quinta-feira, 29 de setembro de 2016

O PRIMEIRO PASSO


ESPANHA – GUERRA CIVIL

  1. ENCONTRO NO MEIO DO NADA

No entardecer dum dia cinzento e chuvoso do mês de Dezembro, no ano de 1936, um homem caminhava, penosamente, serra acima por entre um souto de castanheiros bravos, protegendo-se da chuva e do frio com um capote improvisado, que mais não era do que uma saca de serapilheira, tornada parcialmente impermeável, pelo azeite que corria do transporte da azeitona.

Caminhava apoiando-se em três varas secas de castanheiro bravo, o instrumento de trabalho para a vareja das oliveiras.

Estava cansado e parou sentindo o cheiro do fumo que, em pequenos novelos, se espraiava por entre as árvores. Estava a chegar ao encontro com o irmão mais velho. E tinha muito que contar.

Avançando guiado pelo fumo, encontrou no meio da mata, uma pequena cabana feita pela ramagem entrelaçada de giestas e ramos de pinheiro.

Esgueirou-se, curvado, por um pequeno espaço a descoberto e encontrou o irmão mais velho, o Diogo, sentado numa pedra, atiçando as brasas duma pequena fogueira enquanto enrolava, com cuidado e paciência, uma mortalha de papel que enchia com os restos da onça de tabaco que guardava no bolso do colete.

-Então como foi o teu trabalho perguntou  Diogo?

- Foi o costume, trabalho na colheita da azeitona para ganhar o que nem sequer cheque para conseguir para a conta da mercearia. Mas sabes, o que foi ainda mais doloroso?

É que no caminho para aqui chegar, encontrei uma casa perdida e o dono dessa casa, um homem de meia- idade que caminhava com uma grande bengala, pois só tinha uma perna, e disse-me que tinha perdido a perna ao fugir da matança na praça de touros de Badajoz. As tropas do General Franco haviam assassinado milhares de republicanos. Ele escapou quase por milagre. Depois disse-me que era capaz de nos ajudar a melhorar a nossa vida, com uma proposta para um trabalho que pagará de forma generosa.

- Não sei o que ele te desafiou a fazer, mas sei que será algo de perigoso. Nós nascemos pobres, mas vivemos. Pôr um pé na Espanha de hoje, poderá ser o nosso fim. Ainda assim, o melhor será ouvir o que ele nos vai propor e depois decidiremos.

- Esse é o bom caminho, diz António. Poderemos correr riscos mas ao menos tentamos dar um outro rumo à nossa triste vida. Descansamos e partimos pela manhã.



 

domingo, 25 de setembro de 2016

DOIS VIZINHOS – O MESMO DESTINO


1 - PORTUGAL

Nos finais do ano 1928 Portugal, este País pobre, e não um pobre País, começou a viver um longo período da sua história, onde sentiu as dores da esperança perdida.

 Tantos anos de uma governação de um só homem que soubera moldar os seus mais fiéis servidores, criando algumas oportunidades como prémio para esses e uma polícia política que se encarregava de prender, torturar, matar e deportar para campos de concentração nas colonias, aqueles que ousavam dizer não.

Foi uma década de ilusão e os problemas da sociedade multiplicaram-se. Neste pobre País sem esperança o caminho foi a partida para as américas, seguindo as pisadas dos nossos antepassados. A emigração deixou muitas famílias destroçadas, mães que tinham que criar os filhos alimentando-os com o que a terra dava, enquanto os maridos regavam com o seu suor as terras, quase virgens, do novo mundo.

E os Portugueses que, séculos atrás, tinham indicado novos caminhos ao, voltaram a embarcar no sonho de uma vida melhor.

Para trás deixaram a esperança que se veio a tornar um pesadelo, com fome, exploração, miséria e a guerra colonial que ceifara tantos jovens.

Acordaram em Abril de 1974, o mês das flores e a revolução dos cravos.

Desse período, talvez venha a encontrar nas minhas memórias histórias que, por terem sido dolorosas, não consegui a distância suficiente para as contar.






2 - ESPANHA

Sem esperança viviam também os nossos vizinhos, esquecidos pelo ditador que encheu a Espanha de dor e lágrimas. Fora ele o chefe da guerra civil Espanhola, comandando o massacre dos que pretendiam viver em democracia e defendiam a república.

A guerra civil Espanhola, com começou em 1936 foi, alguém disse e escreveu, a última guerra romântica. Contra a barbárie dos chamados nacionalistas, vieram juntar-se às forças republicanas milhares de sonhadores, de poetas e de escritores.

E será da guerra civil Espanhola que começarei a contar uma história envolvendo heróis acidentais.

 

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

INTERMEZZO


Confesso. A estória que acabei de escrever, deixou-me cansado e perdido.

 Na realidade os sonhos têm um preço e quem não sonha e não disser presente quando a conta lhe for apresentada, passará pela vida como um, entre milhões. Desiludido ou pior ainda, conformado.

Desiludido comigo mesmo é como me sinto. Ousei sonhar e escrever e a conta que vou ter que pagar é dura. Proíbo-me de reler o que escrevi. 

Mas também reconheço que muitos dos que o único sonho que tiveram na vida foi sobreviver, acabaram ricos, conhecidos, respeitados, figuras marcantes da sociedade medíocre em que vivemos.

Este não é o meu caso.

Aprendi, desde muito novo, e já lá vão muitos anos e não esqueci, que ser esperto é condição essencial e obrigatória para atingir um fim. Ser rico, conhecido e respeitado pelos aduladores que vivem na sombra aproveitando as migalhas que lhes são dadas.

Apesar do que aprendi, falhei. Nem riqueza nem reconhecimento público. Fiquei condenado a escrever as histórias sem revisão, sem preocupações de semântica ou até de ortografia. Escrever tem sido a terapia que me faz bem.

 Quero continuar a contar histórias mas preciso de um período de descanso. Entre uma história que se acaba e outra que se quer começar, existirá sempre, e isso só é válido no meu caso, um “INTERMEZZO”.

 

domingo, 18 de setembro de 2016

O PREÇO DOS SONHOS


7 – O CAPÍTULO FINAL

Em Londres, Íris teria uma carrinha do teatro à sua espera, isso lhe havia sido assegurado pelo agente. Depois teria lugar num apartamento, perto de Westminster mas que iria partilhar com outras colegas.
Que pena, murmurou para Pedro, vai ser difícil arranjar tempo e lugar para os nossos encontros. Porque não me vou esquecer desta viajem, trocando carinhos e paixões sob o céu de estrelas. Temos de continuar a viver e aprofundar o sonho. Para mim será um renascer e o Pedro?

- Eu, respondeu, irei ficar por Londres. Não regressarei ao meu País, na realidade sem família próxima, sem obrigações, apenas dele guardo o sol e a luz da minha cidade. Mas isso agrava a minha nostalgia.

Londres será o meu local de trabalho. Consultor de investimentos, nada de mais prosaico como calcula. Certamente que o destino que nos colocou lado a lado num avião cruzando o Oceano, será responsável por novos encontros. Eu farei por isso e esperarei pela Ísis, prometo.

Separaram-se no controlo de saídas no terminal. Pedro caminhou e juntou-se à fila dos passageiros aguardando táxi. Ísis saiu, leu o nome no cartão que uma senhora exibia e logo entrou numa carrinha. Acenou para Pedro, mandou-lhe um beijo e partiu.

Pedro hesitou mas viu no olhar de Iris um convite que não soube recusar. Saiu da fila correu para a carrinha e, num impulso comandado pelo coração, esquecendo a lição de vida, estendeu um cartão-de-visita, dizendo:

- Esperarei por ti!

Depois regressou à fila e retomou os cuidados de sempre. Um táxi que mandou parar perto duma estação de metro, que utilizou para uma viajem de três ou quatro estações, saiu, andou a pé até uma paragem de autocarro que servia a linha que usava quando regressava a casa, um apartamento num prédio discreto numa rua de Newington, subúrbio quase desconhecido da cidade de Londres.

Pedro sempre se habituara a mudar com frequência o seu domicílio. Nunca o usava por mais de seis meses. Este era o mais recente e dava-lhe o sossego que sempre procurara.

Aguardava um telefonema de Ísis e cada dia que passava mais desejo sentia de a reencontrar. Sem notícias, compreendia que ela estaria extenuada com os ensaios, lembrou-se que não sabia sequer o nome do teatro ou do espetáculo e resolveu fazer uma pesquisa, assistindo aos espetáculos em cena ou, quando não conseguia bilhete, aguardava a saída dos protagonistas.

Apesar de ter especial atenção à saída dos grupos de artistas, nunca mais a viu.

Desistiu, restava-lhe aguardar.

Uma noite fria e escura de Outono regressou a casa usando a precaução habitual. Evitou o ascensor, subiu as escadas para o quarto piso, desceu dois, abriu a porta do apartamento e, de repente, parou. Sentira um aviso de perigo, aquele instinto que tantas vezes o salvara. Não reagiu, estava cansado mas sentiu uma dor bem funda que lhe despedaçara a defesa. Sim, reconheceu, tinha chegado a sua hora.

Não queria morrer pelas costas, voltou-se lentamente e sorriu. Sem surpresa, reconheceu antes de receber o tiro final, o odor dum perfume que o capturara e os olhos outrora doces, agora frios, duma mulher de farta cabeleira loira. Ísis cumprira a sua missão.
F I M

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

O PREÇO DOS SONHOS



6 – PALAVRAS,PALAVRAS...

Pedro esboçou um sorriso e olhando para os olhos da mulher sentada a seu lado, respondeu com um brilho no olhar:

-Porque não? Um homem e uma mulher, perdidos no meio das nuvens serão sempre um desafio para a loucura e a paixão. Nada tenho a esconder, o meu coração está vazio.

Ísis olhou para Pedro, aproximou-se, acariciou-lhe o rosto e continuou. Eu também pressinto que este momento será uma doce recordação que nunca mais irei esquecer. Será, quem sabe, o nascimento do amor iluminado pela cor de arco íris. Pedro o Português  navegando entre as recordações e Ísis, que começou por te abrir o livro da minha vida. Não será um romance de amor, cheio de aventuras, paixões e desgostos, mas é a história duma mulher que não se entregou. Eu também viajo de coração vazio, mas pronta para o desafio dum grande, grande amor.

 Mas, vai desculpar, o Pedro tem outra vida que não contou! E se tivesse dúvidas bastava-me sentir os músculos da sua mão que segurou na minha, que estava tão tensa como se a minha pequena mão pudesse ser uma ameaça. E depois consigo perceber nos seus olhos profundos e tão atentos ao que nos rodeia, que o Pedro é ou foi mais do que me contou. Sabe, estou habituada a ler e interpretar os sinais dos personagens que vejo no teatro. E pressinto em si uma vida que foi difícil, diria mais, aventureira e perigosa. Terei razão?

Pedro fixou os olhos no rosto da companheira, esteve assim por momentos e respondeu:

- Eu fui o que sempre quis ser. Conhecer o mundo, viajar, enfrentar os perigos que a cada esquina nos podiam alcançar. Numa simples frase dir-lhe-ei que o meu caminho nunca foi fácil. Sonhei, abandonei a família, esqueci os amigos, ganhei fama e proveito mas, agora interrogou-me: Terá valido a pena?

Tive pouco tempo para o amor e quando vivi os momentos, únicos de paixão e ternura, paguei um preço.

Chamava-se Carolina a mulher da minha vida. Morreu em Nova Iorque. A sua morte foi o preço que não irei esquecer. Ela foi vítima inocente das aventuras em que eu me deixei conduzir. Agora é tempo de esquecer.

As luzes do avião apagaram-se. Era tempo, o ambiente ficou calmo e as pessoas dormiam. Pedro e Ísis partilhando o cobertor que uma hospedeira lhes entregou, entregaram-se sem palavras. Só murmúrios de paixão.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

O PREÇO DOS SONHOS


5 – O FEITIÇO DA MENTIRA

- Gostei muito de o ouvir, murmurou a companheira de viajem. Porém confesso que qualquer coisa me diz que, um homem, que certamente tem os seus segredos, será um excelente ator para me dizer palavras tão bonitas. Acredito que você é tudo o que disse. E por isso, também vou falar de mim, mas não com a delicadeza que pôs nas suas palavras.
Chamo-me Íris, vivo em Brooklyn, partilhando o apartamento com uma amiga. A minha família, fugindo do frio, mudou-se para a Florida, vivendo numa pequena cidade perto de Miami.
E é verdade, estou separada, o meu companheiro nunca aceitou o meu trabalho. Eu faço teatro musicado na Broadway, não sou uma estrela, tenho pena, mas trabalho para isso. Não sei como é no seu País, mas eu nasci numa família sólida que soltou as asas dos filhos, ensinou-nos a voar e a seguir os nossos sonhos. Eu e os meus irmãos, dois, aceitamos o desafio. Cada um fez a sua escolha. Os meus irmãos escolheram a área tecnológica, e findos os cursos, aproveitaram a oportunidade de trabalho em Seattle, lá vivem e por lá casaram.

Eu escolhi o caminho diferente. A arte da música e da dança. Muito entusiasmo, muitas desilusões mas mantenho a vontade de vencer. Por isso Nova Iorque é a minha cidade.
Mas, quando eu, com o escoar das minhas economias, já tinha sido forçada a recorrer a um trabalho num bar, fui surpreendida quando o meu agente me propôs um lugar, num musical que vai ser apresentado em Londres, nem hesitei e aqui vou eu. Sei que será um trabalho com pouca visibilidade mas, quem sabe, poderá ser mais um passo. Olhou para o rosto de Pedro e murmurou:

-Quem sabe se, o nosso encontro, dois desconhecidos num avião com o mesmo destino, não será um desafio?

sábado, 10 de setembro de 2016

O PREÇO DOS SONHOS


4 - SAUDADE

Pedro fez por passar despercebido e sem qualquer entrave ou perguntas desnecessárias aquando do controlo de passaportes, tomou lugar no avião para Londres.

O inicio da viajem estava com atraso que o comandante justificou pelo mau tempo que se fazia sentir, mas estava tão cansado que fechou os olhos, recusando a bebida que a hospedeira lhe quis oferecer.

Despertou, quando o aparelho começou a marcha e só então se apercebeu que a seu lado iria viajar uma mulher jovem e bonita. Pedro olhou para a companheira não escondendo a solidão que o consumia. Fez um esforço, esboçou um sorriso tímido e voltou e olhar pela janela.
A mulher, cabelos loiros, olhos verdes, parecia querer desvendar os seus pensamentos, porque lhe disse, com uma voz profunda:
- Quer dor ou que tristeza o persegue? Observo já algum tempo e parece estar ausente, distante, afogado em más recordações? Eu não quero ser intrometida mas, ainda agora o olho e vejo uma nuvem que o esconde. Empurre essa nuvem, esqueça o que o entristece, talvez precise apenas de um pouco de companhia.
Pedro esboçou um sorriso, teve um leve lampejo no olhar e respondeu:
- Vai perdoar se eu não conseguir ser uma companhia agradável. Vou tentar, acredite que vou tentar. O meu nome é Pedro, sou Português a trabalhar em Londres.
E já agora, sou solteiro e os meus compromissos são apenas com amigos, mas devo confessar com pesar, são poucos. Como vê sou natural dum País que inventou uma música, fado, que só nós sabemos interpretar, porque ela também significa destino. E que inventou uma palavra que não tem tradução, que sentimos muitas vezes. É a mais bonita palavra da língua Portuguesa, SAUDADE.
Ora aqui estou eu apresentado, Português errante, cumprindo o meu fado e sentindo a saudade, como uma dor profunda.
Enquanto procurava as palavras que acabara de proferir nem uma só vez encarou a sua vizinha de viagem. Quando acabou, sentiu que a mão da companheira lhe afagava a sua, tensa e presa como uma garra, ao braço da cadeira.
Descontraiu dizendo, obrigado, por me ter estendido a sua mão.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

O PREÇO DOS SONHOS


3 - SILÊNCIO

Misturado com os expectadores que desciam a Broadway, olhou em redor, velho hábito de segurança, e tomou a linha de metro que o deixaria mais perto do hotel.

Os passageiros que com ele partilhavam a carruagem, eram muitos mas foram ficando pelo caminho. Ficou ele e mais dois homens dormitando ou fingindo, sentados em cada um dos lados da carruagem. Levantou-se, caminhou para a saída e quando a porta se abriu recuou e seguiu viajem. Os dois outros passageiros saíram, ficaram na plataforma olhando para o metro que se afastava.

Deixou de ter dúvidas, a sua passagem pela cidade estava a ser vigiada pelos homens da Organização.

 Aquela ideia de voltar à cidade onde terminara o seu sonho de amor, com a morte de Leonor, a companheira que estava no sítio errado, à hora errada, e pagara com a vida, a conta que a ele estava destinada.

Pedro fugira mas registara no computador todos os contactos que tivera com a cúpula da Organização, desses encontros e dos relatórios que enviara após cada operação. O disco foi entregue a um amigo, jornalista independente.

Faltava-lhe completar a denúncia com nomes e fotos dos quadros que conhecera. O que foi objeto da sua última viajem. Completada a informação enviou o novo disco, utilizando o correio normal, para um endereço particular. Era informação explosiva, mostrava a verdadeira face da Organização. Tráfico de droga, de armas, lavagem de dinheiro, financiamentos a agências ilegais. Tudo mostrava que tinham acesso a informação reservada aos serviços secretos. A cortina de silêncio que protegera a Organização iria ser, acreditava, finalmente rasgada.

O seu instinto de sobrevivência funcionara de novo. Era um hábito antigo e que muitas vezes lhe salvara a vida.  Num cacifo da Central Station guardara uma mala de viajem, com dinheiro, roupas, passaportes. Tudo o que lhe permitiria assumir uma nova identidade.

Tinha comprado um lugar para Lisboa, num voo da TAP, mas acabou por mudar. Foi para o aeroporto, comprou um novo bilhete, para o voo que o levaria a Londres.

Agora restava-lhe mudar de caminho e saborear a vingança.

 

sábado, 3 de setembro de 2016

O PREÇO DOS SONHOS


2 – REVIVER

Voltara a Nova Iorque sentindo que seria a última viajem duma vida feita de encontros e desencontros. Era a cidade que melhor compreendia o seu caminho errante, a que agora decidira por fim.

Voltava dos fins da América do Sul, com trânsito por S. Paulo no Brasil e destino final Lisboa. Mas, como sempre se habituara a fazer, utilizou outro caminho, procurando dificultar a vida aos que, nos gabinetes sombrios do poder financeiro, certamente o seguiam esperando a oportunidade para acertarem contas. A sua experiência ensinara-lhe que três identidades, podiam ser necessárias para esconder o caminho.

Pedro, nascido em Portugal, emigrante legalizado na Bélgica, portador de um passaporte Inglês e um outro dos EUA, sabia que seria difícil ser controlado. Era, sempre fora, uma questão de segurança que aprendera nos quinze anos em que prestara serviços a uma Empresa sem rosto, sem nome, sem morada.

Decidira em pleno Aeroporto de S. Paulo, não utilizar o voo para Lisboa que tinha reservado, e no mesmo dia comprou, pagando em dinheiro um lugar para Nova Iorque. Ficaria dois dias na cidade e num velho hotel fora dos circuitos turísticos. Depois seguiria para Londres onde tinha vivido os últimos anos.

Não deixou de passear pela cidade. Escolheu o metro, sem destino programado, saiu numa qualquer estação e caminhou misturado com as pessoas que seguiam apressadas para o seu trabalho na zona financeira da cidade. Por entre a multidão era apenas um anónimo transeunte. Afinal, caminhava no sentido contrário. Não escolhera o percurso mas como na vida, deixara-se guiar pelos impulsos. E reconhecia que isso fora um erro e teria o seu custo.

Escolheu para comer um restaurante já perto do Central Parque. Era um pequeno espaço, a especialidade comida italiana e isso era do seu agrado.

Aproveitou a proximidade da Broadway para assistir a um espetáculo que acabara por ser, também e, principalmente, tempo para esquecer.
 

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

O PREÇO DOS SONHOS


1 –  A CIDADE QUE NUNCA DORME

 A noite caiu de repente sobre a cidade, que foi ficando prisoneira da luz que as janelas dos edifícios, marca indelével duma cidade que, sobranceiramente, desafiava as leis da natureza.

A noite era sinal de vida para a cidade que nunca dorme. Aqui e ali, uma estrela parecia descer do céu, atraída, quem sabe, pelo fascínio que adivinhava.

Era assim, neste duelo entre luz e sombras, que Pedro se deixava envolver. Afinal, estava em Nova Iorque e tantas recordações!

Tanto tempo, sussurrava com os olhos vidrados nos desenhos que numa outra noite, também num final Outono, comtemplara abraçado ao amor de uma vida.

Pela primeira vez, desde há muito tempo, deixou que as lágrimas lhe corressem pelo rosto. A janela de um pequeno hotel em Brooklyn, era o espelho baço e sujo como suja fora a sua vida. E, à memória voltaram os rancores, os medos, o fascínio duma vida perigosa e apenas lhe deixaram dinheiro e remorsos e que ainda lhe consumiam a alma.
Esteve de olhos fixados no céu e tremia quando testemunhava uma estrela cadente. Enquanto jovem gostava de vigiar as estrelas e no seu íntimo sonhava que, um dia, uma estrela errante o levaria, para desvendar os segredos do céu.
Ele perdera a estrela e perdera também o norte. Percorrera distâncias sem nunca ter a certeza que voltaria. Estava cansado, tão cansado que nem forças tinha para fechar os olhos apagando os seus sentimentos.

Nova Iorque fora o desabar dos seus raros momentos de felicidade. Tão poucos, apenas duas semanas, numa vida!