terça-feira, 30 de agosto de 2011

HISTÓRIAS ANTIGAS E DE SEMPRE



Desde que me conheço que gosto de ouvir histórias. Miúdo de calções e pés descalços ouvia os mais velhos contarem coisas sobre as suas vidas. Nem sempre eram verdade, muitas eram inventadas mas para mim foram sempre fascinantes.
Sinto pena pelas que esqueci, mas recordo com saudade os rostos dos contadores de histórias que enriqueceram a minha infância, acompanharam a minha adolescência e até enquanto adulto, me levaram a ver o mundo.
É recorrendo a fragmentos que guardei, que irei reconstruindo as histórias, em que como sói dizer-se, “quem conta um conto acrescenta um ponto”. Aqui vai a primeira inspirada nem eu sei em quê, alguma coisa, contudo, será!


1 – O HOMEM A CORTIÇA E OS BURROS

Era uma vez, há muitos anos atrás, um homem empreendedor que resolveu investir no seu futuro e no da sua família.
Não tinha meios de fortuna, bancos para apoiar financeiramente nem pensar, apenas tinha a sua ideia e por ela lutou.
Estávamos no final dos anos quarenta, a guerra trouxera a fortuna de muitos, mas para aqueles que como o protagonista desta história estavam longe dos centros de negócio e do poder, o caminho era muito mais difícil.
O nosso homem vivia no norte do Alentejo, naquela parte onde os Alentejanos perdem um pouco das características dos habitantes do sul e se aproximam dos traços dos lusitanos puros, descendentes dos povos da montanha.
Todavia algo para além do rio Tejo os separava. Entre os pobres havia mais solidariedade entre os que nasceram no sul.
Isto afinal nada tem a ver com a história que vos quero contar.
O nosso empreendedor, depois de algumas sortidas a contrabandear durante e até final de guerra civil de Espanha, decidiu mudar de vida. O seu destino estava traçado, trabalhar no campo quando os senhores da terra queriam, ganhando o mísero salário para um trabalho de sol a sol e foi disso que quis fugir.
Depois de muito pensar decidiu montar uma empresa de transportes.
Não teria camionetas, mas as estradas pouco mais eram que caminhos de terra, serpenteando entre as herdades e as manchas de sobreiros. Assim escolheu o meio de transporte mais adaptado. Uma frota de burros, bem resistentes e cujo consumo se resumia à erva que iam comendo na beira dos caminhos. Juntou quatro belos e teimosos exemplares, preparou algumas albardas e começou a conduzir o seu negócio de transporte.
Pelos caminhos dos vales e dos montes procurava os locais onde eram empilhadas as pranchas de cortiça virgem, que os corticeiros, homens treinados a manejar o machado sem ferir as árvores, retiravam, de sete em sete anos.
Era fácil encontrar esses locais, bastava seguir os sobreiros despidos, com o tronco assinalando o ano de extracção.
O negócio que o nosso empresário montou era o de transportar até à fábrica a carga que os animais podiam suportar.
Era um negócio interessante, havia procura e ele satisfazia a exigência principal dos produtores. Baixo custo de transporte.
E era esta a história.
Mas agora que a escrevo, parece que alguma coisa me falhou. Tirando o bucolismo das caravanas de burros transportando a matéria-prima, haveria mais alguma coisa?
De repente lembrei, como um simples comerciante da área dos transportes animais, se transformou num moderno empresário de sucesso, recorrendo ao que hoje ouvimos falar de inovação.
Ele cobrava uma percentagem por cada quilo transportado. Os burros eram pesados antes com umas albardas mais leves e pesados com a carga de cortiça, sobre novas albardas convenientemente recheadas de areia molhada. O comprador final pagava a areia molhada ao preço da cortiça. O IBT do empresário era também o seu IAT. Para quem não sabe o que as siglas representam, acrescendo que, como qualquer empresário que se preze, e que ainda hoje existem e ouvimos falar, não pagava impostos. Certo é que o negócio prosperou, a frota de burros foi aumentada com upgrade. Havia burros velhos e pequenos para a primeira pesagem e outros bem nutridos para a segunda pesagem.
Afinal quem é que consegue distinguir um burro velho de um burro novo? Olhamos para eles e são todos burros.
Com muito respeito e carinho que eu tenho por aqueles espertos animais.

NOTA IMPORTANTE:
A história aqui contada é pura ficção. Qualquer semelhança com factos ou pessoas será pura coincidência.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

UM DIA, UMA VIDA

4 - A ARMADILHA

Vou utilizar uma frase que já deixou de ser ouvida. Eu pelo menos não me recordo.
E, todavia é tão simples de dizer: pedir perdão.
Porque prometi e não cumpri.
Revoltado e descrente da política e dos políticos prometi a mim mesmo e aos que me leram não voltar a escrever sobre o tema e voltar a tentar contar uma história, daqueles que, antigamente, começavam assim: Era uma vez…
O que saiu não foi uma história de encantar mas apenas um amontoado de recordações mal alinhavadas mas com uma dose de dor lá pelo meio. Fico pelo terceiro episódio, o final da história, sendo fácil de adivinhar, também não vale a pena perder tempo com ele.
Assim dividido deu-me para pensar que o pensamento é um labirinto onde se cruzam ideias, promessas, desilusões e que no final acaba numa armadilha. Esbarramos com um muro e a única saída é regressar. Mas ele foge do nosso controlo e caminha pelos minutos e pelas horas mal dormidas.
Afinal nada mais é do que a memória dos anos vividos, dos momentos felizes, do amor, das despedidas e dos sonhos esquecidos.
Parece que tudo foi ontem, há um ano, há um século. Mas foi.
Termino como comecei. O mesmo cantor, com um poema e uma música que nos faz sentir em paz.

sábado, 27 de agosto de 2011

UM DIA, UMA VIDA

3 – TEMPESTADE

Ficou surpresa com a violência da trovoada que passava naquele momento. Desperta da sonolência, viu as horas e levantou-se num repente. Eram nove da manhã.
Foi à procura dos filhos. Os gémeos não estavam no quarto, Madalena foi à sua procura e quando passou pelo quarto da filha mais velha, pela porta entreaberta viu uma cena que a enterneceu. Filipa, deitada com um irmão de cada lado lia uma história de encantar.
Reconheceu a história, tantas vezes a ouvira. A história do Pássaro Azul.
Não interrompeu aquele momento, foi para a cozinha para preparar o pequeno-almoço das crianças mas encontrou sobre a mesa uma bandeja com a loiça utilizada. Filipa já havia preparado e servido a refeição.
Estava feliz, sabia que podia contar com a filha mais velha, e isso dava-lhe uma grande tranquilidade, mas sem perceber porquê ficara apreensiva.
Voltou a abrir a caixa de mensagens do telemóvel. Tinha uma nova, de Frederico a dizer que se preparava para sair de Madrid. Verificou os detalhes a hora de envio fora as sete da manhã, hora de Espanha. Fez as contas rapidamente, cinco horas de condução significavam que Frederico chegaria antes meio-dia.
Respondeu à mensagem. Pedia muita atenção pois o tempo estava péssimo. Esperamos por ti. Assinou e remeteu.
Admitia que o estado de ansiedade que sentia fosse causado pelo temporal, mas não só. Depois de enviar a mensagem fez uma chamada. Para se tranquilizar precisava de ouvir a voz do marido. Mas o telemóvel não estava disponível. Deve ser do mau tempo, pensou, voltarei a ligar mais tarde.
Na sua vida já enfrentara momentos difíceis. Aprendera a pensar que na vida nada é eterno. Ela perdera a Mãe no dia em que nascera e fora do Pai e do irmão seis anos mais velho, que recebera o carinho e o amor.
Mas num dia que não mais esquecera, tinha dezoito anos de idade, frequentava a Universidade onde o irmão se tinha formado, o Pai aproveitou uma noite fria de Inverno para lhes contar algo que os marcou, para sempre.
Sentados na sala o Pai olhara-os nos olhos e dissera:
- A vida é para ser vivida com amor e prazer, senão não vale a pena. Sempre vos ensinei essa verdade. Eu, repetia o Pai com a voz firme, perdi a minha companheira, mas fui feliz em cada dia em que vivi, vendo-os crescer. Vocês foram a minha razão de viver e valeu a pena.
Mas agora estou doente, uma doença sem esperança, têm que aceitar que o meu caminho está perto do fim. Sei que estão preparados para a vida e peço-vos, respeitem o meu desejo, não deixem que me prolonguem artificialmente a vida.
Quero partir de corpo inteiro. Quero ser o princípio e o fim.
Vocês são mais do que irmãos, partilharam tudo o que eu tinha para dar. Quero que assim continuem. Escrevi uma carta com as minhas últimas vontades. Fui eu que a escrevi, é uma carta de despedida. Estará molhada de lágrimas mal enxutas mas o coração não me ditou todas as palavras que gostaria de vos deixar. Cada um encontrará numa linha, numa frase a amargura de partir mas também o carinho que vos deixo.
Agora o caminho é vosso, olhem sempre em frente, nunca para trás, mas pensem que na estrada da vida eu estarei sempre ao vosso lado.
Madalena chorou às escondidas. Sentia-se mal com as recordações. Voltou a ligar o telemóvel, sem sinal. Ficou parada olhando para as horas. Era quase meio-dia e não tinha notícias de Frederico. Foi para a janela, deu por um carro que estacionou perto. Estremeceu, era o irmão e a cunhada a caminharem para a sua porta.
Ficou lívida e no seu interior soltou um grito de desespero, Não, não pode ser.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

UM DIA, UMA VIDA

2 – TEMPO DE SONHAR

O silêncio, a imagem de túlipas amarelas, a sua flor preferida, a melodia e as palavras, fizeram-na sonhar.
Recordava o tempo em que, muitos anos atrás, uma coincidência os reuniu.
Madalena frequentava um curso nocturno de aperfeiçoamento da língua inglesa. Na altura o seu sonho era partir e o destino Nova Iorque. Saíra da escola no momento em que uma chuvada caía sobre a cidade. Abrigou-se na escadaria do antigo cinema S. Jorge.
Ao seu lado, no meio de uma pequena multidão de pessoas surpreendidas pela trovoada, estava um homem inquieto que olhava com insistência para o trânsito, enquanto consultava o relógio. A cada momento ficava mais tenso e logo que se apercebeu que um carro abrandava junto ao passeio, respirou fundo, tentou abrir caminho empurrando entre outras pessoas a jovem Madalena que na beira do passeio, não aguentou o impacto e se estatelou na rua, mesmo na frente do carro que aguardava o impaciente desconhecido.
O homem ouviu as reclamações e insultos das pessoas que empurrara ficou lívido e sem saber o que fazer. Só repetia desculpas enquanto com o casaco que entretanto despira, procurava proteger da chuva o corpo da jovem caída.
Entretanto o motorista do automóvel saiu, abriu a porta da retaguarda, dizendo:
- Pode entrar senhor Engenheiro, com sorte ainda conseguimos chegar a tempo ao aeroporto.
O Engenheiro começou a dirigir-se para a porta aberta mas parou e voltou para trás, esquecera-se do casaco sobre os ombros da jovem. Apesar da insistência do motorista decidiu no momento que não iria abandonar o local sem prestar assistência à rapariga que acabara vítima da sua imprudência. A viajem ficaria sem efeito. Fez sinal ao motorista para seguir, já que tinha atrás uma fila de automóveis buzinando e protestando. Depois ajudou Madalena a subir os degraus e recolheram-se num canto mais sossegado.
Do bolso tirou um lenço e começou de forma desajeitada a tentar limpar o rosto e os cabelos da jovem.
Madalena tirou-lhe o lenço da mão, retirou a lama da face, sorriu enquanto murmurava:
- Escapei por pouco mas devo estar num estado lastimoso. O meu nome é Madalena.
Eu chamo-me Frederico, e sou o responsável pelo acidente. Diga-me que está bem, não tem nenhuma mazela que justifique a ida ao Hospital? Quanto ao aspecto não se preocupe, juro que está linda.
E foi assim que se conheceram.
A natureza fora a Madrinha daquele encontro, que iria mudar as suas vidas.
Foi à luz dos relâmpagos que haviam iluminado o céu e ao som dos trovões prenúncio da tempestade, que nascera aquele amor. E quinze anos depois, seria um forte trovão que a iria acordar para a realidade. O sonho lindo estava prestes a terminar.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

UM DIA, UMA VIDA

1 – A MENSAGEM

O despertador tocou às seis horas da manhã.
E Madalena, como de costume, parou o alarme e voltou a enroscar-se na cama. Passados poucos minutos soou o irritante alarme do telemóvel. Eram 6horas e 10 minutos. Nada a fazer era hora de levantar.
Acendeu a pequena luz, olhou para o lado, esfregou os olhos, esquecera-se que naquela noite, naquela semana, dormira só. Frederico ausentara-se para assistir à reunião da Administração da Empresa. Era uma grande empresa internacional, de obras públicas mas com sede em Madrid.
Ela recordou as noites do marido agarrado ao computador, analisando números, assinalando desvios entre o objectivo e o realizado. Estava satisfeito quando concluiu o seu trabalho, as coisas tinham corrido bem no seu Departamento. Estava confiante quando partiu, pronto a aceitar qualquer desafio. Sabia por experiência que toda a gente iria ser posta à prova e que havia sempre alguém que não aguentava a pressão e fraquejava. Para uma multinacional isso significava o fim.
Precisava de convicção e de confiança e tinha essas condições. Ambicioso não enjeitava assumir novas responsabilidades. Sempre assim fizera e a sua carreira estava em crescendo.
Felizmente a ausência seria só por uma semana e Madalena bem que sentia a falta do companheiro.
Começou a sua lide de cada manhã de trabalho.
Eram casados às quinze anos, tinham três filhos. A mais velha Filipa tinha doze anos, mas ninguém diria. No pensamento e na atitude responsável parecia ter mais idade. Era a sua colaboradora mais eficaz para ajudar com os outros dois irmãos, gémeos de quatro anos, Manuel e Pedro, cada qual o mais traquinas.
Madalena como de costume tomou o pequeno-almoço, sumo de laranja e um café antes de ir tomar banho. Ás sete da manhã era hora de acordar Filipa, precisava da sua ajuda para tomar conta dos irmãos o que não era fácil.
Mas a filha levantou-se e com ar admirado perguntou:
- Mãe passa-se alguma coisa?
Madalena incrédula olhou a filha e deu-se conta que cometera um erro, afinal era sábado, como pudera esquecer?
Na verdade quando se deitara estava tão cansada que não desligara os despertadores. Acariciou a filha, murmurando:
-Desculpa, dorme, a Mãe não se deu conta de que hoje é sábado.
Como já estava arranjada pensou sair mais cedo, ir tomar o café do costume e seguir para as compras de fim-de-semana. Espreitou a janela, estava ainda escuro e uma chuva persistente mas não muito forte,decidiu cancelar a ideia. Que loucura, pouco passava das sete da manhã, não havia ninguém na rua e nem o café do senhor Luís estava aberto.
Tinha combinado que Frederico lhe mandaria uma mensagem na hora que deixasse Madrid. Por comodidade ele tinha optado pelo carro. Tinha prazer em guiar e era um condutor experiente e seguro.
Na caixa de correio do telemóvel, Margarida não tinha qualquer mensagem. Era bem cedo, sabia, mas o marido costumava surpreendê-la. Abriu o computador foi à pasta do correio e lá estava uma curta mensagem, dizia:
“- O que seria de mim se tu não existisses! Vê o anexo. Com amor, Frederico."
Ligou o altifalante, colocou os auscultadores, abriu o ficheiro e ouviu uma linda canção de amor.
Fechou os olhos e deixou-se dormitar, com um sorriso nos lábios.



domingo, 21 de agosto de 2011

O HOMEM QUE CHORA

8 – ERA UMA VEZ …

Precisei de parar. Era imperioso que o fizesse sob pena de me ausentar para o outro lado da vida.
Sem esperança olhei para o futuro e senti vergonha.
O Partido Socialista escolheu como chefe um boneco de plástico, tão vazio hoje como vazio era alguns anos atrás. O que é que pode esperar?
O molde onde foi fabricado foi o mesmo de o actual ajudante número um. Desculpem, não sabendo o que devia chama ao Dr. Passos, escolhi a palavra que definia a função de cada ministro, durante o período de ouro do Cavaquismo. Ajudantes.
Sim, porque o País é governado por um triunvirato estrangeiro, com o beneplácito e bênção do Dr. Cavaco e o lugar de primeiro-ministro só poder ser:
- AJUDAR, estando à beira do precipício é preciso ajuda para dar o passo em frente.
Valha-nos a nossa Assembleia, representante do Povo. Nessa, podemos e devemos confiar. Mas pensando bem, alguém sabe o deputado a quem pedirá contas pelo que fez ou deixou fazer? Eu confesso que não sei e todavia também votei. Por isso, dali só saíra algum debate um pouco mais aceso, para acordar algum dorminhoco.
É difícil fugir ao destino. Mesmo eu, tanto prometi e afinal também me deixei embalar no canto da sereia. Falar de política e de políticos. Devia ter vergonha.
Não mais voltarei a desiludir os que acreditaram em mim. Principalmente eu e o meu invisível companheiro.
Se já não posso mudar de lugar, posso ao menos deixar de falar dele. Assim farei.
Na solidão terei de encontrar força para ir contando uma história. Daquelas que se contavam às crianças antes da existência de Televisão e da Internet.
Era uma vez…

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O HOMEM QUE CHORA

7 – A PROMESSA QUEBRADA

O desespero tem um preço e eu paguei. A raiva corrói e deixa feridas que demoram a cicatrizar. Ficamos isolados no nosso mundo e o grito, mesmo que saído do fundo do peito, não passará de um sussurro no meio de tantos gritos de horror, a cada momento e em cada lugar do mundo. Prometi a mim mesmo que não iria deixar que os sentimentos se sobrepusessem à razão. Este espaço seria sempre a maneira do EU mais contido, mais introspectivo, sair da clausura, dos dias sem futuro.
Nunca aceitaria seguir o caminho mais fácil. Fui e ainda penso ser, tão cioso da minha independência que sempre me recusava a polemizar, sobretudo não falando de política, que até é assunto nobre e que me interessa, mas de políticos cada vez mais medíocres e formatados.
Quer isto dizer que me arrependo? Não, mas reconheço que perdi o controlo.
Afinal tudo o que venho escrevendo, nada é novo, mudam os intérpretes mas as personagens são sempre as mesmas e quase sem dar por isso esqueci a minha promessa.
Não resisti, fui fraco e o sentimento de raiva e de revolta acumulado, tinha que explodir, fazendo esquecer a razão.
Porque até aqui, neste canto à beira mar, o Regente da Banda dirige com a mesma partitura. Apenas mudou o tom de Fá para Só. Do alto do seu pedestal utilizando as redes sociais, que ele recentemente descobriu, vem apelando aos sacrifícios do povo obediente e confundido com a promessa de melhores dias. Com o Facebook, evita polémicas e também seja reconhecido pelo característico e bem perceptível sotaque Algarvio.
Da orquestra, nomeada com pompa e circunstância pouco se ouve falar. A excepção é alguém que não se esconde, dá a cara, o que nem sempre é fácil, quando a sua primeira actividade é ser cobrador. Ele é o nosso pesadelo mas eu não queria estar na sua pele. Quanto tempo resistirá? Aceitam-se apostas!
Outros foram bem mais espertos. O Astronauta Álvaro por exemplo, que paira sobre as nuvens aguardando o bom tempo para desembarcar. Esperará, penso eu, que a economia cresça e crie emprego. Diz quem sabe que a nave em que viaja está abastecida para uma estadia de cinco anos. Não será mau, assim estará a salvo de qualquer desagradável recepção, por parte dos desempregados que tiverem resistido
Finalmente, a maioria dos ministros, secretários de estado, adjuntos, chefes de gabinete, conselheiros, analistas e jornalistas a soldo, vai tentando passar entre as gotas da chuva, por enquanto suave. Todos os dias olham o céu com medo de alguma trovoada repentina. Pouco ou nada têm feito e nada têm para dizer. Que bom, assim sempre se consegue poupar electricidade, pois o aconselhável é mesmo desligar a TV.
Mas para maior espanto, o mais falador anda desaparecido, passeando o seu guarda-roupa de vendedor de gelados. Esperto é, se alguma coisa correr mal, não sabia de nada.
No meio há uma estrela que nunca empalidece. O seu “talk show” das noites de domingo é brilhante. Ele fala e sabe de tudo. Não é bem uma conversa em família mas às vezes tem um toque. Coisas da vida.
Valha a verdade que se diga que quem fez o trabalho foi a troika. Ao Governo basta tocar pífaro e tambor. A música foi escrita por outrem. Qualquer um faria igual. Até eu, passe a imodéstia.
Vou acabar. Como disse o meu desespero teve um preço bem alto, fiquei só. O meu amigo John Doe, a minha consciência, a minha razão, desapareceu. Eu quebrei a promessa. Ele sempre me segredou e tinha razão:
- Porquê perder o tempo que te resta a esgrimir contra forças que são imutáveis? Só contra o mundo? Pode ser poético, mas acabará em tragédia!
Perdi o meu amigo, fiquei perdido. Salto de palavra em palavra e não o encontro. Sinto-lhe a falta.
Ah, como eu desejaria que ele aqui estivesse!


terça-feira, 9 de agosto de 2011

O HOMEM QUE CHORA

6- FARTO

Depois do que escrevi no texto anterior, tentei enxugar as lágrimas, mas os olhos estavam secos. A dor que me fez gritar fora de raiva, de impotência, de desesperança. Doeu, sangrou mas as lágrimas não chegaram nesse momento. Elas, que são precisamente o que nós sempre fizemos.
Chorámos à partida dos navegadores, chorámos quando alguém próximo nos deixa, mas não quando somos enganados vezes sem conta. É a nossa sina, ou o nosso fado, como lhe quiserem chamar, mas foi o caminho que escolhemos.
Cansado de políticos de mais tigela, estejam eles aqui ou em Bruxelas, em Paris, em Berlim, em Washington ou em Pequim, intoxicado pelos analistas, politólogos, fazedores de opinião, especialistas de trazer por casa, que tanto falam e nada fizeram, mudei de rumo.
Fui buscar ao fundo das minhas memórias, um filme que retrata, melhor do que as palavras, o desespero de alguém que se cansou de acreditar.
Estarei eu, como a personagem Howard Beale, interpretada pelo actor Peter Finch, considerado por muitos como o mais talentoso actor da sua geração?
Não, acho que não. Mas que me apetece abrir a janela e gritar, estou farto, isso é verdade.
A cena que se segue é soberba, mas se tiverem oportunidade revejam o excelente filme, NETWORK, dirigido por Sidney Lumet.
Depois, espero que também tenham vontade de gritar.

domingo, 7 de agosto de 2011

O HOMEM QUE CHORA

5 – TEMPO DE CHORAR

Por mais que lhe queiram vender a miragem, de com as medidas de austeridade impostas pela troika, na sua primeira versão, mais soft, mas que lá mais para a frente, serão agravadas, o País ficará melhor, com mais emprego, com melhores empresas, com melhor Estado e tudo a rolar sobre esferas, você fuja, se tiver ainda idade e oportunidade faça a opção de voto mais adequada ao seu futuro. Quer dizer, vote com os pés, parta, vá-se embora, lembre-se do seu futuro e do dos seus filhos.
Não acredite nas promessas dos vendilhões de ilusões. Repare que já estamos a voltar à política de caridadezinha, tão do agrado da Igreja e dos governantes de outros tempos, não muito distantes.
Fuja enquanto é tempo, a não ser que lhe tenha sido dada a oportunidade de fazer alguns negócios enquanto é tempo. O BPN já não pode, já foi entregue aos seus criadores.
Mas se por acaso ainda tem esperança, que o tratamento que já nos começou a ser aplicado, vai curar e doença, pergunte aos Argentinos. Eles já tomaram a poção mágica.
Mas será que não haverá outro caminho, entre o ultraliberalismo que agora vivemos e o desenvolvimento a todo o custo, porque passamos?
Haverá certamente. Qual não sei, mas nunca será possível enquanto não tivermos a coragem de enfrentar e pegar o touro pelos cornos. Levaremos algumas marradas, isso é garantido, mas no fim talvez a fera seja amansada.
Porque pelo caminho para que somos guiados, poderemos não morrer da doença, mas da cura, morreremos de certeza.
Olhe à sua volta e imagine o que será este País no curto prazo, com mais de uma milhão de desempregados, mais não sei quantos a ganharem o salário mínimo nacional, mais centenas de milhares de jovens sujeitos a recibos verdes, nunca menos de dois milhões de velhos e a prosperar,os mesmos de sempre, os milhares de especialistas em cambalhotas e cambalachos.
Quem é que vai pagar a conta?
O cidadão Amorim, o cidadão Jerónimo Martins ou o cidadão Belmiro de Azevedo, etc.?
Não brinque com coisas sérias. A frase “Os ricos que paguem a crise” já passou de moda e nunca passou de um slogan oportunista e deslavado. Nem os defensores de modelos que a história já condenou arriscam dizer isso.
Faz todo o sentido pôr as contas em dia, mas é preciso investir para que a economia cresça e crie emprego. E pense bem, verá no máximo duas dúzias de Empresários dispostos a investir, criando e distribuindo riqueza. Os outros não são Empresários, são Patrões e com esses não se poderá contar.
Hoje deu-me para isto e não pensem que o que disse não faz sentido. Faz, e basta estar atento ao que é dito por muita gente mais qualificada e descomprometida, sobretudo estrangeiros, que opinam fora do sistema.
O modelo Europeu falhou, porque alguém se esqueceu que cada um só olha para o seu umbigo. A Comissão Europeia e o Parlamento Europeu não servem para nada, quando muito abrirão as portas e servirão o chá.
Por ironia do destino e para saber quem efectivamente manda na Europa, é bom lembrar o que alguém disse, alguns anos atrás “ A IIª Guerra Mundial acabou hoje, ganhou a Alemanha”
E já muita gente fala que nós devemos sair do Euro. Eu acho que sim, mas voluntariamente, antes que nos atirem pela borda fora e acredite, já estamos pendurados na amurada do navio.
Eu pouco posso fazer. Mas pelo menos, acordei e gritei de dor. Por isso mudei o nome à série de textos. Deixará de ser “O HOMEM QUE RI” para ser “O HOMEM QUE CHORA”.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O HOMEM QUE RI

4 – A PARTIR DESTE MOMENTO

Nestes dias de um verão envergonhado, fiquei mais tempo em casa e logo, sujeito ao suplício de ver programas de Televisão. Contudo, tenho para comigo, que o sacrifício que faço há-de ter alguma recompensa, se não for neste mundo, será no outro.
Do outro mundo passei rapidamente para este e logo fui confrontado com um sinal dos tempos.
Seria que o verão estava assim tão envergonhado por ter de brilhar e aquecer um bando de submissos cidadãos, cujo único defeito, histórico aliás, é de não gostarem de pagar o que devem?
Para um povo ordeiro e conformado com o destino que nunca soubemos mudar, só faltava mais esta. O nosso Sol mudou-se para outros lugares.
Não me admirava nada que outros poderes, sobrepondo-se aos da Natureza, tivessem decidido baixar o rating do nosso sol, de triple A para triple M!
Era com esta angústia instalada numa cabeça cada dia mais desordenada, que ouvi na Televisão, qualquer coisa que me despertou.
Não me é fácil acordar mas desta vez valeu a pena. Era o Ministro das Finanças a falar sobre a bondade de uma comissão de acompanhamento da execução orçamental, dos desvios na despesa e na quebra da receita. Enfim a conversa do costume. Todavia algo me dizia para continuar ouvindo. Já não me importava se o objectivo fosse apenas um programa de recuperação de emprego, porém o interesse cresceu, quando o Ministro admitiu que, para dar credibilidade às análises da dita comissão, o lugar de Vice-Presidente deveria ser entregue a um Estrangeiro. E até foi mais longe, estimando que o modelo serviria para tranquilizar os mercados e poderia representar uma redução da despesa com os juros da dívida pública, da ordem de milhares de milhões de euros.
Esfreguei os olhos, teria ouvido bem?
Admitindo que sim, mais uma vez o Governo deste triste País mostrou falta de ambição.
Então, não seria melhor que a Comissão fosse constituída só por estrangeiros? Deixaríamos para os indígenas os lugares de telefonista e de motorista, lugares que apesar de eminentemente técnicos, qualquer Doutor, com ou sem mestrado, os poderia desempenhar.
Agora pensem, se só com um Vice-Presidente estrangeiro a poupança era tal, se fosse a Comissão inteira quanto não seria? Nem me atrevo a fazer as contas.
Anda com isso para a frente Senhor Ministro e já agora considere na análise custo benefício:
- E se o Governo fosse escolhido através de um concurso internacional? Ou muito me engano ou essa seria a reforma do século.
Contudo não podemos esquecer que o facto do Parlamento representar o Povo, os seus direitos deverão ser devidamente acautelados. A Assembleia da República continuará a fazer o seu trabalho, como até aqui.
Neste modelo só não sei que papel caberia ao Senhor Presidente da República e aos Tribunais? Se ficar tudo na mesma receio que o concurso internacional fique deserto.
Mas as ideias que alinhei podem nem ser assim tão estranhas. Não será esse o caminho apontado quando se ouve falar de “European Governance”?
Pelo caminho que as coisas levam na Europa em desagregação, talvez seja melhor rever este conceito para simplesmente “Governance”. Ficará em aberto quem governa.
O risco, é que o Português tem o mau hábito de traduzir para uma linguagem terra a terra e quase sempre o faz com humor. E a palavra “Governance” presta-se a todas as interpretações maldosas.
Exceptuando esse aspecto acho que a minha ideia é genial. A partir deste momento tudo pode vir a ser diferente.E mais belo.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O HOMEM QUE RI

3 – MUDA DE VIDA

De caderno na mão fui seguindo a Dona Maria enquanto procurava decifrar as perguntas.
Finalmente fiz a primeira, com algum receio não fosse a simpática senhora julgar que eu estava a brincar:
- Dona Maria já ouviu falar daqueles especialistas que disseram que Portugal era só lixo?
Resposta pronta:
- Não me diga que esses especialistas de que fala são os fiscais da Câmara que uma vez por outra vêm fiscalizar o meu trabalho? Se é a esses que se refere, desde já lhe digo que são uma camada de incompetentes e analfabetos que apareceram nem se sabe donde.
Não fui muito feliz a formular a pergunta, pensei, decidi tentar de novo:
- Dona Maria desculpe, não falei desses especialistas, referia-me às notícias que uma Agência tinha classificado de lixo o nosso país. A senhora ouviu essas notícias?
- Oh nem me fale disso. Quase nem dormi, pois esses senhores devem pertencer a uma empresa de limpezas que já ouvi dizer, anda desejosa de tomar conta do negócio.
São os interesses a falar. Eu desafio a mostrarem se conseguem fazer um trabalho melhor que o meu, ganhando o que eu levo para casa todos os meses. E não falo só por mim, também pelo meu colega que se ocupa da zona mais acima e que de um momento para o outro viu duplicar o seu trabalho, só porque o nosso primeiro-ministro habita naquela zona. E o senhor pode não acreditar mas, segundo o senhor Joaquim,o lixo aumentou para mais do dobro.
E a Dona Maria, furiosa deu mais umas vassouradas no passeio, resmungando com a falta de consideração dos moradores que levam os cães a passear, deixam ficar a porcaria e lá ia ela limpar. Sempre gostava de saber o que é que esses especialistas de que me falou dizem sobre isto. Aposto que nem respondem!
A coisa não estava fácil. Voltei a pedir desculpa e reformulei a pergunta?
- Dona Maria a Agência que eu referi é americana e classifica a dívida do nosso País?
- Então porque é que o senhor não me disse logo que falava da Moody’s? Como é que eu ia adivinhar?
Engoli em seco, dei mais uma volta ao caderno fingindo que lia, enquanto recuperava da surpresa.
- Peço mais uma vez desculpa, não tive jeito nenhum para fazer a pergunta. Mas agora vejo que está bem informada. Sim é verdade, é desses que eu falo.
- Olhe aqui para este contentor, é para reciclar papel, mas há gente bem intencionada que deixa ficar cá fora o saco dos jornais. Assim eu e outros como eu podemos ler sem ter de pagar. E fui acompanhando essa história. Depois em casa como não há futebol o meu Francisco ouve os telejornais, passa o tempo a mudar de canal e por isso o nome Moody’s me ficou no ouvido.
- Percebi, o que é que a senhora tem a dizer?
Ela, olhou para todos os lados, não havia pessoas próximas e com voz baixa continuou:
-O meu marido jura a pés juntos que eles são pagos pelo Pinto da Costa.
Eu sou mais informada, tenho a certeza que esses especialistas recebem dinheiro dos ricos que estão cada vez, mais ricos. Emprestam 100 e no fim do mês querem 200 Euros, está a ver? Infelizmente também já conheço essa gente.
Deu mais uma vassourada,e olhando para mim, do alto do seu saber de experiência feito, deu-me mais uma lição.
- Percebo que o senhor lá no seu trabalho devia estar nalguma prateleira, pois parece pouco saber sobre o assunto. Não se envergonhe, ouça o que dizem os políticos e esqueça, como não vai entender nada, oiça os especialistas, como o nosso Presidente ou até aquele senhor mal-encarado e que quer bater a toda a gente, sabe quem é?
- Não Dona Maria são tantos!
- Bem eu não me recordo do nome mas o meu marido diz que ele é pior que o Bandarra.
Para não passar por ignorante, calei-me.
- O senhor vai continuar sem perceber, por isso é melhor ler um livro. Olhe, abriu a bata de trabalho, e do bolso da saia retirou um livro que me mostrou. Eu agora ando a ler este livro. Não o comprei, foi o meu colega que o achou no caixote de lixo, mesmo perto do prédio do primeiro-ministro. Quando acabar eu empresto. Ainda mal comecei mas acho que vou gostar. Mesmo se não falar de lixo, pelo menos cheira, não lhe parece?
Vi a capa e fixei o nome,” Portugal na hora da verdade”. O autor não conhecia, só consegui ver o primeiro nome, Álvaro.
Assustei-me, a Dona Maria andaria a ler algum livro do Álvaro Cunhal?
Agradeci muito a entrevista. “ Et pour cause” mudei de vida.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O HOMEM QUE RI

2- A CONFUSÃO GRAMATICAL

A minha nova opção tem sido um desfilar de surpresas. Afinal a minha experiência não era assim tão grande como pensava.
Vai daí comecei a elencar, uma palavra que aprendi a utilizar desde que a ouvi, por mero acaso, dita por um dos novos Ministros, as tarefas que me propunha realizar para poder falar sobre o tema com propriedade e sem demagogia.
Isto saiu bem, reconheçam.
O primeiro passo foi difícil. Tudo porque eu percebera mal. Afinal aquilo a que o senhor Ministro se referira, ele que soletra todas as sílabas e mesmo assim poucos percebem, fora a primeira pessoa do presente do indicativo do verbo elencar, quer dizer, uma relação de pessoas de uma companhia lírica ou dramática.
Afinal era fácil, o senhor referia-se ao pessoal que tinha conseguido arranjar tacho. Portanto era o elenco de uma companhia dramática em formação. E o espectáculo promete, tem que ser em grande. Ouvi dizer, mas não posso garantir, que para além da presença do Alberto João, é esperada a Troika, dez estações de Tevisão, desde a China ao Irão, autoridades civis, militares e religiosas, o que garante milhões de parolos a assistir.
Voltando ao tema.Vencida a primeira dificuldade, nascida de um mal entendido, teria de escolher as pessoas que me ajudassem a falar de lixo, tóxico e não só.
Não é para isto que serve a internet, pensei? Tens dúvidas? Procura que está lá tudo.
Mas não deu, fiquei mergulhado em tanto lixo, que me perdi. Sei que fiquei sujo por fora e em branco por dentro.
Fechei o computador e fui apanhar ar. Em boa hora o fiz. A Dona Maria, uma simpática senhora que encontro, dia sim, dia não, empunhando uma vassoura e puxando um carrinho, varrendo a minha rua, teria de ser a minha consultora.
A senhora, muito gentilmente aceitou falar comigo. Fez um pequeno intervalo, bebeu um café e enquanto varria com raiva mal contida os dejectos de cão que as senhoras deixavam espalhados nos passeios, aceitou falou sobre o tema.
Por sorte eu ia preparado com um pequeno bloco de apontamentos, tinha alinhavado algumas perguntas e fiz a entrevista sem, quero sublinhar, ter interrompido a sua tarefa.
O teor da entrevista ficará para outro post.
A não ser que…