segunda-feira, 28 de novembro de 2011

ENCONTRO COM O DESTINO





                                                   Júlio Pomar


14 - CONFISSÕES

Os dias, os meses passaram a correr. O trabalho e a dedicação que cada uma das amigas dedicava ao estudo e ao trabalho não lhes deixaram muito tempo livre para convívios. Faziam uma vida tão concentrada nas suas experiências, feita de correrias, de noites sem dormir, que raramente se encontravam a só.
 Todavia algo iria mudar.
O mês de Dezembro aproximava-se a passos largos, a neve cobria a cidade transformando-a num postal de Natal. As noites tão longas e frias eram um pretexto para ficarem em casa disponíveis, para conversar, rir e  também para confissões.
E foi Li, que numa dessas noites, mostrou a carta que acabara de receber do Paulo, e comentou que, a relação não teria passado de uma breve ilusão que não resistira a dois meses de separação. Mas na verdade, reconhecia, que talvez tivesse sido ela a culpada pelo apagamento daquela frágil luz. Sentira-se atraída, e traída, pela beleza do luar, pela tranquilidade da paisagem, pelo cantar ritmado das ondas do mar, pelos momentos de silêncio, mas reconhecera, fora imprudente.
Conhecera agora que existia um abismo que não ousara transpor e a sua correspondência com Paulo, era cada vez mais uma conversa de amigos. A paixão não chegara sequer a nascer ou então fora uma ilusão que a distância fizera esmorecer.
Contava que se sentia culpada por ter dado esperanças, mas pelo teor da última carta que acabara de receber, percebera que também Paulo deixara morrer o fogo e que o que restaria era apenas amizade. Paulo anunciou-lhe que saíra de White Rock e rumara para Nova Iorque, onde a irmã já estava a frequentar um estágio numa escola de música. Confessava que a solidão o fizera partir, talvez  para encontrar o Paulo José, que deixara um dia esquecido, numa pequena cidade do seu País. Ficaria com a irmã, Cecília, e tentaria recomeçar a viver.
Mas o que me espanta, diz Li para a amiga, é que o Paulo nem me diz adeus, nem me dá um contacto, simplesmente acabou.    Confesso que sinto mágoa, acreditei que poderia ser feliz mas enganei-me. Mas eu olharia de frente pediria perdão, salvando a amizade. Nunca seria capaz de simplesmente, terminar sem uma palavra, nem que fosse um adeus.
Bárbara ouviu a confissão e com a mão no ombro da amiga, tranquilizou-a:
- Eu receava esse final, tinha avisado. Felizmente fico contente porque não vejo dor nas tuas palavras. Esquece, ao fim e ao cabo não foi nada importante, como tu própria reconheces. O Paulo é um homem confuso e perdido. Tem um comportamento difícil de entender. Dá ou quer dar mas não se solta, não se entrega. Na vida algo de muito grave o marcou e ele não consegue viver com o passado. Eu tive um pressentimento que afastei, mas se me perguntares qual, não sei sequer responder.
Eu não tencionava falar sobre este assunto. Mas não fiquei admirado com o desfecho. Paulo escreveu-me uma vez, uma única vez, e contou-me que tinha tido problemas com os Primos, proprietários do resort que ele dirigia e onde estivemos nas férias, e tinha decidido abandonar o projecto. Mas para mim ele, simplesmente, fugiu.
E na carta confessou-me que, por razões do foro íntimo, receava não ser capaz de te fazer feliz e pediu-me ajuda para te explicar as suas dúvidas e ao seus receios. Mas não mos disse e eu nem os perguntei.
Entre nós, recomendo-te, esquece, não tentes compreender o que nem ele é capaz de explicar. Mas não lhe queiras mal. Ele é infeliz e uns lampejos de felicidade foi tudo o que alcançou durante os dias em que esteve a teu lado.
Partiste e a noite tomou o teu lugar e ele, mais uma vez, perdeu-se na escuridão. 


domingo, 27 de novembro de 2011

NO BOTEQUIM no Largo da Graça

Hoje é um dia diferente. Como ontem foi um dia diferente.
Hoje relembro as palavras, os abraços e uma ou outra lágrima que não pude conter.
Ontem foi o dia em que assumi a responsabilidade de ter ousado escrever e publicar em livro, algumas histórias, e estive frente a todos, de coração aberto e feliz.
Hoje, apenas prometo que continuarei escrevendo, umas vezes bem a maior parte das vezes menos bem, mas andando sempre de cabeça levantada como me habituei a viver.
Ontem foi passado, é verdade, mas foi uma festa tão bonita que não mais esquecerei.
Hoje, lembro-me de que a companhia de pessoas de quem tanto gosto, me deram força e energia, até para evitar os tropeções nas palavras.
Ontem como hoje e amanhã, guardarei no coração a amizade e a ternura que me deram.
No final apenas algumas palavras para descrever o que sinto.
 - Gratidão pelos que me ajudaram a levar por diante um sonho;
 - Reconhecimento pelos que quiseram assistir às palavras ditas.  
No dia 26 de Novembro de dois mil e onze, no Botequim, no largo da Graça Lisboa, rodeado de amigos estive Eu e O Meu Amigo John Doe.
E no nome dos dois, Obrigado, foi um momento inesquecível.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

ENCONTRO COM O DESTINO

                                                            Edgar Degas

13 –  FIM DE FÉRIAS

 Aqueles dias de férias marcaram o início de uma profunda amizade,  matizada aqui e ali por algum receio de ciúmes entre as duas mulheres.
Paulo tinha recuperado a alegria de viver, esquecera as dores e a saudade e balançava entre a afinidade cultural e de temperamento com Bárbara e o fascínio por uma mulher diferente. E Li era essa mulher.
Contara parte da sua vida, sobretudo a sua experiência no Canadá. Dera ao projecto toda a sua energia e entusiasmo, sentindo que devia isso aos primos que tinham acreditado na sua capacidade e entrega. E conseguira  que o projecto fosse não só rentável como mantivesse altos padrões de qualidade, não obstante saber que o local pela sua discrição, era também refúgio para amores escondidos.
A colega na implantação do projecto e com a qual, confessara, tivera uma relação pouco profunda e efémera, tinha partido para outro desafio. Desta vez seguira um amor antigo e o destino quis que se fossem encontrar em Montreal.
Paulo ficara só, confessara às duas amigas que sentira receio. Apesar de serem duas pessoas tão diferentes, ele era taciturno, muito formal e Marie exuberante e com o charme que sempre cultivara, pensou em rejeitar o desafio porque Marie era um pouco a alma e a luz daquele lugar e ele receava não estar completamente à vontade, no que se referia à sua relação com os clientes. Todavia acabou por aceitar a responsabilidade de conduzir o negócio, alterando um pouco a sua concepção. Os salões do restaurante foram reduzidos para maior privacidade, introduziu também algumas mudanças na ementa, escolheu novos vinhos que importava de Portugal e disciplinou alguns excessos de familiaridade  entre os empregados de mesa e da recepção e os clientes.
Não fizera as mudanças de um momento para o outro, seguira o caminho que definira de modo a manter a clientela mais exigente e selectiva e que, como tal, não se importava de pagar mais.
Julgara ter avançado de mais, registou alguma quebra nas vendas, mas com energia e simpatia conseguira atrair mais  e melhores clientes. E os resultados até ultrapassaram o expectável.
Paulo transformara aqueles momentos num monólogo. Fixara a vista no horizonte e continuava a falar de si, de uma forma desprendida e ausente mas nunca abrindo a janela com vistas para o passado. Esse período que o marcara continuava teimosamente fechado. Por isso se limitara a falar do dia de ontem, de há uns meses, do homem que emigrara de mãos e coração quase vazio. Mas de repente calou-se e voltou a ser o Paulo fechado e introvertido.
 Bárbara apercebeu-se do momento, era evidente que Paulo tinha segredos que não revelava e perguntou pela família em Portugal.
Paulo demorou a responder e quando o fez apenas falou com ternura da sua irmã, a única pessoa da família de quem sentia saudade. Todavia a internet permitira-lhe falar e ver Cecília, acompanhar o seu caminho que estava perto de se alterar. Cecília conseguira juntar dinheiro e obtivera um estágio numa escola de música em Nova Iorque. Contava viajar no início de Setembro e o estágio seria por seis meses. Paulo prometera que a visitaria pelo Natal. E ficou por aí.
Naquela noite de luar em que ficaram até mais tarde a conversar, Bárbara  acabou por se alhear da conversa e decidiu caminhar junto ao mar. Estava triste, sofrida, Paulo falava da irmã com amor e  escondera outros familiares, Li  por sua vez contava recriminações e avisos do Pai e dos irmãos mais velhos, por ela ter decidido, como eles diziam, ocidentalizar-se fora da família tradicional.
Bárbara deu-se conta que era uma pessoa só, então ela falaria de quem e do quê?
Quando regressou, Paulo e Li já não estavam no terraço pelo que subiu e se recolheu no seu quarto.
Contráriamente ao que era habitual, a porta da suite estava fechada. Estranhava o silêncio, Li tinha por hábito ouvir música antes de se deixar dormir, abriu ligeiramente a porta e verificou que o quarto estava vazio. Deitou-se mas não conseguia dormir. No dia seguinte era de regresso e voltaria a mergulhar nos seus ensaios, a enfrentar desafios, repetindo rotinas de laboratório, enfrentando fracassos mas com a esperança de um dia, encontrar um principio, um sinal de esperança.
Perguntava-se se iria conseguir esquecer aqueles dias de férias que lhe tinham despertado sentimentos contraditórios. Sentia uma força que a guiava para a companhia de Paulo. Mesmo em silêncio os olhos cruzavam-se dizendo mais do que as palavras. Mas qualquer coisa os inibia. Da parte dela era uma barreira que não tinha coragem para transpor. Paulo e a sua timidez poderiam significar algo mais, não sabia. Mas, finalmente, naquela noite percebera o embaraço do amigo. Paulo deixara-se enfeitiçar por uns olhos de amêndoa, de um rosto branco e exótico e um sorriso contagiante. Confirmou quando deu pela chegada da amiga, era já dia mas ela não subira ao quarto,antes se estendera na banheira jacuzzi que ocupava um recanto discreto da sala. Foi lá que Bárbara a foi encontrar com um ar tão feliz que dispensava qualquer pergunta.
Partir é sempre difícil e Li e Paulo pareciam comprometidos na presença de Bárbara. Trocavam sorrisos e murmúrios.
Enquanto conduzia o carro de volta a casa, Li confessou que entre ela e Paulo tinha nascido uma estrela que queriam seguir juntos. Estavam apaixonados.Sentiam-se bem juntos e até pareciam que se conheciam desde sempre.
Bárbara não deu nenhum sinal de surpresa, comentou que era preciso cuidado com as emoções repentinas, porque o amor à primeira vista não costuma ser duradouro. E acrescentou:
- Ainda me vou rir quando tu convidares a tua família para o casamento e eles, tão conservadores como dizes que são, descobriram que o teu noivo é católico e que cortou os laços familiares. São capazes de ter uma desilusão. Mas se tu gostas dele, não desistas, vai em frente, não deixes fugir o amor. Este aviso foi uma das coisas que recebi da minha Mãe.
Li, olhou e respondeu surpreendida:
-Cheguei a temer que te sentisses traída. Sempre os vi aos dois com um relacionamento muito próximo e até senti uma picada de ciúme.
Bárbara não respondeu. No seu íntimo e em silêncio confessou-se. Gostava do Paulo, mas havia qualquer coisa que a afastava e lhe fazia  medo. Não sabia porquê, mas só o via como amigo em quem podia confiar e para ela, esse facto eliminava uma possível relação amorosa.
Na sua cabeça começou a ganhar corpo uma ideia que, já em fugazes momentos a atormentara. Entre ela e Paulo haveria qualquer laço. De uma forma ou outra as suas vidas já se teriam cruzado. Onde e como não sabia, nem arriscava.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

ENCONTRO COM O DESTINO


                                                             José de Almada Negreiros

12    - O ENCONTRO

Dormiram até tarde. A viagem fora muito cansativa e depois ficaram conversando com o Richard e a Carol até bastante tarde. Apesar do cansaço ainda não recuperado, Li não falava noutra coisa que não o recomeço do passeio. E brincava dizendo que não se podiam atrasar a chegar ao Paraíso. Por sua vez, Bárbara não se mostrava assim tão entusiasmada, inventara uma dor de cabeça para disfarçar um mal estar que não conseguia explicar.
Mas era a hora de saída e começaram a rolar estrada fora seguindo as indicações assinaladas no mapa. Bárbara ia ao volante, mas de cenho franzido e tão ausente que guiava com pouca atenção. De tal maneira que passara um cruzamento onde uma seta assinalava um desvio para White Rock e para o golf resort “Au Paradis”. Foi Li que deu pelo engano, avisou Bárbara, fizeram inversão de marcha e encontraram a recepção.
Tiveram uma desagradável surpresa, não havia lugares vagos.
Sentaram-se no lobby. Li tinha pedido para falar com o gerente, que logo as recebeu no escritório.
Era um homem com cabelo grisalho, moreno, olhos negros característicos de naturais da Europa do Mediterrâneo. Bárbara sorriu e falando em Português apresentou-se dizendo saber que estava perante um compatriota, e apresentou a sua companheira.
Paulo, desfez rugas de expressão que lhe eram habituais e abriu-se num sorriso de felicidade.
Apertou as mãos da Bárbara e murmurou:
- O meu nome é Paulo José e estou muito feliz por a receber. E desculpe que lhe diga, mas receber alguém que traz nos olhos o sol da nossa terra, é uma dádiva que me enche de felicidade.
Depois virando-se para Li, com os olhos brilhando de entusiasmo acrescentou:
- E também o sol do Oriente me faz uma visita tendo como embaixadora uma mulher tão bela.  
E continuou com voz embaraçada:
- Quem me conhece iria achar estranho estes meus galanteios. Eu não sou um conquistador e até sou reservado por natureza. Na realidade há muito tempo os esquecera, mas hoje sinto-me uma pessoa diferente. E sinto que qualquer coisa, não sei o quê, pois nem acredito no destino, nos colocou no mesmo lugar, tão longe dos nossos mares e dos nossos afectos.
Prometam que irão ficar neste lugar tão bonito, podem crer, mas que hoje ganha o direito a usar o nome “Au Paradis”. Bem-vindas ao Paraíso. Eu serei o vosso guia enquanto não se cansarem de me ver.
Li, entusiasmada acenou que sim, mas adiantou com pena, não tinham obtido alojamento!
Paulo não hesitou. Iria tratar de arranjar um dos apartamentos que tinha o hábito de reservar para clientes frequentes e importantes. E hoje vocês são os nossos clientes especiais. Não se preocupem eu próprio as acompanharei ao alojamento. Se gostarem, falo com o empregado para trazer a bagagem.
O apartamento que Paulo lhes destinou era uma pequena vivenda e com um terraço que lhes permitia ver o pôr do sol, enquanto tomavam uma bebida antes do jantar.
Era não só muito acolhedor como tinha uma decoração  com um toque Europeu, lareira verdadeira, sofás muito confortáveis, recantos para leitura ou ouvir música, jacuzzi e dois quartos em suite. Uma pequena cozinha equipada, completava o apartamento.
Bárbara e Li não hesitaram, ficaram deslumbradas e aceitaram ficar por uma quinzena, precisamente o período das férias.
Paulo lembrou que não deviam deixar de conhecer as cidades de Vancouver e Victória, mas que em dois ou três dias o poderiam fazer.
Voltaram para o escritório, enquanto a bagagem lhes era transportada. Paulo ausentara-se por momentos.
Bárbara olhou para a parede por detrás  da secretária decorada com quadros de muito bom gosto. E um deles não deixou de lhe chamar a atenção. Era um retrato de Fernando Pessoa, pintado por Almada Negreiros.




                
                         Fernando Pessoa - Retrato de Almada Negreiros

Fernando Pessoa, tudo indicava que como ela, também Paulo seria um leitor ou admirador da obra do grande escritor. Mais uma coisa em comum, para além do rosto com traços invulgarmente semelhantes.
Entretanto Paulo regressou com o chefe de cozinha, dizendo: Minhas amigas o chefe Pierre vai preparar um jantar especial. Não vai ser cozinha Francesa, em Chinesa, peço desculpa, ele vai surpreender-nos  com um prato tradicional da cozinha Portuguesa. Estão convidadas.



sábado, 19 de novembro de 2011

A CERIMÓNIA

No dia 26 deste mês, sábado pelas 16 horas, no BOTEQUIM, lugar mítico da cultura Lisboeta, irei proceder à apresentação pública do meu livro “O MEU AMIGO JOHN DOE”.
Não será uma apresentação com pompa e circunstância, não convidei nenhum Ministro e não creio que algum apareça.
Espero encontrar alguns amigos que se disponham a perder um pouco do seu tempo, para ouvir algumas palavras atabalhoadas do Autor, darem uma vista de olhos ao livro, a capa é bonita, e aproveitarem para ouvir o conjunto ALUCINA que, garanto, é composto por músicos com qualidade.
E pronto, fica feito o convite.
Apareçam. Obrigado


sexta-feira, 18 de novembro de 2011

ENCONTRO COM O DESTINO

                                                 Amadeo de Souza Cardoso

11 – AU PARADIS
            As duas amigas saíram da cidade, era ainda manhã cedo. Queriam evitar o tráfego habitual e não conhecendo bem a cidade, precisavam de se adiantar aos que já conheciam o destino e o caminho.
Nem Bárbara nem Li pensaram nisso. Mapa sobre os joelhos Bárbara ia dando instruções à companheira. Mas demorava a identificar a rua que deviam seguir, quando dizia o nome e a indicação de virar à direita, Li respondia rindo, para ela arranjar outra porque aquela já tinha ficado para trás.
Andaram mais de duas horas sem conseguirem acertar com a saída que pretendiam. Tiveram uma ideia brilhante, pararam o carro, contrataram um táxi que elas seguiriam até à estrada desejada. Custou mais dinheiro, mais umas dezenas de dólares, mas ganharam em tempo e em combustível.
Li, conduzindo com os vidros abertos, ria de felicidade enquanto o vento lhe acariciava os cabelos. Sentia-lhe livre, pela primeira vez longe da cidade, do laboratório, dos tubos de ensaio, do computador, sem destino.
Bárbara não mostrava a mesma alegria, refugiava-se na leitura do mapa, mas na realidade recordava a Mãe e lamentava-se por não ter tido coragem de conhecer o final da história. E sentia uma estranha inquietude.
No meio de uma estrada quase deserta, encontraram uma bomba de combustível com um pequeno bar. Havia dois ou três camiões parados e, encostados ao balcão bebendo cerveja, os motoristas que as olhavam de uma forma que se sentiram despidas. Saíram logo, fugindo dos piropos dos camionistas e voltaram à estrada.
Conduziram mais alguns quilómetros, numa estrada mais movimentada o que lhes deu confiança. Pararam de novo junto de um restaurante, havia muitos carros parqueados e isso significava movimento e talvez uma boa refeição.
A refeição era típica americana, afinal ainda não tinham cruzado a fronteira, mas o restaurante ficava numa pequena colina donde a vista se estendia ao outro lado do braço de mar. O sol começava a descer no horizonte mas a paisagem que se oferecia aos olhos extasiados das duas viajantes, era tão bela que lhes apetecia ficar por ali. Mas com pena tiveram que seguir, calmamente, respirando o ar puro da brisa marítima que entretanto começara a soprar.
Encontraram já ao fim do dia uma cidade grande, pelo menos parecia grande, chama-se Belingham, que atravessaram, desta vez sem problemas. O caminho estava bem sinalizado para alcançarem a fronteira com o Canadá.
Pararam perto da fronteira, encontraram um hotel com bom ambiente e, alugaram um quarto pois precisavam mesmo de descansar.  
Desceram para uma bebida e encontraram um casal, o Richard e a Carol, já de meia-idade e que vinha fazer o caminho oposto. Queriam passar por Seattle e planeavam seguir descendo ao longo da costa.
Ficaram muito tempo a conversar e  Richard recomendou com entusiasmo que fossem a Vancouver e lá passassem uns dias. No mapa assinalou também a cidade de Victória, no outro lado da ilha, por ser a cidade com mais sol do Canadá. Não deixem de por lá passar se quiserem admirar a natureza mais protegida e aproveitarem os dias de sol.
E acrescentou uma informação. - Talvez não saibam, mas nos inquéritos internacionais que foram feitos, Vancouver tem sido a cidade mais votada, para uma vida melhor.
Bárbara ia tomando nota das recomendações. No meio da conversa, e ao saberem que Bárbara era Portuguesa, Carol sorriu e confessou que sabia existir uma grande colónia de Portugueses no Canadá, mas nunca esperaria que numa distância de vinte milhas tivessem encontrado dois. Aqui, nesta ponta do Canadá não seria muito frequente.
- Como vocês vão seguir,  disse, parem em White Rock, é logo depois de passarem a fronteira e vão encontrar um local muito aprazível, com um bom restaurante e apartamentos distribuídos num espaço bem grande. Chama-se “Au Paradis”.Não é um motel tradicional e os preços são altos. Mas olhe Bárbara, o gerente chama-se Paulo e é seu compatriota. Vão gostar de se encontrar, tenho a certeza.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

ENCONTRO COM O DESTINO

                                                    Berthe Morisot

10 – UMA HISTORIA DA VIDA

A opção de Bárbara tinha sido correcta e ela sentia-se feliz com o trabalho, com a cidade, tão diferente da Lisboa que deixara e com as amizades que ganhara.
O trabalho de investigação que desenvolveu levou a que a Administração da Fundação a convidassem para ficar, prosseguindo a sua pesquisa e assumindo o controlo do departamento.
Exultou e sem hesitar aceitou o convite.
Teve de proceder a algumas alterações no seu modo de vida, deixando o alojamento colectivo e procurando um espaço que pudesse transformar no seu refúgio.
Encontrou o lugar que procurava mas, como era um espaço grande, aberto, localizado na zona do porto de recreio, decidiu aceitar uma colega para dividirem as despesas.
Era uma jovem nascida em Taipé, com a qual tinha excelente relação.
Bárbara era só, não tinha mais ninguém, apenas recordações, pelo contrário Li Peng tinha família mas tão longe que também era como se estivesse só.
Havia logo muitas afinidades, eram boas amigas.
Quando o verão chegou em força, todas as restantes colegas partiram de volta à suas cidades ,aos seus Países, ficaram as duas amigas perdidas numa cidade tão grande e que mal conheciam.
Arriscaram sair para procurarem o contacto com a natureza. Alugaram um carro e partiram à aventura, sem nada reservado. Iriam percorrer as estradas secundárias, contemplando a beleza da floresta. Em algum lugar poderiam sentir o apelo de ficar, no limite admitiam a hipótese de Vancouver como fim de percurso. Tinham colegas que lá viviam e lhe falaram que era uma cidade muito acolhedora.
Enquanto preparava a bagagem, Bárbara lembrou a pequena mala com as recordações da Mãe. Ainda não a tinha aberto e aproveitou aquela noite, antes de saída para férias, para abrir e conhecer o seu conteúdo.Tremeu um pouco, hesitou mas ganhou coragem. Ela sentia que  só agora, com o futuro à sua frente, seria o momento de conhecer o passado.
Na pequena caixa, encontrou diversas fotografias que já conhecera. Eram dela desde bebé até mulher; Viu pela primeira vez fotos da Mãe jovem, lembrou-se como ela fora uma mulher bonita. E percebeu que algumas das fotos da Mãe estavam rasgadas, como se a pessoa ao lado tivesse sido apagada. De amigos e dos Avós não encontrou nenhuma. Em contrapartida fixou com surpresa uma fotografia de uma senhora de cabelos brancos e rosto bondoso e com dedicatória. Tinha escrito:
"Para a minha amiga Madalena, que Deus te proteja. Mercedes."
Ao fim e ao cabo revira a imagem da Mãe, que tanta saudade lhe deixara, mas sabia que por detrás haveria um segredo que ela não conhecia. E a fotografia da pessoa desconhecida seria, provávelmente, um peça importante.
Continuou a retirar o conteúdo da caixa. Encontrou num sobrescrito fechado uma carta que lhe era dirigida. Pressentia ser a história que a Mãe nunca lhe quisera contar. Mas agora, tinha que continuar começou a ler:

“Minha Filha,
Podia dizer-te que toda a minha vida cabe nessa pequena caixa que te deixei. Não será assim, mas asseguro-te que nela irás encontrar o caminho que a tua Mãe teve de percorrer até ao dia hoje, em que vi realizado o meu sonho de te ver na Universidade. E por isso, hoje comecei a escrever esta carta que poderás ler, um dia mais tarde, quando te lembrares de mim.
Quando decidires abrir a caixa das memórias, lembra-te que tudo nela é passado, o meu passado e do qual não guardo rancores nem mágoas. Tudo foi o que tinha de ser e eu não me arrependo dos passos que dei.
É um desenrolar de pequenos momentos, de alegria, poucos, de solidão, muitos, de dor bem difíceis alguns, mas e finalmente de libertação e de felicidade. E a minha felicidade foste tu.
A tua Mãe nasceu numa pobre casa lá no Alentejo esquecido e com dez anos e depois de ter feito a quarta classe a professora disse aos Avós que eu deveria ir estudar. Mas os teus Avós eram pobres e doentes. Tinham uma leira de terras onde só a muito trabalho conseguiam arrancar a comida para o dia a dia. A capoeira com meia dúzia de galinhas e de alguns perus eram a única riqueza e optaram por me destinar outro futuro.
Entregaram-me como serviçal a uma abastada família de proprietários, que viviam num concelho distante. A minha tarefa seria fazer companhia a uma rapariga da minha idade, a Felisbela, uma rapariga débil, portadora de uma doença que lhe iria ser fatal, mais ano menos ano.
Não culpo os meus Pais, na sua ignorância, quem tinha nascido pobre, teria de morrer pobre. Não havia outro caminho.Mas confesso que muita lágrima escondi, perdida naquele casarão grande e frio onde assistia ao lento definhar da Felisbela, sem que alguém lhe tivesse feito um pequeno gesto de  carinho.
A família era rica de dinheiro mas muito pobre de valores. O meu trabalho passou a ser tomar conta da menina doente, limpar a casa e ajudar a governanta sempre que ela precisava de ajuda. E ela precisava sempre. Mandava e eu executava. Se a patroa não gostasse de algum serviço ou encontrasse uma dedada de pó, a pobre camponesa, a criada era castigada, com algumas reguadas ou com a privação do jantar.
No meu quartito húmido e sem sol, cabia uma pequena cama e uma cadeira. Nada mais. Mas sobre as grades da cama tinha uma campainha que tocava de dia ou de noite, sempre que alguém precisava dos meus serviços.
A Felisbela morreu quando tinha doze anos, e talvez eu tenha sido a única pessoa a chorar a morte daquela infeliz.
 Bárbara parou de ler. Tinha um pressentimento que as páginas que se seguiam lhe poderiam causar dor. Percebera agora o cuidado com que a Mãe guardara os seus segredos.  
Leria quando voltasse, nas longas noites de inverno.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

ENCONTRO COM O DESTINO

                                                           V. Van Gogh

9 – PEDRA BRANCA

Júlio acompanhou Marie e Paulo no voo para Vancouver. Tinham reservado alojamento num motel que se localizava entre o aeroporto e a estrada que dava acesso à zona onde o projecto seria implementado, White Rock, perto da praia e da fronteira com os Estados Unidos.
Era tempo de fazer o reconhecimento do local, um pequeno hotel dirigido por um casal de idade que decidira que era tempo de parar.
O local, um espaço amplo à beira da estrada, permitia a implementação do projecto que Júlio e Ana tinham estudado e que cabia agora a Paulo e a Marie a implementação.
Precisavam de reformular o hotel, transformando em restaurante, com salas reservadas para comemorações especiais, construir de raiz uma cozinha e substituir a mobília e a decoração.
Paulo e Marie de projecto nas mãos perceberam o que lhes era pedido. Dar vida a um espaço, em processo de morte lenta.
Marie, uma mulher com idade indefinida, que não revelava, mas que andaria próximo dos quarenta anos, era impulsiva e determinada. Aquela oportunidade, confessava, era um recomeço de vida, pois dez anos de casamento tinham sido um equívoco. Ela não sentia nenhuma emoção quando estava com o marido e só acabou por descobrir que ele agia assim, desprendido e inquieto quando estava com ela. Foi fácil descobrir que o marido tinha uma ligação muito forte, e como ele veio a confessar, já vinha antes até do casamento. E não foi uma surpresa quando soube que a ligação do marido era com um outro homem.
A separação não fora dolorosa, antes um alívio para ambos porque encerrara um jogo de mentiras e de desculpas.
Paulo ouvia a colega contar a sua vida, enquanto bebiam na sua primeira noite no hotel.
Estremeceu, não estava preparado para aquela confissão e receava que Marie, carente como se mostrara, procurasse o que ele não estava ainda em condições de lhe oferecer.
Júlio partira há muito e os dois não tinham descanso. Esqueceram o hotel no modelo clássico e optaram por mandar construir uma dúzia de apartamentos, isolados, rodeados de jardins e de relva onde os hóspedes teriam todas as comodidades de uma pequena “villa”. Apenas as refeições seriam servidas no edifício principal se assim o entendessem.
Fizeram a selecção da Empresa que iria executar o projecto e começaram a seleccionar o pessoal necessário ao funcionamento da unidade.
Foram necessários seis meses para o início da actividade. Foram dias muito cansativos pois enquanto Paulo se ocupava do acompanhamento da construção dos diversos módulos, Marie escolhia as pessoas, as ementas e fazia a publicidade, não só em Vancouver mas, principalmente no outro lado da fronteira, sublinhando a qualidade, a privacidade e as vantagens de se encontrarem perto do mar e estarem cercados por um excelente campo de golf de dezoito buracos.
A abertura daquele novo espaço, que beneficiou de ampla cobertura nas agências turísticas e nos jornais locais, fora reservada a convidados. Era caro, a publicidade não enganava o que, Paulo veio a descobrir mais tarde, era uma vantagem que ele não conhecia. Muitos dos casais que vieram a ser os hóspedes frequentes, escolhiam o local pela comida, diferente da habitual com a qualidade da cozinha francesa, mas também para encontros secretos.
E a frequência de casais vindos da cidade de Seattle, a mais de duas horas de distância por automóvel, confirmava a necessidade de assegurarem a privacidade dos hóspedes.
Apesar de habitarem apartamentos contíguos, Marie escolhera a vista para a montanha e ele a paisagem do mar, procurando no oceano Pacífico o azul do seu mar, que deixara tão longe e que lhe trazia as recordações dos sonhos de que se alimentara.
Paulo sentia-se bem, quase perdido no mundo, mas tinha momentos de nostalgia. Olhando o mar sentia o conforto e a serenidade que precisava para se manter lúcido.
Não foi premeditado o seu envolvimento. Aconteceu, um homem e uma mulher, sem compromissos, quase sem nada fazerem por isso, acabaram por se encontrarem. Mas sem palavras, sem promessas, sem futuro.
E assim o tempo foi passando, o negócio progredindo sem sobressaltos nem inquietações.
Até que um dia um encontro tudo mudou.





quarta-feira, 9 de novembro de 2011

ENCONTRO COM O DESTINO


                                                         William Turner
                                 
8 –  O DESAFIO

            Apesar do cansaço, Paulo e os primos ficaram a conversar até altas horas.
De repente, Ana percebeu que Paulo estava no limite da resistência.
Recordou que eram horas de ir deitar, eram três horas da manhã, hora local o que significava que para Paulo eram horas de se levantar, ele que já nem se lembrava quando dormira.
Amanhã, sábado, teremos muito tempo para conversar, lembrou.
            Foram descansar. Para Paulo tinham preparado um sofá convertível, colocado num recanto da sala comum e protegido com um biombo amovível.
 Ana sabia que muito dificilmente conseguiria manter os filhos da cama. Era sempre assim, nos dias de escola era um martírio para os levantar, mas ao sábado e com uma visita de alguém que não conheciam, estariam despertos bem cedo.
Eram miúdos irrequietos mas sabiam tomar conta um do outro, preparavam os cereais para o pequeno almoço e sentavam-se na sala a verem os programas de televisão com histórias de animação. A Mãe levantou-se apenas para verificar se eles, uma rapariga de seis anos e um rapazito de quatro, estavam aconchegados e recomendar silêncio, pois o primo que dormia no sofá estaria muito cansado.
Mas as crianças não resistiram e foram espreitar o convidado.
Paulo dormira mal, o cansaço não ajudara e passara a noite e rever a vida que não lhe trazia boas recordações. Acordou cedo alagado em suor. O pouco que dormira fora entrecortado por pesadelos e a presença dos miúdos curiosos, foi um momento de acalmia e, ao fim de tantos anos, sorriu com afecto.
Levantou-se e fez companhia às crianças enquanto se ria com as histórias de bonecos animados que passavam na televisão, mas acabou por cerrar os olhos e dormir sossegado e tranquilo.
Acordou ouvindo a conversa muito sussurrada entre as crianças e a Mãe. Estavam na cozinha e Paulo sentindo-se embaraçado, passou de fugida para o quarto de banho que lhe tinham reservado, para tratar da sua higiene pessoal.
Quando acabou, sentiu-se outro, estava feliz e começava a sentir-se parte da família. E que bem que isso lhe fazia.
Aproveitaram o dia de sábado para visitarem os dois restaurantes que os primos possuíam em Toronto. Eram restaurantes diferentes quer na decoração quer na ementa. Um, o mais antigo, tinha um chefe Português que Júlio encontrara num restaurante no Porto e aliciara para vir para o Canadá. E fora uma excelente escolha. O outro, mais recente, tinha uma cozinha mais elaborada e uma chefe Canadiana, natural da parte Francófona.
No domingo, já com Paulo ambientado á mudança de fuso horário, discutiram então o projecto para o espaço em Vancouver, desde as linhas gerais até aos planos de pormenor.
Paulo ouviu e deu opinião e surpreendeu-se a ele mesmo com as ideias que lhe surgiram e foram aceites pelos Primos. Júlio propôs que fosse Marie Louise, a gerente do restaurante em Toronto, a acompanhar Paulo na execução do novo projecto. Garantia que ela tinha uma personalidade muito aberta à inovação e confiava que com Paulo iria constituir uma equipa de sucesso.
Júlio garantira o financiamento do projecto mas caberia a Paulo e a Marie escolherem o decorador e a selecção dos empregados.
Está tudo combinado, Marie também se mostrou entusiasmada com a mudança para outra cidade, até porque, está a sair de um casamento falhado e a mudança de ares lhe irá fazer bem, concluiu Ana, sem deixar de esboçar um sorriso cúmplice.
E assim, no outro lado do mundo, entre a floresta e o oceano Pacífico, Paulo um inadaptado engenheiro, carregando recordações dolorosas, iria começar a viver um desafio. E ao contrário do que ele mesmo esperava, estava tranquilo, não tinha receio de falhar.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O MEU AMIGO JOHN DOE



Agora vou escrever algo que nada tem a ver com a história que venho contando, mais uma das histórias, tipo folhetim, que vou escrevendo, passo a passo, sem saber onde e como parar.
Aliás, até é capaz de ter, pois quero lembrar o que está marcado na margem do blog.
É que, impelido por uma força que não sei controlar, talvez a mesma que tem alimentado esta vontade, tardia, de escrever, decidi juntar alguns contos num livro que tem o mesmo título deste espaço. Poderão pensar que terá sido pura vaidade, eu não penso assim, mas e se o fosse?
Já que tantos amigos fazem o favor de ler os meus textos, já agora, façam mais um,  apontem o rato para o endereço assinalado  debaixo da imagem da capa de livro. E se puderem ou quiserem comprar, ficarei feliz.
Já agora, na mesma margem, surge um outro blog que vou seguindo. É um espaço mais intimista, mais memórias, tem o sapinho amarelo, e chama-se “oirmãodomeio”.
Obrigado

ENCONTRO COM O DESTINO




                                          Graça Morais

7 - INTERMEZZO

                        O entusiasmo arrefeceu logo que Paulo José se sentou a bordo do avião que o iria levar para Newark. Num pequeno bloco assinalara os horários e o trajecto e agora, só agora, reparara que passaria largas horas antes de chegar ao destino.
Os primos haviam sugerido que voasse para Newark e depois no último voo para Toronto. Lá estariam à sua espera, iriam falar sobre o projecto Vancouver, do modelo de negócio que tinham estudado e a expectativa da sua implementação.
Ficou um pouco nervoso, já não via os primos há anos e receava ter ou ir causar alguma decepção.
Na realidade a necessidade de sair para outro lugar, longe de tudo e de todos, era tão imperiosa que não se importara sequer em perceber o que os primos dele esperavam.
Mas, por uma vez na vida, decidiu arriscar. Quando estava para partir não foi sequer a casa. A Mãe era fria e como sempre desligada daquele filho. Do Pai guardava mágoas que tardava em esquecer e receava que qualquer observação que ele fizesse, fosse o rastilho para uma confrontação, tantas vezes adiada.
Para o irmão Henrique, bastou uma mensagem por telemóvel, tão frias e distantes eram as relações entre os dois.
Apenas de Cecília, agora sua companheira na casa em Lisboa, ouviu palavras de apoio e de encorajamento. Ela era diferente, independente sim, mas tinha sentimentos, coisa rara naquela família.
Esteve com ele no Aeroporto e a sua alegria contrastava com a ansiedade e o receio do irmão. Paulo relembrava as palavras da irmã mais nova, sussurradas ao ouvido, quando lhe deu um caloroso abraço. Dissera-lhe:
"- Vai meu irmão, enfrenta o destino sem medo, não olhes para trás, nunca. Eu sei a razão do teu desassossego, mas para mim tu serás sempre o irmão que comigo brincou e me ensinou os desafios da vida. Prometes que me darás notícias e, quem sabe, talvez um dia eu siga o teu caminho."
Foram estas palavras que lhe deram ânimo. Sim, o passado estava enterrado e o futuro seria um caminho aberto que estava nas suas mãos, percorrer.
Chegou a Toronto, noite cerrada e viu no primeiro relance a figura do primo Júlio e da mulher Ana. Tinham sido colegas de liceu mas nunca mais se haviam encontrado. Ficou feliz, muito feliz quando os abraçou. Tinham sido amigos e a amizade não se esquece.
Vais ficar em nossa casa, temos um quarto disponível, pois vamos ter muito de conversar. Depois iremos para Vancouver, estaremos contigo apenas alguns dias, pois tencionamos que sejas tu a assumir a responsabilidade do restaurante/bar que já existe,  que compramos, para que queremos transformar em qualquer coisa de diferente.
Nós ficaremos em Toronto, temos dois restaurantes que nos ocupam todo o tempo e dois filhos a frequentar a escola. Estamos convencidos, vais ficar apaixonado pelo projecto, ia dizendo o primo Júlio enquanto levantavam a bagagem e depois conduzia o carro atravessando a cidade, até parar junto de uma moradia num bairro cheio de jardins e parques iluminados.
Chegamos, diz Ana, sê bem-vindo a nossa casa!
E para sua surpresa, Paulo sentiu naqueles breves instantes, um calor de família, como nunca conhecera. Aquele momento fora um clarão de luz, por entre as trevas duma vida sombria.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

ENCONTRO COM O DESTINO


       Edvard Munch


 6 . DIRECÇÃO, VANCOUVER

Paulo José, tinha vinte e oito anos de idade, cursara Engenharia do Ambiente, numa Faculdade Privada e reconhecia agora, não lhe servira para nada. Estava desempregado e de vez em quando conseguia arranjar um trabalho de pouca duração, pago a recibo verde.
Ele era um dos muitos desesperados dependentes da ajuda da família. O tempo livre sonhava sentado à beira mar. Não tinha grandes amizades e sentia que uma força o impelia a partir. Mas não sabia que destino.
Tinha entrado na Universidade contra a sua vontade. Não sentia nenhuma vocação e nem imaginava o futuro. Mas uma coisa tinha sempre recusado, trabalhar com o Pai.
A família tinha extensas propriedades rurais que ocupavam terras com pouca aptidão para a agricultura. O Pai, filho único de uma família meio arruinada, recebera como prenda de casamento diversas herdades de montado, ocupando uma área razoável no Alto Alentejo. Recebera também uma esposa feia, com mau humor e com um medo horrível do pecado. A mulher Dona Helena entendia o sexo como o acto de procriação, recusara métodos anticonceptivos, de qualquer género e o Marido, para satisfação dos seus naturais apetites sexuais, passou a recorrer às velhas conhecidas e até a algumas amigas, casadas, da própria mulher.
E não se dava nada mal com o esquema, pois a indiferença da mulher era amplamente compensada pelos ardores, por vezes já perigosos, das visitas lá de casa.
Todavia do casamento haveriam de nascer três filhos. O mais velho, Paulo José vivia numa velha casa em Lisboa que pertencia ainda ao património da Dona Helena, enquanto fosse viva, pois ela já a doara à Igreja. Precisava de obras, mas o Pai nem sequer gostava de ouvir falar em gastar dinheiro, numa casa que nunca poderia vender.
O Doutor Frederico, como gostava de ser chamado, embora ninguém soubesse que curso havia tirado, geria a seu belo prazer as propriedades, em regime de arrendamento agrícola. Recebia rendas anuais dos diversos rendeiros, não eram valores muito elevados e a sua maior fonte de rendimento era o resultado da venda da cortiça.
Para aumentar a rendibilidade escolheu uma propriedade extensa mas montanhosa, que mandou vedar e constituir uma reserva de caça privada.
Tinha muito tempo livre e vivia feliz, porque nunca fora muito amigo de trabalhar. Percorria os caminhos ao volante de um carro todo o terreno, que comprara a prestação e que ia pagando, quando não ficava depenado nos jogos de azar em que se metia, sempre que dava uma escapadela a Badajoz.
Gostava de ser reconhecido mas não era muito respeitado.
O filho do meio, Henrique era pelo contrário um rapaz muito estudioso completamente dominado pela febre da Informática. Tirara o curso correspondente e aos vinte e seis anos montara com alguns colegas uma empresa de prestação de serviços, que até não estava a correr mal. Vivia em Évora, raramente aparecia em casa dos Pais, e as visitas eram cada vez mais espaçadas, alegando muito trabalho. Contudo a casa dos Pais até era bem perto, nos arredores da cidade de Estremoz. Mas por qualquer razão ele não se sentia bem e evitava estadias prolongadas.
 Finalmente a filha, Maria Cecília, tinha dezoito anos e uma personalidade muito forte e independente. Fez o Liceu mas recusou continuar os estudos. A sua paixão era a música rock e nada nem ninguém a conseguira fazer mudar de opinião. Cansada de viver numa cidade pequena e sem perspectivas, foi para Lisboa, partilhando a casa com o irmão. Em pouco tempo tinha um numeroso grupo de amigos. Entre eles havia um grupo que já dera os primeiros passos no mundo da música e ela foi um reforço bem recebido. Tinha uma voz bem timbrada, era bonita, elegante e muito alegre. Estava disposta a estudar mas numa escola de música em Londres ou Nova Iorque. Para isso tinha que juntar dinheiro, pois a Mãe recusara-lhe ajuda para cumprir o seu sonho.
Maria Cecília partilhava com o irmão, apenas o espaço, pouco tinham em comum, nem os amigos,que ela nem conhecia do irmão mais velho.
Mas foi Paulo José o primeiro a sair. Para o Canadá onde tinha primos emigrantes. Aceitou ir trabalhar no restaurante e pequeno hotel que eles haviam comprado na costa agreste dos arredores da cidade de Vancouver. Pediu dinheiro emprestado, obteve o visto e de um dia para o outro partiu.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

ENCONTRO COM O DESTINO







                                  
                                        PICASSO


5 – SEGUINDO O CAMINHO

Bárbara preparava a viagem. Já tinha o visto e o itinerário escolhido pela internet.
Faria Lisboa /Nova Iorque, ficaria uma semana na cidade que tanto desejava conhecer e só depois voaria para Seattle, atravessando o continente do Atlântico ao Pacífico.
O estágio, para além de estipular uma retribuição em numerário oferecia alojamento num apartamento perto do Instituto, que deveria partilhar com uma outra colega.
Não precisava de se preocupar com a logística o que lhe dava mais tranquilidade. Aproveitou os dias antes da partida para embalar livros, muitos livros e só depois as suas roupas que cabiam numa pequena mala. Aproveitaria a semana em Nova Iorque para comprar alguma roupa adequada ao inverno que se aproximava.
Para a bagagem de mão, escolhera uma mala com as dimensões autorizadas, onde iria levar a caixa de cartão com as memórias da Mãe, os seus objectos pessoais e pequenas recordações.
Olhava para a pequena mala e dava-se conta nela levava o passado que um dia teria e queria conhecer. Afinal uma parte da vida que não recordava, também seguia naquela pequena mala.
Quando esvaziava uma gaveta da mesa-de-cabeceira do quarto da Mãe, encontrou uma carta que lhe era dirigida. Tremeu, hesitou mas acabou por ler:
“ Minha filha,
Comecei a escrever esta carta quando senti que o destino se preparava para me dar o golpe final. Na verdade a minha doença não foi uma surpresa, já tinha recebido o aviso e só a minha vontade de te ver seguir o teu caminho me manteve lúcida. Mas sinto que se aproxima o fim da jornada. Deixo-te no limiar do teu futuro com a certeza que para os passos que faltam não precisarás do meu apoio. És uma mulher que se habituou a lutar.
Mas quero que saibas que todos os momentos contigo foram o sol da minha vida. Desde o primeiro choro, desde a primeira vez que te amamentei, que ouvi os teus gritinhos e senti as duas carícias de criança alegre e feliz, tu foste a razão, a única razão, do meu viver.
E tudo, cada minuto valeu a pena. Ter-te trazido dentro de mim foi o meu tesouro a minha alegria e a minha esperança no porvir. O passado ficara para trás o meu futuro foi o teu. E foste tudo.
É com dor que te vou deixar. Mas na hora da partida, que sinto breve, levarei no meu coração todo o amor que tu me deste e fico certa que como eu te ensinei, guardarás dentro de ti o carinho e o amor da tua Mãe.
Segue o teu caminho, não olhes para trás, o futuro será teu e o passado irá empalidecendo quando outras vozes te chamarem. Quando fores Mãe, fala da Avó que se ria e era alegre, Era assim que eu gostaria de ser lembrada.
Um dia, quando te sentires realizada e feliz, poderás abrir a minha caixa de recordações. Nela guardei entre outras pequenas coisas, um pequeno diário onde conto a minha vida passada. Não quero que isso te traga dor pois tudo o que vivi foi um pesadelo que o teu sorriso de criança ajudou a fazer esquecer.
E fui tão feliz ajudando a crescer a minha filha que até os desgostos antigos foram simples aguaceiros, que o sol depressa fez passar.
Agora, na partida, relembro-te as tuas promessas e junto mais uma. Procura a felicidade, não a deixes fugir.  Vai, segue o teu caminho. Eu estarei a teu lado.
Adeus,
Madalena.”
Bárbara não chorou, os olhos estavam secos por tanta lágrima que ela deixara fugir sentada junto ao leito de morte da Mãe.
Para sua surpresa encontrou também os certificados de uma conta poupança que a Mãe fizera em seu nome. Pobre Mãe pensou, quantos sacrifícios fizera para lhe deixar aquelas economias.
Sentiu-se cheia de coragem para percorrer o caminho.
E tinha a certeza que não o seguiria só.