segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

À BEIRA DO ABISMO




Encruzilhada
Era o amanhecer dum dia que se anunciava solarengo, algo ventoso e anda com algum frio. Afinal era o final do Inverno e as andorinhas tinham começado a voltar.
Um carro parou no largo do Cabo da Roca, o motor foi desligado e as luzes apagadas. O condutor esteve algum tempo imóvel, como se hesitasse o que fazer, depois abriu a porta e começou a percorrer o carreiro que o levara para as imediações do Farol.
O andar era lento, por vezes até cambaleante. Tropeçando aqui e ali numa pedra deslocada, caiu mas levantou-se num instante e retomou o caminho.
Andando, cada vez mais descontrolado, parou longe do Farol, num pequeno promontório. Sentou-se no chão sentia as pernas penduradas no vazio. Ouvia o bater das ondas nas escarpas rochosas, ameaçando subir e engolir os obstáculos.
O barulho era forte, o vento soprava ampliando o ruído das ondas, na sua porfiada investida contra as rochas.
O desconhecido continuava imóvel, alheado de tudo o que o rodeava. Olhava o mar mas ouvia apenas a tempestade que sentia na cabeça. Ele tinha um propósito, sabia o que queria fazer, o que o levara ali, mas estava perante uma encruzilhada. Passaram horas, o sol despontou o mar recuou e o vendaval que o desconhecido sentira dominar-lhe os sentidos, também lhe deu tréguas. E à medida que o sol nascente lhe aquecia o coração, a luz do dia lhe mostrava o azul do mar, o verde das plantas, os voos das gaivotas e o chilrear dos pardais, viu um malmequer a abrir, e também ele despertou para a vida. A coragem foi desaparecendo.
Estivera à beira do abismo, o caminho que escolhera para sepultar as suas mágoas e as suas desilusões. Faltara-lhe a coragem para o salto.
Regressou ao carro, ligou o motor, arrancou pela estrada semeada de curvas e regressou a casa.
Ao abrir a porta, voltou a sentir a angústia que o tinha levado à beira do abismo. Era uma casa vazia de vida, uma prisão da qual quisera sair, para não mais voltar. Deitou-se na cama e olhando o tecto, como se estivesse frente ao ecrã de uma televisão, assistindo ao desenrolar do filme, do seu passado.

(Continua)

domingo, 27 de fevereiro de 2011

ANOS SESSENTA - III

Regressei da guerra no final de 1966. Regressei sem feridas físicas ou morais e com a alegria de, como tinha prometido, trazer vivos os soldados que me acompanharam na jornada.
Cresci muito nesses anos. Porque foi naquele tempo, no meio daquela incerteza, compartilhando com os meus bravos soldados, os perigos, a fome e a sede, o desânimo e a saudade, que aprendi a liderar, procurando fazê-lo com justiça e pelo exemplo. A eles devo a estima e a amizade.
Só por isso, não foram anos perdidos.
Os restantes anos da década, foram de uma turbulência que quase não nos deixava tempo para pensar. E eu fui apanhado por essa avalanche.
É a guerra do Vietname. São as manifestações contra a guerra, que envolveram milhares e milhares de jovens de todo o mundo;
Começávamos a ouvir os sinais do Maio de 1968. Este acontecimento, que assumiu proporções históricas, fez tremer o regime Gaullista, fez a maior greve geral que se conhece e tudo pôs em causa, e apesar de uma situação económica favorável, os estudantes de Nanterre, gritavam o slogan “É Proibido Proibir”. Fim da Utopia.
Em Portugal deu-se o milagre da queda da cadeira. Salazar, finalmente caiu.
Mas, depois tudo voltou à normalidade.
Porém, e este é o meu lado romântico que não tem cura, o acontecimento que mais fundo me tocou, foi o assassínio de “Che Guevara”. Imortalizado na célebre fotografia de Alberto Korda, mesmo que ela tenha sido encenada, o poster ainda o guardo, no meu baú de recordações.
E depois do pouco que escrevi, e pela rama, deixo-vos o “Hasta Siempre Commandante”.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

ANOS SESSENTA - II

Aproveitando uma oportunidade de trabalho, não era grande coisa, mas era o que se podia arranjar, vim para Lisboa nos primeiros dias do ano de 1961.
Pouco tempo depois eclodiu a guerra colonial. Alguns dos meus amigos fizeram as malas e foram a salto para França.
Eu decidi ficar, não por razões de patriotismo, mas porque sempre sonhara viver uma guerra, aquela era a oportunidade, e não lamento a decisão.
O vencimento que recebia, dava à tangente para comer e pagar o espaço de uma camarata colectiva, ali para os lados da Bica, muito cómoda e espaçosa, (espero que não acreditem). Éramos dez em dois quartos, todos a trabalhávamos na mesma companhia porque, verdade se diga, foi a Única que aceitou receber tantos jovens, cujo destino já estava traçado, a tropa e a ida para a guerra.
O apartamento não tinha aquecimento nem água quente. Por isso, no sábado, íamos de eléctrico até Santa Apolónia, porque ali perto, tínhamos descoberto um balneário público, limpo de com água bem quente. Nos outros dias da semana era só passar por água os olhos e as mãos.
Éramos um grupo muito heterogéneo e as diferenças levaram que eu e mais três companheiros saíssemos da camarata, para uma pensão da Calçada do Sacramento. Éramos quatro num quarto, mas como o dono também servia refeições, acabamos por ter a vida mais facilitada em termos financeiros. Além do mais tínhamos escolhido uma zona nobre da cidade, isso era subir na vida.
Viver na grande cidade, para jovens do interior, era um constante desafio. O dinheiro era pouco mas a sede de viver era grande. E não enjeitamos o que a cidade nos tinha para oferecer.
E não lamento nada.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

ANOS 60 - ANOS REBELDES

Hoje decidi dar a mim, e aos que fazem o favor de ler os meus escritos, uma pausa.
Não fiquem a esfregar as mãos de contentamento, porque eu ameaço voltar em breve.
Preciso de consolidar algumas ideias, para ver se sou capaz de escrever novas histórias, com conteúdos diferentes, ainda que isso não signifique menosprezar o que, bem ou mal, tenho escrito e publicado.
Também não ficarei parado durante a pausa a que me impus, pois sempre hei-de arranjar maneira de publicar temas leves, que não me doam.
Exemplo, porque não falar de música? Não, numa perspectiva crítica, para isso não estou habilitado, mas de gosto pessoal.
No início dos anos sessenta, tinha eu dezoito anos, comecei a guardar os sonhos que sonhara, muitos ainda hoje guardo, e olhar para o mundo real. Eram os anos rebeldes que tanto prometiam e que,tão pouco restou. A minha entrada na década de sessenta, deu-me para beber e saborear a música que se fazia, por razões culturais a de expressão francesa. E a verdade, hoje ainda gosto de muitas canções desse tempo.
A primeira que vou referir, ouvi em 1962, foi mais do que uma canção, foi um belo poema de amor, e como a poesia, não tem idade.
“Ne Me Quitte Pas”. O seu autor, Jacques Brel.
Ora oiçam, digam se não tenho razão!



quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

OS CRIMES DO X






Epílogo

Alguém que tem por hábito ler o que eu publico neste blog, chamou a atenção para o último capítulo da história, pretensamente policial, a que chamei os Crimes do X.
“Dizia, e passo a citar, “Consegue surpreender porque eu esperava que fossem encontrados os culpados e afinal não, isto é, fica em aberto.”
Devo explicações.
-Começo por lembrar que, neste nosso País, encontrar culpados vai sendo cada vez mais raro;
- Depois, porque pensei todo o texto a pensar na consumação de um crime perfeito, e queria que o Inspector terminasse a sua carreira, vergado ao peso do insucesso, ele que aprendera, “não haver crimes perfeitos mas sim investigadores incompetentes”.
- De qualquer modo deixei no último parágrafo, a promessa que a mulher que ele conhecera e por quem se sentia atraído, lhe contaria o resto da história.
Eu quis deixar em aberto a dúvida. Pensava na mulher misteriosa e o seu encontro com o homem vencido, para protagonizarem um final diferente. Porém, decidi ficar por ali, continuar seria como copiar a técnica de uma telenovela, e isso eu não queria fazer.
Afinal, sempre podem existir e existem crimes perfeitos, mesmo quando, como neste caso, o Polícia julgava conhecer os responsáveis. Mas com planeamento cuidado e a inteligência dos executores, dificilmente seriam constituídos suspeitos, a não ser que tivesse cometido um erro.
O final prometido no telefonema e convite que a mulher que se apresentou como Mariana, depois Luciana e finalmente Clara, iria contar a Inspector, seria, apenas, a confirmação de que os alvos dos caçadores tinham sido abatidos. Um à entrada em casa, o terceiro crime, o outro desaparecido misteriosamente, talvez enterrado num qualquer local. Os dois primeiros crimes tinham sido cometidos, premeditadamente e só, para fazerem parte do cenário.
O Inspector, fascinado pela mulher misteriosa, facilmente aceitaria a explicação. Tudo era compreensível e o prometedor olhar da mulher, era agora mais importante para ele.
Pronto, espero ter clarificado os “Crimes do X”.
Ou será que não?
Esta agora, fui eu que fiquei na dúvida! Não podia ter havido outros envolvidos? Como é que a mulher misteriosa sabia de tudo?
Querem ver, também eu fui enganado!

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

EM BRUXELAS

Há pouco tempo vi na Televisão o filme “Em Bruges” e lembrei-me que, tendo estado na Bélgica por mais de uma vez, nunca visitei Bruges, apesar de que todos os meus amigos me diziam ser, visita obrigatória.
Pronto, tive oportunidade, mas não aproveitei.
Uma das vezes que estive em Bruxelas, aconteceu quando, para regressar de Luanda, utilizei o voo da Sabena, com escala em Kinshasa.
Durante esta escala, assisti à entrada no aparelho, de militares fortemente armados, escoltando dois funcionários, cada um transportando uma caixa negra, que era guardada num cofre existente perto da cabina de pilotagem. Depois os dois funcionários saíram, os militares também, o avião descolou para o seu destino.
Ingenuamente, perguntei a um comissário de bordo, a razão naquela escala, porque nem tinha saído nem entrado um só passageiro. O Comissário riu e perguntou se eu não tinha reparado nas caixas negras, porque elas eram a razão da paragem do avião. Sabe, lá dentro vão as economias mensais do Presidente Mobutu.
Eu sabia o que toda a gente sabia, mas que o descaramento fosse tanto, nem dava para acreditar.
Cheguei bem cedo à cidade e escolhi um pequeno mas agradável hotel, bem no centro da cidade. Tinha combinado com a minha Mulher que ela iria a Bruxelas, onde eu a esperaria, para podermos passar um bom fim-de-semana. Tivemos assim oportunidade de experimentar a comida tradicional, mexilhões com batata frita, e reservamos o dia para admirar o que a cidade tem para nos oferecer, designadamente a Grand Place, que impressiona pela sua arquitectura e monumentalidade. Contudo, os nossos amigos Belgas salientaram que a Praça só existia com aquela grandiosidade, porque tinha sido construída pelos Espanhóis.
Na Segunda-feira, tinha um encontro de trabalho na cidade de Malines. O motorista de táxi, não conhecia a cidade e quanto perguntava o caminho para o endereço que eu pretendia, falava em Flamengo. Eu, um pouco desconfiado, disse-lhe que deveria fazer as perguntas em Francês, para eu entender e poder ajudar. A resposta dela foi a melhor prova da impossibilidade de um dia haver um Europa Comum. Ele disse que, a Cidade em que estávamos se chamava Mechelen, zona Flamenga, e que se perguntasse em Francês, ninguém se dignaria responder.
Regressei a Bruxelas por comboio. Ao deixar-mos o hotel com destino ao Aeroporto, reparamos que no átrio do hotel, entre outras personalidades que o tinham frequentado, havia uma placa, bem destacada, dedicada a Astor Piazzolla.
Confessamos que não conhecíamos. Hoje, muitos anos depois, podemos dizer que sim, conhecemos, e que é com grande prazer que ouvimos um Tango diferente, porque é tocado por Piazzolla no seu Bandoneon.
Querem ouvir?

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O CINEMA E A VIDA OU O FILME DUMA VIDA

Que raio que título havia de encontrar. Nem sei o que me deu, e agora ou apago ou vou ter de inventar qualquer coisa.
Bem vistas as coisas o título até fará algum sentido. Sou e fui sempre um amante de cinema, só não posso dizer de bom cinema, se é que essa classificação faz algum sentido. Agora que os filmes que vi, e tantos foram, preencheram um espaço importante da minha vida, alguns me meteram medo, outros me ensinaram o lugar de cada um, ainda aqueles que mostraram que o mundo não resumia ao meu canto e, finalmente os que me fizerem sonhar, isso eu reconheço.
Por exemplo, recordo o pavor que tive, ao fazer o caminho para casa, noite cerrada, percorrendo uma razoável distância, sem ver vivalma nos pinhais ou olivais que teria de passar, vendo em todo o canto a figura do Conde Drácula, cujo filme acabara de ver. Se ganhei coragem para enfrentar os medos, foi porque escolhi armas para defender, duas pedras de bom tamanho, com as quais pensava poder partir os dentes do Christopher Lee, a-propósito, um excelente actor.
Em contrapartida, alguns anos antes, vira o filme, Melodia Fascinante, no original “The Eddy Duchin Story”, a estrela Kim Novak era a minha musa de então. Adorei a história e acabei apreciando a música de piano, ainda hoje o meu instrumento favorito. O actor, podia não ser grande coisa, mas para as mulheres, era um belo Homem.
Finalmente quando me perguntam qual o filme da minha vida, há um que digo de imediato, e sem sequer pensar duas vezes. O filme é “O Verão de 42” de “Robert Mulligan. Porquê, se não é sequer um filme que marque a história do cinema?
Talvez respondo, porque O Verão de 42 foi quando nasci e o jovem personagem era tal qual o que sonhara ser.
Sem não tiverem paciência para ler este amontoado de palavras, esqueçam, mas ouçam a música do piano de Carmen Cavallaro e vejam o trailer do filme da minha vida.






segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

RELÂMPAGOS

Até eu me sinto cansado e desagradado com o que escrevo. Reconheço que tenho de mudar, só não sei como. E de repente, um relâmpago inesperado, levou-me muito longe, tantos anos atrás que nem quero contar. E deu-me o que escrever.
Lembrou-me um jovem sonhador, que guardava as estrelas que admirava nas noites de lua nova, e ficava fascinado com as luzes e com o mistério do universo, mas que acabara por esquecer os sonhos.
Também guardara as histórias que inventara, dos castelos que no seu subconsciente, conquistara.
Espero, digo eu, que as quimeras o tenham acompanhado pela vida fora e que a realidade nunca as tenha destruído.
Esta é a história que vos quero contar:
Esse jovem, teria aí uns catorze anos de idade e numa aula Português, alheado como sempre do que a Professora lhe ensinava foi mais uma vez, repreendido e castigado. A repreensão foi o que mais lhe custou, envergonhado como era, o sorriso das raparigas feria o seu ego.
O castigo poderia nem ser o mais complicado. Ler em voz alta páginas de um livro, era-lhe fácil, provavelmente até as conheceria de cor; falar sobre o texto também não temia, sabia que tinha um certo jeito para interpretar as frases; agora um exercício de gramática, isso já era mais complicado.
Mas afinal, o castigo que a Professora lhe destinou foi a redacção de um texto, sobre um assunto à sua escolha, mas que teria de ter um mínimo de duas páginas. E fixou o prazo do fim de semana para o apresentar, pois se o não fizesse, iria chamar a Mãe dizendo-lhe do seu mau comportamento durante as aulas.
Pobre Mãe, já tinha sido chamada tantas vezes e ouvido as queixas do costume:”Que o aluno passava as aulas sem prestar atenção, andava permanentemente nas nuvens, quando interrogado sobre a matéria dada, arranjava sempre maneira de responder, mas não respeitava, exactamente, a pergunta. A senhora tem que o castigar, pois na disciplina de Francês as coisas são ainda piores. Os trabalhos de casa ficam por fazer e ele desculpa-se dizendo que já sabe tudo. Tenho muita pena pela Senhora mas assim ele não vai conseguir passar de ano.”
Desta vez, o aluno distraído, decidiu evitar o risco de uma reprimenda e assim poupar à Mãe, pelo menos, uma hora de caminhada. Ele bem sabia que ela nunca fizera outra coisa, que não fosse correr pela vida a trabalhar.
Vou escrever o texto, decidiu. Nessa noite, sentado à luz do candeeiro a petróleo, cuja luz tremia com o vento, pegou no caderno e na caneta, mas não conseguiu escrever nada. Foi dormir, não sem antes ler mais umas páginas do livro, que trazia disfarçado, junto do caderno diário.
No dia seguinte, uma tempestade de fim de verão, iluminou o céu com a luz dos relâmpagos, anunciando com som dos trovões a chegada da chuva que se desprendeu com força, das nuvens escuras e ameaçadoras. Mas, perto do meio-dia, a tempestade amainou e o sol surgiu em todo o seu esplendor.
Pegou no caderno, sentou-se numa parede da rua e, ouvindo o canto dos pássaros, a melodia da água que corria alegremente pelos regatos, sentindo o respirar da terra sedenta o vendo o desabrochar das flores, escreveu. Não as duas páginas obrigatórias, mas todas as que foi capaz de encher, solto dos grilhões e deixando-se guiar pelas sensações, que a natureza lhe tinha inspirado. Pôs no texto a sua sensibilidade e libertou as palavras guardadas. Ficou exausto, mas sereno como o pôr do sol daquele dia.
O texto foi elogiado pela Professora, que aliás guardou para fazer parte do concurso que a Escola estava a promover.
O jovem não recebeu, por mero acaso, o Nobel.
Mas o adulto em que se tornou, nunca mais foi capaz de escrever, com a força a naturalidade e a poesia, com que o fizera, tantos anos atrás.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

OS CRIMES DO X





Último Episódio

O gabinete estava frio e sombrio. Tão sombrio quanto o seu único ocupante, Vítor Monteiro, Inspector com uma assinalável folha de serviços, apontado como exemplo aos mais novos e que sentia aproximar o fim da linha. Não pela idade, passava alguns anos a meia centena, mas porque não era capaz de conviver com o fracasso. E era insucesso o que ele temia.
O Figueiredo e o Frederico ainda não tinham chegado mas, mesmo sem ter ouvido o que teriam a dizer da última diligência, ele sentia, quase sabia, que não tinha condições para continuar a fazer o que sempre gostara de fazer. Investigar, tinha sido a sua vida, habituara-se ao êxito e convivera muito mal com o erro e com as falhas.
Agora, tendo o discernimento suficiente para reconhecer que a investigação sobre os três crimes em série, que causaram algum receio, estaria num beco sem saída, do qual ele se considerava pessoalmente, responsável, por mais que isso lhe fosse doloroso, tinha chegado a hora de dizer adeus. Este seria o seu último caso.
Preparou uma exposição para entregar ao Director Geral.
No documento salientava:
1 – O receio que os três crimes, na forma como foram cometidos e o ritual seguido fosse interpretado como assassínios em série;
2 – Esse foi o sentido que a equipa de investigação decidiu não seguir;
3 – A experiência e as informações fidedignas que íamos recebendo, afastaram a hipótese dos crimes terem sido cometidos por conflito de interesses entre bandos rivais. Nada havia que o justificasse;
4 – Por outro lado, a violência dos crimes levou-nos a pensar que o móbil dos crimes só podia ser um acto de vingança;
5 – Foi este o caminho que escolhemos. Percebemos que, a vingança teria sido cuidadosamente planeada por pessoa ou pessoas que se considerassem vítimas directas ou indirectas, e terão decidido fazer justiça, pelas próprias mãos. Aliás, a raiva com que terão executado as vítimas, era disso um sinal inequívoco;
6 - Os executores agiram friamente, os crimes foram calculados com rigor, as marcas e a mensagem que deixaram junto aos corpos, tinha um efeito simbólico: a concretização de um acto de justiça;
7 – Os investigadores trabalharam a hipótese mais plausível e apontaram dois eventuais suspeitos. Tinham o móbil e capacidade para planearem o acto, mas não foi possível encontrar uma prova que não fosse, meramente, circunstancial;
8 – E foi na procura do nexo de casualidade com um dos suspeitos, que a sua ligação aos os dois primeiros crimes, se revelou inconsistente, deitando por terra a nossa suspeita;
9 – Mantendo, contudo, a convicção de que os crimes sob investigação teriam sido um acto de vingança, a indiciação referida no parágrafo 7, não se deverá manter.
Nestes termos, proponho que a investigação seja suspensa até à obtenção de melhor prova.
Custou-lhe escrever a conclusão. O fracasso era evidente, as palavras queimavam como uma ferida.
Olhava o relatório, revia o que tinha escrito e estava tão absorto que nem dera pela chegada dos amigos já se encontravam na sala.
Ouviu um leve pigarrear, levantou o olhar fixando-o nos colegas, e com voz trémula, disse:
- Eu vejo no vosso rosto a desilusão, mas já esperava. Ontem há noite tive a rever os dados sobre os crimes do X, como vocês lhe chamaram, e dei-me conta que cometera um erro de principiante. E já se deram conta disso não é verdade?
- Pois é Chefe, só quando nos preparamos para sair é que o Frederico comparou os nomes dos primeiros mortos, encontrados na outra margem, com os acusados e condenados raptores do Hugo Figueira. E o erro aconteceu porque a primeira vítima foi identificada como José Maria Costa e um dos assaltantes chama-se José Mário Costa.
Está vivo, cumpriu pena de prisão, arranjou trabalho como motorista de táxi e mudou de vida. Estivemos com ele, disse nunca ter sido ameaçado, nunca tinha visto o Hugo Figueira ou tivesse sido ameaçado. Do antigo companheiro, alguém lhe comentara que o mesmo tinha saído da prisão e voltado para o Brasil.
Fomos á Prisão de Pinheiro da Cruz à procura do Valdemiro Catulo, cuja pena estaria prestes a terminar. Debalde o procuramos, pois aproveitando uma saída precária, não mais regressou.
As Autoridades não nos confirmaram o registo de saída do País do cidadão indicado. Não se considerou estranho, como a mesma fonte confirmou, também não havia registo da entrada, de um cidadão brasileiro com aquele nome.
E pronto, concluiu Figueiredo, ou o Hugo e a Madalena são ainda mais espertos do que pensávamos ou volta tudo à estaca zero.
O Inspector estendeu-lhes o relatório. Isto é o que amanhã, entregarei pessoalmente ao nosso Director Geral.
Eu assumo toda a responsabilidade pelo insucesso. Para vocês desejo o futuro que bem merecem.
Adeus e obrigado.

Algum tempo depois

Vítor Monteiro, refeito do choque que sentira ao abandonar a Polícia, estava a tentar recomeçar a sua vida, tudo fazendo para esquecer o seu último caso,”Os Crimes do X”. Porém, numa tarde de sábado, recebeu uma chamada que não esperava.
Do outro lado, uma voz de mulher, queixou-se que ainda estava à espera do convite para jantar. Ou já se esqueceu?
Reconheceu a voz, não se esquecera disse, e gostava de a ver, mas não sei que nome lhe dar, Mariana ou Luciana?
A mulher riu e sugeriu:
- Venha hoje jantar e já agora o meu nome Clara.
Depois, quem sabe, talvez sinta curiosidade em ouvir, o resto da história que nos aproximou.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

OS CRIMES DO X






20º. Episódio

Quinta-feira, 19 de Novembro 2009

O Inspector passou a noite em claro. Fechava os olhos, as imagens da Madalena e do Hugo executando os crimes, apareciam-lhe, difusas e desfocadas,e até ouvia um sorriso que pouco a pouco aumentava, até se transformar em gargalhada. Abria os olhos para afastar as imagens que lhe ocupavam o pensamento, abria o livro de cabeceira e lia umas páginas que, quase de imediato, esquecia. Levantou-se, o leito estava a ser um suplício, preparou uma bebida que sorvia enquanto fumava um cigarro. Repetiu a dose, pois os efeitos de dormência que esperava, não se fizeram sentir.
Isso assim não pode continuar, murmurava enquanto espreitava pela janela, a noite escura e silenciosa. Viu as horas com a esperança do amanhecer, mas, para seu desespero, ainda eram só duas da manhã.
Um pouco mais tranquilo, coordenou as ideias focando-as no mistério dos “crimes do X”. E começou a rever os pontos chaves do processo:
- Tinha a certeza e provas que os crimes teriam sido realizados por duas pessoas;
- Percebia e tinha provas da maneira como foram cometidos;
- A frase " Vento Divino", deixada cravada nos corpos,representava uma mensagem para desviar atenções;
- Não duvidava que as execuções queriam chamar-lhe assim, teriam sido planeadas
com rigor e por pessoas muito inteligentes;
- Suspeitava de duas pessoas, que se conheciam, que tinham razões para fazerem justiça por suas próprias mãos e que tinham a frieza de o fazer.
Afinal o que sei é tudo e é nada. Se os crimes se repetirem na mesma cadência e da mesma forma, toda a argumentação cai pela base. Deixará de existir o factor vingança.
Voltará tudo ao princípio, em vez do foco incidir sobre os meus suspeitos, teremos de recomeçar, até que alguém cometa um erro.
No bloco de notas assinalou a suas convicções e dúvidas. E, de repente, a palavra vingança despertou-lhe atenção. Espera lá, pensou em tom angustiado, todo o meu raciocínio assenta numa premissa que não confirmei. Se Hugo foi raptado por dois assaltantes, os dois primeiros corpos, encontrados na outra margem, teriam de ser dos raptores de quem ele se quereria vingar. Mas não fiz essa confirmação,”Mea culpa”. É bem provável que o meu esquecimento tenha infestado toda a investigação. E se assim for, mostra que eu não fui competente e cometi um erro que nem num principiante se pode aceitar. Eu deixei-me envolver por razões sentimentais e o raciocínio frio objectivo e seguro, foi esquecido. Do facto terei de tirar as minhas conclusões.
Ficou mais tranquilo. Ele e só ele seria o único responsável pelo eventual insucesso.
Descansou umas horas e ainda não eram oito horas, já se encontrava no gabinete, aguardando o resultado das diligências dos colegas.
Hoje seria o dia D. A noite do caçador ou a noite do meu último caso.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

OS CRIMES DO X




19º. Episódio

Quarta-feira, 18de Novembro 2009

A resposta à mensagem que o Inspector havia enviado, chegou pelas dezoito horas. Figueiredo informava que tinham tido algumas dificuldades e, na altura ainda estavam metidos num engarrafamento, às portas da cidade.
Monteiro respondeu que fossem para casa e que falariam no dia seguinte.
Como o temporal ainda não abrandara, também ele decidiu ir para casa. Mudou de roupa, não de humor, ligou a televisão, percorreu os canais nacionais e como costume as notícias eram o temporal, as inundações, o trabalho exaustivo dos bombeiros, as histórias que cada morador das zonas mais atingidas tinha para contar, lamentando os prejuízos sofridos e pedindo ajuda. As notícias falavam da existência de mortos, números ainda não confirmados. Tudo era repetido, as imagens já tinham passado e até perder a conta, as palavras eram as mesmas, os repórteres mudavam de lugar, para fazer a mesmas perguntas e ouvirem a mesmas repostas. As Televisões repetiam e voltavam a apresentar tudo o que já tinha sido visto.
Apagou o aparelho, o temporal também se sentia na sua cabeça. Fechou os olhos e repensou toda a investigação. Qualquer coisa lhe dizia que alguma coisa teria sido esquecida. Não sabia o quê, mas detestava andar às apalpadelas, como tinham feito.
Num momento, lembrou-se que algo que ligava quem, no seu entender teria o perfil adequado para planear e levantar à prática os crimes. Madalena e Hugo eram ambos Analistas Financeiros, pessoas habituadas ao raciocínio matemático e ao cálculo do risco. Será que eles se conheciam?
Ligou o computador e foi procurando informação sobre a realização de seminários e encontros organizados por Universidades sobre a matéria. Havia muito, muitas ofertas para uma área que estava presente no dia a dia das Empresas. Tomou nota das datas de realização privilegiando as acções programadas entre 2008 e 2009, de modo a pedir à organização a lista dos quadros que frequentaram tais acções.
Depois, decidiu-se pelo recurso a um outro motor de busca, procurando ofertas de pós-graduações, cursos intensivos para Análise Financeira, etc.coordenados pelos mais respeitados especialistas Ingleses ou americanos.
Também encontrou de tudo. Ouvira falar, já nem sabia quem, que teria frequentado um estágio em Londres dirigido por professores da London School of Economics, ele tinha fixado este nome. Entrou no site e encontrou um estágio dirigido a quadros superiores, que teve lugar entre 2 de Setembro e 31 de Outubro de 2008. Andou a navegar no site e obteve o que queria. A Escola tinha a classificação atribuída aos participantes na acção e foi sem surpresa que identificou nos primeiros lugares, Madalena Matos Pires e Hugo Manuel Lopes Figueira.
Aqui está, rejubilou, eles conhecem-se, só falta saber até que ponto. A dificuldade de os ligar aos crimes, é muito ténue. Nenhum Juiz aceitará apenas provas circunstanciais, porque por terem estado juntos em finais de 2008, nada os pode incriminar ou sequer serem considerados suspeitos, de crimes cometidos um ano depois.
Vamos a ver o que o Figueiredo e o Frederico conseguiram apurar. Ou é algo que tenha bases para sustentar uma acusação ou o caso ficará arquivado até melhores provas.
Amanhã é o dia D.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

OS CRIMES DO X





18º. Episódio

Quarta-feira, 18 de Novembro 2009

O dia amanhecera chuvoso e o vento soprava com intensidade. Tinha sido assim desde as primeiras horas de manhã e não se esperava uma melhoria.
De tanta precipitação as ruas transformaram-se em pequenos rios e muitas poças de água, porque o escoamento não se fazia.
Andar nas ruas era uma aventura. Encharcados até aos ossos, os transeuntes que se aventuravam a tentar chegar a horas ao trabalho, protestavam contra tudo e contra todos.
Protestavam com a Câmara que não cuidara da limpeza das ruas nem do desentupimento das sarjetas, criticavam o Serviços de Meteorologia porque não avisaram o temporal que se aproximava, troçavam da eficiência dos Serviços de Protecção Civil que só servem para aparecerem nos telejornais. Enfim, para aquelas pessoas de mau humor, que tinham demorado duas horas no trânsito da IC 19, outro tanto na marginal, ou que tinham utilizados os comboios apinhados, tudo era culpa de alguém. Só eles não tinham culpa nenhuma.
A chuva persistia e o soar das sirenes dos Bombeiros eram a confirmação do caos no tráfego e o sinal de perigo de derrocadas ou de inundações. E o mau humor começava a transformar-se em preocupação.
Os mais antigos falavam das centenas de mortos vítimas das chuvas de 1968 e isso não tranquilizava as pessoas.
Foi neste ambiente que o Inspector chegou ao gabinete, depois de estar bastante tempo abrigado num café, cheio de gente receosa que aos seus ou às suas casas pudesse acontecer algo.
Despiu o impermeável ,mas a água tinha passado o casaco, bela gabardina pensou, as calças escorriam e os sapatos pareciam acabar de sair de um passeio sobre a água. Mas estava de mau humor, não apenas pela incomodidade, mas com um sentimento de frustração pela forma como as pessoas se escusam a colaborar com as autoridades, a não ser que o assunto lhes diga directamente respeito. E isso, porque no dia anterior, tendo pedido a um colega e amigo da cidade do Porto, que lhe obtivesse informações sobre a Dr.ª Madalena Matos Pires.
No aparelho de fax, tinha agora uma nota do colega, dando conta do que apurara.:
Caro Artur,
Tenho consciência que o que lhe vou dizer serão, apenas, informações irrelevantes. A Senhora é de uma família tradicional e considerada na cidade. É Consultora Financeira Sénior de um Banco estrangeiro, desempenhando funções de chefia, e por isso faz frequentes viagens em serviço.
Você conhece o drama da família, e sabe que a Dr.ª. Madalena é o suporte. Por isso alguns amigos, sentindo por ela uma verdadeira admiração, sabiam que ela não era pessoa para assistir impávida ao destroçar da família. Um colega de Faculdade que a conhecia bem, diz-me que ela era capaz de lutar contra quem lhe fizesse mal. Também referiu que, num círculo de amigos, foi falado que a Madalena teria tentado encontrar que, a troco de dinheiro, aceitasse eliminar o rufião que ela culpava, pela morte da irmã. E foram esses amigos que a teriam dissuadido da ideia.
Alguns dos vizinhos não quiserem sequer responder a perguntas simples, dizendo que a vida dos outros não lhe interessava e outros recusaram-se, liminarmente a responder fosse ao que fosse. O que soube pelos colegas no Banco vale zero.
Lamento a pouca ajuda que dei, mas como você sabe, as pessoas são muito renitentes a colaborar, mesmo possam desconfiar de qualquer coisa. Infelizmente, não se querem meter em trabalhos.
Um abraço do
Monteiro pensou para si, provavelmente a Dr.ª Madalena arranjou mesmo quem lhe fez o serviço. E provas?
Esperava que o Figueiredo e o Frederico lhe trouxessem algo sobre a outra pista que estavam a seguir. Se nada de concreto se apurar, vou falar com o Director para encerrar o gabinete e guardar os crimes do X, para melhor oportunidade.
Mas hoje é quarta-feira e eles ainda não deram notícias? Com este temporal deves estar atrasados, vou mandar uma mensagem.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

OS CRIMES DO X



17º - Episódio

Lisboa, Segunda-feira 16 de Novembro 2009

Quando entrou no gabinete o Inspector notou a ausência dos colegas. Já não era cedo, e ao contrário do que era habitual, tinha tido uma noite sossegada e dormido como já nem lembrava, ter acontecido.
Sentou-se no seu lugar, deu uma espreitadela ao quadro. Frederico levara a sua ideia avante e em letras gordas, dera o nome à investigação. Os crimes do X.
Monteiro sorriu e até achou que o título ficaria bom num filme policial. Mas, pensou, ou muito me engano ou será um filme de crimes calculados e de fim imprevisível.
Na realidade e com mais de uma semana de trabalho,após terem iniciado a investigação, não tinham uma pista sequer, que pudesse apontar para o autor ou autores dos crimes. Tudo o que tinham, se resumia a conjecturas, palpites, teorias de conspiração, isto é, caminhos sem saída.
Com tantos anos de experiência, via-se agora, e pela primeira vez, perdido sem norte e o receio de estar perante crimes perfeitos.
O seu percurso na Judiciária estava no topo e para além do amor-próprio nada teria a perder. Mas pensava dos colegas e esses tinham ainda muito para dar. Ele sentia que não os teria ajudado.
Aprendera com os seus mestres que não há crimes perfeitos, mas sim investigadores incompetentes. Como lhe doía, relembrar a lição.
Olhava para o painel na parede, com um náufrago olha para um ilha perdida, no meio do oceano.
O painel estava cheio de relatórios, fotografias, exames periciais mas, na maior parte os colegas tinham escrito SEM RESULTADO.
Todavia, em dois relatórios e recortes de jornais, nada estava escrito. Aproximou-se, e antes de ler os conteúdos, encontrou uma nota escrita pelo Figueiredo. Dizia:
- Chefe: Nós decidimos que valerá a pena investigar este crime de 2006. Fomos à procura de algumas pistas e só contamos voltar amanhã. Lê, pode ser te ocorra algum indício, que a nós passado despercebido.
A propósito, a tua pista era uma estampa de mulher. Onde anda o circunspecto Inspector Monteiro? A dormir melhor?
Artur riu-se, os colegas tinham sabido do seu encontro do Tivoli.
Começou a ler o relatório policial, que relatava um rapto com sequestro. A vítima conseguira fugir, deixara um assaltante amarrado e chegar ao posto da PSP da Caparica. O comando mandou sair um piquete, prendeu o assaltante fechado na garagem, montou o cerco ao local e às três horas da manhã prendeu o segundo assaltante, que entretanto tinha regressado. Foram incriminados e levados a julgamento.
Havia uma cópia da sentença, que apesar das dúvidas, resultou numa condenação dos dois arguidos a penas significativas.
O que Monteiro leu a seguir, como mais atenção, foi um artigo de jornal, sublinhado pelos colegas. E com igual estranheza, reteve a informação do repórter, de que a vítima só estivera presente na leitura da sentença, apresentando contudo, sinais evidentes de alheamento do que à sua volta se passava. O jornalista explicava que o queixoso teria saído há pouco tempo do Hospital, onde estivera internado, em consequência de graves problemas cardíacos, que se manifestaram, logo que soube do destino da mulher e dos filhos.
E o jornalista precisava, que fora enquanto estivera sequestrado, que alguém lhe teria assaltado a casa, maltratando a mulher, tão barbaramente, que lhe causara a morte. Mais trágico, continuava o artigo, era que a senhora estava grávida de gémeos, que também não resistiram.
O Ministério Publico e a Polícia tinham a convicção que fora o segundo assaltante o autor do homicídio, porque ele teria roubado os documentos e as chaves. Mas não conseguiram provar em Tribunal, sem margem para dúvida, o nexo de causalidade. O réu afirmava que tinha perdido as chaves e a carteira, objectos que nunca foram encontrados.
O mais estranho, relatava a notícia da altura, é que a vítima do rapto não quis recorrer da sentença, parecendo conformado com a decisão do Juiz.
Finalmente o artigo descrevia o queixoso, como um técnico qualificado de uma Instituição financeira. Nunca aceitara prestar declarações à Imprensa, e mesmo entre os colegas as suas conversas nunca ultrapassavam as relações profissionais. Vivia só, não lhe eram conhecidas relações sociais, apesar de ser um homem novo, na casa dos trinta anos e de excelente aspecto físico, apesar do cabelo precocemente branqueado. Teria, que se soubesse, uma única distracção. Frequentava o ginásio todos os dias, praticando técnicas orientais de meditação e auto domínio. E a notícia nada mais acrescentava.
Monteiro sentiu que aquele homem preenchia todas as condições para planear e executar uma vingança. Mas era pouco. Se houvesse algum indício mais consistente poderia solicitar autorização judicial para a realização de escutas telefónicas.
Mas reconhecia ser muito difícil convencer um Juiz a assinar, só com base em suspeitas não fundamentadas. No fundo ele até pensava, que um homem que tanto sofrera não mereceria ser importunado. Concluido dizendo: - Pode a Lei ser cega mas ele não sou.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

OS CRIMES DO X







16º. Episódio

Lisboa, Domingo 15 Novembro 2009

Vítor Monteiro saiu do restaurante do hotel Tivoli já perto da meia-noite. Enquanto descia a Avenida até ao lugar onde tinha estacionado o automóvel, foi relembrando o prazer que sentira, ao falar com um mulher que sabia ouvir, que tivera sempre um sorriso nos lábios e um olhar que não se escondia.
Era estranho, nunca se haviam encontrado, ele nem o nome dela sabia a direito, mas não conseguia deixar de pensar naquele encontro.
Sacudiu a cabeça, como se quisesse afastar pensamentos, pois sabia que estava num momento difícil da vida, muito vulnerável a questões sentimentais. Precisava de tomar precauções, para se não deixar envolver, com uma mulher que mal conhecia.
Continuou a andar e nem se apercebeu que já deixara para trás o automóvel. Parou quando chegou aos Restauradores. Que cabeça a minha, murmurou, pareces fascinado por uma miragem.
Voltou a subir a Avenida, afinal o carro estava parado mesmo em frente da porta do hotel. Sentou-se ao volante, ligou a ignição e lembrou-se que se esquecera de dar o seu cartão de visita. Palerma pensou, e se ela te quiser ligar?
Conduziu a carro para casa mas a dúvida persistia. Encheu-se de coragem, parou e ia ligar um número. Discou dois ou três números, parou e fechou o telemóvel. De repente, tomou consciência que estava a ser precipitado. Durante a maior parte da conversa, deixara de ser polícia, esquecera a investigação e acabara por ser apenas, um homem só.
Sentou-se ao computador, e esteve horas a pesquisar jornais que pudessem trazer uma notícia sobre a morte da jovem estudante do Porto. Provavelmente, o assunto era tão banal que nem merecia uma notícia. Mas quando desesperava olhou para a página da necrologia e encontrou:
- Alice Maria Cardoso, Manuel José Matos Pires, Madalena Cardoso Matos Pires.
Agradecem a todos os amigos o apoio e a amizade, com que nos ajudaram a ultrapassar os momentos dolorosos, com o sofrido falecimento de sua filha e irmã Maria Luísa Cardoso Matos Pires.
Tentou obter o número de telefone e a morada. Teve sorte, tinham um telefone fixo e isso ajudou.
Era Domingo mas levantou-se cedo, foi para o aeroporto e comprou bilhetes de avião Lisboa/Porto/Lisboa para o primeiro voo e regresso no último. Foi uma decisão no momento, não pensara sequer o que fazer. Fazer uma visita, a que propósito?
Justificando que investigava a morte do responsável pela tragédia da família, até corria o risco de ser mal recebido.
Mas foi. Ainda não era hora do almoço e pensava poder encontrar toda a família em casa.
A casa era uma vivenda de dois pisos, numa zona residencial da classe média/alta. Tocou a campainha e a porta foi-lhe aberta por uma empregada. Monteiro identificou-se e informou que apenas pretendia um pouco do tempo do dono da casa.
A empregada pediu para aguardar um pouco no vestíbulo, que era iria pedia à menina para o vir receber.
A menina, teria cerca de trinta anos, era alta e aparentava um ar decidido. Apresentou-se:
- O meu nome é Madalena Matos Pires, a minha Mãe está perturbada e a descansar e o meu Pai vive num mundo que é só dele. Portanto, qualquer que seja o assunto que traz aqui, é comigo.
Vi no cartão que entregou à empregada, que o senhor é Inspector da Polícia Judiciária de Lisboa, e só por isso o recebi. É que presumo, esteja a investigar a morte dum canalha que arruinou esta família. E o que espero ouvir de si, não é que já encontraram a pessoa ou pessoas que o mataram. Não lhe será tarefa fácil, pois candidatos, serão centenas. O que espero ouvir de si é porque é que os guarda-costas eram Polícias? Porventura, eram os mesmos que me denunciaram, quando pedi a ajuda e foram indirectamente cúmplices da morte da minha irmã?
É isso que me vem dizer?
- Minha senhora, sei que o homem morto a semana passada em Lisboa fez mal a muita gente. Como reconhecerá ninguém tem o direito de fazer justiça pelas próprias mãos. Eu cumpro o meu trabalho que é encontrar os suspeitos, não que me cabe julgar. Isto é o que se exige num mundo civilizado.
Sim senhor Inspector, gostei das palavras. Ficam-lhe bem, mas em nada o posso ajudar na sua investigação. Só dizer-lhe que tenho muita pena, mesmo muita pena, de não ter sido eu a executar aquele verme.
Não sei se tem mais alguma coisa para perguntar, porque eu não tenho repostas para lhe dar. Muito obrigada pela sua visita. Lamento tenha vindo de Lisboa e a um Domingo importunar, em casa, uma família destroçada. Eu acompanho-o à porta, se fizer favor.
Pois é, sussurra entre dentes, ao sentir-se escorraçado. De alguma coisa serviu a viajem. Madalena é inteligente, dura e não tem medo das palavras. Se tivesse algum indício, ela seria a minha suspeita.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

OS CRIMES DO X




15º. Episódio

Londres, Outubro 2008

Apesar da conversa que tivera com Madalena, Hugo voltou a refugiar-se no silêncio. Não lhe era fácil confessar o drama que vivera. A ferida voltara a sangrar, os temores tinham reaparecido e o trauma que o tinha deixado à beira da loucura, ameaçou regressar.
Sentia o desejo de se abrir e ao mesmo tempo receava as consequências. Mas, quase sem dar por isso, sem que Madalena lhe perguntasse nada, enquanto passeavam num domingo pelo”Regent’s Park”, Hugo falou como um sonâmbulo. E começou a contar o resto da sua história.
- Enquanto eu estive sequestrado, o Valdemiro, com os meus documentos, telemóvel e chaves deve ter aproveitado para assaltar a minha casa.
Beatriz a minha mulher, sem saber que fazer, era quase meia-noite e eu não respondia às chamadas, falou ao Pai a pedir ajuda, e ficou à espera.
Não sei e nunca se esclareceu como as coisas aconteceram. Só sei que meu sogro encontrou a porta entreaberta e foi encontrar a filha caída no chão, perdendo sangue, a cara pisada e sem dar sinais de vida.
Chamou por socorro e uma ambulância de emergência chegou em poucos minutos. Enquanto lhe faziam reanimação, levaram-na para o Hospital.
O comandante do posto da PSP onde eu estava, ao ouvir que me tinham roubado os documentos e as chaves de casa, falou para o posto mais próximo da minha residência. Os agentes foram à morada, mas só encontraram o meu sogro, desnorteado e lavado em lágrimas.
O graduado recebeu as notícias do piquete de Lisboa e mandou que um carro me levasse ao Hospital. Lá, um enfermeiro chamou-me e foi comigo ao gabinete do médico chefe. Soube então, que a Beatriz não tinha recuperado, tinha partido, e grávida de 4 meses, perdera também os bebés, eram dois. Eles fizeram a viagem com a Mãe.
Eu não recordo mais nada. Estive internado mas ainda tive forças para ir assistir ao julgamento dos suspeitos.
A sentença foi de três anos para o suspeito de sequestro e o Valdemiro, com mais antecedentes, mas como não foi dado como provado o homicídio, apenas foi condenado a quatro anos. O primeiro beneficiou de uma redução de pena e foi libertado este mês.
Valdemiro deve sair no final de 2009.
Eu contrariando a posição do advogado e dos amigos achei bem as sentenças. Na verdade eu até preferiria ouvir uma pena mais leve. Custa muito esperar o dia em que eu possa, finalmente, libertar o ódio que me consome. E o dia aproxima-se.
Respirou fundo. As palavras tinham sido proferidas sem emoção e nem um músculo da face se moveu. Hugo sabia que iria matar. E sabia como.
Madalena, com a voz dura que Hugo já ouvira, propôs:
- Vamos aproveitar a nossa estadia em Londres, para traçar um plano para eliminar os nossos alvos. Um plano detalhado com o rigor com que desenhamos os projectos na Universidade. Não será difícil e os dois em conjunto podemos fazê-lo. Proponho fazer justiça, mas quando for o momento oportuno. Aqui decidiremos o que fazer, como e quando. Em Portugal, apenas nos juntaremos para executar o que tem que ser feito. Será um dia ou uma noite, pouco importa.
Podes estar certo de que eu não irei vacilar, seja em que circunstância for.
Depois, cada um seguirá o seu caminho. Não nos conhecíamos antes, não nos conheceremos depois. Apagaremos da nossa memória o destino que nos juntou.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

OS CRIMES DO X






14º. Episódio
Sábado, 14 de Novembro de 2009

Ainda não eram dezasseis horas quando o Inspector voltou ao gabinete da Polícia.
O Figueiredo e o Frederico estavam a afixar no painel, os resumos de relatórios de investigações que haviam seleccionado, e que pareciam responder ao perfil idealizado, crimes duros com assaltos, violência, sequestro e violações. Cada documento estava assinalado, com letras a cores, identificando a data e o local do crime, o seu autor, nomes das vítimas conhecidas e a decisão do Tribunal.
Figueiredo virou-se para o colega acabado de entrar na sala, salientando que nunca pensara que a lista fosse tão extensa. Repara, lemos dezenas de relatórios e escolhemos apenas estes seis, alguns porque os crimes apresentaram contornos de uma extrema violência, outros porque o nosso sexto sentido, para eles nos encaminhou.
Por força do nosso trabalho, em que lidamos com casos quase diários, temos tendência a esquecer muitos deles, por norma, os que se traduziram em processos enviados a julgamento, porque a nossa responsabilidade termina ali, respondeu o Inspector. Mas, no caminho que escolhemos para a investigação em curso, nada nos garante que o crime tenha ficado por deslindar, tenha sido presente a Tribunal ou, pior ainda, se os criminosos foram punidos. É muito difícil conseguir entrar na mente de alguém que decide ser juiz e executor, porque ele não age de maneira racional.
O chefe, ainda não baptizamos este caso, diz Frederico. E se lhe dermos o nome “ Os crimes do X”, não era uma boa ideia?
- Pois é, responde Figueiredo, até podes vir a escrever um romance com esse título. Mas primeiro temos de resolver o mistério, ou terás de inventar um final para o livro.
- Com nome ou sem nome, qualquer coisa me diz que acabaremos por chocar com um muro. Eu, dizia Frederico, já identifiquei duas vítimas do bandido encontrado morto junto ao sucateiro, que me disseram, sem qualquer pudor, que quem o matou, fez apenas o que a Polícia e o Juiz não fizeram.
Embora nos custe ouvir essa crítica imerecida, compreendemos as pessoas que sofreram e não estarão dispostas a colaborar. Só com muito trabalho, alguma argúcia e um pouco de sorte, receberemos ajuda. Eu vou tentar convencer uma mulher a colaborar no esclarecimento do assassínio de Telheiras e, garanto, ele não foi morto em ajuste de contas com rivais. Vou sair e volto já.
Pois,o chefe vai namorar com a mulher misteriosa e nós ficamos aqui a olhar para o boneco. Frederico, quando não vale ser Inspector?
Na rua, Monteiro liga o número de telemóvel que o empresário lhe deu, foi atendido por uma voz de mulher e começou a falar:
– Peço desculpe o meu nome não lhe deve dizer nada mas o seu nome e este número foi-me dado por alguém que nos conhece bem. Eu gostaria de a encontrar e de falar consigo sobre um assunto particularmente importante.
Olhe, eu não costumo aceitar encontro com pessoas que não conheço. Percebeu? Por isso diga lá que assunto se trata.
- Minha senhora, vou ser franco consigo. Eu gostava de falar sobre uma pessoa que a senhora conheceu, bem ao que sei, e que foi morta ontem à noite. Sou Inspector da Polícia e prometo que o que me quiser contar será um segredo. Confie em mim. Mas também pode falar com o nosso amigo e confirmar que o Vítor Monteiro cumpre o que promete.
Está em Lisboa, não é verdade?
– Confirmo, estou.
– Então convide-me para jantar no restaurante do hotel Tivoli. Às 20 horas eu esperarei lá por si.
– E como é que eu a vou reconhecer?
– Não vai ser difícil. Para isso é Polícia não é verdade? Riu-se e desligou.
O Inspector Monteiro, entrou na sala de jantar e o chefe de sala, acompanha-o a uma mesa perto duma janela, onde já se encontrava sentada uma mulher.
Puxa uma cadeira, convida-o a sentar-se.
Monteiro senta-se e olhe para a mulher na sua frente. É uma mulher bonita, bem vestida e com um sorriso algo provocante.
Como viu não teve dificuldade em me reconhecer. Não sei que o nosso amigo comum lhe disse, mas aqui o meu nome é Mariana.
Mariana que coincidência. A minha ex-mulher tem o mesmo nome!
Não me diga, então use, por favor, o nome Luciana. Escolheu as entradas e o prato principal, dizendo:
- Olhando para si não me parece um homem que se preocupe com a alimentação. Por isso eu já escolhi pelos dois, espero que goste. Deixei os vinhos ao cuidado do chefe de mesa. Agora faça lá as perguntas?
Eu investigo a morte de um indivíduo chamado de “Yuri” qualquer coisa. Sei que o conhecia, pode ajudar-me?
Luciana fez uma pausa enquanto o empregado servia a entradas. Depois de saborear um gole de vinho, respondeu:
- Acredito e espero que tenha sido executado por uma das muitas pessoas a quem ele arruinou a vida. E assim não quero contribuir para a punição de quem teve a coragem de fazer o que já outros deviam ter feito.
- Esse dilema, como calcula, coloca-se muita vez a quem investiga crimes. Muitas vezes senti o mesmo. Mas na verdade a justiça, boa ou má, tem que ser praticada em Tribunal, caso contrário voltamos à idade das trevas e cada um faz justiça pelas próprias mãos, argumentou o Inspector.
Tem razão, mas acredite que não sei quem está por detrás do crime. Mas se eu fosse amiga íntima duma jovem chamada Maria Luísa Pires, que foi encontrada morta, há cerca de um ano, num beco escuro do bairro do Aleixo do Porto, teria feito o serviço. Mas isso não quer dizer mais nada do que lhe disse, lembro apenas porque foi esse caso que me abriu os olhos. E pronto, não sei nem quero falar mais desse assunto.
Concluíram a refeição falando de assuntos vários. Vitor Monteiro já esquecera como uma conversa, com uma mulher bonita, podia ser interessante. E não resistiu a dizer que teria muito gosto em a voltar a ver.
Até esqueci a sua missão. Você tem o meu número. Ligue quando quiser e ficarei feliz. Não lhe vou desejar sucesso na sua perseguição, porque na realidade, não o desejo.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

OS CRIMES DO X




13º. Episódio
Londres, Outubro de 2008

A confissão que Madalena fizera na naquela tarde junto ao rio, fora uma surpresa que deixara Hugo sem palavras.
Começou a dormir mal e a trazer à memória os pensamentos de revolta, que ele também sentira e dos quais, fazia todos os esforços para se afastar. Ao mesmo tempo, perguntava-se, como fora possível que o destino tivesse juntado duas pessoas, com tanta dor e raiva da sociedade? Seria tudo uma coincidência que ninguém podia explicar, ou haveria algo mais?
Ele alimentava o ódio que o consumia, e tantas vezes imaginara o prazer de se vingar.
E foi esse ódio, recalcado, que o levou a contar a sua história.
Aproveitando um intervalo entre dois trabalhos e enquanto passeavam pelo “ Hyde Park”, Hugo, com o olhar ausente, confessou a Madalena:
- Sabes, não esqueci a conversa que tivemos sobre a tua família e tua vontade de fazer justiça. Eu compreendo a tua revolta porque, há coisas que não se entendem, eu também calo o grito que me vai da alma, não esqueço e não perdoarei nunca, a minha vida destroçada.
Faz uma pausa, limpou uma lágrima rebelde, ele que julgara, já não ter sentimentos para chorar, depois recomeçou.
Tudo começou numa sexta-feira, 10 de Outubro de 2003, quando sai do Banco, já noite, e me lembrei de ir ao multibanco, para levantar dinheiro. Maldita a hora em que o fiz, porque a minha vida entrou numa espiral de violência inimaginável.
Acabara de introduzir o cartão, quando um assaltante, de pistola encostada, me obrigou a levantar o máximo, pedir o saldo e me empurrou para um carro parado na avenida, de luzes apagadas e com um outro bandido ao volante. Agrediram-me com uma coronhada na cabeça, ataram-me as mãos atrás das costas, enfiaram um trapo na boca e um saco na cabeça.
Eu recuperei os sentidos e ouvi a discussão entre os dois sobre o meu destino. Um queria largar-me em Monsanto o outro, com uma voz áspera, que nunca mais esqueci, mandou que eu deveria ser preso na garagem da vivenda em construção, para que ele, de posse dos meus documentos, pudesse aumentar o produto. Ele era o chefe e o seu riso era prenúncio de morte. Ouvi o seu nome, Valdemiro.
Atirado para um buraco improvisado, manietado e sem poder ver o local, lembrei-me do que tinha aprendido nas aulas de artes marciais e consegui libertar-me. Com ajuda de uma moeda de cinquenta cêntimos que tinha do bolso das calças, desapertei os parafusos que seguravam as portas de madeira em tosco e abri a porta. O tipo perigoso tinha saído com o carro e o meu guarda era um bandido de meia tigela. Foi fácil dominá-lo; de mãos atados, boca tapada e um trapo da cabeça, encerrei-o no buraco de onde eu havia saído. Fechei a portas, deitei fora a chave e fugi, até encontrar uma estrada alcatroada, mas com pouco movimento.
Era noite escura, mas tive a sorte de encontrar um condutor que não teve medo, parou e me levou ao posto da PSP da Caparica.
Depois o piquete, que já havia assinalado aquela vivenda, como um covil de assaltantes, prendeu o que eu tinha deixado amarrado, montou uma emboscada e na madrugada, deixaram a mão ao Valdemiro.
E depois, perguntou Madalena?
- Hugo endurece ainda mais o olhar. Depois? Depois, foi a tragédia.
Mas estou tão cansado, desculpa, alguém ou dia, calo a raiva que sinto e conto-te o final.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

OS CRIMES DO X




12º. Episódio
Sábado, 14 de Novembro 2009
Eram nove horas quando o Inspector se juntou aos dois colegas que o agradavam no gabinete. Estavam a ler nos jornais as notícias do homicídio do dia anterior.
Cada jornal à sua maneira. Alguns optaram por dar mais destaque à violência do crime, com algumas fotografias e declarações de vizinhos e curiosos que encontraram no local, que falaram e apenas repetiram, o que tinham ouvir dizer.
Um outro chamava a atenção para os contornos do crime e citavam fontes, não identificadas, que afirmavam que o método e a mensagem, provas idênticas aos outros crimes anteriores, indiciavam que o crime fora cometido pelo mesmo indivíduo.
Porém, noutro jornal, o jornalista defendia a tese de que, as duas primeiras vítimas teriam sido um ensaio, para despistar um planeado ajuste de contas entre bandos rivais.
Ao fim e ao cabo estão como nós, a apalpar terreno, remata Figueiredo, atirando os jornais para cima da mesa.
Monteiro ouviu o desalento dos colegas e informou que acabara de ter um conversa com Director Geral. Nós achamos que avançamos muito, mas na realidade nem estamos de acordo quanto ao caminho. Temos mais uma semana e se não houver nenhum desenvolvimento, a equipa irá ocupar-se de outros crimes, e o caso que seguimos deixará de ser uma prioridade.
Por isso, temos pela frente uma semana decisiva. Figueiredo e o Frederico dividam os casos listados. Só vale a pena se forem crimes violentos em que as vítimas ou familiares muito próximas, sejam contactáveis. Eu vou tentar encontrar uma ligação com o traficante assassinado.
O Inspector deixou para os colegas a escolha, saiu do gabinete com o semblante mais carregado do que lhe era habitual. Ele sentia que tinha de ir pedir ajuda, mas isso sempre um deixava um pouco constrangido.
No decorrer das investigações que já tinham conduzido, Monteiro conheceu gente que, de uma forma indirecta mas bem informada, conheciam os meandros do crime. E foi a uma dessas fontes que decidiu recorrer. Não eram citados nomes, conheciam-se e, mesmo que em campos opostos, havia respeito entre os dois.
Num gabinete, dissimulado atrás de um biombo de vidro opaco, num escritório amplo com mais de uma dezena de funcionários, era ali que o Empresário recebia o Inspector. Estava à porta do gabinete, convidou-o para a poltrona, ao lado de uma pequena mesa com bebidas, comentando: - Estava a ver que o meu caro amigo não me visitava para uma bebida. Bebe o costume?
Monteiro, deixa-se cair no sofá, aceita a bebida, olha nos olhos o interlocutor e dispara:
- O tipo que foi despachado ontem no prédio em Telheiras, eram alguém importante para ser silenciado?
- Meu amigo, o cavalheiro era um criminoso fugido à polícia de vários países. Era esperto e violento. Não era importante, mas fazia por parecer.
Pertenceu à máfia Russa, mas teve problemas. Eu estou convencido que ele estaria condenado a desaparecer da circulação. Mas atenção siga outro caminho, ele não foi morto por razões de negócios ou por concorrentes. Alguém a quem ele fez muito mal, e houve tanta gente, despachou-o e ainda que bem que o fez.
Quer aceitar um conselho meu? Procure o passado. Ele fez mal a muita gente e nunca foi sequer incriminado. Vá por aí, é o caminho que deve seguir. Pegou num papel escreveu um nome e um número de telemóvel e deu-o ao Polícia. Só para sua orientação. Esta pessoa conheceu bem esse cavalheiro. Desligou-se quando na verdade o conheceu. Safou-se porque lhe fez constar que tinha entregue a pessoa de confiança, um dossier onde o incriminava numa série de crimes.
Presumo que essa pessoa de pessoa de confiança é o meu amigo. Estou certo, perguntou o Polícia?
Não interessa. Gostei de o ver e volte sempre, nem que seja para saborear este “scotch” que a mim e a sim, tanto agrada.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

OS CRIMES DO X




11º. Episódio
Londres, Setembro 2008

Madalena e Hugo tinham partilhado o alojamento, mas com o estudo e a discussão dos projectos, conclusões e apresentação para avaliação, não tiveram tempo, nem oportunidade, para se conhecerem melhor. Tinham uma boa convivência, falavam não só do trabalho que estavam a fazer como também do futuro. Do passado nem uma palavra.
Até que em meados do mês, após terem apresentado um estudo avaliado com excelente, decidiram fazer uma pausa, passear ao longo da margem do rio, aproveitando o tempo convidativo.
Caminharam em silêncio, até que Madalena, encontrando um banco vazio, se sentou, dizendo:
- Hugo, nós vamos ficar juntos por três meses, depois cada um irá regressar ao seu dia a dia e, provavelmente, não nos voltaremos a encontrar. Eu gostava de te contar uma história, se tiveres disposto a ouvir. Hugo acenou que sim, aproximou-se e o seu olhar teve um lampejo de luz como se, naquele momento, tivesse sentido o cair das amarras com que escondia os seus segredos.
- Madalena, sem nunca fixar os olhos do colega, falou do drama da família. Do Pai que vivia ainda, mas num outro mundo que só ele conhecia; da Mãe que se refugiava entre a religião e as visitas ao cemitério para rezar junto do túmulo da filha; e eu, que nunca me perdoei por ter optado por estudar em Londres, por ter estado ausente nos momentos, em que a minha presença poderia ter evitado uma tragédia.
Sim, e a voz ficou mais fraca e algumas lágrimas escorreram pelo rosto, eu poderia ter evitado.
A minha irmã tinha dezasseis anos quando eu viajei para Londres. Era uma rapariga muito bonita, alegre, boa aluna, mas muito ingénua. Entrou na Faculdade para cursar medicina.
Depois não resistiu aos perigos nem aos apelos dos colegas mais vividos, começou a sair e nem sempre com as melhores companhias.
A minha Mãe nunca me disse nada, das noites em que ela não regressava a casa, dos comportamentos algo estranhos e até agressivos. Apenas algum tempo depois me contou, que a Maria Luísa tinha abandonado a casa e tinha ido viver com o homem por quem se apaixonara.
Interrompi as aulas e voltei. A Maria Luísa recusou falar comigo sobre o companheiro, disse-me estar muito feliz e nem admitia voltar à Universidade. Mas os olhos cavados e sombrios fizeram-me desconfiar de algo, droga.
Procurei antigos colegas que me contaram, o que a minha irmã não quis dizer. Ela vivia com um traficante sem escrúpulos de nacionalidade estrangeira.
Contratei um detective, que me elaborou um relatório completo e juntou fotografias. Fiquei a saber tudo sobre o indivíduo.
Depois cometi um erro. Fui à Polícia pedir ajuda.
O fulano, creio que me chama “Yuri”soube, levou a minha irmã para uma casa em Vigo e misturando drogas duras com prostituição, vingou-se da minha denúncia.
No último assomo de energia a minha irmã fugiu de Vigo e regressou ao Porto. Não pediu ajuda a ninguém, queria regressar a casa por si só. Morreu num canto escuro no Bairro do Aleixo, com um overdose de heroína manipulada.
Parou por uns momentos, olhou para Hugo e com a voz dura e áspera concluiu:
- Sobre o caixão de minha irmã, naquela tarde cinzenta do mês de Outubro, jurei que encontraria forma de matar o monstro. E sonho e planeio desde esse tempo, a forma de o executar pelas minhas próprias mãos.
E sei, que mais certo o mais tarde, o hei-de conseguir.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

OS CRIMES DO X




10º Episódio
Dois anos antes, em Londres
Setembro de 2008

Hugo Figueira fora escolhido pelo Banco onde trabalhava, para fazer uma pós-graduação na London School of Economics. Sabia que obter a pós graduação lhe exigiria muito, apesar de a área escolhida lhe ser familiar. Já tinha trabalhado em análise de investimentos e tinha-se actualizado com o que de mais recente havia sobre a matéria.
Era um homem de trinta e poucos anos, alto, enérgico, raramente lhe viam um sorriso e mantinha sempre alguma distância.
Os colegas mais próximos respeitavam a sua maneira de ser, porque conheciam a sua tragédia pessoal.
Para quem o não conhecia, ele era uma pessoa de quem não se gostava ao primeiro contacto. E Hugo sentia-se bem assim, vivendo o mundo que criara e que não compartilhava, facilmente.
Tinha 34 anos de idade, vivia só e algumas relações amorosas não passaram de breves fugas e morreram sem ninguém saber porquê.
Por isso, estar em Londres, durante algum tempo, só lhe iria fazer bem. Era a sua convicção.
Na Universidade, naquele dia de apresentação dos candidatos, encontrou alguns colegas que já conhecia, uns por terem estado juntos em seminários e até um ou dois com quem havia colaborado em projectos conjuntos. Mas os outros, com muitas raparigas, eram perfeitos desconhecidos.
Os professores dividiram os alunos de uma forma aleatória. Não aceitaram a sugestão para que os grupos de trabalho fossem escolhidos pelos próprios. Optaram por sortear a constituição de cada grupo, fixaram em dois o número máximo, que teriam de se organizar, para responderem pelo trabalho de grupo.
Hugo ouviu anunciar o seu nome e levantou-se. O nome que foi sorteado a seguir e iria ser a sua parceira, foi de Madalena Pires, que não conhecia. Olhou e viu Madalena, sentada da última fila, acenando-lhe com um lugar vazio ao seu lado e Hugo foi sentar-se nele.
Quando os professores concluíram a constituição de cada grupo, informaram que a trabalho começaria, no dia seguinte. Seriam aulas pela manhã, tarde para estudar e desenvolver projectos e cada semana iria ser feita a avaliação do grupo.
Madalena e Hugo saíram juntos, encontraram um café quase vazio, entraram para se conhecerem e coordenarem o trabalho conjunto.
Hugo apresentou-se:
– Não tenho muito para dizer, como você mesmo verificará, não serei um companheiro muito popular, porque não gosto de me expor e não tenho muita auto-estima. Em termos de entrega ao trabalho e colaboração pode contar comigo.
Enquanto bebia um daqueles cafés enormes, Madalena pensou um pouco e respondeu:
- Sabes Hugo, nós deveremos andar pela mesma idade e por isso, é tu e não você, valeu?
Eu não trabalho num Banco mas sim numa empresa de capital de risco. Sou natural do Porto onde ande vivem os meus Pais. Foi lá que fiz o liceu e depois vim estudar para Londres. Foi uma aventura, não sabia bem o que fazer e acabei por me deixar fascinar com os números e cursei Finanças.
Sou solteira, não digo boa rapariga, porque também tenho um feitio difícil. Tu vais ver.
Eu não sei se já encontraste um alojamento. Se não tens nada definido, eu moro num pequeno apartamento, na margem esquerda do rio, a localidade chama-se Stockwell.
É um lugar calmo e temos transportes perto.
Proponho-te vires viver para o apartamento. Assim dividimos as despesas. O que é dizes?
Hugo não sabia o que responder, estava a tentar encontrar uma escusa mas, Madalena notando o embaraço, sorriu dizendo:
- Olha lá, não me interpretes mal. Convidei-te para partilhar o apartamento mas não a cama. A casa tem dois quartos independentes.
Hugo esboçou um sorriso, coisa rara, e concordou com a sugestão.
Sabes Hugo,diz Mariana em tom grave, eu já passei por momentos difíceis, e que ainda guardo. Imagino que tu também.
Quem sabe, a convivência nos ajudará.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

OS CRIMES DO X




9º Episódio
Sexta-feira, 13 de Novembro de 2009 – 17 horas

O Inspector Monteiro foi o primeiro a chegar. Estava a reler um relatório e tão embrenhado na leitura que, aparentemente, não parecia ter-se apercebido da entrada dos colegas. Estes foram ocupar os lugares habituais e olhando para o chefe, mantiveram-se em silêncio.
Monteiro acabou de ler a última página do documento, tirou os óculos que limpou com cuidado e dando mostras de estar inquieto. Fez uma pausa e com a dúvida patente no rosto, comentou:
- Sim senhor, ou alguém anda a brincar connosco ou a nossa teoria de crime por vingança, não cola. Vejam o currículo da vítima desta manhã, e digam-me se eu estou enganado.
Figueiredo deu o relatório ao Frederico, dizendo que era melhor ser ele e ler em voz alta porque, uma leitura serena, vai ajudar a limpar arestas.
Frederico começou a ler, pausadamente como lhe tinham pedido.

“Identificação:
Yuri Marchenko, morador no nº. 86, 8º. Andar, na Rua David Ferreira em Lisboa. Também conhecido por Yuri Montour, com residência na cidade do Porto mas em local não identificado.
Segundo o SEF é oriundo de uma das antigas Repúblicas Soviéticas, mas usa passaporte Comunitário emitido na Bélgica, onde viveu e casou há algum tempo atrás.
Diz ter trinta e oito anos de idade, aparenta ter mais de um 1,80 metros de altura e ter uma compleição física notável.
Actividade: Em 2005 fixou-se em Portugal, saindo da Bélgica por suspeita de estar envolvidos em negócios pouco claros.
No nosso País os serviços começaram a ouvir falar dele em 2007, altura em que é conhecido por ligações a gente poderosa no mundo da noite.
É suspeito de tráfico de mulheres para os regimes do Golfo; tráfico de armas e já com algum peso no mundo do tráfico de droga.
Suspeita-se que pertence á máfia russa mas estabelecida na Hungria ou República Checa;
Julga-se ser ele o proprietário de casas de alterne em diversas zonas do norte do País, embora tenha o cuidado de permanecer na sombra, aparecendo como responsáveis, pessoas de sua confiança.
Nunca foi incriminado.
Circula entre Lisboa, Porto e Algarve num veículo Mercedes, preto, modelo 63 AMG e com matrícula Belga RHJ 9274.
É acompanhado por um motorista e por um guarda-costas, ambos de nacionalidade Portuguesa.”
Frederico ia continuar a ler mas o Inspector interrompeu, porque a parte fundamental estava lida. O resto, dizia, são opiniões subjectivas.
Pronto, foi este cidadão “exemplar” que foi despachado esta madrugada. Espero os vossos comentários. Figueiredo és o primeiro:
- Eu em boa verdade, mantenho o que já disse anteriormente; acho que algum concorrente limpou o russo, ou belga, eu sei donde é que ele veio, e aproveitou para camuflar o crime, aproveitando o impacto dos notícias sobre o "vento divino", e os comentários e opiniões emitida por alguns entendidos. Se for assim, talvez o nosso trabalho seja mais fácil.
-Frederico e você:
Eu não dou muita importância a envergadura da vítima. De surpresa e com um garrote bem colocado e com as facadas no abdómen, ele não teria hipóteses.
Não sou muito experiente, vocês sabem, mas quando se trata de ajude de contas entre criminosos organizados, ele não pensam em camuflagem. São dois ou três tiros e acabou-se.
Então qual é a tua tese, pergunta Figueiredo?
- Eu acho que devemos continuar a seguir a pista do crime por vingança. O currículo dele é inconclusivo, mas deve ter feito mal a muita gente. E depois a tatuagem pode dizer muito.
Eu concordo com o que o Frederico disse, e lá vamos chegar a executores frios e muito inteligentes. Mais, para mim, este era um alvo, rematou Inspector.
O que me pergunto é se os predadores vão ficar por aqui?

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

OS CRIMES DO X




8º. Episódio

Sexta-feira, 13 de Novembro de 2009 – 10 Horas

Os três investigadores chegaram ao local do crime. A Polícia tinha estabelecido um cordão de segurança à volta do prédio de oito andares, situado num cruzamento entre dois ruas de muito movimento.
O Subchefe Coelho da PSP, oficial que tinha comandado as operações, informou que tinha isolado o oitavo andar, o elevador B, e também o monta-cargas, que assinalou como ascensor C que tinha, aliás, acesso pela garagem. Por enquanto os inquilinos só podiam utilizar o elevador A.
O Inspector Monteiro convida o subchefe a seguir com eles no elevador A.
- Mas, virando-se para o Frederico decide: -Vais fazer o percurso pelas escadas desde a garagem até ao oitavo andar. É o mais novo e tens muita perspicácia aos detalhes. E pode ser um detalhe o que no ajudará a entender como tudo aconteceu.
Enquanto subiam no ascensor A, o Subchefe Coelho confirmou que a vítima tinha sido estrangulada no 8º piso, na zona de acesso do ascensor de serviço. Foi apanhado mesmo à porta de casa.
Chegados ao local, os inspectores reconheceram o cenário. A vítima estrangulada por garrote. Mas desta vez houvera resistência, e os arranhões na porta eram prova. Olha Figueiredo, só o garrote não chegou para o matar. Olha as marcas feita por instrumento cortante no abdómen, ele foi esfaqueado duas ou três vezes. Por isso o sangue que escorreu para as escadas. Desta vez o alvo, não foi escolhido por acaso.
E porque não ter sido um homicídio e por outras razões? Alguém pode ter imitado os casos conhecidos, que até foram assunto de notícias, pergunta Figueiredo?
Repara que até que o X está marcado com mais força e temos de comparar o bilhete, caído junto do cadáver. Não me admiraria se as letras não tivessem sido escritas do mesmo modo.
Entretanto, Frederico chegou ao patamar, informando que não encontrara de suspeito. Não tenhamos dúvidas, o criminoso conhecia o prédio, utilizou o ascensor C para subir e para descer. O elevador foi vistoriado e tiradas impressões digitais, mas, é o mais certo é só encontramos dos moradores, concluiu.
Frederico na tua opinião foi o elevador de serviço a porta de entrada e de saída. E os outros ascensores?
Quanto aqui cheguei, chamado pelo inquilino do 7º. E, que foi em quem encontrou o corpo, pude confirmar: O elevador B estava avariado e parado no sexto piso, o monta-cargas, elevador C, estava imobilizado no 8º. Piso, com o botão desligado
Eu ouvi um dos inquilinos, que deixou o carro na garagem cerca das 3 horas da manhã. O elevador não funcionava, teve de subir ao r/c para apanhar o aparelho para subir ao quinto piso, onde mora. Só o elevador A funcionou, esclareceu o Subchefe da PSP.
Tudo bate certo, conclui Monteiro. Vejam que a saída do elevador A fica mesmo na esquina que dá para o monta-cargas. Eles, tiverem de ser mais do que um, estavam ali escondidos e apanharam a vítima pelas costas.
Desceram e Monteiro, virando-se para o Subchefe Coelho, diz:
– Claro que os vizinhos não se aperceberam de nada?
Não Inspector. Mas ali no bloco em frente mora um casal de meia-idade e o marido sofre de insónias pelo que passa muito tempo à janela. Ele disse-me que por volta das 5 da manhã viu parar um carro à porta do nº. 86. O motor ficou a trabalhar e saíram duas pessoas até à porta de entrada. Depois uma entrou a outra voltou ao carro e arrancaram.
E assegura que este movimento era frequente, já o vira muitas vezes.
Pelos vistos o que ele viu foi a vítima e os guarda-costas.
Figueiredo, vocês riram-se do pressentimento, e aqui está ele. Numa sexta-feira 13, e pior que isso, o avolumar das dúvidas, ou talvez não?
Confirmem os dados sobre a vítima e à tarde falamos no gabinete.
Estão aqui os jornalistas, mas não há comentários da nossa parte.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

OS CRIMES DO X




7º. Episódio
Sexta-feira, 13 de Novembro 2009 – 8 horas
O subinspector Figueiredo entra no gabinete e o chefe lá se encontrava. Bom dia, espero como teu amigo, que tenhas tido algum descanso. Mas o teu aspecto, não me garante que assim tenha sido. Estarei certo?
Sabes meu amigo, quando entramos numa casa sem vida, sem choros e gritos de crianças, sem o beijo amigo da companheira, é como se estivéssemos num quarto escuro, onde a solidão nos faz doer, e nos quer aprisionar para sempre. Falta o ar, queremos fugir daquele buraco escuro, e o corpo está inerte. Ou dormimos logo ou é mais uma noite de insónia. Foi o que aconteceu esta noite. Assim vim logo pela manhã.
Olha Monteiro, eu já te alertei para os riscos que corres. Nada mais posso fazer mas, pela última vez te digo, esquece a Mariana, ela já escolheu o seu caminho. Faz o mesmo. Aproveita os dias que passas com os teus filhos. Fá-los sentir companheiros e alegres por estarem com o Pai e não, por nunca ser, sentirem que os dias que te vsitam, servem apenas para compartilharem as tuas dores. Ou vais acabar por os perder, como perdeste a mãe.
Agora falando de trabalho. Eu e o Frederico passamos a parte da noite a passear nas zonas conhecidas da cidade. Vimos muitos carros grandes, de luxo até, seguimos um ou outro mas não encontramos nada de suspeito.
E tu vejo que estiveste a ver cassetes. E então?
Estive para passar o tempo. Mas olha esta imagem, este carro escuro grande, parado no parque da estação de serviço. Não se vê grande coisa mas parece o vulto de alguém que sai da viatura e começa a andar para a saída. Não achas nada estranho?
Passa outra vez, quero esclarecer uma coisa. Para. Aposto que não é o vulto de uma só pessoa, são duas pessoas muito juntas e só num ângulo é que dá para perceber.
Também reparaste? Para mim isso quer dizer que o assassino e a vítima caminhavam lado a lado e que a morte só foi concretizada na carrinha ou nas imediações. Reparaste que o vídeo tem a hora marcada. São precisamente 1 hora e 45 minutos do dia 16de Outubro de 2009.
A porta abriu-se e Frederico entrou. Bom dia nem esperaram por mim e pelas vossas caras vê-se que descobriram alguma coisa interessante.
É verdade, olha para esta imagem agora parada. Não vês um vulto a sair do carro estacionado no parque e parecendo levar uma pessoa? A bem ou a mal, mas foram juntos para a estrada.
Eu vejo melhor no computador. Vou copiar a disquete e ampliar. Cá estão os vossos suspeitos. Como podem ver se eu fizer zoom, das pessoas que saíram uma agarrava a outra, mas surpresa, vejam, ficou outra pessoa ao volante.
Parece que o nosso amigo tem um cúmplice.
O telefone toca. Figueiredo atendeu, ouviu, agradeceu e desligou.
Amigos, temos outro cadáver.
Afinal o meu pressentimento estava certo, e era capaz de apostar que este estará no mesma zona.
Então Chefe, não apostes, porque perdes. Prepara-te para uma surpresa. Desta vez a vítima vivia no último e único andar num edifício de Telheiras. Um andar de luxo. Já não falamos de criminosos de meia tigela. Mas foi executado do mesmo modo, garrote, e sinal gravado no peito, e ficou mesmo à porta de casa.
Ligaram-me dos homicídios, o cadáver foi encontrado às 9 horas da manhã, por um vizinho que apanhou um valente susto.
Figueiredo diz ao teu amigo que nós vamos já de seguida e que seremos nós a tomar conta da ocorrência. Não quero devassas no local do crime.
Não esqueças de tomar nota do endereço porque a zona não é fácil.
Vamos embora e ver que desafio é que o nosso “amigo” nos deixou.