quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O TEMPO DOS PRODÍGIOS - FINAL

2009 /2010
Foi-me difícil escrever sobre este período, os dois últimos anos da primeira década do segundo milénio.
Escrito assim, com esta inarrável presunção, até poderá parecer que os frutos, os textos anteriores, teriam tido algum conteúdo excepcional. Mas o que escrevi foi o resultado de memórias que guardei, dos livros que li, das lições que fui aprendendo e das dúvidas que nunca esclareci.

Escrevi sobre este biénio, mas apaguei com toda a raiva que sentia e que fora acumulando ao longo do tempo dos prodígios.
Resolvi parar, tentando uma saída. Mas ao recomeçar as palavras eram mais amargas, sabiam a desilusão, revolta e amargura.  
 Sentia que falar sobre aqueles anos seria como se tentasse ultrapassar um obstáculo e que na hora da verdade me faltariam as forças. E foi isso que aconteceu.

De facto foram anos difíceis do ponto de vista pessoal. O ano de 2009 foi o ano do purgatório e 2010 a ameaça do fim. Mas reconheço que foi naqueles momentos difíceis que me fizeram encontrar um novo alento, uma forma de soltar os desejos adormecidos, que para o bem ou para o mal, soltei para olhar um espelho e encontrar um amigo e para olhar o mundo com alguma esperança.
Decidi que, já que a memória me atraiçoou, o mais prudente seria omitir os factos relacionados com a força da Mãe natureza, já que só tremores de terra foram vários.
Fazer por esquecer a destruição da vida de muita gente, apanhada nesse tsunami financeiro com epicentro em Nova Iorque mas que depressa atravessou o oceano Atlântico, trazendo desemprego e pobreza para muitos e muito dinheiro para alguns.
Esquecer porque queria gritar a minha indignação pela ignorância e falta de valores dos líderes Europeus e a sua frieza; Essa ignorância histórica fez surgir as manifestações de egoísmo e de xenofobia, que destruíram a ideia de um espaço comum e lançou os germens da desconfiança entre os bárbaros do norte e os povos do Mediterrâneo, berço da civilização moderna.
Abriram-se feridas que nunca mais serão esquecidas.
E o sonho duma Europa morreu, afogada nos inúmeros gabinetes onde uma miríade de homens e mulheres, fingem trabalhar, mas se limitam a aguardar pelo “ditact” alemão.  
Foi com frenesim que procurei alguma coisa de que valesse a pena recordar e me devolvesse a coragem. Mas tive vergonha porque de recordações restou apenas a memória de gente que partiu e de quem aprendi a gostar. Ficou a saudade.
Em 2009:
 - Maurice Jarre





-  Michael Jackson,






- Mercedes Sosa




- Pina Bausch







E portugueses que com saber e talento me deram muitos momentos de felicidade.
A ver cinema para além do ecrã, JOÃO BENARD DA COSTA


E a rir ou a chorar com o talento de RAUL SOLNADO.


E também em 2010 ficamos mais pobres.
Morreu o  cineasta Eric Rohmer , que me traz à memória um excelente filme” A minha noite em casa de Maud”

E o realizador italiano Mario Monicelli, o filme da sua vida, um suicídio saltando de um quinto andar do Hospital onde a ninguém lhe deu a mão para encontrar uma morte assistida para uma doença terminal e que os seus mais de noventa anos mereciam.

E é com cinema, do melhor, que termino.
O filme “Crazy Heart” e um grande actor, Jeff Bridges

Coração Louco, foi a melhor maneira de terminar esta minha aventura pelo tempo dos prodígios.


sábado, 8 de dezembro de 2012

O TEMPO DOS PRODÍGIOS

2008
Foi um ano inesquecível, mesmo exemplar para os seguidores da teologia da prosperidade, porque assentou num princípio caído dos céus. Seria o ano dos milagres financeiros, suportados pela ideia de que o dinheiro era algo de mágico. Com um estalar dos dedos e todos ficavam ricos. Todos, menos os habituais 99%. Para eles ficaria sempre a caridade.

E tantas esperanças. O ano assinalou uma data premonitória. O aniversário de 2000 anos da dinastia XIN. O império do meio crescia e nele convergiam todos os recursos disponíveis.
Foi além  disso o ano do sapo, da batata, do planeta terra e do diálogo intercultural. Também foi o ano internacional do saneamento. E que saneamento!!!

Em pleno verão, os incautos, os mais crédulos, os que haviam tentado amealhar para os tempos difíceis, viram a ameaça cair sobre os seus investimentos, os seus seguros, as poupanças de uma vida, sem aventuras, tendo escolhido para as suas economias os Bancos com melhor notação financeira e as seguradoras classificadas com notação à prova de bala. Tudo tremeu e o mundo ficou mais instável.


Os deuses deviam estar loucos!
De repente no meio do turbilhão das notícias, as pessoas que começaram a ouvir falar em gestores de sociedades de investimento de novo tipo, chamadas “hedge fund”, com práticas agressivas e arriscadas, recearam pelo seu dinheiro. Aprenderam novos termos, abriram os olhos e entenderam que as suas economias haviam sido aplicadas em operações de produtos derivados que não sabiam exactamente o que seriam. Os jornais da especialidade começaram a denunciar e a utilizar chavões que pouco lhe diziam, como  “short selling”, “leverage”,"warrants", " public debt"  e os pobres e inocentes desconfiaram que o seu dinheiro havia sido aplicado em operações de especulação nos mercados da dívida e que, afinal, haviam comprado produtos derivados, de rendimento assegurado segundo os analistas, mas que eram apenas peças soltas de um edifício em ruínas, suportado em contratos de compra e venda de propriedades, que desvalorizavam hora a hora até terem atingido o valor real  próximo do zero.
A bolha havia rebentado e no meio da confusão ficaram os imprevidentes, alguns conformados, mas que  reconheceram que tudo o que lhes havia sido prometido pelo seu corretor, se resumia numa simples frase” FORAM ROUBADOS”.

Mas também tiraram lições. Quando alguém ganha na bolsa do outro lado haverá alguém que perde. Mas havia excepções e então perceberam que os Gestores em quem confiaram haviam manipulado o mercado, falsificado relatórios e tendo recebido como prémio de desempenho enormes remunerações. Esses nunca perderam.
A actividade financeira estava completamente desregulada, controlo era coisa que só atrapalhava. As Agências de notação financeira continuavam a classificar como sem risco, investir em Bancos quase falidos, sociedades sem futuro, fazendo justiça ao seu papel de alavancarem o valor dos produtos tóxicos que era preciso vender.

Apesar de alguns esforços desesperados que se revelaram inconsequentes, a falência do Banco Lehman Brothers foi seguida, no espaço de poucos dias, pela falência técnica da maior empresa seguradora dos Estados Unidos, o grupo AIG. O governo norte-americano, que defendia as “soluções de mercado” ficou alarmado com o risco sistémico e numa operação desesperada resolveu, em vinte e quatro horas, injectar oitenta e cinco bilhões de dólares de dinheiro público na AIG para salvar as suas operações.
Foi, como vai sendo habitual, o dinheiro público, o dinheiro dos contribuintes que foi utilizado para defender as grandes interesses. Era preciso salvar o capital.



E Nova Iorque, a cidade que nunca dorme pareceu vazia e destruída. Wall Street, habituada aos carros Europeus de topo de gama, aos apartamentos luxuosos, aos corretores vestidos em lojas de marca da quinta avenida, as companheiras vestidas de luxo, as escapadelas para fins de semana nos Hamptons, era agora uma rua quase deserta. E pude testemunhar no final do ano de 2008, agonia da cidade dos sonhos.
E na Europa, hoje todos conhecemos que a solução foi copiada. Ajudar os Bancos com dinheiros Públicos.

O colapso das Instituições financeiras sugou os recursos disponíveis e a economia desapareceu. O desemprego atingiu proporções que não se admitiam como possível. E que ainda hoje é uma chaga que envergonha o mundo.
O caos fez aparecer os esquemas organizados de empréstimos em pirâmide, copiando o conhecido esquema de Ponzi. O grande financeiro Bernard Madoff, foi para a cadeia acusado de ter burlado os seus clientes em centenas de milhões de dólares. Teve todavia algum tempo para por de parte algum pecúlio para os anos difíceis. Mas para quem foi condenado a 150 anos de prisão não deverá ser ele a gozar o tesouro escondido.

Sorte diferente tiveram os burlões que num pequeno e pobre País, constituíram entre amigos e correligionários, um Banco, o banco BPN, que cresceu com base em gestão danosa, fuga de capitais, lavagem de dinheiro, financiamento de favores e tornou ricos, gente que não tinha onde cair morto.

Mas deu para tudo, o BPN custará mais de cinco mil milhões de Euros, que o Zé Povinho terá que pagar. À boa maneira Nacional, o CEO está preso, mas em casa, aguardando, como é habitual, a prescrição do processo. Os outros e tantos e tão conhecidos são, navegam pacientemente em águas calmas, certos de que a investigação não levará a condenação alguma. São gente avisada e bem relacionada. A Justiça está atenta, orientada para os roubos de caixas multibanco, os furtos em supermercados e outro tipos de crime que não darão muito trabalho a investigar. Os tubarões mergulharam em águas mais profundas levando com eles os seus negócios escuros, os esquemas de lavagem de dinheiro, devidamente apoiados em escritórios de advocacia, especializados no planeamento fiscal.

Depois deste folhetim que importância iremos dar ao que mais aconteceu?
Nada tem relevância. A terra continua a girar à volta do sol e a dor, o sofrimento e a revolta acabarão por esmorecer no meio da mediocridade que, sem saber como, governa este mundo.
Apenas quero realçar como facto digno de registo. A eleição para a Presidência dos EUA. Os Americanos decidiram acordar e passar guia de marcha ao irrelevante Presidente Bush e escolheram, pela primeira vez na sua história, um negro para ocupar a Casa Branca.
Em jeito de conclusão direi apenas:

Seja Bem-Vindo Presidente Obama, a este mundo cada vez mais louco.
Mas será que este mundo ainda é belo e cheio de esperança?

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O TEMPO DOS PRODÍGIOS

2007
Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos.
E de repente houve pessoas que acreditaram. Mas a bondade dos conceitos de igualdade é sempre susceptível de outra interpretação. George Orwell tinha razão quando escreveu no livro “Animal’s Farm” um princípio fundamental imposto pelos porcos que assumiram o poder : "All animals are equal, but some animals are more equal than others.”

Foi por terem esquecido a excepção, que milhões de pessoas receberam propostas para a compra da casa, ou de uma nova e porque não uma segunda casa para os fins de semana. O preço era pouco importante, as taxas de juro eram baixas e as Agências especializadas garantiam uma aprovação rápida dos empréstimos. O que era fundamental era aproveitar a oportunidade e assinarem o contrato respectivo.
E os contratos valiam milhões a que se somavam outros cada vez mais volumosos até que foi preciso rentabilizar aquele volume. Era uma oportunidade de ouro para os especuladores, para os Bancos de Investimento e foi fácil criarem produtos derivados agrupando muitos contratos e transaccionar na bolsa com taxas de rendibilidade apetecida. 

E muita gente, sem perceber ou sem querer entender que não havia milagres na quinta do Orwell, fechou os olhos e comprou os tais produtos derivados. Não sabiam o que eram mas compraram. Um dia alguém fez as contas e chegou à conclusão que o valor dos activos que seriam a base dos derivados valia pouco mais de zero.
E foi o salve-se quem puder.
Os ratos, uma espécie que até na quinta Orwelliana tinham progredido, foram os primeiros a fugir não sem antes colocaram a bom recato o dinheiro que haviam ganho vendendo produtos a que já se chamavam produtos tóxicos.
A ganância de alguns e a ignorância de muitos lançaram os alicerces da maior crise financeira que o mundo iria conhecer.

Começou nos EUA mas depressa alastrou como um golpe de fogo a todo o sistema financeiro internacional. Começou por se chamar a crise do “Subprime” e acabou na falência e na tragédia que, anos passados ainda fazem vítimas, tendo, acima de tudo, destruído a esperança.
Era o mercado a funcionar, livre de regulamentações, terreno aberto para os que falsearam informação e enganaram outros. Mas não havia alarme, os Bancos enganaram outros bancos, os gestores enriqueceram, e tudo estaria perdoado. Não é verdade que o Povo diz: “Ladrão que rouba a ladrão tem cem anos de perdão?”.
Com a crise no sistema financeiro internacional houve alguns Bancos que foram à falência e outros em que os Estados, quer dizer os pobres contribuintes, tiveram de perder direitos, pagar mais impostos, porque era preciso capitalizar os Bancos. Mas não tenham pena dos gestores. Mesmo que incompetentes ou praticando actos ilícitos, todos receberam as suas participações baseadas em relatórios falseados. E o grande chefe, o capataz da quinta autorizou.

No meio da confusão sobrou o Banco do diabo. Com cada vez mais poder é ele a eminência parda do sistema financeiro internacional. Sem escrúpulos, sem dó nem piedade. Dizem, não posso garantir, que o seu nome comercial é Goldman Sachs.


Depois deste começo, os acontecimentos mais relevantes perderam actualidade.
- Quem quer saber que o vulcão Stromboli na Sicília entrou em erupção?

- E que o José Sócrates enfrentou uma mega manifestação dos Professores, que hoje, admito, se sintam enganados?
- Ou que neste ano morreu Kurt Waldhein, antigo Secretário Geral da ONU, sem que tivesse sido bem explicado o seu passado duvidoso durante o regime nazi?

- Ou ainda o falecimento do benemérito russo Boris Yeltsin, que mesmo alcoolizado, como era seu costume, soube premiar a elite, transformando funcionários obscuros em multi-milionários?
 A mim esses factos pouco ou nada me dizem. Mas outros que partiram, deixaram saudades.
- Do grande realizador italiano, Michelangelo Antonioni, que procuro revendo os seus filmes, muito porque eram referências que o tempo guardou. O Grito, A Aventura o Eclipse e Blowup, entre tantos.

- Da Deborah Kerr, uma senhora do cinema que inspirou muitos dos meus sonhos de adolescência. Que vão desde o Quo Vadis, às Minas de Salomão, o sempre presente Até à Eternidade e sobretudo O Rei e Eu.

E também presto homenagem a um escritor que nunca esqueci. Partiu neste ano Norman Mailer e o livro “OS NUS E OS MORTOS”, faz parte dos meus livros de sempre.

- E a arte da dança moderna que perdeu o grande coreógrafo Maurice Béjart. Saudo a sua memória deixando aqui um vídeo com um dos bailados que coreografou.


- E encerrando este canto das memórias, este texto que já vai longo e sofrido, guardo para o final o desaparecimento de Luciano Pavarotti. O grande tenor, dono de uma voz sem igual. É um final em “Dó de Peito”.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

O TEMPO DOS PRODÍGIOS

2006

O ano de 2006 foi calmo para o padrão habitual e, considerado o ano internacional dos desertos e desertificação. A designação era um aviso, certamente bem intencionado e justificado, mas feitas algumas recomendações tudo iria ficar na mesma.
No horizonte, para além do inexorável avanço dos desertos levando a fome a cada vez mais gente, aquela que só conta para as estatísticas, formava-se uma tempestade que iria abalar o mundo. No horizonte havia alguns sinais que escapavam aos meteorologistas. Na verdade a tempestade que se avizinhava não tinha classificação conhecida, não seria um fenómeno da Natureza como as que se conheceram. Seria um vírus que começaria na esperteza dos Banqueiros, na falta de escrúpulos dos gestores dos fundos de investimento, na falta de regulação da actividade financeira, na incompetência dos políticos e na ganância dos investidores. Esse vírus, ainda em gestação, teria no ano seguinte um efeito destruidor nunca visto. E a vacina terá um preço que ninguém quererá pagar.
Por isso 2006 foi um ano calmo, mas com a calmaria que assusta os animais,que se calam, como prenúncio da tragédia que se aproxima.
A guerra, nos diversos teatros de operações, continuava a ceifar vidas, sendo como sempre um contributo para o fortalecimento da economia e para o equilíbrio demográfico.
Por isso estou a escrever quase sem assunto de que me lembre pela sua importância. O ano 2006 será o início do novo ano chinês, o ano do Cão, e é como um cão vadio que eu me vou alongando neste texto sem saber para onde me dirigir.
O caminho que escolhi foi o recurso ao passado. Procurei as efemérides e fui feliz.
Porque em 2006 passou o 250º aniversário de Mozart, e de repente a música do genial compositor encheu-me de vida e de beleza um dia triste, chuvoso e sem inspiração em que estou escrevendo;



-E o 400º aniversário de Rembrandt. Parei, fechei os olhos e vi-me transportado para Amesterdão onde, alguns anos passados, e durante largos momentos fiquei sentado num banco dum Museu, fascinado com a obra prima de um grande pintor. Relembrar a tela “ A Ronda da Noite” foi um momento mágico. Porque sentia que os olhares dos personagens retratados naquele quadro me seguiam e me interrogavam.




  E de Portugal o que escolher?
Escolhi  reler Agostinho da Silva, o filósofo não perto dos seus leitores e cujo 100º aniversário também se comemorou. E relembrei a lição:

O Povo Culto
 Os povos serão cultos na medida em que entre eles crescer o número dos que se negam a aceitar qualquer benefício dos que podem; dos que se mantêm sempre vigilantes em defesa dos oprimidos não porque tenham este ou aquele credo político, mas por isso mesmo, porque são oprimidos e neles se quebram as leis da Humanidade e da razão; dos que se levantam, sinceros e corajosos, ante as ordens injustas, não também porque saem de um dos campos em luta, mas por serem injustas; dos que acima de tudo defendem o direito de pensar e de ser digno.

Agostinho da Silva, in 'Diário de Alcestes'



E já que a memória me ajudou lembrei-me de neste ano partira o grande pintor e poeta Mário Cesariny. E é com um poema cujo tema é a solidão, que hoje vos deixo em sossego.

Ortofrenia
Aclamações
dentro do edifício inexpugnável
aclamações
por já termos chapéu para a solidão
aclamações
por sabermos estar vivos na geleira
aclamações
por ardermos mansinho junto ao mar
aclamações
porque cessou enfim o ruído da noite a secreta alegria por escadas
               de caracol
aclamações
porque uma coisa é certa: ninguém nos ouve
aclamações
porque outra é indubitável: não se ouve ninguém

Mário Cesariny, in "Planisfério"

PS.
Desculpem, um esquecimento imperdoável. Foi em 2006 que o Professor  Aníbal Cavaco Silva foi eleito Presidente da República, deste País tão rico de poetas, habitado por um povo nobre e valente e que, todavia,  tem dificuldade em aprender a ser, um Povo Culto.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

O TEMPO DOS PRODÍGIOS

2005
Alguns dias atrás, ou foram semanas (?), já não sou capaz de precisar, entendi que seria interessante olhar para o passado recente. E comecei pelo início do século XXI, o século dos prodígios, tal era a crença popular.
Foi lembrando factos, acontecimentos que fui escrevendo com cada vez mais dificuldade e mais tropeções. Na realidade deixei-me prender por guerras, sofrimento e morte.
E cheguei aqui, ao ano de 2005, e por cansaço ou desgosto sinto-me arrependido de ter começado a empreitada. Hesitei, pensei parar e tentar escrever qualquer coisa que não fosse sofrimento e dor. Mas não resisti e aqui estou eu, olhando para uma folha cheia de apontamentos e ensaiando um texto que deixe de fora as guerras, que continuam, a política, cada vez mais entediante, a fortuna dos 1% dos homens por contrapartida da pobreza dos restantes 99%.
Mas está a ser difícil.
Vou esquecer a tragédia da tempestade Katrina que arrasou Nova Orleães. Por entre a destruição de uma cidade emblemática, ficou registada para memória futura a incompetência, do mais incompetente, dos Presidentes dos EUA.


Começo a desfilar os desaparecimentos, daqueles que de uma maneira ou outra me deixaram marcas e feridas que ainda não cicatrizaram. São tantos!
Começarei por referir Arthur Miller,  grande dramaturgo Norte Americano, de que recordo a peça “ Morte dum caixeiro viajante” e, naturalmente o seu difícil romance com a bela Marlyn Monroe;

Depois dou um saldo até à morte do Papa João Paulo II, o Papa que no seu pontificado deu mais realce à Igreja Católica. O papa saiu do Vaticano e foi para o mundo.

Mas no mesmo ano assisti ao desaparecimento de quatro pessoas que não posso esquecer.
No mês de Junho foi a morte do General Vasco Gonçalves. E eu que sempre me julguei independente e desalinhado também juntei a minha voz à de tantos Portugueses ,cantando:” Força, força camarada Vasco, nós seremos a muralha de aço.”  

Mas Vasco Gonçalves acreditou no futuro, ouviu os gritos e avançou. Mas a muralha foi abrindo brechas e o sonho fugiu.

Poucos dias depois desapareceu outro grande vulto da história contemporânea. Morreu Álvaro Cunhal. O grande resistente antifascista, que permaneceu fiel às suas ideias políticas de oposição ao Estado Novo do ditador Salazar. Foi preso político durante 13 anos, oito dos quais guardado numa cela em completo isolamento. Nunca quebrou, nunca se deu por vencido e refugiou-se na pintura no desenho e na literatura para não perder a noção do tempo. Evadiu-se do forte de Peniche e viveu na clandestinidade ou no estrangeiro até que as portas de Abril de 1974 se abriram.
Secretário-geral do Partido Comunista Português, homem de enorme cultura, tenacidade e coragem, foi admirado ou odiado por muitos mas, manteve-se até ao fim, fiel ao seu povo e às suas ideias.

E depois de duas personalidades tão marcadas, deixou-nos um POETA. E todos ficamos mais pobres. Adeus Eugénio de Andrade, a tua poesia tem sido lenitivo para muitas das minhas dores.

Adeus
 Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade, in “Poesia e Prosa”

Mas uma dor maior me reservava o Outono do meu descontentamento.
Algures, lá no céu uma estrela se apagou e deixou-me a mágoa. E é com uma poesia do grande Miguel Torga que me despeço do ano de 2005, o ano da morte de minha Mãe.

Mãe:
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?

Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.

Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.

Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!

Miguel Torga, in 'Diário IV'


quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O TEMPO DOS PRODÍGIOS

2004

A primeira lembrança que me ocorre é a publicação do romance de José Saramago, ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ.

A LUCIDEZ, algo que se perde ou se ganha. No meu caso pessoal ganhei. Decidi que era o tempo adequado para terminar o meu percurso profissional.
Foi um acto de lucidez, sair pelo próprio pé, sem empurrão explícito. Era tempo de mudança. Não foi uma decisão fácil, desde sempre aquela fora a Empresa que conhecera, onde dei o melhor de mim mesmo, aprendi, ensinei e enfrentei desafios. Ganhei e perdi amigos.
Atravessei o tempo das convulsões laborais pós revolução do 25 de Abril. Foram momentos difíceis em que foi preciso fazer escolhas. Escolher é sempre algo difícil, por vezes doloroso mas a vida, para ser vivida implica fazer opções.

LUCIDEZ foi o que faltou a muita gente conhecida.
Desde logo o Presidente George W. Bush que havia decidido a invasão do Iraque, mesmo que se tivesse apoiado em documentos fabricados. E se a invasão foi um passeio, os meses, os anos consequentes, iriam ser o espelho de mais uma geração perdida.

Desde logo e como desde o início se adivinhava, a invasão do Iraque para a destituição do ditador Saddam Hussein foi uma oportunidade de negócio. O cheiro do petróleo foi o catalisador.
Como era fácil de entender, a operação militar nada teve a ver com o perigo que representava para o mundo o enorme arsenal de armas de destruição maciça que lá estariam armazenadas. A maior e única foi um ditador acossado, esquecido e descartável. O lugar foi um buraco em forma de túmulo em que o mesmo se escondera. O perigo deixara de existir. Ficou apenas o espectáculo da prisão, do julgamento e da execução. E a plateia aplaudiu.

Mas negócios são negócios e não se devem desprezar. Foi o que com a LUCIDEZ dos investidores que o Vice Presidente Cheney organizou e suportou empresas de segurança para determinadas tarefas no Iraque em ruínas. E a guerra passou a ser um contrato, entre a politica e a sociedade civil, representada por empresas de mercenários.
Afinal Dick Cheney nem inventou nada, já no tempo da Roma imperial os Césares conduziam as suas conquistas utilizando mercenários que pagavam com o saque.

A América, o país da liberdade, tomou então conhecimento de que em nome da civilização os seus soldados foram capazes de cometer actos de uma barbárie inaudita, utilizando nas prisões métodos que fizeram recordar os campos de concentração nazis.  

Em Novembro, na mais sangrenta batalha da guerra até então, teve lugar a operação, descrita pelo exército norte-americano como "os combates urbanos mais duros desde o Vietname", as tropas norte-americanas usaram fósforo branco, como arma incendiária contra combatentes e civis que defendiam casa a casa o seu bairro.
A anarquia e a injustiça alargaram o campo de recrutamento aos fundamentalistas da al- Qaeda.  
Assim em Março, no dia 11, um grupo identificado como da al-Qaeda atacou em Madrid um comboio que, em hora de ponta, transportava civis para o trabalho.

Fora a resposta dos terroristas ao apoio do governo espanhol à guerra no Iraque. Aznar tinha eleições à porta. Por isso escondeu a verdade, manipulou as investigações para que não fosse detectada a relação causa efeito do atentado que semeara centenas de mortes e milhares de feridos. Mas a mentira foi infrutífera e Aznar foi o primeiro a pagar a sua participação na cimeira ensaiada nos Açores. O seu partido foi esmagado nas eleições.

Entretanto este País encheu-se de estádios de futebol e as janelas foram decoradas pela bandeira nacional. Era o Euro 2004 e o sonho era possível. Mas, por ironia do destino perdemos a final e logo contra a selecção da Grécia. Teria sido premonição?
Voltamos à LUCIDEZ.

Essa não faltou ao inefável e sorridente Durão Barroso. Deixou-nos a chorar de saudade e partiu para cumprir a sua missão. Presidir à Comissão Europeia. O cargo poderia não ter mais do que um cabeçalho de jornal, mas era bem pago e sempre melhor que aturar estes Portugueses sempre zangados e desagradavelmente pobres.
A responsabilidade da condução dos negócios do Estado foi então atribuída ao Dr. Pedro Santana Lopes. Durou pouco tempo o seu consulado. Todavia há que dizer, em vez de uma figura de frade penitente, tivemos como primeiro ministro um homem simpático e com rosto humano, com todos as virtudes e defeitos.

Quase a findar o ano, a natureza reservou uma surpresa que provocou destruição e dor. Um terramoto no Oceano Índico seguido por um tsunami que devastou países do sudeste asiático. Foram mais centenas de milhares de vidas que se perderam.
O ano de iria findar com esta manifestação apocalíptica.

Reservo para a conclusão deste post a minha homenagem a pessoas que partiram e me deixaram saudades. A voz de Ray Charles e o som mágico da guitarra portuguesa, tocada com a sensibilidade e a ternura do Carlos Paredes.