quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

PEQUENO JORNAL



 Uma pequena notícia, perdida nas páginas secundárias dum jornal sem dono, sem leitores e sem prosa, um pequeno texto que dá corpo a uma decisão. Afinal, pouco importante, era uma notícia igual a milhares de outras esquecidas.

1 - Eduarda Fragoso, professora de artes visuais, cansada de fazer e desfazer malas, correndo escolas por todo o País, sem presente e sem futuro, tomou uma decisão que de repente lhe pareceu o caminho certo.
Tinha trinta e cinco anos de idade, quinze de esperanças frustradas. Vivia num quarto rodeada dos seus pertences, não eram muitos, uma mala de viajem era suficiente para os guardar.
Naquele espaço simples com uma janela virada para o rio, ia perdendo, dia após dia a capacidade de sonhar.
Acabara de confirmar que não seria colocada. Nem reagiu, estava farta de promessas, via o tempo a correr vertiginosamente e ela sem forças para o agarrar.
Tomou uma decisão. Telefonou à amiga Margarida, licenciada em farmácia mas que acabara de ser despedida e aceitou o convite que ela lhe fizera. Abandonar o País sem futuro e correndo os riscos de quem escolhe outro destino, procurar em outro lugar uma oportunidade de dar sentido às suas vidas.
Margarida não demorou a juntar-se à amiga. Com ela levava um saco de viagem, umas centenas de Euros que recebera do subsídio de desemprego, e uma enorme força de lutar.
O destino? Nem tinham pensado bem, o fundamentar era deixar este País que as rejeitava, devastado pela incompetência, pelo compadrio, pela esperteza saloia, pela corrupção desenfreada. Partir deixando os sonhos que já não conseguiam sonhar. Partir é morrer um pouco, dizia o Poeta, mas para elas, duas mulheres esquecidas entre tantas, partir era um renascer. Algures no caminho, encontrariam alguém que as ajudaria a recuperar o tempo perdido. Ou então seria o fim da jornada.
Tinham um objectivo simples, sair e caminhar. Para já tinham comprado bilhetes baratos para viagem até Londres. Depois?
Sentiriam saudades do sol que teimava em brilhar, dos amigos que levavam no coração, e da família que iria sofrer mas aplaudiriam a sua decisão. Porque eles, os Pais choraram quando pediam perdão de não teres deixado para elas um mundo melhor. Tinham sofrido, trabalhado de sol a sol para lhe darem uma formação a que nunca tiveram acesso. Mas tudo fora em vão, como a esperança que deixaram morrer.
No silêncio daquele pequeno quarto, apesar da força que as animava, deixaram fugir uma lágrima. Para além do abandono, das desilusões, havia ainda dentro delas, aquele sentimento que não se explica, nem se compreende.
Por isso e em nome dessa força que receavam lhes faltasse durante o caminho, fizeram um juramento.
 -Mãos nas mãos, olhos nos olhos, tinham jurado, não mais voltar.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

PALAVRAS

PASSADO
Quando o presente é triste e doloroso e o futuro uma miragem, volto ao passado. E tantos momentos vivi, tanto livro em que aprendi, tanto poeta que visitei, tanta música que me encantou.
E as minhas memórias são ricas porque guardei segredos, palavras, lágrimas e risos, amor e amizade.
Foi uma vida vivida, percorrendo o caminho que me levou aos lugares dos sonhos, dos perigos, da nostalgia. Regressei mais rico, eu que nasci pobre de posses, mas aprendi que a verdadeira riqueza, não estava no Banco. 
Sonetos do Regresso I

Volto contigo à terra da ilusão,
mas o lar de meus pais levou-o o vento
e se levou a pedra dos umbrais
o resto é esquecimento:
procurar o amor neste deserto
onde tudo me ensina a viver só
e a água do teu nome se desfaz
em sílabas de pó
é procurar a morte apenas,
o perfume daquelas
longínquas açucenas
abertas sobre o mundo como estrelas:
despenhar no meu sono de criança
inutilmente a chuva da lembrança.

II

Acordar, acender
o rápido lampejo
na água escusa onde rola submersa
como o lodo no Tejo
a vida informe, peso dúbio
desse cardume denso ou leve
que nasce em mim para morrer
no mar da noite breve;
dormir o pobre sono
dos barbitúricos piedosos
e acordar, acender
os tojos caudalosos
nesta areia lunar
ou, charcos, nunca mais voltar.

Carlos de Oliveira, in 'Cantata'

E este meu regresso ao passado foi sempre acompanhado pelo período histórico que atravessei.
E que rico ele foi. Acompanhei o Maio de 68 em França e os sonhos impossíveis; O drama da emigração dos pobres que buscaram em outras terras o sustento que o País lhes havia negado; A guerra colonial com os seus dramas e feridas que ainda sangram, o mundo em turbilhão com os EUA mergulhados numa guerra no Vietname que tanta dor e lágrimas causou; Assisti ao ruir das ditaduras em Portugal e em Espanha.

Quis um mundo novo e no final ficaram as palavras, os poemas escritos e cantados. O resto foi uma nuvem passageira que depressa se desfez no ar.

E ficaram alguns ídolos.

           Che Guevara
Contra ti se ergueu a prudência dos inteligentes e o arrojo
                                                                  [dos patetas
A indecisão dos complicados e o primarismo
Daqueles que confundem revolução com desforra

De poster em poster a tua imagem paira na sociedade de
                                                                [consumo
Como o Cristo em sangue paira no alheamento ordenado das
                                                                [igrejas

Porém
Em frente do teu rosto
Medita o adolescente à noite no seu quarto
Quando procura emergir de um mundo que apodrece

Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"
E as palavras ditas, acordaram consciências. A canção passou a ser uma arma carregada de futuro.




            PORTUGAL
Avivo no teu rosto o rosto que me deste,
E torno mais real o rosto que te dou.
Mostro aos olhos que não te desfigura
Quem te desfigurou.
Criatura da tua criatura,
Serás sempre o que sou.

E eu sou a liberdade dum perfil
Desenhado no mar.
Ondulo e permaneço.
Cavo, remo, imagino,
E descubro na bruma o meu destino
Que de antemão conheço:

Teimoso aventureiro da ilusão,
Surdo às razões do tempo e da fortuna,
Achar sem nunca achar o que procuro,
Exilado
Na gávea do futuro,
Mais alta ainda do que no passado.

Miguel Torga, in 'Diário X'
E o meu País cantou a alegria. Mas como escreveu o poeta:” E alegre se fez triste como se chovesse em pleno Agosto”.
Mas foi linda a festa pá.
Os Amigos
 Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria —
por mais amarga.

Eugénio de Andrade, in "Coração do Dia"

E nosso coração recebeu as alegrias e os desgostos do mundo à nossa volta.
Ouvimos cantar os poetas de Espanha







E as canções na língua irmã do outro lado do mundo.






Valeu a pena?
Sim as recordações são sinais de vida e se mais nada tivermos para deixar aos nossos descendentes, deixaremos lembranças dos tempos loucos e da esperança traída.
Afinal com o tempo tudo terminará.