele que sempre imaginara a vida preenchida por relações intensas e arrebatadoras.
Quando, na juventude dos dezassete anos, se deixou enlevar pelos livros que avidamente devorava e enredar nos dramas de amor dos filmes que via, construíra uma mentalidade extremamente romântica, mas sempre com amor trágico à mistura.
Para ele, eram os amores impossíveis, aqueles que dariam sal à vida.
Sonho que sonhei e que não vivi, pensava para consigo.
Estarei ainda a tempo?
Tomou uma decisão. Iria divorciar-se da Fátima, e partiria à procura de seu sonho.
Pode ser doloroso para ela, mas como tem a companhia dos filhos, não vai sofrer.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

UM HOMEM DE RESPEITO




6 – O GOLPE

Após a visita ao apartamento do novo inquilino, depois de ouvir as explicações que ele lhe deu, a Dona Felicidade, entrou sorrateiramente em casa, para que o marido não lhe fizesse perguntas incómodas. Como continuasse grudado no ecrã da televisão, o marido apenas lhe perguntou sobre a hora do jantar.
Está descansado, vou só pôr a mesa. Daqui a dez minutos já está a matar a fome, respondeu a mulher.
Como o marido saiu para beber um café e conversar com o grupo de amigos do costume, regressou a casa, bem disposto e não falou no assunto.
Contrariamente ao que fazia, a porteira evitava cruzar-se com o inquilino. Todavia, algum tempo depois da conversa, deu pela entrada de dois homens, com fato de ganga e que carregavam duas malas. Deduziu que eram dois operários para montar a tal antena e ficou descansada. Afinal, pensou, o Doutor está a terminar o seu estúdio para vigiar os terroristas e eu acredito que ele vai conseguir deitar as mãos a estes celerados, antes que possam pôr uma bomba em qualquer sítio.
Pouco a pouco a confusão que se instalara na sua cabeça, ia ficando mais clara. Deixou de sentir algum constrangimento sempre que encontrava o Doutor e tudo voltara a ser como dantes.
Até se sentia uma pessoa importante, para o êxito da operação de segurança. Não só soubera guardar segredo como até vigiava o movimento de pessoas estranho ao prédio.
O Doutor, tinha tanta confiança nela, que a avisara de que os operários que tinham estado a montar a antena, não tinham feito um bom trabalho e por isso teriam de voltar até que tudo estivesse operacional.
Sabe D. Felicidade, a montagem e a orientação da antena é muito importante, tem que captar os sinais do satélite e isso só pode ser feito de noite. A senhora não estranhe se na próxima sexta-feira os dois técnicos entrem ao fim do dia e se tudo correr bem só no sábado ou no domingo acabaremos a ligação do computador com o satélite. Eu prometo que ninguém vai ouvir barulho ou será incomodado.
Eu ficarei a coordenar os trabalhos, mas no domingo à noite terei de viajar para o estrangeiro. Antes de sair deixo a chave do meu apartamento e a do terraço na sua caixa de correio. Façam-me o favor de as guardar até eu voltar.
Sem favor, o senhor pode contar comigo.
A fim de semana passou numa ápice. A Dona Felicidade abriu a caixa do correio e, como prometido, encontrou um envelope com as chaves. Guardou-o numa gaveta e descansou.
Ia a entrar no café ao encontro das amigas, quando se deu conta de um cordão de pessoas que, por cima dos ombros dos polícias, tentavam ver o que se teria passado.
Foi a D. Albertina que lhe contou as novidades:
- Sabe D. Felicidade que durante o fim-de-semana s gatunos assaltaram a agência bancária e uma ourivesaria que ficam no prédio ao lado daquele novo que estão a construir, mesmo ao lado do seu.
A Dona Felicidade sentiu as mãos suadas mas não disse nada.
Há uns minutos um polícia, contava aqui no café, que os larápios tinham sido muito habilidosos. Teriam entrado no prédio em construção, cavaram um buraco numa das paredes e entraram da ourivesaria e do Banco. Foi uma limpeza, concluiu a Dona Albertina.
Tremendo e ansiosa a Dona Felicidade foi a casa, pegou as chaves que o Doutor lhe deixara e subiu ao andar. Abriu a porta, os poucos móveis que tinha visto ainda lá se encontravam, os papéis tinham desaparecido e só viu um computador e uma série de caixas espalhadas. Foi ao terraço e da antena nem rastro.
As lágrimas correram pela face. Havia sido enganada por um senhor bem-falante.
Desceu para chamar a polícia, sem antes murmurar " O inquilino parecia ser um homem de respeito".

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

UM HOMEM DE RESPEITO




5 – REVELAÇÃO

A porteira estava tão ávida por ouvir as notícias, prometidas, sobre a vida do Doutor, que ainda não eram dezoito horas, já tocava a campainha. Com o sorriso do costume foi convidada a entrar. Venha Dona Felicidade, embora saiba que a senhora conhece o andar, queria mostrar o espaço que ocupo no dia a dia.
Já sabe que eu não me sirvo da cozinha, por isso não repare alguma desarrumação.
Mas vamos passar ao salão que funciona para descansar e, principalmente, como escritório.
As outras salas são os dois quartos, a suite onde durmo, e entreabriu a porta, e a Dona Felicidade, mesmo de relance espreitou e viu tudo arrumado, e o quarto das visitas que serve para guardar caixas de equipamento informático que ainda não instalei.
Como vê minha simpática amiga, permita-me que a trate assim, nada há para esconder.
Mas, perguntará a senhora, se assim é, porque razão me pediu segredo?
É verdade senhor Doutor, não havendo nada de suspeito, não percebi o seu pedido!
Então faça o favor de sentar, enquanto lhe explico.
Dirigiu-se à secretária de trabalho, bem grande por sinal, ligou um computador grande um outro mais pequeno e mais uma série de maquinetas, que a pobre da Dona Felicidade, nunca havia sequer visto e não fazia a mais pálida para que serviam. As paredes estavam cheias de papéis mas não os percebia.
O que viu é apenas uma parte dos equipamentos informáticos que utilizo, esclareceu o inquilino. Um que me faz falta é uma antena, como as que a senhora já viu para receber a televisão por satélite. É essa antena que terei de montar no terraço, num lugar que não seja vista da rua, pois é através dela que terei acesso aos dados que preciso.
Parece tudo muito complicado, mas não é assim. E esse é o segredo que lhe vou desvendar, com a convicção total na sua descrição.
Na realidade, Frederico Pires não é o meu verdadeiro nome mas, mesmo se quisesse, o não lho poderia revelar, por ser considerada uma falha grave na segurança. E com a segurança não se brinca, a senhora sabe isso.
A coitada da Dona Felicidade, nem sabia o que dizer ou fazer. Estava hipnotizada e, de certa forma, também assustada.
Só para a senhora perceber o que acabou de ouvir, eu pertenço a um restrito de pessoas que vigiam as comunicações, Internet, telemóveis, etc. analisando e tratando as informações para detectar possíveis atentados terroristas. O serviço é dirigido por alguém num qualquer país e não nos conhecemos uns aos outros. Só o computador central tem a chave.
O inquilino fez uma pausa, estendeu a mão à senhora Dona Felicidade para receber a chave do terraço, agradeceu, rematando:
- Dona Felicidade, o que lhe contei é verdade. Não quero que a senhora esteja assustada, e só lhe contei o que faço, pela confiança que em si depositei.
Estendeu as duas mãos, apertou com força as mãos da pobre porteira, como se estivassem a selar um pacto.
A Dona Felicidade saiu lívida e precisou de passar alguns momentos entre dois andares, para recuperar as forças. Depois, concluiu que, nunca pensara que a sua curiosidade lhe tivesse pregado tamanho susto. É bem feito.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

UM HOMEM DE RESPEITO





4 – SEGREDOS

As dúvidas que assolavam a cabeça da Dona Felicidade não a deixavam. E isso fazia-lhe mal. Ela não só simpatizava, de verdade, com o inquilino como o facto de viver só e de tratar das suas coisas, lhe despertava o instinto maternal. Ela, que não fora mãe tinha necessidade de se dar.
Foi com surpresa que no sábado, antes da hora do almoço, ouviu e viu o inquilino bater na sua porta. Mal a abriu, e com o sorriso do costume, o inquilino pede-lhe a sua atenção:
- Dona Felicidade, eu compreendo que a minha maneira de se ser e de viver, lhe possa causar dúvidas e se assim é, peço as minhas desculpas. Quando a senhora tiver um pouco do seu tempo eu gostaria de responder a todas as questões que me quiser colocar, incluindo o meu pedido da chave do terraço. Se confiar em mim falarei sobre a minha vida particular, mas, como calcula, de uma forma privada.
Se a senhora quiser ir a minha casa será bem-vinda mas se preferir, podemos conversar no café que a senhora escolher. O que é que me diz?
Oh Senhor Doutor, eu não tenho que controlar a vidas dos condóminos. Mas só se houver desacatos ou barulhos que perturbem os vizinhos é que eu comunico ao senhorio. Mas tento estar atenta aos movimentos de algumas pessoas, normalmente mulheres …o Doutor sabe a quem eu me refiro. Eu até comentei com pessoas amigas que a novo inquilino era um homem de respeito e muito educado. E, isso é o que eu penso de si.
Eu irei ao seu apartamento quando o senhor quiser falar. Só lhe peço desculpa, porque terei de dizer ao meu marido para olhar pela portaria.
- Compreendo Dona Felicidade e se a senhora se sentir melhor, o seu marido também pode vir. A única coisa que peço, é que o que for dito, deve ficar entre nós.
Eu vou sair para almoçar com um amigo íntimo. Vou demorar algum tempo, pois temos negócios em comum, mas às dezoito horas já estarei no apartamento. Se lhe der jeito pode ser nessa altura. Dona Felicidade obrigado pelo tempo que lhe roubei.
A porteira, fechou a porta e percebeu que o marido teria ouvido a conversa e comentou com ar trocista; Oh Gonçalo, agora é que te deu para teres ciúmes?
E vou ouvir o que o Doutor tem ara dizer, e tu também queres ir? Lembra-te que se eu não irei contar as minhas amigas e tu também não podes dar com a língua com dentes.
Ah, já estou e ver filme, resmunga o marido. Ele conta uma série de mentiras e tu cais como um patinho. Depois não te queixes. Vai tu, porque eu vou ficar a ver o futebol.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

UM HOMEM DE RESPEITO




3 – DÚVIDAS

D. Felicidade, deixou de comentar o assunto com as amigas e com o marido não teve uma única palavra. Ela percebera que só podia contar consigo própria.
Deixou passar uns dias e na sexta-feira, quando, como sempre, se encontrou com o inquilino, reparou que ele transportava um saco com identificação de uma lavandaria. Aproveitou a ocasião e prontificou-se a recomendar uma mulher-a-dias, de toda a confiança, para o ajudar, com a limpeza do chão, as roupas, enfim aquelas tarefas que os homens não gostam de fazer. O senhor fale comigo que eu chamo a senhora para a conhecer e com ela acertar o serviço que quer.
- Eu agradeço muito a sua atenção mas, como vivo há tanto tempo só e não utilizo a cozinha, o trabalho não é muito e até eu ou faço, para me distrair. Levo a roupa a uma lavandaria que conheço há muito e depois passo por lá para a recolher, lavada e engomada.
- Eu compreendo senhor doutor e só queria ajudar. E pode contar sempre comigo quando precisar.
- Sem dúvida que o farei, mas lembre-me o seu nome, se já mo disse, desculpe não fixei.
- Não senhor Doutor, não disse. Chamo-me Felicidade Dias e sou a porteira.
-Felicidade, que nome bonito a senhora tem. Aposto que, para além de ser muito prestável, é uma pessoa de confiança.
Não gosto que chame de doutor, o meu nome é Frederico Pires. Mas como a senhora já reparou, sou muito reservado e não gosto muito de conviver com vizinhos. Há pessoas que apreciam mas eu não, porque a pessoa perde a intimidade. Mas a senhora tem sido tão simpática que terei sempre muito gosto em falar consigo. Havemos de falar outra vez, pois também lhe queria perguntar se a senhora tem e me pode dar a chave de acesso ao terraço.
Mas agora tenho mesmo que sair, porque já estou a ficar atrasado para um encontro de negócios. Amanhã ou depois falaremos.
A porteira ficou na rua, fingindo estar a varrer o passeio, mas na qualidade seguia o caminho do inquilino. Porém ele voltou na primeira rua à direita ela deixou de o ver. Pensou que ele deveria ter o automóvel estacionado naquele rua. Mas não é grande escolha pois há sempre poucos lugares. Ou será que ele não tem carro e não quer mostrar, pensou para os seus botões?
É muito estranho, parece ser uma pessoa com dinheiro, sempre com um fato diferente e escuro ou que, para um homem novo não é muito normal. Mas quem sabe não é viúvo?
Apesar da simpatia da conversa, a porteira também ficou a magicar no pedido da chave de acesso ao terraço. Ela tinha a chave mas nunca nenhum inquilino a pedira. Mas para é que ele quer ir ao terraço?

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

UM HOMEM DE RESPEITO






2 – TEIMOSIA

Por mais que evitasse pensar no comentário da D. Albertina, e fazendo justiça à coscuvilhice habitual, de quem passa os dias olhando a vidas e os hábitos dos outros, a senhora Felicidade passou a espiar todos os movimentos do novo inquilino.
Levanta-se cedo e logo que o marido ia para o trabalho, ficava de sobreaviso, limpando o pó, tratando das flores da entrada, sacudindo os tapetes, etc, tudo para que não lhe escapasse nada.
Via sair as pessoas que já conhecia e entre as oito e as nove horas os elevadores não paravam. Depois o movimento era reduzido.
Mas não vira o cavalheiro que tão boa impressão lhe causara.
Já estava atrasada para o habitual café da manhã com as amigas, demorou um pouco mais e, quando ia a fechar a porta, ouviu o barulho do elevador 2. Esperou até que a porta do ascensor se abrisse. O cavalheiro, sim não tinha dúvida de que se tratava de um cavalheiro, cumprimentou, sorrindo, com os bons dias minha senhora.
Ficou feliz e foi logo contar às amigas. Eu nunca me engano, dizia, conheço todos os inquilinos do meu prédio, algum são simpáticos mas nenhum como esse senhor.
Pouco se interessava por não ver família. Sabia que ele só descia depois das dez horas e, na verdade, nunca o vira entrar, mas também nunca vira movimentos de gente estranha no prédio. Ele lá terá a sua vida, mas anda sempre muito bem vestido.
Á noite, ao jantar, contou ao marido:
- Sabes Gonçalo, finalmente o oitavo andar foi ocupado e por um inquilino novo, muito simpático.
O marido não prestou grande atenção, comentando que o senhorio devia estar a esfregar as mãos de contente, por terem enganado mais um parvo. Quando vier a chuva e lhe entrar água pelo telhado é que ele vai o erro que cometeu.
Mas tu sabes, que eu sou capaz de avisar o senhor desse risco, para que ele exija as reparações agora no verão, sentenciou a D. Felicidade.
- Isso, vai-te meter onde ninguém te chamou, o senhorio acaba por vir a saber e depois quem sofre fomos nós. Vais mas é ficar calada. E já agora, como é que se chama o novo inquilino?
Isso não sei, respondeu a mulher, mas já arrependida por ter falado.
Não sabes? E então porque carga de água é que andes a mexer no assunto? É mesmo conversa de vizinhas. Não quero ouvir falar desse assunto, percebeste?
D. Felicidade calou-se, mas ficou determinada a provar que a sua intuição estava certa.

domingo, 16 de janeiro de 2011

UM HOMEM DE RESPEITO






1 - O NOVO INQUILINO
No café, ao lado da casa onde era porteira, a senhora Felicidade comentava com duas amigas e vizinhas:
- Ontem encontrei o novo inquilino do último andar. Eu já me tinha apercebido da entrada dos móveis e dos caixotes, pois os homens da camioneta utilizaram aquele elevador, ou como é que aquilo de chama, e tudo entrou pelas janelas. Ao princípio até me assustei, julgando fossem os bombeiros.
Mais, foi uma limpeza. Felizmente para mim, não andaram a sujar as escadas e os elevadores.
- A D. Felicidade teve sorte, pois outro dia também andaram em mudanças do quarto andar e a escada e os elevadores ficaram uma porcaria, respondeu a D. Maria. Eu até falei para o Administrador do prédio para ele ver os estragos, mas já não encontramos ninguém. Os inquilinos fizeram tudo a correr, parece que já não pagavam renda ao há mais de um ano.
- A senhora como sabe é D Maria, são gente jovem, provavelmente perderam o emprego e não lhes restou outro caminho que não fugirem.
Eu no meu prédio tenho gente simpática e outros que passaram por mim e nem os bons dias me dão. Pelo contrário, ontem quando encontrei o novo inquilino, estava eu a abrir a porta para ir recolher o caixote do lixo, fiquei com uma excelente impressão. Cumprimentou-me com um sorriso. É um homem ainda novo, muito bem vestido, que deu gosto ver.
A senhora ainda não viu a família ou já, pergunta a D. Albertina? Sabe é que acho estranho que um homem só fique a viver numa casa tão grande. Oxalá a senhora não venha a descobrir um corrupio de mulheres a subirem para o oitavo andar.
Ai D. Albertina, nem me diga uma coisa dessas. Eu não vi família, mas deu para ver que o inquilino é um homem de respeito.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

DUETO IMPREVISTO

VIOLINO - VIOLONCELO

ALLEGRO MAESTOSO

Ricardo estava distraído a saborear a música do DVD que colocara a tocar, não ouviu a campainha mas viu que o cão espevitou as orelhas e saiu a correr para a porta do jardim.
Fez pausa no leitor e ia a caminho do jardim quando o som da campainha ficou audível.
Junto da porta, fazendo festas ao Paganini que todo se derretia, estavam duas jovens que não conhecia. Abriu a porta e, agora sim, reconheceu Sofia. Ficou embaraçado mas não desviou o olhar.
Sofia com a voz algo trémula, e com um cumprimento de circunstância, disse estarem ali para entregar o telemóvel.
Ricardo acordou num breve instante de letargia, assumiu o controlo da situação e com um sorriso grande, como já não lhe lembrava, pediu às visitas para entrarem, subiu os degraus e abriu a porta da casa. Sofia deixe que a trate a assim, dê-me o prazer de a convidar para a minha casa, onde é muito bem-vinda. E às meninas agradeço a luz que trazem a esta casa.
Após o vestíbulo entraram no salão. Ricardo convidou Sofia a sentar-se num sofá no espaço mais acolhedor da sala, escolhendo para sim o maple em frente. Catarina e Carolina tinham desaparecido.
Sofia reparou numa pequena mesa, com um balde de gelo, uma garrafa e dois copos de cristal. Sorriu e desfiando Ricardo, comentou: - Meu amigo, para quem ficou tão surpreso com a nossa visita, não se esqueceu duma bebida, que se me oferecer, eu irei aceitar.
Ofereço com todo o gosto mas, acredite, eu sabia que viria e desconfiava que a minha empregada teria preparado qualquer coisa, mas o quê não me pergunte pois não sei.
Mas, agora que somos amigos, diz Sofia enquanto bebe, talvez devêssemos, sei lá, falar um pouco de nós. Ou acha que estou a ser indiscreta?
Olhe Sofia, ainda há dias me lamentava com a D. Rosa, que é mais amiga do que empregada, a falta de família. Sou viúvo, vai fazer cinco anos, tenho uma filha que foi estudar para a Suíça aos dezassete anos e lá vive com três filhos e o marido.
Só me visita no mês de Agosto, gosto naturalmente de a ver e aos netos, mas a sua vinda complica o meu dia a dia. O meu genro, um alemão pouco conversador só vem por uma semana, o que me dá um grande alívio.
Assim como família próxima, só a D. Rosa e o cão.
A Sofia não precisa de me falar de si, porque basta olhar para a ternura e cumplicidade das suas filhas para se sentir feliz. Ou …
Ou o quê pergunta Sofia?
Sei lá, nem me atrevo a dizer, mas talvez tenha os seus momentos de solidão, responde Ricardo e pela primeira vez, num gesto simultâneo, desviaram o olhar.
Para aqui os dois a conversarmos e onde é estarão as minhas filhas?
Sofia chamou por Carolina que com a irmã ao lado apareceram vindas do outro lado da sala, protegida com um biombo.
Oh Mãe, o jantar é cá, não é verdade? Oh Catarina que ideia. Temos de ir para casa.
Mãe, diz fechando o biombo, a mesa já está posta e a D. Rosa está só a acabar.
Parece que alguém já decidiu por nós, diz Ricardo e eu estou muito feliz que o tenham feito. Fica não é verdade?
Entretanto, enquanto não nos chamam para a mesa venha comigo, quero mostrar-lhe o meu refúgio.
E pegando na mão de Sofia, com entusiasmo e orgulho, mostrou a sala de música, com um piano, o seu inseparável violino, as mesas com as partituras, a aparelhagem de som, etc.
Sofia olha tudo e murmura com uma lágrima a bailar-lhe no olhar: Vá lá alguém entender os desígnios do futuro.
Ricardo, lhe eu lhe dizer que sou violoncelista da Orquestra Gulbenkian, você acredita?
É difícil não é? E aqui estou, partilhando o seu segredo e dando graças à tempestade, que numa certa noite, nos aproximou.




terça-feira, 11 de janeiro de 2011

DUETO IMPREVISTO





VIOLONCELO

ALLEGRO


O fim de semana da família foi, naturalmente, afectado pela expectativa do encontro entre Ricardo e Sofia.
As duas filhas trocavam sinais de cumplicidade, porque haviam idealizado uma estratégia para o encontro. Também, porque tinham tido uma ajuda importante, ao falarem com a Dona Rosa, a empregada de Ricardo. A senhora, para além de dar as informações que a curiosidade das miúdas colocara, sugeriu que deveriam convencer a Mãe a ir entregar o telemóvel, apenas na segunda feira ao fim do dia, pois ela precisava de tempo para preparar o caminho.
Sofia apercebia-se dos segredinhos entre as duas e a impaciência com que aguardavam o inicio da semana. Sabia que elas tinham alguma surpresa, mas não quis roubar-lhes o prazer e o ar feliz, com que as via.
Logo pela manhã, Catarina ao despedir-se antes de entrar no autocarro da escola, recomendou:
-Mãe, não te esqueças de me vir buscar antes de irmos entregar o telemóvel!
Sofia sorriu e com um beijo segredou: - Achas que a Mãe se iria esquecer de uma coisa tão importante?
Como os ensaios da orquestra só começavam após as catorze horas, Sofia costumava sair por volta da hora do almoço. Naquele dia decidiu ir bastante mais cedo, dizendo a Carolina, que precisava de passar pelo cabeleireiro, já que na sexta-feira tinha um concerto.
A filha esboçou um sorriso irónico, recomendando à Mãe que uma massagem também lhe faria bem. Sabes, alivia o stress do primeiro encontro!
O ensaio correu bem e o maestro dispensou os músicos antes da hora habitual. Sofia aproveitou, viajou num comboio mais cedo, pegou no carro e chegou a casa antes das filhas. Tomou um banho rápido , escolheu para usar um vestido que poucas vezes usara, mas que gostava, por ser simples, despretensioso, mas de bom gosto.
Mirou-se ao espelho e gostou de se ver. Escolheu apenas um colar de fantasia para compor o decote do vestido.
Levada pelo entusiasmo das miúdas, também ela se estava a preparar para um jantar romântico. Que disparate, pensou, não foi só entusiasmo das miúdas que me levou a vir correndo para casa e a escolher uma toilete mais formal. Na realidade, sentia que o seu tempo poderia estar a fugir e o apelo do seu corpo de mulher foi mais forte.
Apesar de tudo prevaleceu a razão. O futuro ninguém conhece, mas forçar o caminho é uma grande disparate.
Eu reconheço que o olhar de Ricardo não me foi indiferente, e até acho que a simpatia foi mútua, mas o que vou fazer a casa dele é tão simples,só entregar um telemóvel que por descuido guardei comigo.
Preciso de bom senso, o encontro pode demorar apenas dois minutos e não faço a menor ideia das pessoas que lá poderei encontrar.
Despiu o vestido e optou por uma blusa clássica e umas calças a condizer. Está melhor e assim não ficarei constrangida por nenhum imprevisto.
As filhas chegaram quase ao mesmo tempo e foram encontrar a Mãe na cozinha a preparar o jantar.
Oh Mãe, tu não nos digas que vais assim vestida? Só te falta pôr um avental e calçar uns chinelos!
Então, tinhas tanta pressa tinha de arranjar o cabelo, e ele está lindo, e depois é assim?
Minhas meninas, não sei o que vocês andaram a combinar, nem com quem. Mas a Mãe vai com vocês como combinado mas da forma que eu escolher, ou então fico em casa de avental e chinelos e vocês vão entregar o telemóvel.
Mas oh Mãe,nós gostamos de ter ver ainda mais bonita e achamos que deves arranjar companhia para saíres de vez em quando. Qualquer dia nem nos podes ver e a tua amiga Raquel ainda te convence a arranjar um par de gatos para companhia, por ela fez. É isso que queres?
Nós percebemos ou teu entusiasmo ao falares do Ricardo e agora tudo morreu?
Não adianta Catarina, a mãe decidiu ir vestida informalmente, pois será assim.
Só te pedimos para colocares no cabelo esta rosa que fomos comprar. Faz isso por nós.
Sofia, deixou escapar uma lágrima, colocou a flor dizendo:
-Vá, vamos lá conhecer o homem que me ajudou e que pelos vistos, vocês as duas, conhecem melhor do eu.





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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

DUETO IMPREVISTO







VIOLINO

LARGO

Ricardo regressou a casa depois de ter percorrido ruas e ruas da cidade. Não tinha dado muita atenção às pessoas com que se cruzara, mas um pormenor ficou-lhe retido na memória. Vira muita gente solitária, sentadas em bancos de jardim, como se aguardassem o passar do tempo e o esgotar da vida.
Tinha acabado um trabalho que lhe dera muitas alegrias, mas no final, uma sensação de tempo perdido, pelo que decidira passar uma esponja pelo passado.
Mas receava o futuro. Recordava a solidão que vira espelhada nos olhos tristes de tanta gente e um calafrio percorreu-lhe o corpo.
Entrou em casa e sentiu-se mais só. Tinha o fiel companheiro, que sentido a tristeza do dono, encostou a cabeça pedindo uma festa, como a dizer, não te esqueças de mim.
Ricardo entrou directamente para o seu refúgio musical, abriu o estojo do violino mas não lhe apetecia tocar. De repente, sentiu o desejo de percorrer a casa, olhar para as recordações perdidas, mas sabia que a mulher-a-dias não gostava de ser distraída, quando fazia o seu trabalho.
Mas foi a D. Rosa que apercebendo-se que Ricardo já tinha chegado o foi procurar ao refúgio, perguntando com preocupação:
- Então Doutor Ricardo hoje veio mais cedo? Mas não está doente pois não?
- Não D. Rosa, está tudo bem, mas hoje senti a falta da família. Afinal de família, só a tenho a si, é assim que a considero, e ao cão. A filhas e os netos estão longe e têm a sua vida para viver.
- Oh Doutor, não diga essas coisas que me fazem triste. Lembras de eu lhe ter tantas vezes falado que o senhor precisa de companhia? Olhe, digo mais; já a saudosa senhora Dona Leonor, quando estava muito doente, me pediu para não o abandonar quando ela partisse e de o ir lembrando, que devia reconstruir a sua vida. E é isso que tem de fazer.
Ai que me ia esquecendo; Tenho um recado para lhe dar.
No sábado, recebi uma chamada feita pelo seu número, e até me assustei, mas era uma voz de uma menina que queria o seu endereço, porque a Mãe teria ficado com o seu telemóvel e não sabia como o devolver. Como encontraram o meu nome da lista de contactos que o Doutor mantinha, vinham procurar ajuda. Eu dei a morada, mas disse-lhe que o Doutor só estaria na segunda-feira à noite.
- Fez bem D. Rosa, eu ajudei de facto, uma senhora em dificuldades no dia do temporal e emprestei o meu telefone. Ainda nem tinha dado pela sua falta.
Então já sabe que hoje vai ter visitas. Ainda bem que fiz biscoitos e no forno deixo o assado que vai dar para mais pessoas. Sim porque as visitas podem aceitar um convite para um chá se for ainda hora ou para jantar, o que é mais provável. Pensando melhor, vou deixar a mesa preparada para três ou quatro pessoas, não vá o senhor, distraído, utilizar a loiça do dia a dia.
Ricardo encolheu os ombros, não valia a penar contrariar a senhora.
Mas, embora não quisesse reconhecer, ficaria feliz por voltar a encontrar a mulher, que conhecera tão desesperada.
Ele tinha-a ajudado num momento difícil, mas apenas numa noite tempestuosa. Ela iria agora encontrar, não o homem seguro de si que conhecera, mas alguém indeciso e só, perdido na encruzilhada da vida.
Que estranhas voltas o mundo dá. Que surpresas nos reserva o destino.
Voltou ao estúdio, ouviu de novo a recomendação da D. Rosa antes de sair, pegou do violino e os sons voltaram a dar-lhe, alegria e conforto.
E, com a magia da música de Beethoven, voltou a esperança.

domingo, 9 de janeiro de 2011

DUETO IMPREVISTO




VIOLONCELO

VIVACE

A sábado era para Sofia um dia especial. Levantava-se cedo e preparava um banho de imersão. Um longo banho. Com o corpo coberto por espuma sentia-se, reconfortada de uma semana de correria.
As flhas eram o presente, e as preocupações do futuro. Tenha conseguido gerir o crescimento e a entrada na adolescência de Carolina e contava com ela para acompanhar a irmã, que admitia via a ser mais rebelde.
Artur, o Pai, falava com a miúdas de vez em quando, mas confessando as saudades, arranjava sempre uma desculpa para as não levar a passear, como tantas vezes havia prometido. E elas iam desculpando, mas Catarina, sentia que, passo a passo o Pai se ia afastando dela. Ela, passara a ver o Pai com uma pessoa com quem se fala ao telemóvel, e no momento seguinte se esquece.
Sofia procurava entender o comportamento do ex-marido. Pensava que a sua vida não devia estar a correr da melhor maneira pois, já há muitos meses, deixar de depositar a pensão. Mas não lhe perdoava o facto nem uma palavra de lhe ter dito. Até nos aniversários das filhas, era ela quem comprava uma lembrança e um postal que escrevia em nome do Pai.
Da última vez, Catarina abraçou a Mãe e com lágrimas nos olhos segredou-lhe que sabia quem é que lhe estava dar a prenda e os parabéns, e por isso não queria receber mais.
Estava de tal maneira a pensar das filhas quem nem se deu conta que a água estava a ficar fria. Saiu da banheira, envolvida num roupão,limpou o espelho embaciado e olhou-se. Com vaidade,confirmou que, apesar dos anos e das duas maternidades, o seu corpo mantinha a firmeza, os seios que nunca tinham sido muito volumosos a sua beleza e as ancas e as pernas não apresentavam estrias.
Sabia ser um a mulher interessante, percebia isso os olhares dos colegas e nos homens com que se cruzava nas ruas, mas tinha decidido que uma terceira ligação, só com um homem especial, que lhe desse amor, muito amor, muita ternura, e que com ela partilhasse os momentos e os gostos.
Pois é, e onde é que eu vou encontrar esse homem? Se eu, que me senti atraída pelos breves instantes em que conheci Ricardo, nem assim o consegui voltar a ver! E talvez assim seja melhor do que sofre alguma desilusão.
Preparou um pequeno almoço e na mesa encontrou o telemóvel que, inadvertidamente, guardara. Esteve a olhar para o aparelho, com vontade de o ligar, mas receava que isso pudesse ser desagradável . Poém a curiosidade foi maior, abriu e percorreu a lista de contactos à procura nem sabia do quê. Na realidade sabia, eu lia contactos de mulheres. Aguns havia, mas não lhe pareciam muito próximos. Encontrou o número, de uma senhora chamada Dona Rosa. Quase apostaria seria a mulher a dias. Depois vou pedir à Carolina, tem mais geito do que eu, que ligue e invente uma desculpa qualquer para descobrir a morada de Ricardo.
Saiu para as compras do super e quando regressou já as duas filhas, com o ar mais inocente do mundo, a aguardavam na cozinha.
Mãe, temos novidades para ti, a Carolina já descobriu o Ricardo, não é verdade?
Sim minha linguaruda. O teu cavalheiro da bruma, sabemos onde mora e disseram que é um homem excepcional.

sábado, 8 de janeiro de 2011

DUETO IMPREVISTO



VIOLINO

Allegro ma non troppo

Estava ansioso quando se apresentou ao Director logo que conseguiu ser recebido. Estava muito tenso. Passara o fim de semana, fechado no escritório, revendo os dados que tinha coligido sobre o trabalho que lhe sido pedido, passando para um disco rígido toda a informação delicada.Guardou o disco no cofre, e limpou o computador, como aprendera a fazer, sem deixar rastros.
Olhava-se e não se sentia bem; bem parecia que estar a trair alguém. Talvez a si mesmo?
Ricardo, entrou no gabinete onde tantas vezes estivera como amigo, mas desta vez,de uma forma distante.
E disse:
- Senhor Director Nacional
Quando no início de 2007, me escolheu para chefiar um departamento inexistente mas a que era dada importância relevante, julguei que a organização me tivesse escolhido por reunir qualidades e não ser um deixa andar. Mas, agora verifico que alguém se enganou. Ou eu sou um incompetente e ninguém mo dizia ou sou alguém que procurando fazer o trabalho da melhor forma, incomodou quem não devia ser incomodado. Assim, sem esta dúvida ficar esclarecida, decidiram que eu merecia uma prateleira dourada, colocada lá bem no alto, mas onde não estorve ninguém. Desta maneira evitam que eu ande a mexer onde não devo, não é assim?
O Director Nacional que o conhecia muito bem, agitou-se na cadeira incomodado. Ignorou a insinuação, dizendo que Ricardo, também devia entender a situação como um novo desafio. Vai ficar disponível para investigar as situações mais difíceis e ficará dependente apenas de mim.
-Oh, senhor Director , agradeço a promoção, mas o que eu fazia antes de me calarem era também investigação de situações delicadas, envolvendo dinheiro de corrupção, tráfico de influências, fuga aos impostos, enriquecimento ilícito, eu sei lá que mais. É como bem sabe uma praga, que tem alastrado a uma velocidade constante,e hoje assume proporções de desastre nacional. Ou estarei errado?
Mas tudo bem. As pessoas que se sentiram mal, podem dormir descansadas eu vou parar a minha investigação e calo-me, porque apesar da náusea que sinto, a palavra trair, não entra no meu léxico.
Mas não quero, nem posso, deixar de sublinhar ar a minha profunda mágoa. Acreditei, desde o meus primeiros dias, que tinha uma missão. Agora, reconhecer, que ao fim de trinta de trabalho estava enganado, é uma dor muito profunda e os danos são irreparáveis. Foi a gota que extravasou do copo.
Para aqueles que foram ocupar o meu lugar, e que eu bem vi, a tentarem vasculhar no meu antigo gabinete, procurando os segredos que eu lá teria escondido, deixo um sorriso de escárnio. Eu foi ingénuo muitas vezes, mas aprendi a lição.
Por amizade e consideração, quero informá-lo, em primeira mão, que vou pedir a renúncia a todos os cargos da Polícia e, logo que em ordem, apresentarei o pedido da reforma. Acredite Senhor Director, que a minha saída é o mais aconselhável para todos.
Ia abandonar as instalações. Mas foi surpreendido, pois ao passar num corredor, ouviu
dos colegas que com ele tinham trabalhado,um forte aplauso.
Enquanto caminhava numa Lisboa triste e suja, o sol rompeu as nuvens e toda a cidade recebeu a luz que a fazia única.
Também ele, com o desgosto e desilusão, precisava de um raio de sol na sua vida.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

DUETO IMPREVISTO








VIOLONCELO

PRESTO
Naquele dia, parecia que tudo se iria passar com a mesma rotina. Parecia, mas não foi assim. Um temporal, chuva intensa e vento com rajadas muito fortes, começou logo à saída do comboio.
Para ajudar, o carro decidiu não colaborar e ficou imóvel. O telemóvel, por descuido, estava sem carga.
Sofia ficou parada, sem saber o que fazer. Decidiu que, mesmo debaixo da chuva, teria de ir andando até à estação e procurar um táxi. Não era perto o lugar onde tido estacionado o carro e quando chegou à porta da estação, ficou desanimada. De táxi nem sinal e o que encontrou foi uma extensa fila de pessoas, espreitando a sua vez .
Que mais me falta acontecer? Voltou para junto do carro e tentou mais uma vez colocá-lo a trabalhar. Sem resultado, os nervos cederam de vez, colocou a cara no volante e chorou lágrimas de desespero.
Estava na naquele sofrimento, quando um homem lhe bateu no vidro da janela. Sofia era uma pessoa muito cautelosa e sabia não deveria abrir o vidro a um estranho. Mas abriu e fez bem.
Quando o desconhecido lhe perguntou se precisava de ajuda, quase desfeita em lágrimas contou o seu drama. O carro não pegava, com o telemóvel sem bateria não podia pedir ajuda e estava muito preocupada com a filha mais nova, que já devia ter voltado da escola e estaria à porta à sua espera. Não fosse tão longe, lamentava-se, mesmo com a chuva que não abranda, eu já me teria metido a caminho, marchando a pé.
O desconhecido recomendou-lhe calma porque tudo se iria resolver. Olhe, sirva-se do meu telefone e fale com a sua filha para a tranquilizar. Entretanto eu vou colocar o meu carro ao lado do seu, passo os cabos da minha bateria e o seu automóvel vai pegar. Fique dentro do carro enquanto eu faço a ligação. Quando eu tocar a buzina, ligue o motor.
Assim e após uma ou duas tentativas o motor do carro de Sofia começou a trabalhar.
Pronto, assim pode seguir mas tenha cuidado para não deixar o motor parar. Para onde é que vai, perguntou o simpático socorrista?
- Vou para perto do Parque dos Poetas, respondeu Sofia, enxugando as lágrimas.
Então siga na minha frente, porque eu também moro numa praça ali perto e se algum problema surgir durante a viajem, estarei por perto. Amanhã, com calma, preocupe-se então com a viatura.
Eu nem sei como lhe agradecer, caro senhor.
Caro senhor, não diga isso, afinal somos quase vizinhos e que eu fiz foi uma coisa normal. A propósito o meu nome é Ricardo e sinto-me feliz por a ter ajudado.
Eu chamo-me Sofia e depois de um dia difícil, obrigado por o ter encontrado. Sorriu, arrancou, viu pelo retrovisor as luzes do carro que a seguia e, à porta de casa ,conseguiu um lugar para estacionar. O outro carro, deu meia volta, acenou e seguiu o seu caminho.
Sofia, fez uma carícia na filha que a aguardava, abriu a mala para tirar a chave da porta e só nesse momento se apercebe que havia guardado o telemóvel que Ricardo lhe tinha emprestado.
Então e agora ou que vou fazer?
Oh mãe não te preocupes, eu estou cheia de frio e fome e não tarda nada, chega a carrinha da Carolina. Depois falamos.
Ao jantar Sofia contou às filhas a aventura daquele dia.
Lamentou o descuido, por ter guardado o que lhe não lhe pertencia. Ricardo até pode pensar que o fiz com segunda intenções.
A Mãe, tem que nos contar tudo, diz Carolina. Então ficaram assim, Ricardo, Sofia e depois?
Olha Mãe, um encontro do meio da tempestade, entre dois desconhecidos, pode ser o principio de um belo romance de amor. Temos de conhecer o teu admirador

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

DUETO IMPREVISTO










VIOLINO

"Andante"

Hoje, primeiro fim de semana de Setembro, recomeçara a acariciar, afinar e finalmente tocar alguns acordes de violino.
Porém estava inquieto, demasiado, não se concentrava e por isso resolveu parar de tocar. Hoje não dá, Paganini, amanhã vamos tentar, está bem? E o cão abanava a cauda.
Ricardo Ferreira era Inspector da Polícia Judiciária, no activo. Sempre gostara do que fazia e entendia que não podia ter tido outra ocupação. Nos momentos difíceis, que também tivera e quando se sentia mais perdido, a mulher sugeria-lhe que deixasse a Polícia e seguisse outro caminho. Mas ele sempre recusara e dizia que sair seria como perder um pouco da sua vida.
Mas hoje, trinta anos após, sentia-se mal, verdadeiramente mal. Não era o sabor amargo do fracasso mas era algo parecido com a derrota por meios escusos. Sim fora vencido e mandado estar quieto, disso não tinha dúvidas. Voltar era doloroso e nunca sentira aquele desconforto de ir fazer um trabalho em que já não se acredita. Precisava de repensar a vida.
A última gota, aquela que mais o ferira deu-se num final de Julho. Quando voltasse iria deixar de se ocupar com o trabalho para que tinha sido escolhido no principio do ano.
Seis meses, foi quando durou o que, com toda força, lhe tido sido pedido.
Quando as autoridades competentes, decidiram começar a combater o crime financeiro, um assunto muito delicado, por ser associado a muita gente poderosa, empresários, políticos, advogados e até mesmo instituições de crédito, a polícia precisava de alguém para arrancar com o projecto.
O Director Nacional, não teve dúvidas que Ricardo era a pessoa certa para o lugar.
Foi assim que, no início de 2007, o inspector Ricardo Ferreira assumiu as funções de chefia.
O mundo da finança não lhe era inteiramente estranho. Sabia que em Portugal a corrupção começa com o lançamento de uma empreitada pública. A propósito de um grande projecto, recentemente anunciado nos jornais, Ricardo preocupou-se em seguir os movimentos dos estados maiores das grandes empresas, pois sabiam que eles se organizavam em “cartel”.
Depois eram os almoços, sempre em lugares diferentes, dos Presidentes e do Advogados que lhe davam assessoria.
Por fim acertavam as comissões a pagar, em dinheiro ou em futuras nomeações para os Conselhos de Administração. Ricardo optou por estar atento a movimentos de capitais oriundos ou enviados para sociedades “offshore”.
O verdadeiro trabalho era feito à noite, depois do jantar, utilizando os meios informáticos que fora instalando no escritório e aplicando o que aprendera com o consultor, que já em tempos o aconselhara, quando ele percebeu que para combater o crime organizado, era necessário chegar às fontes de financiamento e aos movimentos do dinheiro. O resto era irrelevante.
Encontrara o rastro do dinheiro e agora só precisava de ligar o puzzle.
E, nesse momento, fora mandado parar.



quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

DUETO IMPREVISTO





















VIOLONCELO

PRELUDE

Eram a hora de saída do emprego e como, geralmente acontece, as nuvens que durante o dia se foram acumulando no céu, transformaram-se em chuva forte e batida pelo vento. Sofia, saíra a correr do ensaio porque não queria perder o Metro do costume. Não era longe, mas a chuva persistente tinha feito com que o guarda-chuva tivesse servido de fraca protecção.Não obstante a incomodidade da roupa molhada, valera a pena o esforço da corrida, porque iria chegar à Estação do Cais do Sodré, a tempo de apanhar o comboio, e de preferência encontrar um lugar livre.
Sentia-se cansada. A orquestra preparava uma série de concertos e o maestro pedia sempre mais um esforço. Sofia, percebia e dava sempre tudo o que podia. Porém havia dias em que os tons do violoncelo não eram tão puros como a partitura exigia. Bach, era sempre um desafio.Sentada no lugar da janela, ia relembrando os dois últimos da sua vida. O divórcio, que lhe deixara marcas que só o tempo faria esquecer.
Tinha duas filhas; Carolina, com quinze anos de idade, boa aluna no liceu mas já com uma personalidade bem vingada e, pois isso, tendo já alguns assomos de independência. Carolina era fruto de uma ligação imatura, e que durara o sopro do vento. Sofia soubera conduzir a infância da filha, fazendo de Mãe e Pai e Carolina, nem uma vez sequer perguntou pelo Pai.
Catarina, jovem de oito anos de idade, doce e terna, tinha nascido do seu casamento com Artur. Tinha sido um casamento feliz, feito de partilha e cumplicidade. Artur adorava a filha e para ele, Carolina merecia-lhe o mesmo carinho. Foram oito anos felizes.
Encontrara Artur, num almoço de antigos alunos do colégio. Tinham tido uma paixoneta de liceu mas a vida afastou-os. Sofia apaixonou-se pela primeira vez na sua vida. Dali ao casamento foi um passo.
Mas a vida tem, como uma peça musical, vários andamentos. E ela não soube interpretar alguns cambiantes. Artur tinha mudado de trabalho, passava muitos dias ausentes no País e do Estrangeiro. Nunca se esquecia de telefonar às garotas e para ela havia sempre um longa conversa por telemóvel ou pela Internet.
E o destino pregou-lhe uma partida. Quando julgava Artur em Espanha, encontrou-o a passear com uma outra mulher, num local onde não tinha por habito ir.
Depois, foi a dúvida a desconfiança e por final o divórcio. Faz hoje dois anos, pensou.
Agora aos trinta e oito anos de idade, a sua vida era a orquestra, a correria de todos os dias, sair da Estação de Oeiras, pegar no carro lá estacionado, passar pelo super mercado e ir para casa. Ali com as duas filhas estava, finalmente, em paz.


terça-feira, 4 de janeiro de 2011

DUETO IMPREVISTO












VIOLINO
ADAGIO

Era sábado, entardecer num dia de fim de verão de 2007. Ainda fazia algum calor mas o Outono já estava a bater à porta.
Na casa que habitava nos arredores de Lisboa, Ricardo, tinha um pequeno jardim e um recanto junto da garagem, que mandara arranjar, impermeabilizar e forrar em madeira, para dele fazer o seu estúdio musical. Era ali que costumava passar algumas horas durante os fins de semana, tocando violino. Reconhecia que não era um grande executante, tinha alguma escola, mas durante muito tempo não teve tempo ou paciência para se dedicar ao treino. Conseguia ainda assim arrancar daquele instrumento que adorava, sons que lhe enchiam a alma.
Era viúvo há cinco anos, e tinha prometido à mulher que nunca deixaria de tocar porque a música subiria até ela ouvir. Tinha, todavia, um ouvinte atento. Era capaz de passar horas sentado a olhar para ele quase sem se mexer, o que para um cão não é tarefa fácil.
O cão que recolhera na rua, pobre rafeiro escanzelado e abandonado, tinha-se tornado no amigo fiel e companheiro e parecia gostar dons sons que ouvia. E por isso o dono lhe pusera o nome de Paganini.
Naquele dia, ia começar o que chamava o período da tranquilidade, introspecção, memória e naturalmente música. Para o primeiro dia, Ricardo, escolhera uma partitura do concerto para violino e orquestra n.1 de Mozart, e concentrou-se nos primeiros andamentos. Não gostou, voltou atrás e tentou de novo com mais ternura nas mãos. E o som, melhorou. Olhou para o cão e riu-se porque lhe pareceu que o animal estava de acordo com ele.
Não percebia a razão porque muitos dos seus amigos se sentiam deprimidos com as primeiras chuvas e com o vento que se encarregava de atapetar com folhas os jardins e as ruas e alamedas. Porque ele gostava particularmente daquele período do ano. Era o período em que acabavam as correrias pela casa, as idas a praia, os gritos dos netos, as discussões, etc. e em que tudo voltava à normalidade. O mês de Agosto era para ele um mês para esquecer.
Na realidade gostava de receber a visita da filha, que vivia e trabalhava na Suíça. De seu nome, Leonor como a mãe, mas tão diferente, tão diferente. O que a Mãe tinha de doce tinha ela de frívola e distante. Vinha primeiro com os três filhos, um rapaz de 9 anos, Pedro, cheio de borbulhas e viciado em computadores, Luís de 7 anos, cuja principal actividade era andar aos gritos e à bulha com o irmão, e uma rapariga de 3 anos, Margarida, que era da família a única pessoa que gostava de estar com o Avô. Era ela que lhe fazia companhia quando saía a passear o cão, era ele que a ia deitar e contar histórias para adormecer. O Avô dava-lhe carinho e ela retribuía com um sorriso que lhe iluminava o coração. Para ele estar com a neta, era como atenuar a dor que havia sofrido. E como a Avo iria gostar daquela criança que não conhecera!
O genro era alemão, professor de física. Parecia e agia como um extra terrestre. Decididamente, as férias para ele em casa do sogro eram um sacrifício. Não tinham nada em comum, pelo que as conversas entre ambos eram apenas de circunstância. Por isso arranjava sempre maneira de vir apenas na última semana. E a parva da filha acreditava nas desculpas do Werner, mesmo quando saltava à vista, que não eram verdade. Isso incomodava-o, e por mais de uma vez esteve tentado a contradizer o genro, mas lembrou-se que chegara por mais de uma vez a comentar com a mulher aquela situação e esta, mesmo doente, sempre lhe recomendara para não se intrometer.
Ele prometera, mas que lhe custava, lá isso custava.
Mas agora, que eles tinham partido, tinha o trabalho de, com a ajuda da mulher a dias, que trabalhava lá em casa, nem se lembrava há algum tempo,limpar e arrumar a casa, porque ficava tudo de pernas para o ar. Só depois abria o armário, fechado à chave que guardava no bolso, onde escondia a mala do violino e as partituras. Assim os mantinha a salvo daquela horda de bárbaros, que eram os dois netos.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A PROPÓSITO

Todos, em qualquer momento da vida, se sentiram desagradados com o que fizeram e como.
A mim aconteceu-me, algumas vezes.
A última das quais foi a publicação de um folhetim, em nove capítulos, desconchavados e “chatos” e a que chamei, “Uma Aventura noutra cidade”.
Tomara não ter escrito esta historieta; Tomara ter eliminado todos os nove capítulos, o que em algum momento pensei fazer, e assim não sei, porque o não fiz.
Possivelmente, penso eu neste momento, porque podia haver alguém a ler, em noite de insónias ou, para distrair o sono, quando a TV estivesse a apresentar os debates entre os candidatos à Presidência.
Este desabafo, e não é mais do que isto, não é impelido por alguma sobranceria face aos textos já publicados neste blog, porque também sei reconhecer os meus limites, mas porque a historieta não faz, definitamente, o meu género.
Embora as personagens tiverem tido criadas pelo “autor”, a parte final, Paris, foi- me contada,com aventuras rocambolescas à mistura, por alguém que nada tinha de ingénuo e acabou, quase, vítima como o protagonista.
Sinto que estou em dívida para com os meus leitores. As desculpas não servem de nada. O mal está feito e é com os erros que tenho de conviver.
Para amenizar deixo-me uma sugestão. Cantar Paris na voz de Frank Sinatra. Vale a pena.

domingo, 2 de janeiro de 2011

UMA AVENTURA NOUTRA CIDADE

CAPÍTULO – IX – PARIS

Como não conseguia dormir, desceu e saiu para rua. Já não chovia, foi andando sem destino. Quando reparou que tinha chegado à rotunda da Concórdia, apercebeu-se que tinha descido os Campos Elísios. Já estava cansado, não teve coragem para subir a Avenida, tomou um táxi e regressou ao hotel.
Continuou o trabalho, já sem a mesma alegria e boa disposição. Esteve a trabalhar até tarde. Como só lhe faltava redigir o relatório, e completar alguns pequenos pormenores, que faria na sexta-feira, tentou alterar a data de regresso. Pretendia o último voo de Paris para Lisboa, mas resultado. O avião estava lotado.
Ainda não tivera coragem de ver o correio electrónico. Receava não ter tido uma resposta ao seu mail para Maria Teresa, mas antes de sair para jantar resolveu abrir. Desilusão, não tinha recebido resposta.
Quando da recepção pediu a chave do quarto foi-lhe entregue um envelope com o timbre da Casa Dior, com o seu nome escrito à mão.
Abriu, e encontrou um convite, personalizado, para um cocktail oferecido pela casa Dior, às 20 horas de sexta-feira, no Café le Pavillion, e indicava o respectivo endereço. Assinava, "Muriel Devernois, Rélations Publiques."
Olhou e remirou o convite e não teve dúvidas que o seu nome teria de ter sido indicado por Maria Teresa. Só não sabia, se tinha antes ou depois de ser ter zangado.
Sexta-feira, terminou o trabalho no Banco. Despediu-se dos colegas e foi para o hotel completar o relatório.
Apercebeu-se que tinha demorado mais tempo do que inicialmente havia previsto, porque ao fechar o computador, reparou que já eram 20 horas. Hesitou entre aproveitar o convite ou ficar a descansar. Já estava farto de permanecer fechado no quarto e ir todos os dias comer ao mesmo restaurante, a mesma comida sem sabor, pelo decidiu ir espreitar o local. Depois, logo decido.
Foi de táxi, e antes de mostrar o convite, estudou o tipo de pessoas que via entrar. Uma série de jovens, altas e magras, devem ser os modelos, pensou, vestidas com alguma extravagância. Homens jovens, calculou serem também modelos, de físico e indumentaria semelhantes.
Ah, isto não é para mim e ia voltar as costas, quando verificou que muitos dos convidados, que iam entrando, vestiam com elegância mas sem cerimónia. Assim não me sentirei um intruso e por isso vou entrar.
Da bandeja que o criado lhe apresentou logo à entrada, escolheu beber uma taça de champagne e com ela na mão, foi percorrendo o salão principal, já bastante cheio de grupos ruidosos, que evitou, acabando por encontrar um recanto com um confortável sofá de dois lugares e sem ninguém por perto. Sentou-se, pousou a taça na mesa de apoio e espreitou a assistência.
Com um ar propositadamente convidativo, sentou-se a seu lado, uma senhora carregada de adereços e camadas de cosmética , dizendo : -Monsieur, est que je pouvait arrête mon champagne avec toi? Fingiu que não percebia francês e bocejou. Foi o suficiente, a senhora que acabara de se sentar, olhou-o com desdém, levantou-se e foi procurar companhia noutro lado. Respirou fundo. Desta estou livre. Com tanta mulher bonita que aqui se encontra só a matrona deu por mim.
Foi dar uma volta pelo salão, circulou entre os grupos de pessoas que se tinham formado, olhando com atenção, na esperança de ver Maria Teresa. Andava entretido a passear quando as luzes foram reduzidas e o dj colocou a tocar música de dança, começando com um tango.
Paulo adorava dançar o tango clássico e tinha-se na conta de um excelente dançarino.
Sentiu um toque no ombro e uma voz feminina que lhe murmura: “Voulez vous danser avec moi? Oui, avec plaisir,” respondeu. A mulher que o abordara era bonita, rosto sardento, cabelo ruivo, alta e elegante. Ao enlaça-la para dançar aspirou o odor do perfume inebriante. Dançavam bem e, naturalmente os corpos foram-se moldando colados de uma forma desafiante. Ela segredou-lhe ao ouvido, num sussurro “ Je m’apelle Natalie et vous? Moi, je suis Paulo. Paulo, c’est un nom Portugais, vrai ? Oui je suis de Lisbonne. »
« Oh, j’adore votre pays et je pense que les hommes sont vraiment audaces. Vous aussi ? - Moi? Je ne sais pas. Mais je peux vous dire que danser avec toi, c’est en plaisir étonnant »
A música mudou, para um ritmo que lhe não agradava e sugeriu fossem conversar e tomar mais uma bebida. Natalie acenou que sim, pegou-lhe na mão e conduziu-o a uma outra sala mais pequena e confortável onde se sentaram juntos.” Ici c’est bien, on peut bavarder un petit peut et décider quoi faire »
Cruzaram os braços com uma taça de champagne na mão e beberam, aproximando a boca.
O beijo foi prolongado e húmido. A respiração tornou-se ofegante e acariciaram-se com a volúpia do desejo.
Ao ouvido, Natalie murmura entre pequenos beijos: « Je veux faire de l’amour avec toi. Cette nuit nous appartient et je te promis d’aller jusqu'à la fin du monde. »
Mois aussi, et mon hôtel nés pas lois de ici.
C’est bien, pour ton hôtel. Paulo n’oublie pas d’acheter une bouteille de champagne, et vérifier si vous avez disponible le montant ou s’il faut aller a la caisse.
“Mais, l’hôtel est dejá reglé, pourquoi l’argent”, perguntou Paulo com cara de caso.
Pourquoi ? Parce qu’il faut me payer chéri, et le montant, pour une nuit c’est de mille euros ».
Paulo olhou para ela com surpresa. Só me faltava mais esta, pensou. És mesmo um ingénuo, julgavas que em meia hora conquistavas uma bela mulher, só com meia dúzia de palavras e já estarias na cama com ela. Ora toma lá, se a quiseres larga mil euros.
Virou-lhe as costas, caminhou na direcção da saída e nem quis perceber os insultos com que ela o tratava. Ia tão desaustinado, não via nada à sua frente e chocou com uma mulher que conversava em grupo, fazendo-a tropeçar e entornar o copo com a bebida. Apressava-se a ajudar a senhora a levantar-se, quando reparou que se tratava de Maria Teresa. Se houvesse perto um buraco, ter-se-ia atirado para dentro. Assim ficou imóvel e sem saber o que dizer. Maria Teresa, pegou-lhe no braço, afastou-se uns metros e começou a rir, com o riso cristalino, que ele já lhe conhecia.
Paulo, que pena este nosso encontro não ter sido filmado, para mais tarde recordar. Não faça essa cara, imagino o que sucedeu e não lhe vou pedir que conte. Guarde para si, não diga a ninguém, mas não se esqueça que está em Paris. Não foi o primeiro nem será o último a deixar-se seduzir por uma mulher. Vá lá, não fique corado e não se vá embora. Faça um pouco de companhia. Eu já perdoei o mal entendido, e gostaria que entre nós ficasse uma simpática recordação.Tenho a certeza que tão depressa não vai esquecer esta aventura.
Desculpe Maria Teresa, eu prefiro sair e ir beber um copo para esquecer o meu orgulho ferido. Volto amanhã para Lisboa e a vida continua.
Está bem, Paulo.Não se esqueça de que a vida continua mas que o caminho o fazemos nós e ele será o que escolher-mos. Pense no futuro com optimismo, não culpe ninguém, nem a si mesmo.

FIM