terça-feira, 26 de março de 2013

O PREÇO DO SUCESSO


1 – A VIAJEM

Entrou no avião, foi acompanhado por uma sorridente hospedeira que lhe indicou o seu lugar. Iria viajar em primeira classe desde Singapura ate’ Nova Iorque. Um voo direto que lhe iria custar muito a suportar. Tantas horas, sobrevoando três continentes era uma loucura para quem estava cansado, de tantas viagens, tantas reuniões, tanta noite mal dormida. Mas tinha pressa de chegar e confiava que o conforto do avião o iria ajudar a recuperar o sono e chegar ao destino a tempo de orientar algumas decisões que havia maturado na sua deslocação pelos mercados da ásia.

Ricardo era um especulador da bolsa. Tinha travado a tempo alguns investimentos na bolsa de Xangai, convertera ativos de risco em obrigações de dívida soberana emitidas pela cidade estado de Singapura. Tinha um pequeno escritório onde dois jovens financeiros, formados nas melhores Universidades dos EUA, geriam o Fundo de Investimento que acabara de consolidar.

Fora por pouco que não sofrera perdas relevantes com a agitação nos mercados asiáticos, mas risco e a sua gestão tinham sido sempre, o seu destino.

O risco fora um vírus que se entranhou, que lhe permitiu construir um pequeno império financeiro. Valera a pena?

O Airbus começou a galgar pista e suavemente ergueu-se no ar. Ricardo espreitou pela janela e ainda conseguiu ver a silhueta dos arranha-céus que eram como a marca do poder e da riqueza daquela pequena península.

Recostou-se na confortável cadeira, o espaço era todo seu, cerrou os olhos. Tencionava dormir, precisava mesmo de o fazer, mas também sabia que o cansaço não era bom companheiro para um sono reparador.

A hospedeira com uma voz suave perguntava-lhe se aceitaria uma bebida, enquanto escolheria a refeição que um bem apresentado menu lhe oferecia. Ricardo abriu os olhos, a voz suave era de uma mulher linda e sorridente, uma fotografia de revista de companhias de aviação de primeira classe. Na lapela do casaco indicava o nome oriental que não conseguiu ler.

Fascinado com os olhos de amêndoa que fitou e não se desviaram, aceitou uma taça de champagne.

Bebeu em dois ou três goles, pousou a taça e tentou cerrar os homens. Havia ainda muita claridade pelo que procurou o interruptor e desligou. Sim, na penumbra apenas via as figuras das hospedeiras que iam servindo um refeição ligeira que ele havia recusado.

Depois foi o silêncio apenas quebrado por um sussurro de duas mulheres que anichadas nos seus lugares, iam trocando entre si. Um gargalhada reprimida um cochicho murmurado por uma das companheiras de viajem que ocupava o lugar do corredor. Ricardo olhou disposto a recriminar o ruído mas encontrou uns olhos que sorriam sem malícia. E apenas sorriu, voltando a cerrar os olhos à procura de sono que lhe escapava.

Sentiu-se bem, mas na sua memória surgiram sombras que pouco a pouco se revelaram pessoas que o olhavam com reprovação. Eram o rosto da Mãe e do Pai, que ele havia ferido e esquecido.

Embalado pelo silêncio daquele avião, mergulhado numa viajem de tantas horas, sentiu o peso da solidão.

Vivera muitas relações de amor, encontros efémeros quase sempre, mas o primeiro amor que nunca se esquece, a companheira da juventude, partira deixando-lhe uma mágoa que o seu egoísmo não quisera evitar. E teria sido tão simples escolher outro caminho.

Ah, como estava cansado. Não aceitara a tranquilidade de uma vida normal, optara por fazer um caminho duro e pedregoso. Tropeçara algumas vezes, enfrentara momentos difíceis e no final o que lhe restava?

Dinheiro, muito dinheiro e pouco mais. Fora traído e vingara-se, amara e perdera, conhecera o mundo sujo dos negócios, do dinheiro fácil, privara com mercadores da morte, conhecera a face oculta de uma sociedade doente. Escolhera um caminho que sempre soubera não ter saída nem fim. Entrara numa estrada sem horizontes, sem abrigo.

Lamentava as amizades perdidas ao longo do tempo, esquecidas na voragem duma vida feita de segredos que nunca ousara partilhar.

Fora capturado pelo fascínio do dinheiro e viveu tudo o que o seu poder financeiro lhe permitira desfrutar. Amizades, amizades apenas por interesse; amores? O amor ficara sempre à porta dos quartos onde partilhara o corpo mas nunca perdera o coração.

As recordações eram feridas que latejavam, o seu passado feito de ambição aparecia-lhe, agora, para cobrar a conta. Teria valido a pena?

 Tinha pouco mais de quarenta anos, era rico, mas lembrava com dor e saudade o início da sua juventude inquieta. Fora ontem, há tanto tempo atrás…

 

 

terça-feira, 19 de março de 2013

PEQUENO JORNAL


                                                     A LUZ E A SOMBRA

           

           

 

“HABEMUS PAPAM” , era a notícia  escolhida para a primeira página deste pequeno jornal, no dia 13 de Março de ano 2013, ano de todos os perigos.

O Conclave de Cardeais, uma espécie reunião de sábios da Igreja Católica ou como muitos pensam, o Conselho de Administração do Vaticano, surpreendera meio mundo com a escolha de um Cardeal desconhecido, vindo do outro lado do mundo, que se apresentou aos crentes e não só, como um homem simples, no gesto e nas palavras.

E Francisco, o nome que escolheu dizia alguma coisa sobre o seu pensamento.

Houve lágrimas de alegria, sorrisos de esperança mas também  o receio que o Papa Francisco não tenha força, coragem e vontade para limpar, profundamente os gabinetes do Vaticano.

Se o não fizer será apenas mais uma promessa esquecida e mais um degrau no declínio da Igreja Católica.

Mas tenhamos esperança que com sabedoria saiba rodear-se dos bons e dos puros, para que lhe não aconteça nenhum acidente, como a João Paulo I.

É contudo o primeiro Jesuíta a ocupar o lugar mais alto na Igreja.

A escolha de Francisco como nome de Papa, atenua a intranquilidade que o facto de ser da Companhia de Jesus, traz aos mais conhecedores da História das Religiões. Mas com esperança bebida na simplicidade do Papa Francisco, a história da evangelização e extermínio dos Povos nativos das Américas Central e do Sul, foi esquecida e, quem sabe, até perdoada.

Dia 13 de Março era, apesar de algumas reticências, um dia de esperança para o mundo. Um dia de sol.

 

A ÚLTIMA CONFERÊNCIA

Mas sobre nós caiu a sombra.

Este pobre e ignorado povo, desta língua de terra que o mar vai levando metro a metro, o sorriso do Papa Francisco depressa se iria esquecer. E foi logo numa sexta-feira, dia 15 do mesmo mês, que assistimos com o coração nas mãos e uma lágrima amarga, à leitura da uma penitência bem dura.

Quem nos ameaçou com o fim, foi um Ministro que com uma voz sem alma, acompanhado por um séquito de personagens que pareciam ter fugido de um qualquer lugar bem obscuro.
Mais uma vez a folha de Excel onde ele inventa as previsões económicas, por mais disparatadas que sejam, falhou. Mas tudo estava bem, a visita dos cavaleiros do Apocalipse tinha sido um sucesso. Faltava, contudo, completar a receita para o sucesso, escolhendo  os que deverão ser sacrificados a favor da insaciável besta negra do capital financeiro internacional e dos amigos do costume. Afinal era preciso mais vítimas, mais pobreza, mais miséria. Mais desemprego, oportunidade única para que os que ainda puderem andar, partirem à procura do sustento de cada dia. Como sempre o nosso Governo deu-nos a escolher. Ou morremos mais depressa ou morreremos mais devagar. 
O garrote que nos foi anunciado fará esconder o sol, oferece-nos a sombra escura do desespero. 

Todavia na mesa fúnebre onde Gaspar lia o livro dos castigos, dois dos principais personagens tinham fugido. Pedro, já não admirava. Não fora ele que na última ceia negara conhecer Jesus?

 E Paulo, o mais inteligente, prudentemente viajara para bem longe.

Assistimos mansos como cordeiros à degola dos inocentes. Entre tantos descamisados, por obra e graça do "Espírito Santo"  talvez alguém alcance a salvação.

Mas se os católicos olham para o Papa Francisco com esperança, nós vamos olhar para quem?

Os italianos votaram num grilo falante que promete por a cabeça em água aos seus parceiros Europeus. 
Nós não temos essa sorte. As formigas emigraram ficamos só as cigarras que já não sabem cantar.
 Assim nunca mais sairemos da cepa torta. Voltaremos a ser miseráveis e as trevas perdurarão por muitos anos.
 
          A punição não deixa de ser merecida, para quem tanto erro cometeu.



 

sexta-feira, 15 de março de 2013

PEQUENO JORNAL


A austeridade e as baratas

 

A austeridade também afetou este pequeno jornal. Teria que ser, os cortes levaram o resto da esperança e a vontade de resistir.

E tudo começou numa quarta-feira. Podia ter sido no sábado, era igual, mas foi numa quarta-feira que o computador se recusou a trabalhar.

Só faltava esta greve (?) para completar os problemas dum pequeno jornal, dando os primeiros passos num mundo hostil. O Editor e os jornalistas, que por razões de austeridade, partilhavam o mesmo e único computador, perderam vontade e deslumbraram-se com o espetáculo televisivo, fosse uma telenovela, um debate na Assembleia ou um jogo de futebol.

Foi um vírus, pensou-se, ou então o jornal havia sido condenado pela sempre atenta Autoridade para a Comunicação Social, por ter, inadvertidamente, violado alguma regra declarada nos dias anteriores.

Afinal fora apenas uma consequência da austeridade. Uma máquina velha, como velhas eram as palavras.

Um técnico ajudou a repor o velho computador e por isso aqui está a explicação para uma tão grande ausência.

E toda a gente lançou mãos à obra tentando dar força às palavras, mas faltava a Poesia. 

Porque a Poesia é uma arma, dizia o poema de Gabriel Celaya. Mas é uma tarefa ingrata.

 A luta pela sobrevivência levou a que milhões de pessoas, habituadas ao sofrimento, á pobreza, à incultura, ao egoísmo, vítimas dos oportunistas medíocres deixassem de ouvir as palavras dos Poetas.

Hoje é preciso acordar, gritar e ir à luta. De mãos livres e de coração fechado.

Terão razão os que esqueceram a força das palavras? Não, mas há que reconhecer que são uma arma desadequada para combater uma praga dos nossos dias.

A comissão europeia, é um ninho de baratas, disse Paul Krugman, Prémio Nobel da Economia.

E custe o que custar, doa a quem doer, deve ser verdade.

As baratas, algumas serão tontas, mas todas conservam o instinto de sobrevivência que resistiu às transformações da terra, ocorridas num período que se estima em mais de quatrocentos milhões de anos.

Assim, enquanto houver lixo, continuarão a prosperar. A Comissão Europeia é o lugar indicado.

Todos já convivemos com baratas, grandes e pequenas, castanhas e encarnadas, cinzentas e pretas, com asas e rasteiras e por mais nojo, mais limpeza que façamos, elas continuam e ficarão mesmo depois de desaparecer o último ser humano.

Tenha atenção, quando pisar com asco uma barata poderá a atingir alguma barata tonta ou uma perigosa.

Poderá estar a esmagar uma “Blatella germânica” ou uma “Blatta orientalis”. Não corra riscos desnecessários, finja que não vê e assim talvez se safe.

E se conseguir resistir ao impulso não se esqueça de agradecer ao grande irmão que nos acompanha, ali pelos lados de Belém. Valha-nos isso.

 

 

sexta-feira, 1 de março de 2013

PEQUENO JORNAL


-O País reúne as condições para, no curto prazo, consolidar o regresso aos mercados.

Era uma pequena notícia, em jeito de rodapé, da pequena folha que a Junta de Freguesia costuma distribuir.

O senhor Francisco não deu grande atenção aquela afirmação nem às poucas notícias que o pequeno jornal trazia nas duas folhas habituais. Mas viu dois óbitos na freguesia. Da senhora Gertrudes, uma mulher que nunca casara, que nunca deixara a casa recebida dos seus Pais, uma casa tão velha como velha era a aldeia. Ninguém conhecia a sua idade nem família. Vivia do que a pouca e pobre terra lhe dava e a pobreza e a solidão tinham sida as suas únicas companheiras.

E o senhor Francisco não deixou de lembrar as histórias que sempre ouvira contar sobre a Senhora Gertrudes.

Ainda jovem perdera o Pai, diziam ter sido pela embriaguez que o levara a cair numa pequena represa de água. Depois perdeu a Mãe, que escolhera partir, baloiçando na ponta de uma corda.

Enfim, é a vida, murmurava o senhor Francisco.

Depois outra notícia, até com fotografia, que noticiava a morte do senhor Aníbal Espinha. Ele conhecia o defunto. Fora seu cliente durante mais de vinte anos.

Mas a doença tinha-o atirado para uma cama de onde apenas saíra no dia do funeral. E o senhor Francisco, com mão trémula, lá consultou o velho caderno onde assentava os movimentos da sua já reduzida clientela, que nos últimos anos tinham voltado a utilizar aquele meio de pagamento. É a crise, diziam todos de forma envergonhada, não há trabalho!  Afinal lá encontrou a dívida do senhor Aníbal. Era de cerca de cinquenta euros, que riscou, enquanto pronunciava, paz à sua alma.

O senhor Francisco, taberneiro e único merceeiro, espreitou da porta da taberna mas nem um cliente, um só que fosse, lhe aparecia para beber um copo ou um café.

Ficara só, sentia que algumas pessoas evitavam passar pela sua porta. Coitadas, tinham vergonha pelas dívidas que não conseguiam pagar..

Mas os tempos estavam difíceis e o seu pequeno negócio estava próximo do fim. Também já nada o preocupava. Tinha setenta e cinco anos de idade, vivera só desde que a mulher partira para a sua última e única viajem.

Naquela aldeia restavam poucas casas habitadas e quase só por velhos. Mas pouco a pouco algumas das velhas casas tinham ganho outra vida ouvindo-se de novo os gritos de crianças brincando. Era o regresso dos netos, crianças condenadas à pobreza e à escuridão.  Os Pais haviam perdido o trabalho, as casas e o futuro. Tiveram de partir à procura de trabalho e de sustento. Pais e Mães que vergados pela dor chegaram à aldeia pela noite e saíram pela madrugada.

 
O senhor Francisco sentado na soleira da porta voltou a olhar para o pequeno jornal. Aquela frase sobre o regresso aos mercados não lhe saíra do pensamento. Não sabia o que tal queria dizer, mas até podia ser uma notícia boa. Só não percebia porquê. E assim vergou os ombros vencido pelas mentiras e pelas promessas não cumpridas. 

Com os olhos húmidos deu pela entrada do Zé Manuel, um reformado da junta de Freguesia que era um dos seus principais clientes. E ao contrário da tristeza do senhor Francisco o senhor Zé parecia feliz.

-Oh amigo Chico não esteja assim, as coisas vão melhorar. Amanhã é dia de pagamento das pensões e ouvi dizer que todos irão receber um aumento. O Presidente da Junta afirmou que no cálculo da pensão seria também considerado o valor do mês anterior.

-Eu acredito do que ele me disse. Afinal talvez alguém se tenha condoído dos mais pobres, dos velhos, dos doentes e tenha decidido um aumento das pensões. E, senhor Chico, fique ciente que logo que eu receba o valor do aumento, virei a correr pagar a minha dívida.  E com os outros acontecerá o mesmo, estou certo.
Sirva-me aí um bagaço só para comemorar.

 O senhor Francisco ganhou a esperança perdida. Amanhã os clientes voltarão e, quem sabe, assim poderia ser o regresso ao negócio pequeno, mas que lhe tinha permitido viver, pensou enquanto os seus olhos já cansados percorriam as prateleiras quase vazias.

E fez-se luz no seu espírito. Compreendeu o que lera na pequena folha do pequeno jornal. Afinal era verdade, o regresso aos mercados era uma boa notícia. Porque os mercados são coisa boa, amigos dos mais  pobres.

 Ao contrário do que vinha sendo habitual, dormiu bem, levantou-se como de costume bem cedo, abriu a porta do estabelecimento e ficou à espera dos clientes.

Esperou e desesperou. Só perto do meio-dia o senhor Zé o procurou. Trazia um pequeno papel das mãos e mostrou ao amigo, enquanto desviava a cara para esconder a vergonha e as lágrimas que lhe corriam pelo rosto. E disse: Senhor Francisco veja o valor da minha reforma. Os benefícios que o Governo nos anunciou representaram para mim um aumento no valor na pensão de 1,80 Euros.

Olharam-se nos olhos. E uma nuvem negra ocultou o sol.

Sem mais palavras, cada um regressou às suas angústias pressagiando o único caminho, a única solução. Uma corda e uma árvore.
 
ANEXO
Hoje dia 2 de Março do ano da graça de 2013, um povo massacrado, sem presente e sem futuro, governado por" gauleiters" às ordens do capital financeiro, vai sair à rua, gritando que o Povo é quem mais ordena. Nada poderá parar um Povo que lute pela liberdade.