sábado, 13 de abril de 2013

O PREÇO DO SUCESSO


LISBOA

Ricardo tinha dezassete anos quando cheio de sonhos desembarcou em Lisboa. E a cidade tivera o sortilégio de lhe dar uma sensação de liberdade, que até aquela data nunca havia sentido.

Na verdade nascera numa pequena vila do Minho, frequentara um colégio particular que o Pai havia escolhido. Tinha feito sete anos de idade, numa data que nunca mais iria esquecer. Fora o tempo da revolução em marcha, dos exageros de uma sociedade oprimida, das greves, das transformações sociais. Tudo fora posto em causa e o medo invadiu as famílias tradicionais que sempre haviam beneficiado da protecção de um estado que entretanto se começara a desmoronar. Filho único de uma família tradicional da alta burguesia, o Pai decidira resguardar o jovem, escondendo as transformações que ameaçavam os privilégios duma sociedade na qual Ricardo teria de viver. A opção do colégio particular, que na verdade era um internato, o Pai optara por o desviar da cidade entregando-o aos cuidados duma irmã viúva que vivia numa quinta perdida nos confins do Minho.

E Ricardo aprendeu olhando as serras, imaginando o mundo para além das fronteiras. Era um prisioneiro da intolerância política e religiosa daqueles tempos conturbados.

O Pai recusou enfrentar os desafios, partilhar sequer o futuro da Empresa e ela foi-se afundando e faliu. E com a falência da fábrica que fora da família durante gerações, também o Pai se desmoronou.

E foi a Mãe que decidiu tomar o poder. O dinheiro não abundava mas Maria Teresa Guimarães era uma mulher que inspirava confiança aos credores, Bancos, aos operários e em três anos conseguiu reerguer a velha fábrica. Mas viu mais além, a fábrica precisava de se refundar em termos tecnológicos, produzir tecidos de qualidade.

Recorreu ao design, criou um produto novo que levou a certames internacionais. Foram anos de muito trabalho, muitos desafios, algumas desilusões, mas o caminho era aquele, havia que apostar nele e aprender de cada erro. E começou a ter sucesso.

A nova marca impusera-se pela qualidade. Não era um produto vulgar e Maria Teresa não transigia com os preços, assim como cumpria prazos de entrega. O esforço financeiro começava a ter retorno. O mercado aceitara os novos produtos. A inovação e o bom gosto eram imagens de marca.

Fora um período difícil mas Maria Teresa que havia passado da burguesia rica e ociosa, para uma empresária, esquecendo o passado e caminhando decidida para o futuro, não esqueceu o filho prisioneiro no colégio interno. E aos treze anos Ricardo saiu do colégio interno, edifício cercado por altos muros onde a solidão fora a sua constante companheira e regressou a casa.

A Mãe recebeu-o com estímulo e com exigência. Ricardo passaria a ser um jovem estudante duma escola pública, onde deveria também a recuperar os anos em que vivera fechado do mundo.

 Não lhe foi fácil. Ricardo era tímido, introvertido mas ganhara uma força interior que pouco a pouco lhe deu se impôs até nos contactos com os companheiros de escola. Afinal o padreco, como fora recebido, enfrentava os colegas e uma boa luta não o atemorizava. Depressa deixou de ser o menino rico e mimado para ser visto pelos colegas e colegas como um entre eles. E Ricardo depressa se fez líder.

 Era um bom aluno, com especial atração pelas matemáticas e isso iria ser o seu desafio que a Mãe incentivava, porque ambicionava ver a seu lado o filho, preparado e disponível para novos desafios. Ao jantar Ricardo pouco falava, mas ouvia atentamente as lições que a Mãe lhe dava. E não mais as esqueceu. Dizia ela, palavas que Ricardo ainda guardava, tantos anos depois ( O mundo é dos ousados e para se triunfar na vida é preciso muito saber, sorte também, mas parar é morrer um pouco. O teu Pai não seguiu esse caminho e como vês, morre lentamente.)

E foi ela que escolheu o curso mais adequado e a Universidade que o podia preparar. A universidade seria em Lisboa.

Pela primeira vez em dezassete anos de vida, Ricardo teve a oportunidade de sair da sua terra, longe dos amigos e dos prazeres que uma pequena cidade lhe poderia oferecer. Em Lisboa não tinha amigos nem conhecidos, a Mãe compreendeu que esse facto lhe iria abrir uma janela para o mundo e exigiria dele independência, responsabilidade e gosto pelos desafios. E para isso fixou-lhe uma verba para os seus gastos, alojamento, despesas correntes, pagamento das propinas. Mas exigira desde logo uma contrapartida. Ricardo seria livre mas o seu aproveitamento escolar teria que ter sempre alinhado com os mais capazes.

E foi assim que com pouca mais de dezassete anos, Ricardo viajou para Lisboa, onde nunca havia estado, fez novas amizades, abriu os olhos para o mundo imenso que o esperava e que ele começara desde logo a sonhar conquistar.

Fora educado num ambiente austero, com muito respeito mas sem carinho. E na cidade nova a primeira conquista foi o primeiro amor, que lhe deu tudo o que nunca tivera. Amor, paixão, companhia. Mas o mal já estava instalado no coração do jovem Ricardo. Era a ambição e a inquietude e o primeiro amor acabou por se perder no emaranhado em que a sua vida se veio a transformar.

 Fora ontem (?) mais de vinte anos atrás que Ricardo iniciou o seu caminho, perseguindo um sonho que no final o transformara num homem rico, frio, egoísta e cansado. E sobretudo só. Tudo quisera, tudo conseguira mas perdera os melhores anos da sua vida.  

O avião atravessara naquele momento uma área de turbulência. Ricardo abriu s olhos e sentiu que o suor lhe escorria pelo rosto. Seria pelas recordações?

Foi refrescar-se, olhou no espelho e para além dos cabelos brancos que começavam a aparecer, viu o que nunca houvera visto. Um rosto de uma mulher triste, com uns lindos olhos negros. A miragem desvaneceu-se mas Ricardo reconheceu uma imagem que muitas vezes visitava em sonhos. Era o rosto suave e terno do seu primeiro e único amor. Mariana era o castigo que o perseguia quando, como naquela viajem, recordava a sua juventude.  

PS:

                Este texto foi pensado num dia e escrito muitos dias depois. Um tropeção na vida fez com que algumas ideias não tivessem tido o seguimento previsto no guião original. Mas que importa isso? Escrevo, volto a escrever a inventar e sinto-me feliz.

Ah, agora me lembro, como sempre não houve guião o que é uma liberdade que não quero perder.

Se alguém esperou pela continuação da história a que chamei o PREÇO DO SUCESSO, aqui vai ela. Sem olhar atrás, sempre em frente que o tempo começa a escassear! Obrigado.