quarta-feira, 27 de novembro de 2013

PARTIDA

Dizem as estatísticas que o País perde mais de dez mil pessoas por mês, que vão em busca do futuro.
Serão sobretudo jovens, aqueles que se recusaram a dobrar os joelhos e escolheram partir.
" Partir é morrer um pouco", escreveu o Poeta, mas por entre as lágrimas da despedida haverá esperança.
Fica  a dor da partida, porque partir tem sido o nosso fado. 

PARTIDA

I
Como uma flor incerta entre os teus dedos
Há harmonia de um bailar sem fim,
E tens o silêncio indizível dum jardim
Invadido de luar e de segredos.

II
Nas tuas mãos trazias o meu mundo,
Para mim dos teus gostos escorriam
Estrelas infinitas, mar sem fundo
E nos teus olhos os mitos principiam.

Em ti eu conheci jardins distantes
E disseste-me a vida dos rochedos
E juntos penetrámos nos segredos
Das vozes dos silêncios dos instantes.

III
Os teus olhos são lagos e são fontes,
E em todo o teu ser existe
O sonho grave, nítido e triste
De uma paisagem de pinhais e montes.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

Nós que que ficamos, de olhos secos e vazios e aguardando a passagem da barca,  relembraremos as injustiças de um mundo doente e gritaremos, com a voz sumida pelo desespero,

"não voltem",

 esqueçam este País de servos. O futuro já não mora aqui.



 

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

INQUIETAÇÃO




De repente a inquietação voltou a martelar os meus sentidos.
Andava perdido nos sonhos, distante do mundo mas hoje acordei. E voltei a sentir o desejo de gritar - BASTA!
 Se eu pudesse cortar as amarras desta " Jangada de Pedra", como lhe chamou o José Saramago, deixaria que as ondas nos levassem para o mar ao encontro do passado distante. E assim navegando, salgando a ´
água com as lágrimas deste Povo triste, dos dias sem futuro, talvez os deuses nos guiassem para longe do sofrimento e da angústia.
Porque fechamos os olhos durante demasiado tempo e deixámos que o país fosse capturado pela mediocridade ao serviço dos interesses escondidos numa qualquer "off-shore".
Não custa constatar que este país não é para velhos, os captores se encarregam do o fazer lembrar a cada dia que passa mas, pior ainda, este país sem futuro, também não é para os novos.
Ficará um país  de gente sem vida, sem orgulho, sem amor, sem esperança.


E este grito, esta agonia é a revolta que encontrei num poema, dum Poeta esquecido, como tantos mais.  

De Sebastião da Gama


Meu país desgraçado!...
E no entanto há Sol a cada canto
e não há Mar tão lindo noutro lado.
Nem há Céu mais alegre do que o nosso,
nem pássaros, nem águas...
Meu país desgraçado!...
Porque fatal engano?
Que malévolos crimes
teus direitos de berço violaram?
Meu Povo
de cabeça pendida, mãos caídas,
de olhos sem fé
-busca, dentro de ti, fora de ti, aonde
a causa da miséria se te esconde.
E em nome dos direitos
que te deram a terra, o Sol, o Mar,
fere-a sem dó
com o lume do teu antigo olhar.
Alevanta-te. Povo!
Ah!, visses tu, nos olhos das mulheres,
a calada censura
que te reclama filhos mais robustos!
Povo anémico e triste,
meu Povo sem forças, sem haveres!
-olha a censura muda das mulheres!
Vai-te de novo ao Mar!
Reganha tuas barcas, tuas forças
e o direito de amar e fecundar
as que só por Amor te não desprezam!



Porque nos queixamos, porque me queixo, se afinal somos apenas vítimas da nossa própria cobardia?
E a minha geração é a responsável!
Por isso, viver  amarrado é o nosso calvário.
Temos que pagar a conta.