segunda-feira, 20 de outubro de 2014

A ESTRELA PERDIDA












  E A ESTRELA  APAGOU-SE

 

Era o fim de um dia de verão, daquele período de férias onde quase nada acontece. Mas para ele, era apenas um dia de trabalho de um lado para o outro lado do mundo.

Voava de Singapura para Nova Iorque. Regressava a casa.

A noite caiu e o céu encheu-se de estrelas a brilhar.

Fascinante, murmurou Diogo que seguia sentado junto à janela no avião que cruzava os céus. Mas as estrelas eram diferentes, não as reconhecia, ele que quando miúdo apreendera a identificar estrelas e constelações. De repente o olhar acompanhou uma estrela que lhe parecia cansada de tanto brilhar e tremendo, se apagou.

Que pena, quando uma estrela morre, na terra, alguém ou qualquer coisa se apaga também. Cerrou os olhos, voltou à sua juventude e lembrou-se da conversa com o Pai que por hábito se estendia sobre uma parede que segurava o caminho que passava à beira da casa, enquanto contava histórias e memórias, sempre olhando o céu e acompanhando o caminho das estrelas. Sim, fora naquela casa velha onde nascera e se habituara a sonhar o futuro.

Estranho, como a tantos milhares de quilómetros de distância e decorridos mais de trinta anos a memória lhe trazia a figura do Pai. E lembrava-se dos conselhos e da magia nas cálidas noites de Agosto. Fora uma escola onde bebera da sabedoria daquele homem do campo, filósofo das veredas que havia, apenas, cursado a escola da vida.

E lembrou-se da última lição, que o Pai lhe dera, desta vez deitado na cama onde aguardava com a serenidade o fim da sua viagem. O apagão da sua estrela.

As palavras foram suas companheiras durante muito tempo mas, quase sem saber como, deixara-se capturar por outros valores e só agora, olhando o céu lhe despertaram a memória.

- “ Filho, a vida tem que ser vivida sem temores, sem medos, acreditando sempre que somos capazes, que conseguiremos, atingir o nosso objetivo, respeitando os outros, aprendendo com os erros, ouvindo o saber dos mais velhos e lendo livros. A vida só assim fará sentido. E se alguma vez te sentires perdido, olha para as estrelas, quem sabe encontrarás a tua.”

Pobre Pai, o teu filho perdeu-se nos caminhos da vida e na solidão dos dias e noites e esqueceu-se de procurar a estrela da vida. E a estrela apagara-se.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

O FIM DO CAMINHO






O IMPÉRIO DOS SENTIDOS

A solidão mata, pensava Eduardo, em cada hora, em cada dia e no inferno das noites em que  sofria a desilusão por um sonho destruído.

Tivera dificuldade em enfrentar o dia-a-dia. O trabalho já não o motivara, as operações que controlava não passavam de trabalho quotidiano, feito sem chama, sem estudo, sem interesse. Tinha medo da noite e dos pesadelos. Pensara terminar com uma vida que de repente se esvaziara. Sem interesses, sem sossego, andava sem destino pelas ruas vazias da cidade que dormia.  No labirinto de emoções em que se deixara enredar, nem conseguira escolher a saída e ou definir um caminho.  Tantas vezes pensara desistir, abandonar o trabalho, partir sem destino à procura dum raio de sol. Mas nada faria sentido. Porque na verdade era prisioneiro dos compromissos que assumira e porque não conseguira apagar da memoria a mulher que fora sua. 
Passar uma esponja por aquele tempo em que se dera de corpo e alma, era tarefa que não desejava, sequer, tentar. Porque no meio da desilusão e da tristeza continuava a sentir que Beatriz fora, ainda era, e seria sempre, o amor da sua vida.

Com o coração sangrando era um autómato vagueando ao sabor do vento. A realidade era uma ideia cada dia mais difusa, mais sombria, mas dolorosa. Precisava de ajuda mas não queria mostrar o seu mal. Na realidade sentira que se deixasse morrer a paixão, nada mais teria para alimentar o império dos sentidos. 
Quase em desespero começara a beber. Primeiro um copo que lhe queimara as entranhas, depois a habituação e por fim alguma tranquilidade.  Fora o álcool  que lhe aliviara as dores e foi sentado no balcão de um bar, que encontrara um companheiro que, com a experiência  o ajudou a fugir do perigo de se deixar apanhar pelo vicio. Não esqueceria as palavras do companheiro, especialista na filosofia da vida, lhe dissera: "A bebida não o vai ajudar a resolver os seus problemas. E eu sei o que digo, porque um copo estranha-se e depois entranha-se e a vida será apenas a antecâmara da morte. Eu encontro-me na beira do abismo. Hoje poderá ser o ultimo dia da vida que, afinal, não vivi. Não queira encontrar num copo a coragem que lhe falta para viver. Não seja cobarde."

Eduardo bebia para esquecer os sonhos traídos.  Perdera o domínio dos sentidos, mas começara a tomar consciência que seguia o caminho errado.

Precisava vencer o medo, e assumir que, mesmo nos momentos mais complicados que vivera,  não deixara de saber fazer o seu trabalho. E que fazia o que gostava e para que tanto tinha trabalhado. A memoria dos Pais  ajudara a tomar consciência de que não podia desistir.
 E, pouco a pouco foi dando mais atenção ao trabalho.
 Pertencia a uma estrutura fundamental do Banco, a informação dos e para os mercados. Mas quando tudo parecia correr bem, Eduardo, meticuloso como sempre fora encontrou  indícios que algo de errado estava a acontecer. Nem queria acreditar. Alguém andaria a manipular as contas com movimentos estranhos entre filiais e Empresas acionistas e a fazer operações que contrariavam a boa prática bancária. E mais uma dor lhe esmagou os sentidos.

Que triste sina fora a sua. Perdera a mulher que o enfeitiçara e agora a confiança no Banco que ele julgara estar acima de quaisquer suspeitas. Tudo se modificara, o mundo continuaria a girar, enquanto ele tentaria sobreviver no mar em que a sua vida naufragara.

Tentaria encontrar uma réstia de coragem para agir. Mas perguntava-se: Coragem para quê?
Mas encontrou uma resposta, Ele devia justificar a confiança que sempre lhe haviam dado. E, era também um resposta simples concluíra, se nada tenho, nada terei para perder!
 Iria alertar a Administração do Banco! Sim, tinha provas mas … e aí hesitara, estaria a denunciar algum colega, uma Direção, ou porque não, algum membro da própria Administração? E quais seriam as consequências?

Foi cheio de dúvidas que procurou alguém próximo do controlo de gestão para entregar a pasta em que guardara os documentos que apoiavam a suspeita de fraude.
Foi recebido e acompanhado para uma sala de reuniões onde um responsável  qualificado o iria receber.

 E quando a porta se abriu, sentiu o vento que iria completar o desmoronamento dos sentidos.  Fora  a entrada de Beatriz que sorrindo ocupou o lugar na cabeceira da mesa de reuniões. 
 
Eduardo lívido e respirando com dificuldade, baixou a cabeça e soltando uma lágrima segurou com força a pasta que pretendera apresentar. Nada conseguiu dizer, levantou-se e saiu. No corredor sentiu um cheiro a mentira, a ganância e vomitou. 

Naquele momento teve consciência que tudo se acabara. A paixão fora uma desilusão que se desfez e o respeito pelo Banco sumira-se. Agora seria livre. Assinara o final da história, da sua história.

 

sábado, 2 de agosto de 2014

O FIM DO CAMINHO

 




PARA ALÉM DA SAUDADE

A ligação entre duas pessoas com vidas tão diferentes fora um risco. Porém, para um jovem que passara da adolescência para a vida adulta, o fascínio que Beatriz lhe causara era natural. Nunca se sentira tão próximo de uma mulher que, mais experiente, usava a sua beleza para atrair os homens. E Eduardo deixara-se capturar e passara a viver os mais excitantes momentos da sua vida.  

Beatriz sabia de que a relação amorosa com Eduardo era inevitável. Ela também se sentira atraída por um homem mais novo, elegante e terno que a olhava com paixão e desejo. Partilharam os momentos mais inesquecíveis, tudo era volúpia, mas doseada com momentos de ternura e amor. Eduardo estava mais do que apaixonado, descobrira um mundo novo que o levara viver a loucura de cada momento em que estavam juntos. Beatriz a deusa do amor, era adorada com paixão e daria tudo por aquela mulher. Quando Beatriz lhe sussurrava ao ouvido o apelo do amor, o sangue corria em torrentes pelo corpo e o sexo era intensamente vivido e repetido até ao esgotamento.

Para ele, cada momento fora um sonho de amor, vivido com delírio, que lhe deixara marcas no corpo e da alma. Fora mais do amor, fora a loucura dos desejos, fora o êxtase sublime, fora a pressa de viver, fora o despertar dos mágicos.

Não imaginara sequer, que uma sombra, ainda que passageira, pudesse ofuscar o brilho dos olhos com que a revia, mesmo nas noites de insónia.

Na verdade, Eduardo sentia que enfrentava alguns problemas no trabalho e sobretudo com compromissos financeiros que assumira e que se encontravam quase todos em incumprimento. Fora o andar que comprara para ser o seu ninho de amor, mais o carro para os passeios, para as festas, a que Beatriz estava habituada e que tanto prazer lhe davam. Mas tudo fora uma decisão sua, Beatriz nada exigira.

Mas as noites de insónia passaram a ser mais frequentes e ele começara a perder o controlo. Nada quisera deixar transparecer, um sorriso e um beijo pela manhã era um bálsamo que calmava os seus receios e um tónico para enfrentar cada dia, cada mês, cada ano.

 E foi assim que se entregaram durante dois anos, que foram, como mais tarde havia de recordar, os únicos e irrepetíveis momentos da sua vida.

Entretanto Beatriz mostrava alguns sinais de afastamento. Eduardo que havia ouvido conversas nos corredores do Banco, compreendera que ela teria uma ligação já muito íntima com um acionista de referência e foi sem surpresa que, um dia triste como são os dias sem sol, Beatriz lhe disse que o romance estava esgotado.

Foi um golpe profundo que deixaria feridas por sarar.

Mais, porque a mulher dos seus sonhos lhe dissera ter sido promovida para um lugar de topo da Administração e estava entusiasmada com a oportunidade. E que nesse novo caminho ele, não teria lugar.

Para Eduardo fora como uma tempestade que o iria submergir. Apagou o brilho no olhar, fechou a cadeado o seu coração e passou de um jovem ingénuo para um homem fechado e descrente. De tudo e de todos. E guardava bem no fundo as palavras que Beatriz lhe dissera na separação:

” Todo o princípio tem um fim. A vida não é um caminho de rosas que se possa caminhar para sempre. Eu entreguei-me, de corpo e alma. Contigo reaprendi a amar, a viver cada dia como se fosse o último, bebendo o amor e a paixão. Peço-te agora, não me guardes rancor, eu apaixonei-me por outro homem e esse vai ser o meu destino. Dos nossos momentos guardo a loucura das nossas noites, a ternura que sempre vi no teu olhar, Segue o teu caminho, tu vais encontrar alguém que te irá fazer muito feliz.”

Corria o ano de 2007.Profissionalmente a sua carreira seguira em sentido ascendente. Mas na solidão das noites, Eduardo passou a ter tempo para olhar para os resultados do Departamento a que pertencia e dedicar mais atenção à apresentação dos resultados trimestrais do Banco. E estremeceu. Havia qualquer coisa que não dava certo.

Foi-lhe penoso ter de reconhecer que a paixão lhe fizera esquecer a crueza dos números. E, talvez, tivesse acordado tarde.

 

quarta-feira, 30 de julho de 2014

O FIM DO CAMINHO



LISBOA  

 Fora no seu País, com a sua gente, que tudo começara.

Filho único de uma família de pequenos agricultores assalariados, nem nos piores momentos, e tinha vivido alguns, sonhara, sequer, que o seu futuro iria ser o caminhar, pedindo, algumas vezes mendigando, aquilo a que ele se julgara com direito, trabalho.

Foi o que aconteceu a Eduardo Silva, um homem ainda jovem, que respondera aos anseios dos Pais, tocado pelo desafio que o seu País lançara, mais e melhor educação, que percebera que ter futuro, sem laços familiares de gente importante, sem a obrigação de escolher um partido do chamado arco da governação e ter de percorrer as ruas batendo palmas e colando cartazes, o diploma universitário seria o único meio de alcançar um lugar ao sol. E desde muito novo estudara e trabalhara para poder entrar no ensino superior.

Deixara a aldeia em que nascera, e com uma média elevada, sem dificuldade matriculou-se no curso para que sempre se julgara destinado. Corria o ano 1987, o País era membro da Comunidade Europeia, havia muito dinheiro a circular pela injeção de fundos comunitários e quase toda a gente entendeu que o passado de pobreza havia terminado.
Os Pais entregaram as suas parcas economias e Eduardo começara a frequentar a Universidade. Fora conseguindo equilibrar as suas contas, partilhando um quarto com outro colega, cozinhando as suas próprias refeições mas o dinheiro ia desaparecendo.
Para continuar a estudar precisava de encontrar um emprego em tempo parcial que lhe pudesse sobreviver. O que conseguiu aceitando um trabalho pouco qualificado mas em que recebia por hora de trabalho. Quando alguns colegas o encontraram a fazer a reposição de produtos dum supermercado numa grande superfície comercial, sentira algum constrangimento, mas depressa esquecera. Afinal ele estava entre os melhores alunos o que lhe dera conforto para enfrentar algumas piadas. de mau gosto.

Sempre julgara que a obtenção do curso justificaria no futuro os sacrifícios  que agora tinha de fazer.  As férias que nunca pudera gozar,  as amizades que não pudera partilhar, os amores que não vivera, tudo ele contabilizara como investimento que iria recuperar no final. Mesmo quando se sentira exausto, depois de serões mergulhado nos livros e aprendendo a utilizar o computador, comprado em segunda mão e pago em prestações, desenhando no excel cenários macroeconómicos, fazendo simulações sobre as curvas de rendibilidade de projetos comerciais, analisando o comportamento dos mercados financeiros, etc. nunca esmorecera. Mas no final  interrogara-se: Teria valido a pena?

Teria valido a pena os beijos que não dera, as carícias de que não sentira, as noites de amor que ambicionara e apenas conseguira ocasionalmente e sem paixão? Em alguns momentos duvidara mas com o diploma na mão, tudo esquecera.
Chegara às portas do futuro, agora era só entrar. E então no silêncio do seu quarto gritara:  Sim valera a pena, teria que valer a pena.Tinha vinte e três anos de idade e uma vida para viver.

Depois foi o começo das dúvidas. Respondera a centenas de anúncios de trabalho para o qual julgava estar preparado e continuara sem resposta. O emprego no supermercado, fora e continuava a ser o seu dia-a-dia.

Então acreditara precisar de mais formação. E foi num mestrado que aplicou mais trabalho.
Enganara-se, o mestrado fora uma desilusão e não lhe acrescentara saber, apenas mais uma adenda ao currículo. Porque as oportunidades de mostrar o resultado do seu estudo foram poucas e para os lugares disponíveis encontrara interesses e valores mais altos do que o mérito académico.

Tinha vergonha de olhar os Pais que tudo lhe haviam dado. E no final restara-lhe a saudade pois que eles velhos e doentes, esquecidos no mundo em que sempre viveram, esmagados pelo trabalho e pelas privações, não resistiram a mais um Outono da vida. E partiram, de mãos vazias como sempre. E Eduardo ficou só. Guardara bem fundo as recordações, e como herança única  os valores da amizade e o respeito pelo trabalho que os Pais sempre lhe tinham ensinado.

Apesar dos momentos difíceis que a vida lhe destinara ainda não perdera a esperança. E continuara a enviar currículos nos quais tentava mostrar o conhecimento duma formação que considerava responder aos desafios do momento. Mas havia qualquer coisa que ele ainda não percebera. Até que um dia, durante uma entrevista para trabalho especializado na sua área, o gestor dos recursos humanos que o recebera, apercebendo-se da sua desesperança, lhe apontara a falha, dizendo-lhe:

- Você preenche todas as condições que o Banco exige para uma carreira normal. Mas tem que olhar mais além, falta-lhe iniciativa e sobretudo ambição. No mundo da finança isso é o mais importante. Ambição é aquilo que terá de mostrar. Não esqueça que no final será avaliado pelos resultados e não pelo seu saber académico. No seu percurso irá encontrar muitos tão preparados como você e para os vencer terá que ousar ir mais além.

 Eduardo aprendera a lição e logo vira o resultado. Corria o ano 2003 e foi selecionado para trabalhar num Banco de pequena dimensão, mas que ambicionava crescer, inovando nos produtos com que  apostava  para conquistar quota de mercado.
E o jovem sabedor mas cauteloso, arriscou a transformação. E teve sucesso. Passou a integrar uma pequena equipa de jovens ambiciosos, dirigida por uma mulher bonita e insinuante. E durante dois anos a equipa fez progredir o negócio, com operações cada dia mais sofisticadas.

 Eduardo entregou-se ao trabalho e deixou-se enfeitiçar pelos olhos de Beatriz, a chefe de equipa. A sua juventude era um valor que Beatriz, mais madura e experiente iria capturar.

E os dias foram rosas. Eduardo estava feliz numa união que lhe dava prazer. Beatriz sabia ser terna quando ele a procurava e ele entregava-se com paixão.  

Tudo se combinava para a tempestade perfeita.

 



 

domingo, 27 de julho de 2014

O FIM DO CAMINHO



 REQUIEM

Deitado na soleira duma porta, de um edifício decorado por desenhos e cartazes apelando à revolta, insultando os políticos e os governantes, emblema característico daqueles bairros sociais, todos iguais, todos colmeias com famílias empacotadas, projetados e construídos para afastar das zonas nobres da cidade, todos aqueles que representam, aos olhos da classe mais requintada, a pobreza que se não quer ver.

O personagem que chegara pela noite, deixara-se cair naquele lugar sem força para seguir caminho. Abandonado ao seu destino, percorrera quase todos os bairros dos subúrbios de Paris. Os bairros eram sobretudo um microcosmo, onde se vivia em conformidade com as raízes culturais das raças que haviam feito deles o seu mundo. Nalguns os habitantes eram sobretudo negros, emigrantes legais ou clandestinos, fugidos da pobreza e da guerra do seu País natal, antigas colónias da áfrica francesa, outras eram magrebinos mais inconformados e mais permeáveis ao fundamentalismo do Islão. Em algumas ilhas começaram a surgir emigrantes dos Países mais pobres da Europa, que haviam chegado cheios de sonhos e vivendo esperanças, que na realidade eram utopias, e agora sentiam serem também um abcesso incómodo. A miopia dos Europeus que constituíam a classe dominante, Alemães e alguns satélites, estava pouco a pouco a alimentar dor, sofrimento e revolta. Faltaria apenas acender um fósforo para que tudo a que a Europa havia representado se transformasse numa fogueira sem controlo.

 Aqueles bairros representavam um perigo, mas era assim que a Europa, mãe da civilização moderna, tratava os que nela procuravam o pão de cada dia.

O personagem, um vencido pela vida, que jazia numa soleira de uma porta de um bairro da periferia de Paris, sofria duplamente. Europeu por nascimento e cultura, havia mergulhado na realidade. E como ela o tinha destruído.

Estava no fim do caminho e logo na cidade que para ele representara o seu sonho. Sim porque Paris, a cidade da cultura, dos museus, dos palácios, dos monumentos, das avenidas com lojas de luxo, era reservada para os turistas. Os Parisienses da classe média e da alta burguesia tinham os seus bairros com condomínios de acesso reservado.

E Eduardo, que via a França com os olhos de um poeta apaixonado, chegou ao centro da cidade feito um mendigo. Já percorrera quase meia Europa e passo a passo foi ficando mais pobre, mais desiludido. Circulara por algumas Avenidas da cidade rica, estendera a mão a pedir ajuda mas pouco ou quase nada recebeu, nem uma palavra. Apenas sentiu a desconfiança e indiferença, e ouviu comentários que não pensara ouvir.

Decididamente o seu lugar não era ali. Sentiu-se escorraçado, escondeu-se para dormir num qualquer beco mal-afamado e dia após dia, noite após noite, cheio de frio e de fome, foi abandonando a cidade e entrando nos bairros periféricos.

E por ironia, ou talvez não, fora no meio daquela gente pobre e negligenciada que afinal encontrara uma mão amiga que lhe estendera um pão, uma sopa, algumas moedas e roupas velhas com que se protegia do frio da noite.

E ele já não estendia a mão pedindo ajuda. Para ele tudo iria terminar, naquela noite fria em que desistira de viver. Cerrou os olhos e aguardou a chegada do último suspiro. Nada mais podia fazer do que deixar-se levar na barca de Caronte, ou na camioneta de recolho de lixo. Pouco lhe importava. A morte não seria pior do que o inferno e esse, ele já o havia experimentado em vida.

Como uma folha que cai, levemente suspensa no ar, assim sentiu que a paz ia chegar. Agora que tudo morrera,  até as memórias que teimosamente haviam resistido, estavam cada vez mais distantes perdidas num recanto de um cérebro esgotado. Os olhos teimaram em ficar abertos e assim ficariam até que alguém tivesse compaixão e os fechasse. Para ele tudo acabara. Era o fim, foi o fim da viagem.

terça-feira, 1 de abril de 2014

FOLHAS CAÍDAS


Foi hoje?

Ou terá sido ontem, ou mês passado, talvez?

Nem sei, mas também não é importante.

Afinal, em qualquer altura da vida, ter reconhecido que a luz que guiava os meus passos na aventura da escrita, tinha perdido intensidade e desaparecera num qualquer canto da memória, é a consequência natural. Tudo tem um princípio e um fim.

Todavia valeu a pena ter vivido os sonhos do meu amigo John Doe, ter percorrido caminhos inimagináveis, cavalgando quimeras e enfrentando medos e angústias.

Foi um tempo de encontro por entre o desencontro da vida.

Ao meu amigo John Doe, ou melhor, ao que ele representou para mim, devo quase tudo.

Sem guia, sem fervor, sem espada, serei um cavaleiro solitário perdido no mundo e que se afasta dos sonhos.

A última aventura a que dei o título “In America” ficará por aqui. Alguns textos ficaram em arquivo. Foi ao reler que, com maior força, a tecla “delete” me desafiou. Tinha razão, porque os textos eram vazios, repetitivos, nada de que me orgulhasse. Era o fim da aventura.

Valeu a pena?

Acreditem que tudo o que publiquei no blog me deu prazer. Escrever foi uma fuga ao quotidiano pois me manteve desperto em circunstâncias difíceis.

Aqueles que acompanharam “ o meu amigo John Doe”, deixo o meu obrigado.

Entretanto e porque o vício de escrever é como o de fumar, entranha-se e não é fácil parar, decidi, em jeito de paraquedas, criar um outro blog, porventura menos exigente, mas que mesmo assim, será um sinal de que me não entreguei.

O nome http://oriodaslagrimas.blogspot.pt/. Deixo o endereço que dirá muito ou nada. Veremos.

 

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

IN AMERICA


FOI POR ELA

O sol começava a brilhar dando outro colorido às ondas do mar que, preguiçosamente, se estendiam sobre as dunas.

 Havia muito tráfico na estrada que acompanhava a costa. O táxi andava no ritmo de para e arranca e Pedro começou a sentir a sonolência e uma sensação de fraqueza. Era natural, pensou, depois do período que passara alimentado a soro e depois do tratamento com tranquilizantes a que fora sujeito. Os braços mostravam nas veias os sinais das seringas e dos cateteres. Agora tinha fome e ao passar num café na marginal mandou o motorista parar e foi procurar o alento que lhe começava a faltar.

Depois de comer retomou a viajem para o aeroporto. Faltaria ainda uma hora se o trânsito ajudasse, avisou o motorista, que pelo espelho olhava com curiosidade para aquele passageiro, pouco habitual.

Pedro lutou para se conservar desperto mas, acabou por se render, cerrou os olhos e começou a visualizar por entre as brumas da memória, a sua história, o começo da sua aventura que o havia levado ao mar das Caraíbas e a Miami em particular.

- Tudo começara em Lisboa, num dia de Outono, cinzento e chuvoso quando no seu escritório recebeu uma visita que lhe alterou os planos de vida.

Fora, durante muitos anos analista financeiro ao serviço de um Fundo de Investimento internacional, que lhe pedia relatórios sobre oportunidades de negócio, normalmente especulativos. Agora, na beira dos quarenta, estava cansado mas com bens suficientes para enfrentar o futuro sem ter que colaborar em cenários, muitas vezes fabricados, sempre com o objetivo de ganhar mais e mais dinheiro. E dinheiro significava poder.

Na realidade, nunca conhecera os acionistas do Fundo de Investimento. Nem isso alguma vez o incomodara.

Era o tempo ideal para esquecer o passado. A energia que ainda sentia libertava-a como instrutor de artes marciais. Fora uma paixão da juventude que o levara a visitar e frequentar mestres da arte milenar chinesa. 

Amigos, tivera alguns e bons, mas com o correr do tempo os encontros foram-se espaçando e hoje eram apenas recordações.

Relações amorosas, tivera muitas, mas que nunca duraram o tempo suficiente para se transformarem em amor.

O caminho da sua vida profissional, a destruição do seu ambiente familiar com a trágica morte dos Pais com um intervalo de apenas alguns meses, endurecera o coração, que se fechou.

Era um solitário, desconfiado e pouco comunicativo. Uma vida sem horizontes. E foi por isso que, sentindo o vazio da sua vida, resolveu aceitar o desafio que, o desconhecido lhe foi propor.

O visitante, homem de poucas palavras mas com um olhar vivo, apesar da idade, apresentou-se.

- Era empresário e agora fora vítima do sucesso que foi construindo ao longo da vida em negócios com Países da América Latina.  E, sem muitas palavras apresentou a proposta:

- Alguém em quem confio, sugeriu-me o seu nome como a pessoa certa para me ajudar. E aqui estou pedindo que aceite representar-me numa missão difícil que, eu não posso realizar.

Comecei a investir no Brasil e de São Paulo estendi o negócio para a Venezuela, tendo escolhido para Presidente da Companhia o meu único filho. Tudo corria aparentemente bem, mas alguma inexperiência do meu filho fê-lo beliscar interesses que não perdoaram. E Eduardo foi ameaçado, não deu ouvidos aos conselhos de amigos comuns e acabou sendo raptado.

Recebi por um desconhecido a notícia de que o Eduardo apenas seria libertado mediante o pagamento de um resgate de cinco milhões de dólares dos EUA. O valor deveria ser entregue em dinheiro, no local e dia a combinar. Claro, o emissário foi explícito, não devia recorrer as autoridades, pois isso seria o fim do meu filho, e da família que ele entretanto havia constituído.

O dinheiro não será um problema, mas o meu medo é que, mesmo pagando o resgate, nunca mais possa abraçar o meu filho. Assim o desafio que lhe proponho é que seja o senhor a conduzir as negociações, pagando o resgate e salvaguardando a vida do Eduardo e da família.

O senhor fará o seu preço e eu dar-lhe-ei toda a informação que irei receber, em mensagens que alguém me transmitirá no meu escritório em São Paulo.

Pedro reconstituiu o começo da sua tormentosa aventura, mas não conseguia perceber a razão por que tinha aceitado o desafio. Estava nesta labuta, quando o motorista lhe anunciou que tinham chegado e lhe perguntava em que terminal desejava ficar.

- Sem grande emoção respondeu:

-Deixe-me no terminal internacional, chegadas. A porta é indiferente.

O Táxi deu mais uma volta, contornou uma rotunda e acabou por se imobilizar junto da porta 16. Pedro pagou a corrida, foi uma quantia importante, deu uma generosa gratificação ao motorista, pegou na sua reduzida bagagem e entrou no átrio do terminal.

Ao caminhar, procurando o lugar dos cofres para bagagem, cruzou-se com uma linda mulher cujos olhos não se desviaram e sentiu o desafio, uma promessa. E então percebeu.
Fora jantar ao hotel onde o empresário se tinha alojado e conhecera uma mulher de olhos negros, que, como aquela com que cruzara, lhe despertou emoções muito profundas. E foi por ela. 

 

 

 

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

IN AMERICA


FLORIDA

Fechou a caixa. Afinal fora mais simples de se encontrar, de recordar onde estava e qual a sua missão.

Arrumou a bagagem e preparou-se para sair. Barba feita, roupa lavada, olhando ao espelho Pedro percebeu que estava na posse das suas capacidades. Olhou as mãos, que sempre lhe tinham merecido especial atenção, não fora o facto de serem uma arma que muitas vezes lhe salvara a vida. Precisavam de cuidados e teria de procurar um salão com manicuras para lhe darem o aspeto a que sempre se habituara. Espreitou na janela, estava um dia de sol, prenúncio de um dia quente. Obviamente só poderia ser assim. Estava algures na Flórida, o sol brilhando e o azul do mar das Caraíbas eram a prova.

Desceu do quarto carregando a bagagem. No saco de viajem encontrara roupa nova que agora vestida, lhe davam o aspeto de turista endinheirado.

Foi o que certamente chamou a atenção do rececionista do apart-hotel que o olhou com um sorriso, talvez antecipando uma boa gratificação e ao receber a chave do apartamento lhe deu as notícias.

- É bom ter amigos e o senhor é a prova. Quando na semana passada ajudei a subir para o quarto, o homem cansado e ferido, que o senhor Alonzo, proprietário deste bloco de apartamentos aqui acompanhou, duvidei ser possível uma recuperação como a que, graças a Deus, hoje posso testemunhar.

 Pedro esboçou um sorriso, do bolso retirou dinheiro, separou uma nota de cinquenta Dólares e estendeu-a ao rececionista e ao pedir a fatura do alojamento, soube o resto da história que, aliás, já imaginara.

- As suas despesas foram asseguradas pelo senhor Alonzo, respondeu o rececionista enquanto aceitava a gorjeta. Ele foi muito claro, o senhor Morales seria tratado como um amigo e não um hóspede. E não se referia apenas ao alojamento, também garantiu que uma equipe médica do Hospital de” las Cruces”, faria o seu acompanhamento enquanto a sua saúde o justificasse. O meu patrão está de viajem, ficará feliz por o saber de boa saúde e certamente entrará em contacto com o senhor logo que tal lhe for possível. E com um sorriso estampado no rosto queimado pelo sol das Caraíbas e no sotaque naturalmente latino, o rececionista abriu uma gaveta, retirou um envelope fechado que estendeu ao hóspede, concluindo:

-O Senhor Alonzo antes de partir deixou-me este envelope que eu lhe deveria entregar logo que o senhor mostrasse disposição para partir. É este o momento.

Pedro agradeceu com um sorriso, abandonou o hotel, tomou um táxi que passava e deu como destino o aeroporto internacional de Miami.

Enquanto o táxi fazia o longo percurso entre o apartamento que ocupara em Daytona Beach e o aeroporto abriu o envelope. Sem surpresa encontrou um cartão bancário, uma licença de condução, uma chave solta, uma fotografia de um casal, com um número de telefone escrito no verso e, finalmente, um passaporte. Percebeu a mensagem, o casal seria o alvo a abater por Pedro Morales, agora a sua identidade. O passaporte fora emitido em Porto Rico, tinha averbado bastantes vistos, o último dos quais confirmava a sua entrada nos EUA, no terminal de cruzeiros de St. Augustine. Florida.