terça-feira, 26 de maio de 2015

A CASA NA COLINA








 


OUTONO


 


Num momento a inspiração voltou. Esqueceu tudo, a doença que voltara a dar sinais e a saudade que lhe feria o coração.


Escrevia, páginas sobre páginas, palavras que lhe saíam do peito sofrido. Percebera o que Joana lhe havia dito no primeiro encontro, Aquele casa tinha uma história de amor,


E era essa história que ele bebia do álbum de fotografias. E delas retirou a vida das personagens que fora o princípio, o meio e o fim de uma história de amor.


 


Mal se deu conta que o verão tinha acabado. Sentado e relendo o que havia escrito, os seus dias eram um suplício. Começara a ouvir a voz do vento e o cantar das andorinhas que tinham sido a sua companhia, deixara de se ouvir.


Tinha frio e começou a sentir que a cada dia que passava sentado junto à azinheira, a força o ia deixando.  


Espreitava, até onde a vista alcançava, procurando seguir qualquer movimento que fosse o anúncio de que Joana voltara.


Esperou e sofreu a agonia da morte que se aproximava.


Começou a deixar fugir a vontade de viver. Guardou o livro que escreve no mesmo local onde encontrara as fotografias que lhe haviam dado alento e o haviam ajudado a perceber o amor. Escreveu com as mãos trémulas uma carta de despedida, que regou com as lágrimas que lhe fugiam:


“ Meu amor,


Eu vivi os melhores dias da minha infeliz vida, partilhando os nossos momentos.


Sofri com a tua partida mas quero ser sincero, já a receava. Para quem, como tu, acompanhou o drama duma história de amor, seria o sacrifício final.


Mas eu ainda te espero e deixo-te o livro que me ensinaste a escrever.


Eu fui feliz. Tudo valeu a pena.


Eu acredito que, um dia, irás voltar à casa da colina. Afinal tu és como as andorinhas que voltam sempre ao mesmo beiral. E eu estarei sempre contigo. Tu és a vida e eu o pó que restou.


Adeus”


 


 


 


 


 

sexta-feira, 15 de maio de 2015

A CASA NA COLINA






O REGRESSO À CASA NA COLINA


 


Luís leu e releu a carta de amor que Joana lhe havia deixado.


Não fora uma surpresa, nos momentos mais lúcidos, ainda tinha alguns, já antevira que um dia Joana partiria evitando partilhar o caminho curto e pedregoso que ele se poderia oferecer.


Sentiu que o destino o empurrava de novo para a casa da colina. Era o lugar que escolhera para esconder as suas dores, as suas angústias e quase se esquecera no turbilhão de sentimentos em que se deixara cair.


Pois bem, iria continuar o sonho e, quem sabe, talvez viesse a encontrar a paz.


Vivera quase sempre só. O seu casamento fora um erro e durara pouco tempo. Depois o seu tempo passara-o entre o trabalho, solitário e sem futuro e um ou outro encontro ocasional, escolhido nos anúncios de encontros amorosos e o prazer de fumar, cigarro após cigarro enquanto sentado num banco de jardim, assistia ao movimento apressado de pessoas que não conhecia.


Agora era tempo de completar o único objetivo de vida que lhe restara. Escrever o livro.


Decidido, acertou os pormenores com o Manuel, embalou as suas coisas e voltou a subir a colina. Enquanto caminhava sentia renascer a esperança. Afinal, fora lá que encontrara Joana, foi na colina que se deixara enfeitiçar. Fora a primeira vez e acreditava que seria lá que se encontrariam de novo ou se perderiam para sempre.


Cheio de energia começou a penosa subida. Foi descansando ao longo do caminho e já o sol estava no seu zénite quando chegou ao destino. Descansou um pouco e entrou em casa, ainda com alguma desconfiança.


Mas encontrou uma grande diferença. Não precisaria mais de dormir ao relento pois a casa estava limpa, pintada e até tinha meia dúzia de peças de mobiliário.


O quarto era amplo com vistas para os montes onde o sol se punha. Sentado numa cadeira de braços, olhava para o vazio e sentiu a dor da ausência.


Não conseguiu dormir. Levantou-se para ver o nascer do sol e ficou admirando a cor das searas, prenúncio de que a época da ceifa se aproximava. E com ela, talvez Joana regressasse.


Espreitava a chegada das máquinas aos campos de trigo, acompanhava os trabalhos desde o nascer ao pôr-do-sol. O trabalho era feito por homens que manobravam as debulhadoras e mulheres que ceifavam os locais onde o acesso era mais difícil. O capataz era o Manuel mas da Joana nem sinal.


O livro continuava uma página em branco. Escrevera, apagara, voltara a escrever mas nada fazia sentido. A cabeça não estava ali.


Para esquecer começou a arrumar as coisas que trouxera, mais algumas que mandara comprara. A casa tinha no quarto com vista para o poente, um sólido armário de carvalho que não fora uma escolha sua. Foi com surpresa que abriu as portas e encontrou caixas de cartão arrudas no alto das prateleiras. Retirou uma delas que abriu e encontrou folhas manuscritas, numeradas e com o título. “O DIÁRIO DA NOSSA PAIXÃO”.


Ali estava uma história de amor. Com frenesi escolheu uma nova caixa e encontrou envelopes que guardavam fotografias.


Estavam organizadas por datas e por acontecimentos. Fora o começo da história de amor de que Joana lhe havia falado. Mas era duas pessoas que se olhavam com carinho sendo que a mulher estava numa cama do hospital.


Encontrou mais vezes fotografias do casal, por anos, tantos que o fizeram estremecer. É que Leonor estava deitada como na primeira fotografia numa cama de hospital mas instalada na casa na colina.


Sempre viu o olhar terno duma mulher prisioneira do destino.


Quase no final encontrou um álbum de fotografias. Ali pode ver fotografias da Leonor e de António o seu companheiro para a vida. Havia outra fotografia que lhe despertou a atenção. Era uma foto de uma jovem e, então, Luís, percebeu. Joana fora a amiga e testemunha de um grande amor.


Aqui estava o momento que ansiava. Conseguia escrever uma história de amor de uma jovem para com um casal que escolhera partilhar os bons e os maus momentos até ao fim dos dias. Seria sim, a HISTÓRIA DE JOANA.

domingo, 10 de maio de 2015

A CASA NA COLINA










PAUSA


 


Luís sentiu que estava a mais. Nunca mais se atreveria a sonhar.


No fundo, ele sabia que uma vez terminados os trabalhos da sua nova casa, a sua vida e a sua relação com Joana teriam um novo sentido. Mas deveria voltar para a casa que fora um sonho e um pesadelo e que, depois de uma desilusão seria o final que, nunca quisera reconhecer como provável. Joana sabia que a sua saúde era frágil, ele não lhe daria mais do que alguns meses de companhia e depois o triste fim que se adivinhava. Olhou para o espelho e não gostou da sua imagem. Brilho só nos olhos.


 Não queria reconhecer, mas romper com os hábitos a que se acostumara, deixar de sentir dia após dia um perfume de mulher, deixar de se mirar nos olhos de Joana seria o regresso a um passado de solidão que o apavorava.


  Todavia vivera momentos que valiam uma vida. Amara e sentira a paixão, ele que apenas procurava um lugar afastado para terminar os seus dias. Como tinha sido feliz, como se entregara, como vivera cada carícia, cada olhar.


Devia a Joana os meses em que partilhara as feridas e os silêncios. Aprendera com ela a viver os sons do campo, a inspirar o perfume das flores. Durante aquele tempo Luís sentira-se livre como um pássaro que encontrou a companheira com que vai partilhando momentos, olhares, silêncios e o gosto pela poesia. Já se habituara a passear pelos caminhos do campo, ouvindo o canto das aves e acabando sentado na sombra da árvore, onde Joana o iria encontrar pela tarde. Sentia-se feliz, Joana era um lenitivo para as suas dores e o despertar do desejo que já julgara perdido.


Agora sabia que mais tarde ou mais tarde voltaria e enfrentar o drama da solidão. Talvez esse momento lhe desse a inspiração para escrever o livro pensado e perdido, algures na voragem dos dias. Joana merecia lembrar-se do vagabundo que fizera tão feliz e que conseguira transpor para as páginas todas as emoções que ela, o fizera sentir.


Já tinha combinado com o Manuel que gostaria de ver os trabalhos e assim fez numa manhã luminosa de Julho. Gostou e nem nos seus melhores momentos se atreveria a imaginar a transformação da casa na colina.


Voltara para casa de Joana e ao entrar leu a carta que Joana lhe deixara:


 “Luís


- Vivemos momentos em que o desejo, tanto tempo reprimido, venceu a razão. Mas acredita que me entreguei com toda a paixão que fui deixando crescer desde que te conheci. Mas não me leves a mal o que eu disser, porque na verdade eu ainda não enfrentei os meus fantasmas. Fazer amor contigo, foi como um grito, que precisava soltar, mas continuar esta relação pode ser doloroso para ambos. E eu já sofri mais do que merecia.


O dia de ontem, não o esquecerei mais. Nem as palavras que disseste me saem do pensamento. O nosso encontro pode ter sido uma partida da vida. Juntar duas pessoas em ruína física e mental é cruel. Mas também pode ter sido uma esperança.


Preciso de me encontrar, enfrentar os meus fantasmas, e por isso decidi partir sem destino e sem prazo.


Não penses que eu fugi de ti, pensa antes que uma pausa poderá ser bálsamo para as minhas feridas.


Acredita como eu, talvez algum Deus me arraste de novo para os teus braços, pois eu sei que sempre te irei amar.


Adeus, não te esqueças de mim. Vai visitar a casa na colina, talvez numa sombra, num raio de sol, num recanto escondido, venhas a encontrar a alma daquela casa. E se sentires esse sentimento, vê bem, talvez a alma seja a minha.


 Joana”


 


 


 


 


 


 

quinta-feira, 7 de maio de 2015

A CASA NA COLINA












 


A CANÇÃO DESESPERADA


 


Os corpos suados, esgotados naquele momento em que esqueceram o mundo, os desgostos, as dúvidas, mostraram a força das mãos cravadas com desespero, quase raiva.


Quase sem se olharem, vestiram-se e estenderam na sombra da árvore que Luís havia transformado no se refúgio.


Joana viu o livro. 


 


- Luís não quer ler para mim? Gostaria de o ouvir dizer os versos da canção desesperada. Sim, porque uma canção desesperada, sobretudo dita depois da loucura em que nos deixamos envolver, representará os gritos de amargura que já soltei na minha vida.


- Luís leu o poema e a cada estrofe, sentiu um arrepio como se cada estrofe fosse uma ferida que teimava em não desaparecer.


 Acabou sem dizer uma palavra. A canção desesperada seria como um hino para duas vidas, desencontradas, cheias de incerteza e de dor e que aproveitavam cada momento em que se amavam com o estertor dos corpos e almas massacradas.


Sim, Luís deixara de ter dúvidas. Ele sabia que carregava uma morte anunciada mas Joana vivera o drama que a fizera esconder-se.


Ficaram em silêncio. Joana fixava os olhos no sol que se começava a esconder, levantou-se, deu uns pequenos passos, voltou-se e disse:


- Luís quando é que me mostra o que já escreveu sobre “a casa na colina”?


- É fácil, como pode ver apenas tenho o título e a dedicatória. Pode ler, não perde nem um segundo, respondeu estendendo-lhe o bloco-notas.


Joana hesitou mas acabou por rejeitar o caderno, dizendo-lhe com a voz sumida:


- Vamos esquecer este momento, temos mais em que pensar e não estou muito segura de vir a gostar da sua história. Eu não lhe vou contar os segredos escritos nas paredes naquela casa. Quem sabe o Luís consiga construir uma história alegre e que retrate momentos mágicos, com muito amor.


Já chega de mágoas e de gritos de dor. É tempo de esquecer os nossos dramas e viver a vida.


 - Eu não sei como contar essa história sem a sua ajuda. Quando me disse que aquela casa tinha alma, deixou-me a vontade enorme de a contar, mas talvez você tenha razão. Algo me diz que a alma daquela casa também será a sua. E isso apavora-me, concluiu Luís com a voz tremida.


Regressaram a casa. Joana lembrou que as obras de recuperação da casa já estavam a decorrer e, talvez fosse aconselhável ver com ele se tudo responde aos seus desejos. Entretanto, com a chegada do calor de Julho que já se aproxima, começarão os trabalhos nas searas. Também para mim.


Luís sentiu que Joana lhe dizia para partir. Mas, para ele, partir era morrer um pouco.  


 

quinta-feira, 30 de abril de 2015

A CASA NA COLINA








CORPO E ALMA


 


Foi de mãos dadas que percorreram a praia. O mar subia par lhe acariciar os pés, o vento soprava uma música que lhe perturbava os sentidos.


Foram horas, quase em silêncio, que percorreram a areia da praia deserta. Sentia-se nascer e crescer uma cumplicidade uma ternura e o desejo de partilha. Porém em alguns momentos sentiam a angústia duma vida sofrida.


Quando regressaram a casa deixaram perder o encantamento daquele dia junto ao mar.


Afinal, o medo venceu.


Luís procurou na bagagem o livro que, tinham quase a certeza havia escolhido para a viajem. E encontrou-o. “Vinte poemas de amor e uma cancão desesperada” de Pablo Neruda. Naquele momento queria reler e reviver o poema vinte. Era a poesia que, naquele momento, mais prazer lhe daria ler em voz alta. Ah se eu pudesse voltar a viver um grande amor, exclamou com um suspiro. E a imagem que lhe ocupava a cabeça era a de Joana, com os seus olhos tristes e os seus silêncios.


 Sabia e sentia que podia dar todo o amor do mundo, mas porquanto tempo?


 


Durante alguns dias o relacionamento entre os dois passou a ser menos envolvente. Era uma situação confusa, parece que ninguém queria dar o passo em frente.


Luís começou a caminhar pelos campos, seguindo os carreiros que Joana lhe tinha ensinado. O livro que sempre o acompanhava ficava por abrir, o caminho por entre as árvores passou a ser o lenitivo para as suas mágoas. Abraçava as árvores, acariciava as flores campestres que encontrava no caminho, num momento de libertação e reconhecimento pela natureza.


 Ficava fascinado com o intenso trabalho das abelhas, e passava horas olhando e admirando o seu intenso labor, carregando o pólen para a colmeia. Sabia pelos livros a importância que as abelhas têm sobre a natureza, sobre o futuro do homem. Mas nunca imaginara estar horas a testemunhar a organização da sociedade perfeita.


Voltou à sombra que escolhera, sentou-se encostado ao velho tronco, e foi assaltado pela dúvida. Afinal o que se estaria a passar na sua vida, perguntava-se:


- Como é que tudo começara, e porque se encontrava, agora, só e perdido?


- Afinal ele queria encontrar um local, para viver só, com os seus medos e angústias. Mas o destino, quando nada esperava, levou-lhe ao encontro, uma mulher, ainda jovem mas com uma forma de estar na vida tão diferente, que o perturbava. Sentia que Joana escondia sentimentos e a sua solidão teria alguma coisa a ver com um desgosto de amor. Porque percebera que ela era uma mulher que se dava e se escondia dum momento para o outro. Como se a paixão fosse qualquer coisa que lhe despertasse sensações, que queria esquecer. Joana vivera um sonho de amor, só podia ser, e algo correra mal e a fizera descrer. De repente deixava o sonho de amor e ficava com medo.


Ele estava perdido num labirinto de paixões. Desejava Joana com todas as forças de que ainda era capaz e estava disposto a enfrentar o futuro.


Mas seria justo prometer algo que não se tem a certeza de cumprir?


Um dia igual a tantos outros encontrou o paraíso na beira de uma pequena represa, coberta de flores, estendida sobre uma pedra, oferecendo o corpo despido ao calor do sol, encontrou a deusa dos seus sonhos. Joana estava ali, e pronta para se entregar.


Sem palavras… para quê? Luís tirou a roupa, nadou na lagoa e foi anichar-se junto ao corpo que se lhe oferecia.


E foi com a força da paixão quase esquecida, que se entregaram, gemendo de dor e de prazer, juntos num momento sem fim, um momento em que repartiram o corpo e a alma.


 

segunda-feira, 27 de abril de 2015

A CASA NA COLINA








 


POEMA DE AMOR


 


Joana levantou-se, murmurou até amanhã, e desapareceu.


 Luís ficou mais um pouco, reviveu o momento  em que, sem uma palavra se haviam juntado dois corações e dois corpos  sedentos de carícias. Reganhou o equilíbrio emocional, desceu a escada e deitou-se na cama. Teve alguma dificuldade em adormecer. Tinha sido um dia cheio de sensações e de recordações. Tão diferente do habitual que não conseguiu dar descanso à memória.


Apesar da noite mal dormida, acordou bastante cedo, barbeou-se, tomou um duche rápido, a água estava mesmo fria, limpou-se com energia e sentiu de novo o calor. Vestiu uns calções e uma camisola leve, calçou ténis e desceu.


Joana não estava na sala, mas tinha deixado uma chávena, pão e manteiga e no fogão a cafeteira que ainda fumegava. Serviu-se, generosamente de café, comeu uma fatia de pão com manteiga, e sentiu que a felicidade chegara.


Sentia-se leve e sedento de companhia. A noite, aquela primeira noite, seria o prenúncio do verão escaldante e sentiu voltar a energia e o vigor que julgara ter perdido.


Ouviu o ruído da motoreta, saiu à rua e Joana já o esperava sentada ao volante.


 
Esta arrancou por uma rua, atravessou a praça vazia, avisando:


- Hoje está um dia de sol que me despertou a vontade para me espreguiçar na areia da praia. Há muito tempo que não faço embora o mar ser uma das minhas paixões. Não é longe, vai ver como em pouco mais de uma hora chegamos a uma praia deserta.  


Entretanto vamos passando pelos meus refúgios campesinos. Espero que não se canse da viajem.


Com os solavancos a cumplicidade entre o corpo de Joana, e as mãos de Luís passou a ser mais natural. Ele bem sentia a pele macia da companheira, por baixo dos seios soltos. Isso excitou-o como há muito tempo se não sentia, e fazia-o desejar que a viajem fosse até ao fim do mundo.


Mas Joana parou à sombra de uma velha oliveira e explicou:


- Esta oliveira marca a separação de três propriedades. Naquela encosta que se vê à esquerda, plantei um olival novo. São quatrocentas oliveiras plantadas há dois anos e que são regadas num sistema gota a gota. Pertencem-me e eu trato-as como se trata um filho. Dia sim, dia não, faço-lhe uma visita, falo com elas, limpo algumas ervas e sento-me numa pedra que me permite espraiar os olhos pelos campos e beber a vertigem dos campos mágicos do meu Alentejo. E esqueço as desventuras e os desgostos, porque como Luís deve calcular, também os sofri. Colho desde o primeiro dia o benefício da tranquilidade e da beleza da natureza e espero e que daqui a dois anos já possa colher o fruto do investimento, e que foi todo o dinheiro que tinha disponível.


A seara que se estende daqui até aquele monte, e indicou uma elevação bem distante é minha e de meu irmão. Foi a herança que recebemos dos nossos Pais. Cultivamos o trigo ou outro cereal conforme o mercado ou se o ano for seco ou chuvoso. É o Manuel quem toma as decisões. Este ano, como choveu bastante semeamos trigo e é de esperar uma boa colheita.


Os terrenos que não estão cultivados são de pouca qualidade, embora seja neles que construímos duas pequenas barragens de terra, guardando a água das chuvas e de um pequeno regato que por ai corre. É uma zona pedregosa, cheia de flores selvagens, com o cheiro da alfazema e da esteva. Passo muito do meu tempo, estendida numa rocha, molhando os pés na água, e ouvindo o chilrear da passarada que aqui faz os seus ninhos.


Mas hoje sinto o apelo do mar. Preciso de ouvir o murmúrio das ondas que ouço, como um poema de amor.  


 


 



























sábado, 25 de abril de 2015

A CASA NA COLINA








UMA LÁGRIMA FURTIVA


 


Joana não escondeu o sorriso, há tanto tempo que não ouvia um galanteio e, reconhecia, soube-lhe bem.


Mas, como quase tudo na vida o sorriso foi breve, a realidade duma vida que Joana escondia, depressa a fez esquecer o sorriso. Não era uma jovem ansiando pelo amor, tinha passado os trinta anos e muitas esperanças perdidas no nevoeiro dos dias. Mas guardava para ela o passado, refugiando-se na natureza, bebendo o brilho das flores e o cantar dos pássaros, espalhando o corpo no colorido dos campos, afogando o desejo mergulhando nas águas frias da ribeira.


Nas noites em que sentia a solidão, qual ferida que não cicatriza, tentava adivinhar o seu destino lendo as estrelas do céu.


Agora olhava para Luís e sentia-se inquieta, e só ao longe, como um murmúrio ouviu que Luís, olhando no vazio, abria o coração.


- O apelo que me fez vir para este lugar se foi escrito, não terá sido por mim. Todavia senti-o à flor da pele, quando num momento de rotura com o passado, me deixei apaixonar pela imagem da casa da colina. E, acredite, não me arrependo do caminho que escolhi. Tomara eu ter coragem mas sobretudo talento para escrever uma história de contornos ainda não claros mas a que já dei o nome. Irá chamar-se “A Casa na Colina”.


Imagino a sua perplexidade. Então este desconhecido, vindo sabe-se lá donde e por que razão, quer escrever um livro? Não se assuste, para já apenas tenho o projeto, o nome para ser mais claro e tenho dúvidas que passe do primeiro capítulo. Esse será o nosso encontro e as suas palavras, perante um desconhecido, meio louco, que se encontrou, perdido e desorientado na serra. Por fim, confesso-lhe, eu fugi do passado que quero esquecer, lutando por viver na ilusão do futuro.


Vou tentar seguir o caminho que me propôs, mas lembre-se, que em algum momento, eu poderei vacilar e não ter recuperado a energia perdida. Nesse momento, esqueça-me.


Vou subir para o terraço para fumar um cigarro. Já lá estive e pude ver que ele também é um refúgio para a Joana. Se assim for e quiser partilhar o silêncio da noite, convido-a a subir comigo.


Luís ia a pegar numa cadeira, mas Joana, disse-lhe:


 - Não é preciso. Você senta-se no cadeirão e eu no tamborete.


Assim fizeram, sem mais palavras e Luís apenas não resistiu a uma carícia leve nos cabelos que Joana deixara ondular pela brisa ligeira do entardecer.


Joana aninhou-se nos seus braços e, sem palavras, deixaram que os corpos se procurassem, e fizeram amor, como se fora a primeira vez.


Joana ficou serena e olhando para a estrela que era a sua companheira nas noites de solidão, deixou que uma lágrima furtiva lhe aflorasse aos olhos e percorresse o rosto afogueado.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

A CASA NA COLINA








OLHOS VERDES


 


Precisava de tomar a medicamentação, mas ao abrir a caixa parou. Não, não iria disfarçar a doença. Já chegava de enganos, a vida teria que a viver lúcido e desperto, só assim conseguiria escrever o livro que acabara de sonhar.


Levantou-se, subiu as escadas e foi para o terraço.


O cadeirão parecia chamá-lo, sentou-se, e fixou o olhar no horizonte longínquo.


Uma breve brisa acompanhava a lua que começara a sua viagem. Sentia qualquer coisa de mágico naquele lugar. Estava isolado do mundo mas estava bem consigo mesmo. E pela primeira vez desde há muito tempo sentiu fome.


De repente ouviu barulho, desceu as escadas e entrou na sala principal. A mesa estava posta com dois lugares. Do lado da cozinha ouviu Joana:


 
- Estou a acabar o jantar, quase uma ceia, e esperava que acordasse para o convidar a partilhar comigo. Sente-se à mesa e aguarde só uns minutos.


Assim fez. Passou pouco tempo quando Joana entrou na sala, carregando uma terrina que fumegava.


- Não sei se gosta, mas como cheguei já tarde e os dotes de cozinheira não são grande coisa, preparei uma açorda de poejos com um ovo para cada um. É uma refeição típica do Alentejo.


O cheiro do poejo e do alho eram um chamamento e Luís deliciou-se com a tigela de açorda que repetiu.


Joana esboçou um sorriso, chegou-lhe um prato com queijo do ovelha curado, convidando-o a servir-se.


Luís comeu com evidente prazer e ia agradecer quando notou que ela o olhava como se quisesse ler os seus segredos. Sentindo-se objeto de escrutínio disse:-


- Joana, porque me olha assim? Se quer conhecer-me, pergunte o que quiser e eu responderei a tudo, com a verdade, prometo.


            - Eu não tenho dúvidas de que o fará, respondeu Joana, mas confesso que a sua decisão de vir habitar uma aldeia perdida no meio da planície e numa casa em ruínas, me faz pensar que, por qualquer razão que não conheço, mas pressinto, não gostarei de ouvir a sua história. Embora eu possa parecer insensível, a verdade é que, ouvir uma história triste despertará em mim angústia e sofrimento que tento esquecer.


Em contrapartida proponho que o meu Irmão coordene a recuperação da sua casa e lhe apresente o orçamento que você terá todo o direito de aceitar, solicitar correções, enfim, sentir que estará a reconstruir o seu mundo.


Até lá é meu convidado.


Por si e por mim, vamos deixar correr o tempo, vamos viver da forma que é possível viver nestes lugares. Sem compromissos, sem obrigações. Eu tenho as minhas rotinas, que posso partilhar consigo, desde que esteja interessado em sair cedo, sem destino e voltar a pôr-do-sol.


Percorro os campos, paro com alguma frequência para admirar um formigueiro, uma flor. Nesses momentos encontro-me comigo, relembro o que vivi e como vivi e faço-o em comunhão com o que de mais belo existe, a natureza.


Quando me quiser fazer companhia, já sabe é sair pelas sete da manhã e regressar pelas sete da tarde. O caminho é o que for. Descansaremos quando nos apetecer, refrescar-nos-emos nalgumas pequenas albufeiras, respiraremos o ar puro e o odor dos campos em flor.


- Joana, eu compreendo. A minha vida não será um romance, aliás teria até muito pouco que contar. De qualquer modo o destino encaminhou-me para um lugar, que me trouxesse as memórias da infância, o cheiro da terra e o brilho do sol. E como prémio o poder sentir o fascínio de uns lindos olhos verdes.


 

segunda-feira, 20 de abril de 2015

A CASA DA COLINA










 


O SONHO IMPOSSÍVEL


 


Mas não acredito que o senhor seja homem para desistir. Pelo menos, dê oportunidade que o ocaso que o fez escolher este lugar, tão belo, tenha algum significado para si. Não acredito que tenha escolhido esta casa da colina por mero capricho. O senhor foi atraído por forças que, talvez não tenha ainda reconhecido, mas que, pode crer existem na natureza e na alma de cada um. Arrisco-me a prever que esta casa irá ter um papel na sua vida. Será um papel de felicidade ou de desesperança, isso caberá ao seu coração ir construindo.


 


Mais uma vez as palavras de Joana o deixaram indeciso. Tanta poesia, poderia querer adivinhar uma vida com futuro. E ele precisava dessa convicção para poder acreditar. Olhou de frente para Joana e, falou:


- De facto a casa tem alma, tem a sua, Joana. E eu sou tão carente de acreditar que me rendo. Vou cumprir o destino que aqui me trouxe, nesta colina, nesta casa, olhando o infinito que adivinho para lá daqueles montes. Já agora não me chama de senhor, o meu nome é Luís. Digo que já decidi ficar, não conseguirei viver na casa, preciso de recuperar das emoções e esperar os arranjos que terei de mandar fazer. Até lá, ficarei debaixo daquela árvore que já me estendeu o seu braço protetor.


- Reconheço que a casa terá de ser recuperada e isso demorará algum tempo, por isso vou-lhe fazer um convite:


 -Vivo na aldeia, ocupo o r/c duma casa que os meus Pais me deixaram, tenho o primeiro andar livre e ainda um pequeno terraço, que lhe posso alugar por um preço justo. Também tem umas vistas bonitas e o terraço pode servir para os seus exercícios matinais, já que não há casas mais altas na cercania. Ninguém irá reparar se está nu ou em cuecas.


O andar tem casa de banho e águas correntes, mas de um depósito no tecto. Quer dizer se quiser água quente para o banho, terá de me pedir e eu levo-lhe um balde. Mas como já o vi banhando-se em água bem mais fria, julgo que isso não vai ser um problema.


Pode ficar o tempo que quiser até à conclusão das obras, na sua nova casa.


Quando lhe falei em aluguer por um preço justo não estou a falar, exatamente, no pagamento de renda. Para mim o conceito de preço justo não é uma questão de dinheiro. É, contudo, uma questão de respeito e de independência.


- Mas o seu irmão e a vizinhança acharão bem que você partilhe uma parte da sua casa com um homem, para mais desconhecido, retorquiu Luís?


- Com isso não se importe, sou maior e vacinada e faço a vida de acordo com a minha maneira de ser e não tenho de prestar contas a ninguém. Sou livre como o vento. Respeito as pessoas, ajudo os que precisam mas mantenho sempre alguma distância que não é preconceito, mas apenas a defesa dos sentimentos e emoções que são apenas meus e não costumo partilhar. O meu irmão, único familiar próximo, entendeu a minha vontade. Também ele tem casa própria, terá amigas, nunca me disse que havia assumido algum compromisso duradouro, mas é a vida dele e goza-a como bem entende.


Quando temos de trabalhar juntos é na época da sementeira e da colheita. Mas o trabalho é tanto, que nem dá para conversarmos.


Mas, antes de se decidir, quero dizer-lhe que o que lhe proponho é apenas espaço físico, alguma companhia mas a Joana não estará incluída no negócio.


- Luís surpreendido com a afirmação, respondeu:


- Faça-me a justiça de acreditar, porque não me conhece, mas também eu sou e sempre fui muito independente. A Joana foi muito clara no seu convite. Far-lhe-ei companhia quando sentir necessidade dum ombro amigo e fique ciente que eu serei incapaz de pensar em qualquer coisa mais. Espero que ao olhar para mim não me veja como um doido ou um empecilho que, numa manhã encontrou nu e tremendo de frio, no cimo da encosta. Não me sentiria bem como um mendigo sem eira nem beira. Embora, afinal seja isso que de facto sou.


 


Joana hesitou um breve momento e com determinação começou a carregar o atrelado. Luís fez da fraqueza força e carregou a bagagem mais pesada.


- Luís o atrelado não suporta mais peso, avisou Joana. Por isso o seu lugar terá de ser partilhado comigo, no selim do condutor. Agarre-se bem à minha cintura, pois não quero perdê-lo, logo a seguir a tê-lo encontrado.


A descida da encosta feita com razoável velocidade e destreza, obrigou Luís a colar-se ao corpo da condutora. Sentiu o seu calor, há quanto tempo não sentia o calor do corpo duma mulher, mergulhou o rosto na cabeleira farta e respirou o cheiro a alfazema.


A motoreta parou à porta de casa, mas Luís nem disso se apercebeu. Foi Joana quem com um sorriso irónico lhe disse:


 - Pode largar-me, já chegamos.


Luís estremeceu, como se acordasse dum sonho, soltou as mãos, desceu da motoreta e encostou-se à parede, pois com a descida, havia sentido uma tontura inabitual.


- Olhe, disse Joana, eu tenho de ir à minha vida. Vá levando as suas coisas para o seu novo alojamento e se quiser arrume a seu gosto. Se quiser preparar alguma coisa para comer, sirva-se à vontade da cozinha e do que houver no frigorífico. Faça como se estivesse em sua casa. Só uma observação, dentro de casa não existem chaves nas portas. A única que existe é a chave da rua que está pendurada atrás da porta, mas não creio que precise de a utilizar.


Como é habitual, não sei quando irei voltar. O tempo para mim é marcado pelo sol ou pelas estrelas, não sou escrava das horas, aliás nem uso relógio. Fique à vontade, em algum momento regressarei.


Dito isto, arrancou a toda a velocidade e rapidamente desapareceu.


Luís empurrou a porta, viu logo em frente uma escadaria e retomou o trabalho já repetido e cansativo de transportar as malas, os sacos, a roupa e tudo aquilo que levianamente havia trazido.


No primeiro andar encontrou um quarto pequeno mas acolhedor. Ao fundo, bem junto da janela, tinha uma cama de ferro, com uma colcha bem bonita e dois almofadões a condizer. Aos pés, uma arca de madeira, que calculou servir para guardar a roupa da cama. Na parede oposta uma pequena cómoda e um guarda fato. Ao fundo, uma porta de correr separava o quarto duma pequena casa de banho. Ao lado espreitou uma escada com meia dúzia de degraus, subiu e encontrou o terraço. Era pequeno, mas tinha uma vista sobranceira a todas as construções em redor. Um cadeirão de verga virada para o ocidente significava que aquele lugar seria um refúgio de Joana nas longas noites de verão e, quase por certo, de solidão.


 


Voltou ao quarto. Estava cansado duma noite mal dormida, e por isso não tinha vontade de desfazer malas e arrumar o seu conteúdo. Resolveu descansar um pouco. Descalçou as botas, tirou o blusão e deitou-se em cima da cama.


Apesar do cansaço, as emoções daquele encontro, a personalidade e os sentimentos que Joana revelou, fizeram com que os olhos recusassem o sono e na memória revia os momentos, as palavras e sentia entranhado o calor do corpo duma mulher. Deu muitas voltas na cama, suspirou vezes sem conta, sentiu medo que o destino lhe tivesse reservado alegria ou sofrimento.


Levantou-se, abriu o computador, verificou que ainda tinha carga e começou a escrever. E começou pelo título, chamar-se-ia “ A CASA DA COLINA”. Depois delineou a história. Seria uma história de amor e lágrimas. Os personagens iriam nascer ao correr da escrita. Finalmente a cabeça descaiu sobre o teclado levou-o ao mundo que começara a imaginar.


A noite já se anunciava e, pela primeira vez desde há muito tempo, Luís sentiu que afinal, mesmo nos confins do mundo, naquela aldeola perdida no Alentejo profundo, poderia encontrar a razão para continuar vivendo, embora o seu corpo dorido e frágil, lhe segredasse, o sonho impossível.


 


 


 

sexta-feira, 17 de abril de 2015

A CASA NA COLINA





A CASA SE QUEDA SOLA


 
Foi uma subida difícil. Como Manuel previra o caminho estava quase intransitável o que lhe exigiu perícia, acelerações no motor, em alguns lugares mais íngremes foi necessário recorrer à força de braços para mover a composição. Manuel era um homem ainda jovem, criado no campo e, apesar do suor que lhe escorria pelas fontes não parou de empurrar. Luís também procurou ajudar, mas entre tropeções e escorregadelas a sua ajuda foi apenas cheia de vontade, porque força não tinha.


Mas conseguiram chegar ao terreiro em frente da casa. Manuel ajudou a descarregar a bagagem que ficou junto à entrada da casa. Por perto havia uma azinheira grande e frondosa e foi à sua sombra que Luís se sentou, arfando e limpando o suor.


- Então amigo, já chegamos, abra a aporta que eu ajudo a levar as suas coisas, propôs o motorista!


- Não se prenda comigo, vou descansar e logo irei levar as coisas com calma. Fico-lhe muito agradecido, sem a sua ajuda teria desistido pode crer, disse Luís com algum desalento na voz.


- Pronto eu não insisto, respondeu Manuel, mas lembre-se que a casa não estará preparada para o receber. Faça por descansar e amanhã eu ou o meu ajudante passaremos por aqui para ver o que será preciso.


- Sim obrigado, para esta noite tenho comigo o indispensável. Tenho roupa, água e comida e vontade de visitar a casa que me fascinou.


 Ajeitou-se no declive ao lado da azinheira, estendeu as pernas, acendendo um cigarro que saboreou com prazer e pensou que só aquele momento, admirando os campos que se estendiam por pequenos montes e vales até onde a vista alcançava, já teria pago o cansaço da sua aventura. Mas que estava ainda no começo.


 Decidiu ir ver a nova casa. Procurou a chave, abriu a porta e rapidamente voltou para a sombra da árvore. A casa exalava um cheiro pestilento, pútrido, carregado de odores de água podre. Ficou verde e as náuseas foram o prenúncio dum vómito seco, que após muitas convulsões conseguira expelir um líquido amarelo que lhe feria a garganta. Era o fígado a dar sinais que ele também conhecia e de que se esquecera. Na verdade, naquele dia ainda não comera nada. Abanou a cabeça, não conseguia esconder a sensação de desânimo. Aquilo não era uma casa, não podia ser a sua casa, mas parecia ser um túmulo que já cheirava a morte.


 Desistiu. A casa ficou vazia.

Para combater a angústia e o desespero voltou para debaixo da árvore e decidiu que ali ficaria pela noite até o sol raiar e escolher o caminho do regresso. A casa estava só como só e vazio estava o seu coração. 




Estava tão cansado que se deixou adormecer. Quando acordou, noite alta, sentiu frio e teve de procurar na mala alguma roupa mais quente. Por sorte, encontrou na mala, um velho blusão de cabedal, com o qual se aconchegou. Voltou a deixar-se dormir e só acordou ao raiar da aurora.


Inebriado com a beleza do nascer do dia, resolveu praticar os exercícios aprendidos, quando praticara artes marciais. Despiu-se e começou por fazer alguns exercícios, enchendo o peito de ar e tonificando todos os músculos. De seguida lembrou-se dos movimentos da arte marcial que praticara e exercitou-se até se sentir cansado. Para um primeiro dia, e para quem já não praticava há tanto tempo, o esforço tinha sido exagerado e o corpo pedia-lhe descanso.


Olhou em redor da casa e pareceu-lhe ouvir o correr de um pequeno regato. Foi ver e de facto, brotando de umas rochas na traseira da casa, corria um fio de água, depois retida num tanque de pequenas dimensões. Nem hesitou, saltou para dentro do tanque, esfregando-se com energia, a água ainda estava fria. Só aguentou uns breves minutos, saiu a correr à procura de uma toalha para se secar, quando ouviu o ruído da motoreta que acabava de parar mesmo junto da sua bagagem. Não era o Manuel que a conduzia, mas sim uma mulher, ainda jovem, que se ria da figura que ele fazia, tapando com as mãos os órgãos genitais, e batendo o dente com frio.


 
- Não fique assim envergonhado, já vi homens nus. Mas para ficar mais à vontade eu vou dar uma volta e volto já.


Luís vestiu-se, com a mesma roupa da véspera, sentou-se no lugar de eleição debaixo da árvore, e quando a mulher voltou já tinha recuperado da situação insólita que acabara de viver. Todavia havia nos seus olhos sinais evidentes de tristeza e desilusão.


E eram tão marcados que a mulher parou na sua frente e disse com voz triste:


- O meu nome é Joana e sou a irmã do Manuel. Ele contou-me que a casa da colina já tinha um novo proprietário e eu quis ver, com os meus olhos a pessoa que escolheu aqui viver.


Percebo que o meu irmão que está sempre muito ocupado, talvez não o tenha avisado do que iria encontrar, logo que abrisse a porta.
É evidente que sofreu uma desilusão, certamente não esperava encontrar uma casa em ruínas, mas acredite que a primeira impressão é para esquecer.
A casa precisa de ser recuperada depois de cinco anos abandonada, mas acredite, se há casas com história e com alma eu dir-lhe-ei que esta é uma delas.


Um dia alguém lhe contará que a casa da colina é um exemplo de amor, de amor quase intemporal. O casal que a construiu e nela viveu não eram camponeses, foi o sonho de amor que os fez deixar Lisboa, deixar o conforto de uma casa de família da alta burguesia e terem construído, nesta linda colina, a casa onde viveram o seu amor.


 


 


 







quinta-feira, 16 de abril de 2015

A CASA NA COLINA











PARA ALÉM DA SAUDADE


 


Passaram mais uns minutos, ouviu o abrir duma porta, mesmo ao seu lado. Um homem saiu, pendurou uma proteção de fitas coloridas contra as moscas e virando-se para o desconhecido disse:


-Vossemecê quer alguma coisa do meu estabelecimento? São horas de abertura, é só entrar e escolher, porque aqui não falta nada, e o que não houver hoje, posso garantir que será entregue amanhã à tarde, disse-lhe um homem ainda novo, e que pelos vistos, era o dono da mercearia.


Aliviado por encontrar alguém, Luís esboçou um sorriso e respondeu:


- Sabe, eu estava era admirado por não ver ninguém. Até pensava que me tinha enganado no destino. Eu ainda não sei do que vou precisar. Primeiro terei de chegar a casa, arrumar as minhas coisas ver então o que me faz falta.


-Então é o senhor o novo dono da casa da colina?


- Sim sou. Queria um lugar isolado, onde pudesse encher os pulmões de ar puro e beber a paisagem. Não encontrei nada melhor e por isso aqui estou, contente, mas embaraçado com tanta bagagem que não sei como transportar.


- Lá isolada a sua casa é. Respirar ar puro e admirar a paisagem também lhe vai ser fácil, mas a casa está desabitada há muito tempo, poderá encontrar algumas limitações ao conforto em que terá vivido. Nada, porém, que não possa ser resolvido. Mas, acredite o que lhe digo, os primeiros tempos não serão fáceis. O acesso também não o será, pois se bem me recordo, existe apenas um carreiro, que deve estar em mau estado, e que era utilizado, por uma carrocita pequena, puxada por um burro, quase tão velho como o casal que lá habitava, e lá morreu. Não o quero desmoralizar, o sítio é muito bonito, de verdade, mas também vai encontrar dificuldade, que não previu. Por exemplo o abastecimento. Aqui não há rede de telemóvel. A energia elétrica está desligada à tanto tempo, mais de cinco anos, que terá que ser feita a sua revisão. O abastecimento de água é feito de um reservatório no telhado e, naturalmente deverá se limpo e testado.Terá a solidão como companheira. Para qualquer coisa que precisar terá que contar comigo. E apenas lhe posso garantir que, pela manhã eu ou o meu ajudante, passaremos pela sua nova casa. Pode contar com a ajuda possível. Mesmo hoje, para o ajudar a transportar as suas coisas, irei precisar da minha motoreta e do atrelado, pois não me atrevo a utilizar a carrinha de caixa fechada com que me desloco.


Mas espere mais um pouco, logo que o rapaz que me ajuda na loja se digne aparecer, faremos a mudança.


- Oh meu amigo, nem imagina o meu alívio. Por isso esperarei o tempo que for preciso. Na verdade, talvez eu tenha sido imprudente ao escolher a casa, como o refúgio que precisava para descansar, mas agora não me resta outra alternativa que não seja a de contar com a sua amabilidade e simpatia. Por isso lhe agradeço e esperarei o tempo que for necessário.


- Então eu já volto. Já agora apresento-me:


O meu nome é Manuel Carvalho e aqui nas redondezas toda a gente me conhece pois, além de comerciante, sou também o Presidente da Junta da Freguesia em que esta pequena e quase esquecida aldeia está incluída.


 


Luís respirou fundo e recostou-se no assento. Finalmente a aventura estaria a ter sentido numa altura em que ele já sentia alguma desalento.


 


Entretanto, começou a notar algum movimento na praça, meia dúzia de pessoas que regressavam a casa depois de um dia de trabalho no campo e dois homens, já trôpegos que aparando-se aos cajados, caminhavam na direção do banco que ele ocupava. Luís apressou-se a afastar a bagagem para libertar lugar para os seus novos companheiros.


Perante o olhar intrigado dos velhotes, Luís feliz por ter encontrado companhia saúda-os com um sorriso, desejando-lhe uma boa tarde.


Os velhotes olharam com desconfiança para o forasteiro, e Luís apresentou-se:


- Não se admirem, sou o vosso novo vizinho, e vou morar na casa na colina.


Os seus novos companheiros não mostraram qualquer emoção, murmurando apenas um cumprimento que Luís nem percebeu. Coitados, pensou enquanto os olhava com mais atenção. Viu homens cansados, de olhos mortiços e faces descarnadas, como se aguardassem o fim.


 Ficou impressionado, não deixou de pensar se aquele retrato seria o seu espelho no futuro não muito distante. E tremeu.


Salvou-o dos pensamentos, o ruído estridente de um motor. Era o amigo Manuel Carvalho que se aproximava, montado na motocicleta, ligada a um pequeno atrelado, dizendo:


- Vamos embora amigo, vamos lá subir a encosta. A casa na colina espera por si.


Enquanto o seu recente e prestável amigo enchia o atrelado com a bagagem Luís olhou de novo para os velhos habitantes que já conhecera, começou a recear que, para além da saudade que não morrera. A aventura que ia iniciar lhe poderia trazer mais dor e sofrimento. A solidão mata e ele já fizera uma parte do caminho.


 


 


 


 


 









sábado, 11 de abril de 2015

A CASA NA COLINA









O CANTE ALENTEJANO




Ainda estava a viver a sentir o poema do fado da saudade, quando ao aproximar-se da cidade de Beja se lembrou a história singular de um povo que cantava, sem música nem instrumentos e com vozes masculinas, melodias e poemas tradicionais, herança dos seus antepassados, cuja memória se perdia no tempo.


O seu sangue alentejano lembrou-lhe a nostalgia dos que sempre permaneceram nas suas aldeias vilas e cidades sem nunca terem esquecido serem um Povo diferente, triste e solidário, rebelde e imune aos atropelos que os senhores feudais  os haviam sempre praticado. Era um Povo que não se revia das doutrinas da Igreja, que noutros tempos, fora sempre uma aliada, de peso, dos donos da terra. Enquanto que a eles apenas era reconhecido o direito de a trabalhar até morrer. 


A camioneta de passageiros, velha e gasta, continuava a rolar por estradas que mais pareciam veredas, atravessando a planície indiferente à luz do sol que crestava o rosto dos trabalhadores.


Luís ansiava por chegar à aldeia que havia escolhido e já se imaginava a ouvir o cantar do Alentejo.


Como companheiros de viajem apenas um casal de velhotes, que dormitava, e um jovem que de sacola ao ombro regressava da escola.


Foram duas horas de solavancos, de silêncios até que a pobre camioneta parou numa pequena praça, que circundava um pequeno canteiro, com uma oliveira de tronco gasto pelos anos.


Nem uma pessoa conseguiu ver, apenas casas, poucas e pequenas, caiadas de branco e rodapés de azul vivo. O sonho de ouvir o cantar do seu Alentejo iria morrer por ali. 


Enquanto o motorista o ajudou a retirar a sua bagagem, malas e sacos onde guardara a sua riqueza, o casal de velhos e o jovem estudante, companheiros de viajem meteram-se ao caminho por uma ruela próxima e, num segundo ,desapareceram.


Ficou sentado numa parede do canteiro e à sombra da oliveira fechou os olhos e por breves instantes, dormiu.


E foi ali, naquela praça vazia, duma aldeia perdida, que esbarrara com o destino. Olhou para o monte na sua frente, viu no seu alto a casa da colina. Estava no sítio certo, aquela casa seria o seu refúgio. Só não sabia como lá chegar, nem via caminho e, na verdade, não teria já forças para carregar a bagagem.


Estava tão perto e ao mesmo tempo tão longe.


Desistiu de começar a caminhada, não seria capaz de a fazer, olhou em busca de auxílio e o melhor que encontrou foi um banco de pedra, acostado à parede de uma casa da esquina, lugar que lhe pareceu o paraíso. O sol ainda queimava, eram duas horas da tarde, mas o banco estava protegido por videiras suspensas que lhe davam a sombra. Fez dois ou três transportes das malas e do resto dos sacos que trouxera, ficou alagado em suor e deixou-se cair no banco de pedra, aproveitando para fumar um cigarro. Tempo, era tudo o que tinha de esperar até a aldeia dar sinais de vida.


Cerrou os olhos e descansou. 















quarta-feira, 8 de abril de 2015

A CASA DA COLINA







2 – A DOR DA SAUDADE


 


 


Foi através de uma Agência de Beja, via internet, que encontrou uma casa velha, isolada no alto de um monte. Deixou-se contagiar com as imagens da planície alentejana, banhada pelo sol que se estendia até onde o céu tocava a terra, naquele horizonte feito de cor e luz e decidiu comprar a casa da colina. E até o nome lhe trazia a paz que precisava. Quem sabe, pensou, “casa da colina” até poderia ser o título do livro que iria escrever.


 Nada mais o preocupou, nem se inteirou do estado em que a casa se encontrava. Ficara apaixonado pela localização e tudo o mais esqueceu. O pessoal da agência, ainda lhe dissera que a casa precisaria de pequenas reparações, mas que seria fácil e económico encontrar quem as fizesse.


 Assinou o contrato, pagou e deixou a questão da reparação para decidir à vista da casa.


Era pouco exigente, não queria uma mansão, uma casa de novo-rico, com uma arquitetura que até ofenderia o lugar. Para ele, a casa seria sempre e só a casa da colina, o espaço para aguardar com tranquilidade o fim do caminho.   


Na publicidade, e nos contactos com o vendedor, foi sabendo que a casa se encontrava a uma distância não superior a um quilómetro de uma pequena aldeia, onde iria encontrar mercearia, padaria, uma taberna para afogar em vinho as suas mágoas. Aos sábados a povoação animava-se com uma feira onde poderia conhecer pessoas simples, camponeses que aproveitavam para o seu comércio e até alguma distração com os desafios lançados pelos habituais vendedores, apregoando a excelência dos produtos e o seu preço de saldo. Eram feirantes habituais em todas as aldeias, vilas e até cidades do interior cada vez mais deserto do País e faziam parte do colorido que ainda restava no interior do País, cada vez mais esquecido.  


 


O entusiasmo do vendedor apregoando a oportunidade de um bom negócio, deu para o convencer. Um sítio calmo, onde poderia isolar-se quando lhe apetecesse, ou encontrar alguma convivência, quando para isso estivesse disposto.


Emalou as coisas indispensáveis, carregou-se de livros, principalmente de poesia, um saco com os medicamentos, toda a roupa que encontrou, os sapatos que utilizava, roupa de cama e pretendeu encheu uma mala de viagem de bom tamanho. Enganara-se, nem metade cabia, teve que juntar mais um saco, uma mochila dos tempos em que fizera campismo e mais dois ou três sacos com compras de supermercado, que admitia iria precisar nos primeiros dias.


 


O transporte seria um autocarro expresso que o levaria até Beja. Depois uma única ligação diária até ao destino. Partiu de táxi até ao terminal dos autocarros e teria que utilizar idêntico transporte da povoação até à casa da colina.


Estava tudo em ordem, confirmou, agora era apenas o primeiro passo e o desafio de enfrentar o cansaço dum dia de viagem.


 


Mas, apesar da esperança de uns dias diferentes, havia sempre o medo da saudade. Já sentira um frémito quando do barco em que atravessou o rio Tejo, olhou para a cidade que iria deixar. Lisboa era a sua cidade, sê-la-ia sempre, com o rio, a luz, e as suas colinas. Dizia adeus a Lisboa e essa seria sempre mais uma dor que o acompanharia na partida.