sexta-feira, 31 de agosto de 2012

OS DIAS DO FIM

O SOM DO SILÊNCIO

O regresso a casa foi uma agonia. Uma viagem em que não deixou de se recriminar pela sua imprevidência. Ela que julgava conhecer as pessoas, que escrevia sobre a sociedade, os seus vícios e os seus defeitos, que conhecera vidas perdidas, reconhecia agora que a Juíza tinha razão. Fora ingénua e deixara-se levar pelo canto das sereias, o seu ego toldara-lhe a mente e ficara apanhada no meio de uma situação que não acreditou ser possível.
Viajava com a roupa que tinha no corpo, não voltara à vivenda para recolher a bagagem. E percebia porquê, não teria coragem para confirmar que os amigos se tinham servido do seu nome, para terem acesso a algo, que lhe seria difícil conseguir.
De repente, um solavanco do autocarro ao transpor um pequeno declive, para acesso à área de serviço deu-lhe a resposta. O crédito! Pois como agora lhe parecia tão evidente, o seu nome servira apenas para abrir portas, conhecimentos. O convite fora a chave para terem acesso a pessoas que lhes interessariam para a sua actividade.
-Foste mesmo parva, pensava, enquanto um ardor lhe queimava as entranhas.
Caíra num circo, os actores principais fizeram o seu trabalho e conquistaram a amizade do palhaço, o papel que reservaram para mim.
Abanou a cabeça, desceu do autocarro, pediu um café duplo e sentou-se numa mesa afastada do movimento.
E ligou o telefone. O primeiro número que marcou foi a da agência imobiliária que geria uma parte significativa dos prédios na urbanização. Eram seus conhecidos e foi o Senhor Guilherme Costa o gerente, quem recebeu a chamada, perguntando:
- Então senhora D. Catarina ficou zangada connosco, alguma coisa não foi do seu agrado?
Digo isto porque a minha colaboradora a viu a embarcar na carreira expresso com destino a Lisboa. Ela disse-me que estranhou, porque enquanto fizera a limpeza, encontrara a sua bagagem. Não é um problema de doença, pois não?
- Não e sim posso dizer. Zangada estou mas comigo mesmo e doente só se a burrice for uma doença. Tal que até tenho vergonha e medo de lhe perguntar:
- Diga-me, a casa foi comprada ou alugada por aquele casal que me convidou?
- Não, Dona Catarina, a casa foi alugada em seu nome, e eu que a vi passear com o casal fiquei tranquilo, não insisti pela devolução do contrato e, muito menos me preocupei com o pagamento.
- Acredite senhor Costa, tudo foi tratado sem o meu consentimento. Fui burlada. Mas peço-lhe um favor, não conte a ninguém, mande por correio electrónico as referências e o montante para eu lhe fazer a transferência. E já agora faça-me mais um favor. Diga à Zulmira que meta as minhas coisas nas malas e mas enviem pelo autocarro expresso. Mas não tem pressa, será quando vos for possível.
- Esteja descansada, respondeu o interlocutor com a voz sumida. Descanse e vai ver, amanhã tudo lhe parecerá mais claro, as nuvens desaparecerão e o sol voltará a brilhar. Toda a gente já foi enganada pelo menos uma vez na vida.
Retomou a viagem, no seu íntimo queria acreditar que a burla se limitara ao aluguer da vivenda, mas tinha medo, nem queria pensar que a casa não tivesse sido a única burla.
- E o iate, o combustível, as viaturas?
Pensar no que lhe acontecera era um suplício que aumentava hora a hora.
Estava exausta, destruída quando entrou em casa.
Sentiu algum alívio. Estava no seu castelo e teria amigos a quem pedir ajuda.
Anichou-se no sofá da sala e finalmente dormiu. Acordou na madrugada do dia seguinte. O corpo estava dorido, como se tivesse si empurrado por uma ribanceira.
 Ligou para as duas ou três amigas mais próximas, estariam de férias e desligaram o telemóvel ou não quiseram atender. Ficou com a dúvida.
Ligou para o editor da revista, que não estava disponível para a atender.
Catarina insistiu por uma entrevista e conseguiu-a para meados de Setembro.
Mais dois ou três tentativas de pessoas com que tinha relações profissionais e alguma intimidade, o telefone tocava mas não obteve resposta.
Finalmente percebeu, a sua aventura já viajara nos media e ela passou a ser uma pessoa a evitar. De repente, ela que era procurada para qualquer chá ou encontro social deixou de ser um valor e passou a ser um empecilho inconveniente.
Era a vida, filosofou.
Mas precisava de ajuda, de amigos, mas teria que os encontrar fora do circuito social onde se movimentava.
De repente o telemóvel tocou, atendeu e ficou feliz ao ouvir uma voz amiga, dizendo:
- Catarina, lembra-se de mim? Sou a Valéria, aquela estudante que estagiou consigo e aprendeu os valores da vida. Um deles foi o da amizade.
Todo o mundo sabe o que lhe aconteceu, não se preocupe, eu já não trabalho em revistas cor de rosa. Segui outro caminho onde me sinto bem.
- Sim Valéria, lembro que lhe ensinei a não se deixar deslumbrar pelas luzes da ribalta.
Eu ensinei mas a professora esqueceu-se do seu papel do circo. Obrigada por ter ligado. Foi talvez o único momento bom que tive, nos últimos dias.
- Então fique descansada eu vou passar pela sua casa, se ainda se lembra moro perto, passarei no supermercado para comprar comida para a nossa refeição. Depois poderá desabafar e combinaremos o caminho a seguir.



quarta-feira, 29 de agosto de 2012

OS DIAS DO FIM

REGRESSO A CASA

 Foi detida, levada para o posto policial, conjuntamente com um grupo bem numeroso de frequentadores do clube. Estava aturdida, os amigos não estavam nesse grupo e ela olhava em redor, não conhecia ninguém.
Perguntava-se como a Polícia encontrara cocaína na sua mala, mas estava bloqueada, não encontrava resposta.
Reconhecia que bebera, talvez de mais, não se lembrava nem da primeira bebida que pedira, quando se sentara ao balcão. Estava vazia, perdida no nevoeiro e só.
Enquanto a carrinha celular circulava, assistiu ao romper do sol. Mas era estranho, via apenas por uma nesga, por entre as grades da janela. E chorou, as lágrimas caíram em torrente, sem parar. Nada lhe parecia real, vivia um sonho, só podia ser um sonho. Mas o grupo de pessoas, homens e algumas mulheres, que foram saindo da carrinha e encaminhadas para uma sala onde quase não cabiam e que a empurravam trouxeram-na, finalmente, à realidade. Estava numa esquadra de Polícia e uma a uma as pessoas do seu grupo iam sendo chamadas e nenhuma voltava àquela sala. Restavam talvez uma dúzia, que se olhavam sem se verem. Eram os que viviam o pesadelo da ressaca do consumo de droga. Mas ela não se drogara, tinha a certeza e ninguém dava por isso, perguntava-se com a angústia que lhe corrompia o peito.
Uma mulher polícia entrou na sala dos mortos vivos, ajudou-a a levantar do canto onde se tinha escondido, perguntando:
- A senhora não ouviu chamar o seu nome? Já chamaram por si e há mais de duas horas. O seu nome é Catarina Mesquita e Morais não é verdade?
- Sim, respondeu com voz sumida e rouca.
- Então, venha comigo, já estaria despachada se estivesse estado atenta.
Entrou num gabinete onde uma senhora ainda jovem se sentava à secretária tendo a seu lado uma oficial de Polícia e um outro homem que escrevia no computador. Percebeu então que ia ser interrogada, despertou da letargia, secou as lágrimas com as mãos vazias e falou.
Falou de tudo, da sua experiência, dos amigos com quem passava férias, da despedida no clube nocturno, do encontro com um senhor natural de Barcelona, eu lhe fizera companhia, pois como ela, também ficara só, perdido no meio da confusão.
Dançaram não se lembrava de quanto tempo mas cansados, descansaram num recanto da sala, longe dos holofotes e da pista de dança. Aliás fora esse senhor, cujo nome não sabia, que até lhe encontrara a mala de mão, que deixara esquecida numa cadeira do bar.
 Contou o que sabia, deu os nomes dos amigos de férias, a morada onde viviam, o fascínio que eles tinham pelo mar, navegando de dia e principalmente de noite, a bordo duma iate muito bonito, chama-se Sultão, precisou. Praticavam caça submarina e aquela festa, fora a despedida. Os dois casais haviam acordado navegar para o Mónaco.
Falou de tanta coisa mesmo do que lhe não havia sido perguntado. Terminou com os olhos no chão, exausta e confusa.
A senhora sentada na secretária perguntou ao funcionário sentado ao computador se tinha tomado nota das declarações, e recebeu a resposta, sim Doutora Juíza.
Catarina ouviu, Juíza, e levantou os olhos do chão. A Juíza olhou para ela e disse com um leve sorriso: 
- Não me recordo de em algum interrogatório, ter encontrado uma pessoa que contasse tudo, até o que não lhe foi perguntado. A senhora ou é uma excelente actriz ou é de uma ingenuidade que custa a perceber. A senhora sabe, porque é do seu ofício, que o consumo de droga é uma constante, infelizmente cada vez mais evidente, durante as férias de verão. E o Algarve também está na rota do tráfico.
Acredito no que me contou, mas tem contra si a cocaína que foi encontrada na sua mala e cuja origem não consegue explicar.
E por isso terá de ser ouvida em julgamento. Vou-lhe fixar a pena mais suave, ficará livre, sujeita a termo de identidade e residência.
O senhor oficial de justiça vai tomar nota da sua morada permanente, depois lerá o seu depoimento que a senhora assinará, em caso de conformidade.
Agora volte para casa. Tenha mais cuidado com os amigos que escolhe para as férias de verão.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

OS DIAS DO FIM

A NOITE DO CAÇADOR

Catarina conhecia as pessoas, as festas, as ligações, os mexericos, enfim muito do que os veraneantes nacionais procuravam. Pela primeira vez encontrava pessoas que gostavam do mar, de mergulhar e tirar fotografias e se divertiam gozando os favores da natureza.
E ela cansada de tantos anos do mesmo, sentia-se feliz com a quietude daqueles dias de férias.
Apenas por uma vez acompanhara os amigos no passeio de iate. Fora demasiado tempo Catarina receava o excesso de sol e não tomou as precauções que devia e pagou por isso,
Foi medicamentada e obrigada a por ficar em casa. Menos mal, pensava, assim escrevo as crónicas para enviar para a revista e vou escrevendo o último capítulo do romance que começara, já nem se lembrava quando.
 Os companheiros resolveram que seria um novo desafio navegar e mergulhar de noite, lá bem longe da costa.
A tranquilidade no mal alto, a beleza do mar iluminado pelas lanternas que colocavam sobre a cabeça, a paisagem quase irreal que o mergulho lhes proporcionava deixou-os fascinados e esqueceram os planos de férias. A noite seria passada no mar, ancorados lá bem distante da costa, mergulhando ou descansando embalados pelo suave movimento das ondas, respirando o ar puro e olhando as estrelas.
Estavam decididos a prosseguir o mergulho nocturno, mas Luísa confessou que não se sentiria confortável ficando só, enquanto os amigos mergulhavam pelo que optava por ficar fazendo companhia a Catarina.
Esta não percebia o seu papel naquelas férias. Tinham pedido para que ela fosse cicerone durante as férias mas se tencionavam passar os dias e as noites dentro do iate a navegar ela estava a mais. E começou a mostrar alguma inquietude.
Até que Luísa se impôs, dizendo:
-Vocês escolheram o barco e eu e a Catarina ficamos aqui, conversando e aguardando que se dignem voltar, cansados e cheios de sono. E nós, as nossas férias onde ficam?
 Vocês podem continuar a vossa brincadeira mas eu e a Catarina vamos impor regras.
Temos transporte, a Catarina conhece pessoas e lugares que eu gostaria de partilhar. Jantaremos fora quando nos agradar, iremos ouvir música, beber um copo e dançar.
Um dia talvez tenham uma surpresa. Ao regressarem estas duas amigas estarão nalguma festa até ao romper do sol.
Adérito ficou em silêncio mas olhou para Jean Paul e Monique e respondeu:
- Eu compreendo a tua irritação mas tu sabias os nossos gostos e foste tu que me entusiasmou a comprar o iate. Já te esqueceste?
Mas admito que te sintas presa e queiras sair. É normal e com a Catarina eu fico descansado. Também começamos a ficar cansados nestas saídas nocturnas, precisamos de navegar em outras águas, e até já falamos que no início da próxima semana, seguiremos navegando até ao Mónaco. Eu sei que tu vais adorar e a Catarina está também convidada para fazer esse cruzeiro. Que me diz?
- Eu não posso aceitar, diz Carolina. Mas não se preocupem comigo. Na próxima segunda feira, tenho um convite para almoçar com uns amigos e depois partirei de regresso a casa. Deixarei a chave da casa no café do costume. E espero se divirtam, Monte Carlo será sempre um destino obrigatório.
 Então assim, diz Luísa, hoje é sábado, iremos jantar no restaurante que a Catarina nos indicar, um jantar especial, depois música e dança até ser dia.  
Jantaram, conheceram gente da sociedade e depois saíram para um clube nocturno nos arredores de Albufeira. Era um espaço novo, grande e estava a ficar cheio de gente que Catarina não conhecia. E então cometeu novo erro.
Viu-se sentada ao balão do bar, tomando uma bebida enquanto os companheiros se perderam no meio da multidão.
Um homem novo, estrangeiro sentou-se ao seu lado e começou a conversar. Era natural de Barcelona, estava de férias e aborrecido, a família andava perdida na confusão e ele ficara, como ela, só. Aproveitamos para dançar?
Catarina sorriu, desceu do banco, deixou-se enlaçar e dançaram ao som de uma música suave que o DJ pusera a tocar.
Encontraram num recanto fora da pista de dança, uma mesa vazia que ocuparam.
Conversavam enquanto bebiam, Catarina não ficara imune ao charme do trocaram um beijo cúmplice. Catarina riu enquanto procurava apagar um sinal que o batom deixara na face do companheiro de dança. Foi abrir a mala para tirar um lenço e teve um sobressalto. A mala onde é que eu perdi a minha mala?
- Já sei, disse o companheiro, deve ter ficado no balcão. Espera vou buscá-la e já volto.
Voltou sorridente com a mala na mão dizendo que a encontrara na cadeira vazia do balcão onde se haviam conhecido.
Catarina ficou nervosa, olhou para o relógio, já passava das cinco da manhã e dos amigos nem sinal. O companheiro de dança também desaparecera, certamente fora ao encontro a família.
 E eu fico aqui sozinha. Estou farta dos companheiros de férias, vou-me embora.
Saiu e ficou perplexa. Uma brigada da Polícia bloqueava o recinto. Alguma coisa se passara e ela não se apercebera. Encontrou uma oficial de Polícia a quem se dirigiu perguntando se podia passar. A oficial olhou para ela e pediu-lhe a mala. Abriu-a, olhou-a nos olhos e disse:
- A senhora vai entrar naquela carrinha e ficará detida para interrogatório.
- Mas que mal é que eu fiz, pergunta Catarina?
- Mal não sei, a senhora só terá que explicar onde arranjou os envelopes de pó branco que tem na sua mala Eu acredito seja cocaína. E a senhora acredita em quê?








quinta-feira, 23 de agosto de 2012

OS DIAS DO FIM

DE OLHOS FECHADOS

O dúvida  foi desaparecendo pouco a pouco.
 O casal de amigos que a tinham convidado e com os quais não tinha intimidade, revelaram-se gentis, alegres e interessantes. Acabaram confessando que o nome de Catarina para os acompanhar durante as férias lhe tinha sido sugerido por um amigo. Na realidade eram as suas primeiras férias em Portugal e sabiam que para frequentar os círculos mais na moda, precisavam de ter alguém que lhes abrisse a porta.
Foram tão sinceros que Catarina compreendeu e se dispôs a ajudar.
Durante uma noite calma, depois de terem jantado num vulgar restaurante da marina, Adérito e Luísa, assim se chamavam os amigos, convidaram Catarina a passear no passeio junto à marina. Pararam em frente dum iate, de porte médio baptizado de Sultão. Adérito sorriu e confessou que aquele brinquedo lhe pertencia e que na sua compra gastara uma significativa parte da herança que recebera do Pai, emigrante no Brasil desde os anos sessenta, entretanto falecido.
Esta era a surpresa que lhe reservámos, concluiu Adérito. A Luísa é como eu uma apaixonada pelo caça submarina e o iate é o nosso meio de fugir das praias e gozar o esplendor do mal alto, este mar tão azul que nos fascina e desafia.
Esperamos que a Catarina se sinta bem e será nossa convidada na nossa próxima expedição. Para que conheça o conforto que podemos usufruir venha conhecer o nosso Sultão.
Catarina já conhecera e navegara em iates de grande porte e conforto, mas aquele tinha qualquer coisa de diferente. Talvez fosse o ambiente mais acolhedor ou a sensação que aquele barco fora construído para voar sobre as ondas. Sentados nas cadeiras no tombadilho, tomavam uma taça de champanhe que Adérito abriu para selar a amizade.
Começava a soprar uma brisa fresca, era altura de regressar a casa, propôs Luísa, até porque amanhã, com os vizinhos da casa ao lado, nossos conhecidos de férias em Cannes, faremos a primeira sortida no Sultão.
- A Catarina não é adepta da caça submarina, pergunta Adérito?
- Não de facto não sou. Gosto do mar, de ouvir a música das ondas, mas mergulhar só na praia.
- Mas deixemos a aventura da caça submarina para os viciados, o Adérito o Jean Paul e a Monique e eu ficarei consigo lendo e gozando o prazer do horizonte distante, sugeriu Luísa. Aceita?
- É uma excelente ideia, aceito.
No outro dia enquanto Adérito pilotava o iate e o casal francês se equipava para mergulho com garrafa de oxigénio. Luísa confessava a sua inexperiência no contacto com a gente da sociedade. Catarina lembrava que o que agora sabia aprendera numa noite que não mais esqueceria e contou a sua experiência:
- Quando, alguns anos atrás comecei a frequentar o Algarve, procurando matéria para crónica e artistas em ascensão, foi convidada para uma festa de espuma. Não sabia o que era mas aceitei com natural curiosidade.
Vi homens e mulheres que se banhavam numa piscina interior cheia de espuma. Sem dar por isso bebi demais e acordei meia despida no recanto dum quarto. Não me recordava de mais nada, nem encontrara no corpo vestígios de algum acto sexual. A bebida que me deram tinha algo que me fez esquecer. Nunca entendi se fui apenas uma boneca de diversão ou se num rasgo de consciência me escondi naquele recanto.
Era madrugada quando me encontrei e decidi fugir.
No salão havia corpos enlaçados e roupas estendidas pelo chão. Foi com umas calças e um casaco de homem, que me vesti e descalça corri por entre os jardins até ao apartamento que alugara. Meti-me debaixo do chuveiro, esfreguei o corpo com força como se quisesse arrancar a nódoa e a vergonha que sentia.
Nunca mais esquecerei aquela aventura e não vos aconselho a aceitar uma coisa no género. Comigo não poderão contar. Em absoluto, não. Agora os meus olhos, estarão abertos.


terça-feira, 21 de agosto de 2012

OS DIAS DO FIM

SILLY SEASON

Catarina por razões de ofício, frequentava um meio pródigo em traições, casamentos, divórcios, com uma elevada percentagem de pessoas que viviam vendendo a imagem e, ela sabia, alugando o seu corpo. Mulheres sem trabalho, a juventude já passara, e homens jovens, que se serviram do próprio corpo para satisfazer desejos inconfessáveis e assim disfarçarem a falta de talento ou de oportunidades.
 Naquele dia do início do mês de Agosto, era o período de férias, mas para ela seria o período em que se teria de transformar numa mulher fútil, disponível para comparecer nas festas que os ricos ou pretensamente ricos se entretinham a organizar nas noites do Algarve.
Era uma mulher ousada mas difícil. Não enjeitava um galanteio, uma dança mais sensual mas sabia como e quando parar.
 Ela vivia escrevendo sobre os outros, conhecia as pessoas que enchiam as páginas das revistas cor de rosa, que eram o filão dos fotógrafos, dos profissionais de relações públicas e de  caçadores de escândalos, que se atropelavam nas praias da moda.
Catarina também sabia que a exposição pública tinha um preço, uma fotografia com roupa de marca, mesmo que emprestada, enchendo páginas de revistas que tinham consumidores certos, nas donas de casa a quem a sorte não sorrira, custava dinheiro que alguém teria que pagar de uma forma ou de outra.
Conhecera homens e mulheres que se deixaram arrastar para caminhos sem saída e que se haviam transformado em criados dos verdadeiros senhores da noite.
A vida custa a todos, filosofava Catarina, enquanto assistia ao assédio de velhos caducos com algum dinheiro disponível, às jovens das telenovelas, ou o namoro de mulheres com idade disfarçada por três ou quatro operações plásticas, que cobiçavam uma hora de prazer com um jovem disponível.
Essas eram ao mesmo tempo, exemplos trabalhados pelos meios publicitários, que geriam as contas das clínicas especializadas.
Já tentara escrever mais do que um artigo criticando a mentira das férias Algarvias, mas o editor da revista recusa a sua publicação, com o argumento que o que faz vender não é a verdade mas sim a ilusão.
E ela que precisava de ganhar a vida, ia fingindo não perceber os sorrisos sensaborões e ensaiados dos habituais frequentadores das noites de férias,e tratava-os como gente importante, bem vestida e elegante.
Assim pela mediocridade, pela felicidade fingida, pelo vácuo de ideias, pela inveja, pela ausência de valores, o nome apropriedado do Agosto das férias, era mesmo o da silly season.
Catarina estava farta das mentiras, dos segredos que já toda a gente sabia, da homossexualidade assumida ou disfarçada, dos casais improvisados, mas não tinha como fugir ao assunto.
Tencionava passar alguns dias de férias, misturada com a gente anónima. Apanharia o sol da manhã e depois de um bom banho de mar, regressaria e casa, e no pequeno apartamento escondido no meio de uma urbanização feia, de acordo com os elevados parâmetros de qualidade, dos construtores civis que tinham destruído o Algarve, escreveria a sua habitual crónica para a revista, e continuaria a escrever o romance que, tão depressa avançava página sobre página, como regredia ao ponto de partida.
Apenas uma parte não mudara, o título que desde o início havia escolhido. Chamar-se-ia  "Os Dias do Fim" e a história inspirada num facto real, seria o relato da ancensão e queda duma antiga colega, mulher que incendiara corações e terminara pobre e ferida, abandonada num mundo cruel, indiferente às fraquezas e à dor.
Já tinha delineado os capítulos da história, mas faltava o impulso para dar corpo a uma mulher que fora um mito. Uma imagem fugidia, como o clarão de um relãmpago que anunciara uma tempestade.
Catarina planeava mas o destino trocou-lhe as voltas. 
Foi com muita resistência que acabou por deixar para trás os seus planos. Aceitou o convite de um casal que conhecera socialmente, para passar uns dias de férias na vivenda que o casal comprara em Vilamoura.
A simplicidade com que o casal se apresentara, vencera a sua resistência. Admitiu que não conhecendo na intimidade aquelas pessoas poderia escrever sobre um outro mundo. Ambos tinham aspecto de desportistas e isso poderia ser um assunto fora do comum.
Mas no fundo sentiu um pressentimento. Chegou a pensar em arranjar uma indisposição e ficar em casa, mas hesitou e embarcou numa viagem, que não iria ser como as outras.

domingo, 19 de agosto de 2012

OS DIAS DO FIM


O INÍCIO

Catarina Mesquita e Morais, divorciada, passara a barreira dos trinta anos, mas conservava o corpo e a vitalidade de quem se cuidava. Não se deixara infuenciar por dietas da moda,  frequentava o mesmo ginásio de sempre.
Tinha um grau académico, não lhe servira para nada. Acabou por se tornar empresária, dirigindo uma agência de modelos. Completava a sua actividade com a gestão de carreiras de pessoas ligadas aos meios audiovisuais, obtivera alguns exclusivos de progamas de entretenimento das grandes cadeias de televisão, geria os direitos e reservava a última palavra sobre o elenco e a adaptação dos programas que eram comprados pelos canais habituais. 
Ocasionalmente produzira também programas de Televisão com um formato adaptado à realidade de um mundo que ela conhecia bem.
Alguns  programas tinham ganho notoriedade, designadamente um talk show que se mantivera no ar durante um ano com emissão bi-semanal. O apresentador era excelente, mas deixou-se seduzir pelas parangonas das revistas da especialidade e perdeu o controlo. O programa foi interrepondido e Catarina não mais tentou recuperar o modelo.
 Pensava que o programa a tinha marcado negativamente. Doía-lhe constatar a  dependência dos expectadores de um programa sem grande conteúdo, cheio de lugares comuns e dominado por assuntos de nteresse reduzido.
Mas a fama e o dinheiro tinham contribuído para a sua independência mas não tinham apagado os sonhos.
Reduzira a sua actividade, não se expunha, mas escrevia sobretudo sobre questões de sociedade. Escritos simples e sem conteúdo, assim como era a vida da sociedade que retratava.  
Logo a sua vida empresarial modificou-se e corria aos altos e baixos mas não se queixava. Tinha nome, tinha amigos de verdade, poucos, mas muitos de oportunidade, conseguira juntar um pé de meia para os dias chuvosos que, no mundo do entretenimento, costumam ser frequentes.
Ambicionava escrever sobre o munda que conhecia, tinha muito material disponível mas ainda não ganhara a distância necessária para ser isenta. 
Morava numa moradia, num lugar no concelho de Oeiras, moradia simples, mas que decorara com cuidado.
Não tinha jardim, o que lamentava, nem espaço para tal, e essa lacuna funcionava como justificação para a falta de piscina, quando em conversa com mulheres que se reclamavam da alta sociedade, as ouvia falar do prazer de se espreguiçarem na borda da piscina.
Catarina que conhecia demasiado bem a maior partes dos colunáveis, fingia acreditar nos devaneios de quem morava num simples apartamento, bem longe do eixo Lisboa Cascais.
Ah é verdade, era divorciada sem filhos. O ex-marido um construtor civil com mais ambição do que capacidade para gerir um negócio, deixara uma enorme dívida à Banca, três ou quatro blocos de apartamento em fase de construção, dois lotes sinalizados mas sem projecto aprovado.
Era todavia um homem ambicioso, mas com pouco jeito para o negócio, quisera passar de Engenheiro de uma empresa de construção civil para trabalhar por conta própria, mas faltavam-lhe os contactos e os amigos das Câmaras e os seus projectos de construção eram rejeitados ou exigiam a alteração da volumetria, o que tornava o projecto financeiramente, um desastre.
Era teimoso, decidira que apesar das dificuldades seguiria em frente. O final estava bem à vista, dívidas sobre dívidas, penhoras fiscais e congelamento das contas bancárias. Em resumo estava falido.
 Entrou mal e em plena crise económica, ficou pior. Perseguido pelos Bancos, pelo Fisco e pelos compradores que haviam sinalizado a compra, não hesitou e fugira sem deixar rastro.
Catarina perdera o contacto com o ex-marido logo a seguir ao divórcio. Sabia que ele, teria refeito a sua vida e ela quase o esquecera.
Quase, era ser optimista, nos oito anos que durara o casamento, por entre os dias de sol e a chuva da traição, sempre alguma coisa ficara. Nem tudo fora mau, tinham vivido momentos felizes e separaram-se sem recriminações. Fernando o ex-marido, tinha uma vida muito própria, ela nem quisera saber como ele pagava as contas. Só sabia que ele fora obrigado a pagar-lhe uma pensão mas que nunca cumprira.
Eram tão diferentes que dificilmente o casamento daria certo.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

AMANHÃ É OUTRO DIA

Depois da tempestade vem a bonança. Quando?
 Depende, uns mentirosos dizem que será em 2013, outros mais prudentes dizem que será em 2016 ou em 2020, dependendo da conjuntura, etc. e tal.
 E eu por precaução não acredito nem nuns nem nos outros. Todos leram a mesma cartilha, fizeram os seus estudos mais ou menos com sucesso pois não esqueceram que uma crise tem sempre um enorme potencial de enriquecimento, e todos tiraram proveito da lição.
Os mais capazes aprenderam a utilizar a ferramenta fundamental de quem se entretém a fazer adivinhações. Na realidade o Excel permite justificar uma teoria e logo a seguir o seu oposto. Tudo depende da capacidade inventiva de quem quer fazer figura de muito avisado ou prudente ou de arrojado e destemido.
Depois mantemos a fórmula e vamos alterando as variáveis. No fim alguém há-de acertar e os que tiverem sobrevivido ao holocausto que se aproxima, exigirão eleições e como de costume, escolherão os menos competentes.
E terá que ser assim, porque sempre assim foi. E de vitória em vitória lá se chegará à derrota final.
Entretanto vamos esquecer os políticos e pensar que, amanhã será sempre um outro dia.
É aquilo que eu vou fazer. Passado este interregno vou voltar a escrever histórias inventadas do dia para a noite. Tem para mim uma vantagem de que enquanto as vou escrevinhando me afasto da nuvem radioactiva, que os órgãos de informação (?) nos vão despejando em cima.
Por isso ficam desde já avisados. Amanhã será outro dia e a saga vai continuar. Até quando?

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

SONHAR


É verdade, o pesadelo deixou marcas. O meu amigo fez-me ver aquilo que muitos já terão pensado mas nunca  disseram. Aquele gajo, o homónimo do John Doe, ou vice-versa, anda a inventar histórias a pataco, satisfazendo a sua enorme vontade de escrevinhar, como se a quantidade fosse o padrão a seguir.
Mas pensar uma história, escrevê-la tentando dar-lhe princípio meio e fim não é fácil.
Na realidade se optasse por escrever crónicas iria sempre desembarcar na praia dos perdidos, dos desenganados, dos sobreviventes. Seriam sempre histórias de lágrimas e de dor.
Não quero ser mal interpretado. Escrevo porque gosto, escrevo só para mim. Perco-me não poucas vezes, mas sigo sempre o caminho que escolhi. Passo para o papel sentimentos genuínos. Serão recordações de quem viveu intensamente os seus dias, que nunca se deixou aprisionar pela conveniência, que apenas estendeu a mão para agradecer  a amizade, nunca para pedir favores.
Fugi a tempo da armadilha da política, fiz a guerra e regressei com as mãos limpas.
Podia ter sido outro, dizer que sim mesmo quando a resposta correcta era não. Mas não me arrependo, fui o que fui, sou o que sou.
Um sonhador que aprendeu a contar as estrelas, a ouvir o canto dos pássaros, a azáfama das abelhas. Um sonhador que semeou o trigo e o ceifou. Que passou noites ao relento, guardando o cereal e esperando o vento para nos ajudar a separar o grão da palha, despojos de um dia de canseira, guiando parelhas de burros que esmagavam as espigas, dando voltas e mais voltas, sobre o empedrado da eira. 
Um sonhador que logo que aprendeu a ler, devorou todos os livros a que teve acesso
Depois o sonhador deixou-se embalar nas palavras, por vezes duras mas sempre belas da poesia.
E aí parou. Depois de ler os poetas já não podia avançar mais. Por aqui ficou.
E por aqui fico. Neste arrazoado de palavras falando de mim, ainda de mim e por fim…de mim. Vejam, é o resultado dum sonho que se transformou num pesadelo.
E como diz o poema de António Gedeão:

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.”

Mas não foi assim, não é assim. O sonho morre cada dia que passa, porque a realidade, cruel e insensível  mata a poesia de um sonho.



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segunda-feira, 13 de agosto de 2012

ATERRAR EM PORTUGAL


Foi um sonho lindo que vivi por algumas horas. Flutuava do espaço, deitado numa nuvem branca, olhando o brilho das estrelas. Tudo era paz e silêncio. O Paraíso teria que ser algo parecido.
Mas era uma noite diferente, iria terminar o pequeno período de férias e no dia 13 de Agosto do ano da graça do senhor,  todas as notícias vividas num ano de profundo desencanto, esquecidas durante o período de ausência, começaram a reclamar o seu lugar.  E o sonho lindo começou, pouco a pouco, a tornar-se mais agitado como se o meu subconsciente tivesse sofrido um abanão.
E era, o meu amigo John Doe já esperava por mim. Sim o meu amigo do peito aguardava que eu aterrasse da minha viajem ao mundo da magia e da tranquilidade, para me dar as novidades.
E eu vi-o sentado na frente do computador e com uma página de excel aberta que analisava com toda a atenção. Na sua frente lá estava uma cadeira desconfortável,  cheia da tralha do costume, livros, jornais, panfletos de publicidade, o folheto do fornecedor de pizza, etc. Sentei-me e ouvi:
- Acabei de fazer o balanço e o apuramento do resultado dos saldos de verão.
E não tenho boas notícias.
 Tivemos algum sucesso com o crescimento das visitas, mas ficamos muito longe do objectivo.
Os monos continuam monos, nem um saiu, e é preciso enfrentar a situação, reconhecer o que fizemos de errado e teremos de baixar os custos por hora de trabalho.
Só assim poderemos sobreviver neste mundo louco, cada vez mais perdido entre os sonhos e a realidade.
O nosso sonho corre o risco de se esfumar. E assim acontecerá se não tivermos a coragem de aplicar as mais severas medidas de controlo da despesa.
Fiquei a olhar para o meu amigo. Parecia-me uma visão reflectida num espelho mas o seu semblante era um mau prenúncio. Com a voz sumida e trémula arrisquei:
- Queres dizer que me vais empurrar para o horário zero?
- Horário zero, o que é que tu estás a pensar?   Receber sem trabalhar? Julgas que isto de escrever e alimentar de histórias e colagens de imagens é como se fosse a Assembleia?  
Engoli em seco, não percebera a alusão e esperei para ouvir o programa de estabilização e de recuperação financeira. E ~para mal dos meus pecados ele chegou:
- O custo da hora de trabalho passará  de 1, 75 euros a que será deduzida a parte correspondente às contribuições para a segurança social da entidade empregadora e do assalariado;
- O assalariado deverá subscrever um seguro de saúde cobrindo os riscos de quebra de rendimento, designadamente a perda de lucidez;
- O horário de trabalho será de dez horas seguidas, com um intervalo de cinco minutos para uma refeição diária;
- Horas extraordinárias se as houver serão contabilizadas à parte e remuneradas com um acréscimo de 0,05% sobre o valor líquido de uma hora em horário normal;
- O regime de férias será aumentado, vá lá uma boa notícia, vigorará salvo disposição em contrário, do mês de Janeiro até final de Novembro de cada ano;
- Os feriados civis serão anulados, ficarão apenas os praticados nas religiões não oficialmente reconhecidas.
Acredita que esta estratégia exigente, reconheço, vai combater o desemprego, pois ficas com o teu trabalho assegurado, e ajudará a combater o défice de exploração e o desequilíbrio das contas da sociedade.
Entretanto a imagem do John Doe, já difusa e pouco perceptível, começou a esfumar-se e desapareceu do meu horizonte visual.
 Acordei banhado em suor, olhei à minha volta, era noite escura, caminhei descalço pela casa até ao escritório, o meu local de trabalho, guiando-me pelo hábito de tantos anos. No caminho tropeço numa cadeira e acabo estatelado no chão.
E com um riso alvar, ouvi uma voz distante, proclamar:
 Parabéns, acabaste de aterrar em Portugal.

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