segunda-feira, 7 de outubro de 2019

VIVER E MORRER

A MORTE CHEGA CEDO




A Morte chega cedo
Pois breve é toda a vida
O instante é o arremedo
De uma coisa perdida.


O amor foi começado,
O ideal não acabou,
E quem tenha alcançado
Não sabe o que alcançou.


E tudo isto a morte
Risca por não estar certo
No caderno da sorte
Que Deus deixou aberto.


(FERNANDO PESSOA, in "Cancioneiro








1 -  NOVA IORQUE


      A noite caiu de repente sobre a cidade, que foi ficando prisioneira da luz que as janelas dos altos edifícios, marca indelével deste cidade que, sobranceiramente, desafiava as leis da física.
A noite era sinal de vida, numa cidade que nunca dorme. Aqui e ali, uma estrela parecia descer o céu, atraída, quem sabe, pelo fascínio da noite em Nova Iorque.


Era assim, neste duelo de luz e sombras, que, Pedro, se deixara envolver. Afinal estava na grande cidade, e tantas recordações guardara no mais profundo do seu ser. Tanto tempo, sussurrava com a voz tremida e os olhos vidrados nos desenhos  que lhe pareciam sombras dum homem perdido e sem esperança.
Vivera na cidade , frequentara um curso na Universidade, cumprindo os desejos dos Pais que tudo fizeram para que ele encontrasse o seu caminho.
Mas o destino trocou a esperança pela angústia e pela dor.
Inesperadamente recebera a notícia de que a Mãe tinha fechado os olhos numa noite fria. Ela escondera a doença até ao fim. O Pai ficou esmagado, não aguentou o choque e também partiu.
Pedro estava em Lisboa e no espaço de um mês, perdeu-se na tragédia em que se deixou envolver.
Lisboa, a sua cidade, perdera a sua razão de viver e sentiu que tinha que fugir. O Nova Iorque seria o destino.
Vendera a casa e com o dinheiro que lhe sobrou depois de cumprir os desejos dos Pais, comprou um bilhete para Nova Iorque mas, não podia retomar o estudo na Universidade. Tinha que começar a trabalhar.
Procurou e encontrou trabalho numa livraria, encontrou os livros que lhe iriam moldar o seu futuro. Livros de Poesia, de amor e de história.
Então conheceu o amor duma vida.
Foi um encontro marcado pelo destino.
Carol era uma mulher que queria viver todos os minutos de cada dia. Pedro entregou-se partilhando momentos de paixão.
Mas Carol escondera o destino que já conhecia. Apesar do amor ela sabia que um dia teria que partir. Esse dia aconteceu num mês  frio de inverno.
Pedro esperou, esperou e pressentiu que Carol havia sido uma miragem.
Nova Iorque fora o desabar dos sonhos. Tão poucos, apenas alguns meses numa vida!
A dor foi ainda maior porque recebeu uma carta que, gritou, tem que ser uma carta de Carol, da minha Carol.
As mãos tremiam-lhe para abrir a carta. E não foi capaz de esconder as lágrimas ao começar a ler.
Pedro
Quero cumprir a promessa que fiz à Carol, a minha única filha, e dizer-lhe que ela se sentiu tão feliz nos dias em que apaixonadamente viveram que lhe escondeu a doença cujo fim se aproximava.
Ela chegou a acreditar que o amor fosse a cura, fosse o milagre. Sim imaginou que o Amor tudo poderia curar.
Mas, numa noite ela sentiu que se aproximava a negra sombra, fugiu e regressou a casa para morrer.
Antes começou a escrever uma carta que junto.


"Pedro, meu amor, minha vida
Fui tão feliz que não consegui contar-te que a noite se aproximava. Peço perdão. Amo-te tanto que podia resumir a minha vida aos momentos, alguns meses, algumas horas, algumas noites, em que te encontrei e me entreguei. Eu queria pagar na tua mão, acariciar o teu rosto, beijar os teus lábios, mas fugi…


Estas palavras foram escritas antes de fechar os olhos.
Eu choro a minha filha, peço-lhe que guarde a sua memória, mas, por favor siga o seu caminho.
Por vezes, quando não se espera, encontra-se a alma gêmea e, acredite, desejo-lhe esse caminho.
Obrigado pelo carinho com que viveu os últimos dias da Carol.
Mas a vida continua
Elisabeth