quinta-feira, 29 de setembro de 2011

HISTÓRIAS ANTIGAS E DE SEMPRE


Se me fosse possível, pensei nisso mas não sabia como fazer, o meu último texto teria sido refeito, burilado, mexido e eventualmente apagado.
Comecei com a melhor das intenções, mas confesso que me perdi entre questões filosóficas e éticas das quais tive alguma dificuldade em sair.
Eu sabia que estas coisas podiam acontecer, mas teimoso como sou, publiquei sem reler.
Sabia o que queria dizer, os sentimentos que queria transmitir, mas uma qualquer deriva levou-me para caminhos desconhecidos e fiquei bloqueado.
Com os erros também se aprende, sempre ouvi dizer, mas na prática já não estou tão seguro assim. Senão, cometemos tantos erros, acreditamos em tanta gente, desfilamos por causas, discutimos com azedume as opções políticas e religiosas de cada um, perdemos amigos e referências, ficamos nus e desprotegidos e apesar de tudo o que é que aprendemos?
Sabemos que ouvir não basta é preciso entender e questionar, perguntar e entender o porquê, forjando o nosso caminho. E mesmo assim, quantas vezes se hesita entre a razão e o coração e ficamos reféns das nossas convicções?
Na realidade o texto a que me refiro começara com uma notícia triste e dolorosa, para mais para alguém que receava o futuro.
Mário Monicell, o protagonista da notícia com que comecei o texto, foi um realizador de cinema, e foi ao cinema que fui buscar a história de hoje. Enquanto revia a matéria para o artigo, lembrei-me de um filme, que foi exibido recentemente, e pela enésima vez, num dos canais de cinema da TV por cabo.
É uma bela história romântica. Mostra que por entre encontros e desencontros, alegria e dor, afinal mesmo com uma vida a prazo haverá sempre, tem de haver, espaço para o amor. E quando o amor existe, não se evita, vive-se por um dia, um ano, uma vida ou uma eternidade.
O filme é “Sweet November” e para além da história deixa-nos com uma das mais belas bandas sonoras que eu lembro.
Vá lá, esqueça o requentado programa da manhã da RTP, aquela Praça da Alegria que de alegria só lhe resta o nome, cale a voz estridente e agressiva da Júlia Pinheiro e dos seus convidados, esqueça por um dia, pelo menos, as histórias escabrosas de alguns personagens menores, que fazem a delícia das revistas cor de rosa e dos consumidores de pornografia, feche os ouvidos a qualquer notícia vinda de Belém, principalmente se ela tiver como pano de fundo as declarações infelizes, como quase sempre, do Presidente, a propósito das suas férias nos Açores e dos sorrisos com que as vacas o receberam, esqueça que o calvário da austeridade ainda nem sequer começou, esqueça que o Jardim existe e o inferno também.
Defenda-se e ao mesmo tempo veja uma história de amor. E se for sensível e deixar cair uma lágrima, não se apoquente, isso mostrará que apesar de tudo o que nos fizeram e vão fazer, estamos vivos.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

HISTÓRIAS ANTIGAS E DE SEMPRE


Eu estava na cama de um hospital quando soube que naquele dia 29 de Novembro de 2010, o realizador italiano Mário Monicelli, com o discernimento dos seus 95 anos, se suicidara atirando-se de uma janela do hospital onde estava internado. Comentei com uma enfermeira e ela com os olhos tristes reconheceu, que talvez fosse o gesto mais lúcido do realizador. E eu concordei.
Esta notícia não tem por finalidade fazer a análise filosófica que o mesmo merece, numa altura em que se discute o direito à eutanásia e ao direito a uma morte digna que alguém que decidiu parar de sofrer e partir. O grande realizador italiano teve um momento de lucidez e resolveu ele mesmo o problema. Mas temos que reconhecer que saltar dum quinto andar do hospital, não é uma forma digna de morrer. Ele merecia ter sido respeitado.
É um tema apaixonante que vai dividir a Sociedade de uma forma muito marcada. Não é um assunto fácil, não se pode responder em referendo mas é para mim inquestionável que se temos o direito a uma vida digna também temos o direito a reclamar uma morte com dignidade.
Muitas pessoas escolheram fazer o seu testamento vital impondo, no pleno uso das suas faculdades mentais, o direito de recusarem tratamento doloroso e sem resultado. É uma solução mas pode ser insuficiente e gerar conflitos.
O problema é que ao pressentir uma doença, e mesmo que contra o pensamento duma vida, há quem se renegue e se agarre à fé na esperança de um milagre. E tudo é legítimo.
Há muitos anos, creio que em 1974, li A “Carta -Testamento” do Dr. Mário Sacramento. Foi um texto que me marcou para toda a vida. E falo dela constantemente. O conteúdo da “Carta Testamento” toca precisamente este tema. Ele, médico de profissão ao conhecer a doença que o atingira, deixou um envelope fechado, dizendo “ Para ser aberto quando eu morrer” e assinou com a data de 7.4.1967.
Quando a carta foi aberta e divulgada eu retirei os seguintes parágrafos, cito:
“Fica portanto entendido que sou ateu e como ateu devo ser enterrado …”
Mesmo que eu ficasse pílulas ou sugestionável à hora da morte, isso não modificará ser esta a minha opinião responsável. É esta, por conseguinte, a única válida.” Fim de citação.
A leitura dessa carta remeteu-me para um livro notável. O Drama de João Barois do grande escritor francês, prémio Nobel da Literatura em 1937, Roger Martin du Gard.
Fui encontrar no blogue “Reencontros” um bom artigo sobre este livro. Não que tenha alguma afinidade filosófica, política ou religiosa com a autora, mas acho que é um artigo interessante e por isso retomo algumas ideias. “Afinal o tema do livro é e sempre a Religião. Deus. Poder. Educação Religiosa. Fanatismo e Guerras. João Barois escrevera o seu testamento enquanto lúcido, defendendo as suas ideias. Todavia a filha queimou o testamento. Nada restou da vontade de João Barois.”
Creio que foi por isso que Mário Sacramento se resguardou e acredito que a sua vontade foi respeitada.
A história recente mostra quanto a senilidade ou o medo da morte mudam as convicções. Eu vi Charlie Chaplin, senil e chorando de gratidão, agradecer uma homenagem que a Academia do Cinema dos Estados Unidos lhe prestou, depois de o ter expulso e ostracizado durante tantos anos. A memória teria desaparecido?
Por isso eu desejo manter as minhas convicções. Também defendo que a vida deve ser vivida enquanto fizer sentido. Não acreditando no além, seja ele onde for, entendo a morte como um acto supremo e solitário. E tudo acaba, salve-se a memória.


sábado, 24 de setembro de 2011

HISTÓRIAS ANTIGAS E DE SEMPRE

É verdade, pois mais volta que dê, há sempre um momento que me deixo guiar para o quotidiano e, invariavelmente, caio na armadilha da política de meia tigela.
Não pretendo fazer a análise política dos dias que correm. Outros se ocupam disso com mais ou menos conhecimento, dependente da filiação política de cada um. Mesmo na simples constatação de um facto, haverá sempre três ou mais leituras. E lá vamos cair na teoria que defendi no último escrito, que afinal é tudo uma questão de segurar ou baixar as calças. É pena mas é assim.
Também se diga que essa liberdade deve ser a última coisa que nos resta depois da Revolução dos Cravos. E para que não restem dúvidas, todos somos culpados pelo estado a que chegamos.





Toda esta confusão de diz e não diz, é assim e assado, fulano é mentiroso e sicrano um anjinho, é deprimente mas não é novo.
Ainda não há muito tempo alguém, com a melhor das intenções admito, se lembrou de lançar um concurso para eleger “ Os Grandes Portugueses”, personagens da nossa História, tendo convidado para darem opinião, uma série de personalidades de muito mérito, como são habitualmente os que estão na “play list “ dos convidados, acampados à porta da Televisão. E o que é que deu?
Fácil, qualquer ignorante como eu, já sabia que a pessoa mais importante foi o grande obreiro do Portugal moderno e feliz que toda a gente invejava, o Prof. Salazar.
Foi uma surpresa? Nem pensem disso.
E se repetirem essa consulta daqui por mais algum tempo, ou volta a ganhar o Salazar ou, acreditem ou não, será o Prof. Cavaco. Quase apostava.
Lá estou eu a beliscar os políticos. Não é defeito é mais feitio.
Dei por mim a pensar que influência é que eu bebi durante a minha vida que me leva a tratar esses assuntos duma forma tão ligeira e ao mesmo tão amarga?
Do meu Pai em parte, porque o vi chorar, quando por altura das eleições do Humberto Delgado o Chefe da fábrica onde trabalhava, lhe entregou em mão e à boca das urnas o boletim do Tomaz, aquele marionete que o Salazar inventara, ele que até levava no bolso o boletim de voto para o Humberto Delgado.
Essas lágrimas, as únicas que eu vi nos olhos do meu falecido Pai, nunca me saíram da memória e é desse momento que sempre me lembro, quando oiço falar de direitos adquiridos.
A herança que recebi do meu Pai, lembro bem, foi uma pedra de rio, própria para amolar o fio da gadanha, a mais terrífica ferramenta de trabalho que algum dia manuseei. Eu sabia o que aquela simples pedra representava. Mas sobretudo recebi a coragem de chamar os bois pelos nomes, ainda que utilizando formas mais rebuscadas para o fazer. Por exemplo o humor que ele utilizava.
Afinal sou assim, brinco com coisas sérias porque se o não fizer, chorarei como o meu Pai chorou, naqueles idos de 1958, quando violentaram a sua consciência e a necessidade de alimentar a família, o calou.
Obrigado Pai.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

HISTÓRIAS ANTIGAS E DE SEMPRE


Qualquer coisa se passou que me fez recuar no tempo e sonhar sobre moda. Foi estranho mas foi assim:
No meu tempo de juventude ainda era normal na indumentária masculina o uso de suspensórios. Até passou a ser moda que, alguns cavalheiros mais conservadores usassem o cinto e os suspensórios ao mesmo tempo, para segurar a mesma peça de vestuário. As calças.
Claro que essa moda era também um sinal de poder ou de dinheiro, coisas que antes como agora, andavam sempre de mão dada. Com os suspensórios e o colete por cima, exibindo a grossa corrente de oiro do relógio, o cinto de cabedal com uma grossa fivela sobressaindo da barriga, tudo mostrava que se estava na presença de um homem de respeito. Logo o Zé-povinho, cumprindo as suas obrigações e prestando a homenagem, baixava a cabeça e, pelo sim pelo não, segurava as calças.
Os pobres que eu conheci, não tinham esse luxo. As calças eram mantidas atadas por um pedaço de corda ou de cordel, que até tinha, muitas vezes outra utilização. Servia para lançar sobre um ramo de árvore, com um nó corredio e um corpo a balançar na ponta, pondo fim ao desespero de vidas sem futuro. E tantas foram.
Mas os tempos foram mudando e a moda foi deixando de fazer sentido. Nos novos tempos os comerciantes endinheirados e os trabalhadores que de um momento para outro enriqueceram, deixaram de usar carteiras recheadas, preferindo guardar o dinheiro no refúgio de um Banco, de preferência num qualquer off-shore.
Os pobres evoluíram do cordel para o cinto de plástico, muitos emigraram e subiram alguns degraus na escala social, voltando de férias aparentando sinais da burguesia.
A classe média, que toda a gente sabe é a base do crescimento económico interno, teve o seu apogeu logo após a revolução e foi incentivada a comprar casas e automóveis e a gozar férias, procurando os destinos mais exóticos. O crédito fácil permitia tudo isso e com um susto ou outro de permeio, foram construindo uma vida diferente mas alicerçada em bases pouco sólidas.
Os que eram pobres, pobres ficaram, mas após tantos anos de exploração, acreditaram que o seu tempo haveria de chegar.
E com a entrada na CE , do fluxo de dinheiro que encheu os bolsos dos mesmos de sempre, ainda sobraram algumas migalhas para os mais espertos.
Foi o período de ouro. Até tivemos o orgulho de ver, nas páginas da revista Forbes, os nomes de alguns esforçados trabalhadores Portugueses a integrarem as listas dos mais ricos. Muitos por lá se têm mantido o que só prova a qualidade dos nossos gestores e trabalhadores beneficiários do surto de desenvolvimento económico que varreu o País. Tudo estava bem e o dinheiro continuava a cair sobre a economia. Então para quê trabalhar? Os Alemães até não sabiam fazer outra coisa!
Ingénuo que eu fui, que todos fomos, a factura mais tarde ou mais cedo haveria de chegar e nessa altura voltaríamos a andar, como a maior parte do tempo da nossa História, de mão estendida e calças na mão.
Não se pense que o hábito de baixar as calças desaparecera. Não, sempre que havia eleições, quando havia mudança de poder nacional e local, havia quem retomasse esse velho costume.
Daí a célebre frase “no jobs for the boys” que traduzida para Português quer apenas dizer que de vez em quando é preciso dar a vez a outros para meterem a mão no pote, nem que para isso tenham de baixar as calças.
Estava nesta baralhação quando acordei. Respirei fundo, voltei a deitar a cabeça mais aliviado. Tinha sido um pesadelo, era bem de ver. Tudo fora diferente.
Já tinha engolido a minha dose diária de publicidade do mérito do Governo, já tinha ouvido mais uma dezena de assaltos, alguém apregoava mais algumas atabalhoadas medidas de austeridade que, como sempre dão em nada e a parte mais fácil da governação, sacar dos bolsos dos contribuintes do costume, o dinheiro que é preciso para pagar aos credores. Nesse momento recordei o meu sonho e me lembrei do jeito que faria agora ter as calças seguras com o cinto e com os suspensórios, para evitar males maiores.
Eis senão, quando para meu espanto, ouvi mais uma novidade. É que meia dúzia de indivíduos sem vergonha, utilizando e mentira e a trafulhice nas contas, capitaneados por um desclassificado, tinham passado mais de trinta anos a enganar os cubanos, com toda a desfaçatez e desprezo. E percebi, eu também sou cubano.
E os parolos desta terra, que mesmo sem se darem contam, andaram a ser roubados, serão agora chamados a pagar. E lá vamos deixar ir os anéis, os cigarros, a cervejinha, a meia garrafa de vinho, o bacalhau e a vergonha que restar.
Mas espera lá, disse para comigo, eu até me lembrava que há relativamente pouco tempo teria ouvido o nosso prestigiado Presidente a dizer ao dono da ilha da Madeira, que a sua governação era um exemplo a seguir. E pior, é que o Presidente dissera aquilo tudo para quem o quis ouvir, de viva voz e eu nem dei que um dente lhe tivesse caído por tamanha aleivosia.
Voltei ao sonho. Querem ver, afinal o senhor Silva que foi ao Jardim do Atlântico dizer aquelas parvoíces, já não usava suspensórios e não levara o cinto das calças. Bem feito.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

HISTÓRIAS ANTIGAS E DE SEMPRE

Devo confessar que para mim, o fado nunca foi uma paixão. É estranho ouvir esta opinião quando se luta, e bem, para que o Fado seja escolhido como Património da Humanidade. Eu desejo que sim e reconheço a importância que esta música tem no destino de um Povo.
- Dizem que ser hoje como sempre, pobres e mal governados é o nosso fado;
- Dizem que ser o que somos, resignados e vencidos também é o nosso fado;
- Dizem que cantar o fado neste “tom magoado de dor e saudade” é o nosso destino.
Afinal tanto se diz e o Povo, na sua imensa sabedoria, costuma ter razão.
Todavia se a alguém for perguntado o que mais aprecia em Portugal, virá o sol, a comida e o fado. Então o fado deixou de ser um lamento só entendido pelos Portugueses mas também, o som das guitarras e as vozes dos cantadores, começou a ser partilhado com outros povos, outras culturas, outras línguas. Nem sequer é preciso entender a língua Portuguesa para se sentir a magia, a nostalgia e a força do fado. E esse foi o legado que Amália nos deixou.

Logo após a revolução de Abril de 1974, a revolução dos cravos, que quase sem uma gota de sangue derramado, deu o fim a uma ditadura opressiva de mais de quarenta anos, o fado começou a ser conotado com a política salazarenta e ostracizado. Mas pouco a pouco, o fado renasceu em novas vozes, com outros poemas e cantado por gerações nascidas depois da Revolução.
Que conclusão é que consigo tirar destas palavras, eu que nem gosto particularmente de fado?
Só pode ser uma. O Fado era é e continuará a ser a voz dum um Povo que não se renegou.

Na minha juventude aprendi a gostar de um outro tipo de fado. O fado de Coimbra, mais uma balada que um fado, mas que era um privilégio dos Estudantes da mais conhecida Universidade do País, a de Coimbra.
Era estranho, ele só era reconhecido se cantado por estudantes de capa e batina.
Na altura, a Rádio dava semanalmente um programa de fados de Coimbra. Ouvia em silêncio em casa de alguém que já partiu e que teve uma influência muito grande na minha educação. Minha e da minha irmã mais nova, companheiros de estudo e de brincadeira.
Essa amiga tinha uma personalidade tão forte que acabou deixando marcas em todos os que com ela conviveram.
É com uma lágrima de saudade que deixo um dos seus fados preferidos. De Coimbra, evidentemente. O “ Fado das Andorinhas” na voz do Dr. Sutil Roque.

domingo, 18 de setembro de 2011

HISTÓRIAS ANTIGAS E DE SEMPRE

Já andava morto de saudades de escrever alguma coisa sobre cinema. A sétima arte foi, é, um dos meus amores.
Um dia tentei copiar uma ideia que já vira publicada, no blogue http://numaparagemdo28.tumblr.com/ e escolher os dez melhores filmes da minha vida. Tirando o primeiro, que teimosamente mantenho inamovível mas que não mais revi, não consegui ordenar as minhas preferências. Na realidade a cada um que me lembrava, logo surgia um outro que considerava melhor e assim sucessivamente. Desisti da ideia. Não conseguia concordar comigo próprio.
Eu nem me orientava por critérios de qualidade cinematográfica, não tenho conhecimentos para isso e por tal, nem me atrevo. Eu só queria indicar os que mais gostara.
Mas mesmo assim parei pois resumir uma paixão de dezenas de anos, milhares de filmes a um núcleo de dez era tarefa impossível.
Mas a ideia não morreu e tentei encontrar uma forma. Iria ordenar os filmes por época, por períodos da minha vida. Nem assim fui capaz.



De repente fui buscar um DVD do Martin Scorsese, chama-se” Il mio viaggio in Itália” e nele o realizador vai apresentando e comentando os grandes filmes do cinema italiano, a terra dos seus antepassados, e inevitavelmente surgem os realizadores e os filmes do neo-realismo. E eu vira todos aqueles filmes e de todos gostara!
Fiquei cheio de inveja, como eu gostaria de ter tido aquela ideia e de a ter conseguido mostrar com o saber e o amor que o Scorsese demonstrara. Mas, mais uma vez, me rendi à realidade. Aquele desafio não era para mim e por isso rasguei a lista.
Abandonara, vencido e convencido, um projecto que nem sequer tinha começado.
A realidade ensinara-me que devemos lutar pelo que acreditamos mas que devemos ter o cuidado de não dar passos mais longos do que o tamanho das pernas nos permitem. E as minhas são demasiado curtas para aquela exigente caminhada, e o trambolhão seria inevitável.
Ia dar o assunto como encerrado quando me lembrei que um dia, em jeito de observação, alguém, a quem me ligam laços muito fortes, me disse, falando de cinema:
- Para ti, qualquer filme onde os protagonistas sejam crianças ou velhos será sempre o melhor!
Fiquei a pensar naquela frase e reconheço a sua razão. Nem sempre era a qualidade cinematográfica que eu admirava, mas quase sempre o que o coração me dizia. E porque não, se são os sentimentos que perduram da nossa memória?
E por vezes os filmes que me mais aprecio não são grandes histórias, nem grandes dramas, mas sim aqueles que me trazem uma lágrima sentida. Pouca coisa, a cena eventualmente até passará despercebida. O momento de beleza poderá ser uma história bem simples.Como esta!

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

HISTÓRIAS ANTIGAS E DE SEMPRE

Estou certo que as memórias estão interligadas com um fio muito frágil que é, afinal, o registo da vida.
Preocupa-me que esse fio se quebre, pois seria o fim. Porque a vida sem memórias será apenas uma simulação à espera do passo para o desconhecido.
Mas o meu fio condutor parece resistir e um qualquer facto do dia a dia é capaz de me levar a relembrar tempos, situações, lugares e pessoas.
Foi o que me aconteceu, ouvindo uma recente intervenção do Presidente Obama. Lembrei-me da esperança que a sua eleição trouxe ao mundo ocidental, sobretudo na Europa que, mesmo dividida e com problemas continua a ser o farol da civilização.
E inevitavelmente o tal fio transportou-me, mais de quarenta anos atrás.
Na sexta-feira, dia 22 de Novembro de 1963, em Dallas no Texas, o Presidente John Kennedy fora assassinado.
Não obstante o julgamento que a História haveria de fazer ao mandato do Presidente Kennedy, também ele representara para mim e para muitos da minha geração a ascensão de um jovem ao poder no mais poderoso País. Kennedy era a esperança da liberdade, depois de tantos anos de ditadura dum homem que transformara este País, numa imensa prisão. Com os tiros que mataram o Presidente mataram, também, a nossa utopia.

E naquele tempo naquele dia onde é que eu estaria?
Pois bem, naquele Inverno frio e chuvoso, estava em Mafra, no antigo convento mandado construir pelo Rei D. João V com o ouro do Brasil. Na altura era uma fábrica de Oficiais e Sargentos milicianos, que iriam combater a guerra colonial.
Eu era um deles.
No sábado, depois dos exercícios de aplicação militar, dada no campo de instrução previamente preparado, com túneis cheios de água, barreiras de arame farpado, charcos de lama viscosa e de cheiro nauseabundo, era a hora da formatura e da revista, antes de nos ser dada a permissão para o fim de semana.
O tempo de preparação era reduzido, muitas vezes não havia água nos canos, e a inspecção era muito rigorosa. Depois duma revisão à barba raspando a seco alguns pelos mais evidentes e por baixo da farda impecável e das botas previamente engraxadas e guardadas em lugar seguro e seco, o nosso corpo era um mar de lama. Qualquer movimento mais brusco podia fazer soltar algumas crostas e isso seria o fim da viagem e do fim-de-semana.
Mas naquele sempre desejado dia, iria ser diferente. Os tiros que mataram Kennedy, despertaram-nos para a inevitabilidade da guerra.
Muitos não haviam acreditado no sonho, partiram enchendo as ruas de Paris com uma nova onda de emigrantes, sem perspectiva de regresso.
Outros optaram por ficar, como eu.
Nos primeiros dias de Janeiro de 1964, com mais companheiros partimos para instruir novos soldados, numa das belas Ilhas dos Açores, a ilha Terceira.
Éramos dezassete jovens oficiais milicianos e por ironia, a unidade que nos aguardava era o XVII Regimento de Infantaria. A nossa casa, a bela cidade de Angra do Heroísmo com o seu símbolo, de uma beleza telúrica, o Monte Brasil.
Ali ficamos, os dezassete no XVII.

< Conheci pessoas maravilhosas, ganhei muitas amizades e resisti ao destino que o comandante da Polícia nos vaticinara. Dizia ele na nossa apresentação: - Dezassete? Serão dezassete esperanças para as moças desta terra. Alguns ficarão presos nos laços do casamento. E assim foi para alguns. Eu mais jovem e inexperiente, sem meios de fortuna e sedento de aventura, resisti aos encantos e apesar da crise sísmica muito forte, passei quatro inesquecíveis meses naquela ilha de encanto. Depois, regressei e em Leiria fui encontrar-me com centenas de jovens com quem iria partilhar o meu destino. Dos dezassete apenas um encontrei durante a guerra. Outros partiram, fizeram a guerra e voltaram para resgatar as amadas da síndrome da insularidade. Outros terão morrido, não sei. Precisava de encontrar um vídeo, um poema, uma canção para relembrar aqueles dezassete. E escolhi um poema chamado “ Volver a los diecisiete” escrito e cantado por uma mulher que se tornou símbolo da música popular Chilena. O seu nome Violeta Parra e o intérprete da canção um rapaz do meu tempo, o Joan Manuel Serrat. Só o nome me remete para os meus companheiros, os dezassete de 1964.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

HISTÓRIAS ANTIGAS E DE SEMPRE


Confesso que andei a preguiçar. Não sentia prazer em escrever e sentia-me um pouco perdido. Sim, porque isto de escrever, mesmo que mal amanhadas histórias, tem que se lhe diga. Ás vezes as ideias nascem do nada outras vezes o ecrã fica teimosamente em branco.
Parei uns dias e voltei a vasculhar caixas com livros que guardara, e que nunca pensara voltar e ler.
Mas o nunca é muito tempo, e afinal dei por mim a sacudir o pó a tantos livros e reencontrei o prazer da sua leitura.
Escolhi temas simples, que pudesse ler sem me envolver demasiado. Entre eles, dois ou três livros policiais da velha Colecção Vampiro que fizeram a minha delícia enquanto jovem leitor. Escolhi dois dum novelista americano, autor que criou dois personagens que nunca esqueci. O seu nome, Frank Gruber, e os seus heróis eram dois amigos que viviam de expedientes e da venda na rua de livros que ensinavam um homem a ficar um Sansão. Johnny Fletcher, o cérebro e Sam Cragg os músculos. Como eu adorava aqueles dois, fugindo da Polícia e que, em não sei quantas páginas, acabavam por ser verem envolvidos em crimes de morte que o Fletcher tinha de resolver.
Escolhi também alguns livros mais elaborados sobre espionagem. Aquilo era outra coisa. Homens elegantes, atraentes, ao serviço de Sua Majestade.
Enfrentavam e venciam os inimigos, utilizando o charme e as armas mais exclusivas. Conquistavam as mulheres fatais que se atravessavam no seu caminho e, no final, o herói e a heroína ou vilã, conforme o guião, acabam sempre na cama. Eram livros que deram filmes excitantes que víamos com prazer e cheios de inveja. E foi com essa ilusão que eu fui criado. E os filmes do James Bond, bons ou nem por isso, ficaram no nosso imaginário.
Nos tempos da outra senhora, olhava para os espiões como uns mal amanhados e mal pagos funcionários, espreitando o pobre cidadão e denunciando aos chefes da Polícia Política os perigosos agitadores. Com o 25 de Abril de 74, desmantelada a PIDE, pensava eu que viveríamos em liberdade e nunca mais me preocupei e prestar atenção ao tipo bem enfarpelado que me olhava de soslaio ou fingia que lia um jornal enquanto me ouvia falar com os amigos, sobre a incompetência, o tráfico de influências, o clientelismo, a mentira repetida, dos nossos governantes e não só.
Até que um dia, caí na tentação de abrir um jornal e reconheci, afinal estava enganado.

Os espiões continuam a existir, estão no meio de nós.

E bem ao contrário do que se podia pensar, não serão funcionários com ordenados de miséria, mas senhores doutores e equiparados, bem vestidos e vendendo informações, a quem pagar mais. E a coisa parece que até é altamente rentável.
Mas na realidade eu acho que a história que tem enchidos páginas de jornais é tudo invenção. Porque não acredito na existência de serviços de informação num País onde tudo se sabe, menos onde pára o dinheiro do BPN, as comissões dos submarinos, o dinheiro pago a título de comissão dos negócios públicos, as massas pagas aos técnicos das Câmaras pelos Empresários da Construção Civil que com o seu labor edificaram as autênticas monstruosidades arquitectónicas que rodeiam as grandes cidades e já agora onde é que vai parar o dinheiro da lavagem da droga?
Se temos espiões tão bons como aquele senhor tão bem apessoado, respirando competência e respeito pela causa pública, que eu ouvi falar no circo da Comissão da Assembleia da República, não haverá razão para desconhecer aqueles pequenos pormenores. Ou haverá e eu não sou apenas burro e ignorante.
Por isso prefiro a ficção que me dá prazer à realidade que mete nojo.
A ficção ao menos dá-nos música e imagens atraentes, enquanto a realidade não passa de um sorriso de vergonha.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

HISTÓRIAS ANTIGAS E DE SEMPRE


Sem saber bem porquê lembrei-me de algumas aulas, diria com mais propriedade, algumas conversas, que tive com um amigo. Eu preparava-me para fazer um exame de acesso à Universidade e precisava de refrescar conhecimentos sobre a Literatura e a Língua Portuguesa e ele fora a minha escolha.
Na altura o meu estimado professor preparava a tese e escolhera a política internacional do Salazar, imediatamente antes e durante a guerra colonial.
É evidente, que na altura já vivêramos a alegria do 25 de Abril de 74 e o acordar do sonho sombrio do Novembro de 75. E muita coisa mudara.
O meu amigo atreveu-se a pedir uma entrevista ao Dr. Franco Nogueira que, durante o consulado de Salazar, fora Ministro dos Negócios Estrangeiros. Não tinha muitas esperanças mas teve uma surpresa, o antigo ministro concedeu-lhe a entrevista.
Ele contou-me que, para uma pessoa da esquerda revolucionária como ele era, ficara desconcertado com a simpatia e simplicidade do Dr. Franco Nogueira.
Não sei se foi o meu amigo que me falou ou se fui eu que inventei a história que vou contar, mas também não tem importância:

O MINISTRO E O ELÉCTRICO DA ESTRELA

Durante um dos encontros o embaixador Franco Nogueira confidenciara ao meu amigo que o Salazar gostava de ouvir as piadas e as histórias com que os Portugueses o mimoseavam e até achava piada a algumas das que lhe contavam.
Uma delas porém, o velho “Manholas de Santa Comba”, com o alcunhara mestre Aquilino, detestava.
O Embaixador confidenciou:
“ As reuniões do Conselho de Ministros na residência de S. Bento, eram muito especiais. Salazar, sentado na cabeceira da mesa passava pelas brasas, quer dizer dormia um pouco, enquanto os Ministros e Secretários de Estada apresentavam projectos ou números ou problemas da Governação. A certa altura o Presidente acordava, dizia e ditava o que cada um deveria fazer. A fórmula era a esperada. “Tu falas eu mando e tu fazes o que eu dizer”.
Mas um dia, durante um Conselho, Salazar despertou repentinamente pelo barulho que um Ministro atrasado fizera ao ocupar o lugar.
O ministro, afogueado, carregado com uma série de dossiers, limpava o suor que lhe escorria pela testa e deu uma justificação:
- O Senhor Presidente vai fazer o favor de desculpar este meu atraso. Mas sabe, perdi o eléctrico da Estrela, corri quanto pude para o alcançar mas não consegui.
Limpou mais uma vez a face suada, esboçou um sorriso e concluiu:
- Mas Senhor Presidente cheguei atrasado e cansado mas ao menos poupei cinco tostões do bilhete de eléctrico!
Salazar olhou furioso para o Ministro respondendo:
- Parece impossível como é que eu o escolhi para Ministro da Economia. O senhor deveria ter corrido atrás dum táxi e assim teria poupado cinco escudos.

PS
1º. Espero que o primeiro-ministro não siga a sugestão do velho ditador. Senão pobre Álvaro;
2º.É importante que as pessoas entendam os mercados. Esta palavra está na moda e mete medo a muita gente. O vídeo ajuda a explicar e vale mais do que uma entrevista do Ministro das Finanças ou do Ministro Relvas que, parece, toca só de ouvido
3º. Desculpem qualquer coisinha. Foi sem intenção!

terça-feira, 6 de setembro de 2011

HISTÓRIAS ANTIGAS E DE SEMPRE


Por mais que queira a guerra civil Espanhola faz parte, importante, das minhas memórias.
Todavia não deveria ser assim. Eu estive na guerra de África, sei do que falo, sobre a dor, a tragédia, o luto, as lágrimas, o desespero da guerra colonial. Essas deveriam ser as minhas recordações mais profundas, porém acho mais prudente manter uma certa distância.
Pelo contrário é na Guerra Civil Espanhola que eu me encontro, me revejo, nos filmes que vi, nos livros que devorei e sobretudo nos poemas e nos poetas que conheci.
Sim dos Poetas que conheci, pois quando me emociono a ler ou ouvir os poemas de Miguel Hernandez, de Rafael Alberti, de Federico Garcia Lorca e ou de Pablo Neruda e outros mais, sinto que estou ao seu lado, que são meus amigos.
O historiador e jornalista francês Jean Laucouture não tem dúvidas em afirmar, “A Guerra Civil de Espanha foi, sem dúvida alguma, a guerra dos escritores. Não existiu um conflito que tenha interessado tanto os intelectuais de todo o mundo.”
É verdade, para além dos Poetas alguns dos quais referi, vamos lá encontrar escritores como André Malraux, George Orwell, John dos Passos e Hemingway.
Se a este fascínio induzido pela cultura, juntar as histórias que ouvi contar pelos camponeses da raia que conheci, os seus dramas, as suas aventuras os seus medos, fica explicado o meu entusiasmo.
É daqui que parto, do filme:

POR QUEM OS SINOS DOBRAM
Não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti

Apesar da tragédia bem expressa nesta afirmação retirada do livro de Hemingway, para mim o filme é sobretudo uma história de amor. Desde logo porque os intérpretes são um par romântico e trágico ao mesmo tempo. Ver a Ingrid Bergman, no papel de Maria, a jovem guerrilheira Espanhola, e Gary Cooper, representando Robert, Americano das Brigadas Internacionais, vivendo uma história de amor intemporal, foi um prazer para não esquecer.
Todavia e como muitas vezes acontece, os grandes papéis, as imagens mais fortes deste drama são as personagens ditas, erradamente quantas vezes, de secundárias.
A exibição do filme foi censurada pelo regime fascista, talvez como um favor entre os dois ditadores, Salazar e Franco.
Creio que não me enganarei se disser que, sendo um filme de 1943, apenas foi exibido em Lisboa no período da Primavera Marcelista, quando se vivia uma ténue esperança de mudança de regime.
O filme ficou nas minhas recordações, não só pelo que o tema representava para mim, mas porque o vi, pela primeira vez no dia sete ou oito de Outubro de 1969. Na realidade casara com a mulher da minha vida, no dia 5 de Outubro de 1969 e aquele filme foi o primeiro de muitos que vimos juntos, ao longo de uma vida.
Foi em1969? Tanto tempo? Não, devo estar enganado, iria jurar que foi ontem.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

HISTÓRIAS ANTIGAS E DE SEMPRE

Eu sou do tempo em que ir ao cinema era um acto que envolvia alguma cerimónia. Desde logo porque para além do espectáculo em si, havia o intervalo para que as senhoras passeassem nos amplos salões das salas de cinema os seus modelos. E não se pense que estou a falar apenas da alta classe, o hábito era também da classe média.
Nos cinemas de estreia a sessão começava com um documentário chamado Actualidades Francesas, suponho que era um exclusivo dos filmes Castello Lopes. Retratava acontecimentos mundanos e não só, estávamos a sair da segunda grande guerra, e tinha uma particularidade que não esqueci, as notícias eram dobrados em Português e o locutor disse uma voz característica que não se esquece.
Depois uma série de desenhos animados, normalmente da Disney e finalmente o ansiado intervalo.
Tomava-se o café, um cigarro, espreitávamos as mulheres bonitas enquanto que as senhoras comentavam a toilette.
Só depois o filme era projectado, mas quantas vezes o intervalo não fora a melhor parte?
É verdade, ir ao cinema era assistir a um espectáculo dentro de outro espectáculo. Era agradável, podem crer.
Hoje interrompi a série de Histórias Antigas e de Sempre, celebrando uma instituição perdida:

O intervalo

E aproveito para dedicar um vídeo, de um cantor romântico, sem favor a melhor voz do seu tempo e, como era de esperar, nascido no Alentejo.
Laurinda, este vídeo é para ti.

domingo, 4 de setembro de 2011

HISTÓRIAS ANTIGAS E DE SEMPRE


Confesso que sempre pensei que no fundo do baú das memórias, num espaço qualquer esquecido, haveria ainda algo que contar.
Eu sabia que tudo o que a vida me ensinara deixaria algum sinal, e que de todos os professores guardara ensinamentos. Tudo o pouco que sei a eles é devido, não só o que aprendi na escola e nos livros mas principalmente o que recebi das pessoas que detinham o muito saber de experiência feito.
Ensinaram-me que primeiro que tudo estavam as pessoas, e que os sentimentos de afecto são o sal da vida. Julgo que guardei bem a mensagem.
Mas sempre que fecho os olhos para me concentrar no passado longínquo, imediatamente a minha mente é assaltada por imagens que no dia a dia são plantadas em cada notícia, em cada conferência de imprensa, em cada debate e me saturam provocando mal estar e agonia. Assumem imagens difusas de figuras disformes, de aspecto larvar, sorrindo de orelha a orelha como se me chamassem de burro. E dói, sinto que elas, essas assombrações, têm razão.
Preciso portando de limpar aquele nevoeiro, dia a dia mais cerrado, abrindo os olhos para a natureza, ouvindo boa música, esquecendo tudo o que me rodeia. É tarefa difícil mas necessária sempre que sinto vontade de relembrar pessoas e histórias que me marcaram.
Hoje é manhã, não li jornais, não abri a televisão. É domingo o café está fechado e a agência noticiosa que ele representa está, portanto, de folga. Posso aventurar-me no labirinto, guiada por um finíssimo fio, tal como o que foi tecido por Ariana, e assim conseguir chegar àquele espaço onde guardei as mais profundas recordações. Fi-lo com todo o cuidado para não partir, não me perder e quebrar o encanto.
A história é sobre pessoas e é assim:

O VOO DA AGUIA

Era uma vez no tempo em que os animais falavam.
Sentado numa parede de suportava um terreno cheio de árvores enormes que o vento açoitava nos dias de inverno, uma criança chorava olhando para o horizonte.
As lágrimas que lhe corriam pelo rosto eram de desespero. O Pai havia partido à procura de melhor vida e tardava em voltar. Sem qualquer explicação, estas coisas não se explicam digo eu, sentiu que o Pai precisava de ajuda e chamava por ele.
Era muito pequeno mas estava disposto a tudo fazer para responder ao apelo. Preparou um cesto com alguns mantimentos, os poucos que conseguiu arranjar e esperou uma oportunidade para se meter ao caminho.
Por entre o ruído do vento, deu que no velho castanheiro, poisava uma ave de grande porte. Era uma Águia Real .
A Águia olhou fixamente o pequeno, que de cesto ao ombro se preparava para marchar, e perguntou-lhe o que ia fazer.
O pequeno destemido respondeu que ia em busca do Pai que, acreditava, estava ferido nas escarpas da serra.
A Águia disse:
- Se tu tiveres coragem eu levo-te no meu dorso ao lugar onde o teu Pai está ferido. Mas é um lugar muito distante, terei que voar muitas horas e não poderei poisar. Seria perigoso. Mas tu podes utilizar a comida do teu cesto para me alimentar. Concordas?
- Claro que aceito senhora Águia, estou pronto a partir.
E assim começaram a viagem com a ave a bater energicamente as suas longas asas e aproveitando a força do vento para pairar e recuperar forças. Então pedia comida.
O rapazito abria o cesto tirava um pão e dava-o para comer.
Passadas algumas horas a águia voltou a pedir comida. O pequeno abriu o cesto retirou um outro pão. Uma e outra vez mais a águia pediu alimento e o pequeno ficou com o cesto vazio.
Chorava em silêncio rezando para que a águia não pedisse comida. Mas a ave pairou novamente sobre uma encosta escarpada e pediu alimento. O pequeno soluçando respondeu que não tinha mais nada.
- É pena, disse a Águia, agora que estamos tão perto de encontrar o teu Pai, sinto que não terei forças para continuar voando.
- E o pequeno, arregaçando a manga da camisa, descobriu o braço direito, estendeu-o à águia dizendo:
- Olha amiga Águia come o meu braço, isso te dará forças para voar.
A Águia abandonou a cabeça. Não aceito, se tu estás disposto a perder um braço para encontrar o teu Pai é porque és um bom filho. O teu Pai é para ti mais importante do que o teu braço. É assim que deves sentir na tua vida. Descansa, em breve estaremos junto dele.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

HISTÓRIAS ANTIGAS E DE SEMPRE



Hoje, a história que vou contar é uma aventura vivida por alguém que já partiu, mas que deixou uma saudade imensa.
Era um homem inquieto e destemido, e este pequeno pedaço de chão nunca lhe fora bastante.
Quisera ir mais além, não porque precisasse de ganhar o sustento da família mas porque o mundo era um imenso desafio. Que não enjeitou.
Não teve a sorte de ficar financeiramente rico. Tinha todas as qualidades para ter sucesso mas uma lhe faltava e nunca a quisera encontrar.
Era um homem honrado, cumpria todos os compromissos e por isso recusara correr riscos com o dinheiro dos outros, mesmo depositado na Banca. Fora o seu pecado. Num tempo em que o carácter se moldava pela falta dele, onde alguns enriqueceram vendendo a alma ao diabo e enganando os outros, ele escolhera viver de cabeça erguida.
Não ganhou rios de dinheiro, outros do seu tempo o fizeram, mas no final até foi um homem rico. Teve uma família, mulher e filhos, que apesar do seu desejo de aventura foi sempre o porto de abrigo onde se acolheu.

- O SALÁRIO DO MEDO

Os cinéfilos conhecem o filme que deu nome à história que vou contar.
Era um dos filmes preferidos do personagem desta história, porque no seu argumento ele encontrara a memória dos desafios que enfrentara, naquele mesmo lugar, e em circunstâncias semelhantes. Sabia por experiência própria, o custo do salário do medo. Era a aventura dos motoristas de camião que nas estradas da Venezuela transportavam explosivos para serem utilizados no combate a incêndios em poços de petróleo. Era uma aventura só para destemidos, muitos se perderam nas ribanceiras de onde nem máquinas nem pessoas alguma vez foram retiradas.
Ainda hoje se conta que quem percorrer a estrada que vai do porto de Maracaibo até Caracas pode ver, no fundo dos precipícios, os sinais dos dramas e tragédias ali vividas.
O personagem desta aventura, vou chamá-lo de amigo, porque foi assim que sempre o considerei, também trabalhou conduzindo, a troco de um punhado de notas, um camião por caminhos impensados. Na sua aventura encontrou um amigo. Era Galego e por coincidência natural dum lugar que o Português conhecia bem. Era a serra pobre duma Galiza pobre, onde só as mulheres ficaram. Na verdade seu Pai, Galego filho daquelas terras, fugira para Lisboa e nem para matar saudades, alguma vez aceitara regressar às suas origens.
E o Português errante por vocação e o Galego emigrante por necessidade construíram uma forte amizade.
Até que, numa noite de sábado e como era habitual, os cortadores de cana vindos das fazendas das redondezas, desceram à cidade, de catanas debaixo do braço, afogando em aguardente de cana e rum os desenganos da vida.
Embriagados, podiam tornar-se uma ameaça, numa cidade, num País, onde a Polícia talvez fosse ainda mais perigosa.
Numa discussão de café e por razões nascidas do álcool, os cortadores de cana provocaram os dois amigos. Ambos eram valentes mas, prudentemente não responderam. Até que um camponês mais bebido, levantou o Machete na direcção dos dois amigos.
O Galego estava prevenido. Do bolso retirou e abriu uma navalha de ponta e mola e golpeou o agressor. Fez sinal ao amigo, saíram porta fora, correndo cada um para seu lado.
O meu amigo, perdeu um sapato durante a fuga e da janela da pensão onde se alojara, assistia à passagem do grupo de camponeses sedentos de vingança, com um sapato na mão a perguntarem a toda a gente pelo estrangeiro que o perdera. Ninguém soube ou quis dizer. O Português, o meu amigo, só saiu para apanhar um barco de carga que zarpava de Maracaibo para Santiago de Cuba.
Do amigo Galego nunca mais ouviu falar.
Para ele o sonho da Venezuela acabara de se extinguir, naquela noite de sábado.
Da aventura ficara o gosto amargo da desilusão e o filme para a recordar.