segunda-feira, 28 de novembro de 2016

ENCONTRO COM O INIMIGO


LÁGRIMAS E DOR

O exército fascista começou o ataque, avisou Dolores. Um avião ligeiro apareceu, sobrevoando o morro tentando localizar os combatentes escondidos nos abrigos. Passou mais do que uma vez, não deve ter sido grande ajuda porque terá recebido ordens para regressar à base.

Dolores do seu posto de comando confirmou que os soldados começaram a subir a encosta menos arborizada. Andaram alguns metros e foram ganhando a confiança dos fortes.

Era o que Dolores, a comandante, tinha previsto. Não se esqueçam, diz aos guerrilheiros, deixem que eles se sintam ainda mais confiantes e descurem a defesa.

É agora, fogo. Atirem sobre os oficiais.

 Os dois capitães que comandavam o assalto foram atingidos e sem comando os soldados fugiram encosta abaixo, detonando minas e armadilhas que os guerrilheiros haviam montado.

Eles vão voltar e com mais meios, garantiu Dolores, vamos executar o nosso plano de retirada.

Não foi fácil a despedidas dos guerrilheiros que formavam o primeiro grupo. Despediram-se com abraços e nos olhos de uns e de outros as lágrimas soltaram-se.

Dolores virando-se para os dois Portugueses explicou:

- Para vocês será um pouco estranho ver as lágrimas daqueles que já partiram. Mas percebam, somos camponeses que tudo perdemos. O guerrilha foi o único meio que nos restou para manter alguma esperança.

Vamos deixar que os soldados que se agrupam lá em baixo voltem a tentar chegar até nós. Serão recebidos não por nós, que também iremos partir, mas por todas as minas e armadilhas com que cercamos o nosso improvisado campo. É assim a guerra, lágrimas, gritos e morte.

Os dois irmãos ouviam os gritos de comando das tropas de assalto e não sentiram medo, afinal eles não eram diferentes dos guerrilheiros que haviam encontrado e dirigiram-se a Dolores antes da partida asseguraram:

- Se for necessário nós também lutamos, para isso dêem-nos armas porque coragem é uma palavra que também conhecemos na nossa língua.

 

 

sábado, 19 de novembro de 2016

DOLORES


AS PALAVRAS SÃO UMA ARMA

Finalmente, encontramos alguém que nos pode ajudar, segreda Diogo ao irmão, que como ele estava recostado e parecia estar dormindo.

Não estava, estava a relembrar todos os momentos que haviam passado, desde o dia em que se encontraram na serra, o encontro com o Ernesto e a história que ele lhes contou e o pedido que lhes fizera. Custava-lhe a aceitar que a aventura se encaminhava para o fim. Só não sabia se seria o salvamento das crianças ou a perda da própria vida. No íntimo sentia a dor de que nada lhes restou daquela aventura. Ficavam apenas as palavras.
Todavia não queria desmoralizar o irmão, era evidente o nervosismo dos guerrilheiros que corriam de um local para outro, montando minas, cavando trincheiras e distribuindo as tarefas de cada grupo. Não era um bom sinal!

Entretanto Dolores mandou que se justassem aos combatentes aguardavam a refeição da noite. Comeram em silêncio a sopa e o pão e ouviram com atenção as palavras de quem sempre assumira a responsabilidade de lutar.

- Camaradas:

- Temos connosco dois portugueses que aceitaram a salvar duas crianças que se encontram algures em Badajoz. São crianças que são o exemplo dos horrores desta guerra. Os Pais e o irmão foram assassinados na praça de touros. Escondidas junto de alguns familiares distantes foram perdendo um a um o refúgio.

Estes dois Portugueses apenas sabem que um homem os poderá ajudar. Alonso é o seu nome. Sim o Alonso é um companheiro e já me disse a casa onde as crianças se encontram. E eu também conheço a casa e a mulher viúva que as acolheu e serei eu a ajudar.

Este acampamento é capaz de ser o último refúgio onde poderemos enfrentar os militares. E vamos ter que o abandonar mas a tarefa dos soldados do tércio não irá ser fácil, porque, como vimos fazendo desde a Andaluzia, lutaremos, defendendo metro a metro. Mesmo que apenas nos restem as palavras, será com elas que gritaremos os horrores duma guerra injusta mas que o mundo faz por esquecer.

Quando for a hora de retirar, vamo-nos separar em dois grupos. O primeiro será comandado pelo camarada Manuel e com ele seguirão o Pablo, Juan, Diogo, Perez, Severino, Manolo, Alberto, Patchi mais a Mercedes e a Rosário. O Manuel conhece o caminho para descer a serra pela encosta mais difícil, e tem o mapa para chegar a Ciudad Rodrigo, onde se pensa ainda resistem soldados da República.

O Carlos, o Fadagosa e o Alonso ficarão comigo e com os Portugueses. Iremos a Badajoz salvar as duas crianças. E com o respeito que devemos aos mártires da matança da Praça de Touros, havemos de conseguir.

Agora vamos dormir, amanhã será o dia difícil. Mas digam lá, alguma vez, desde que começou o nosso calvário, tivemos outro dia?

 

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

ENCONTRO NA SERRA


A GUERRILHA

 

Correram enquanto as forças não os abandonaram. Tinham atravessado a estrada e confiavam que estavam a dirigir-se para a fronteira de Portugal. Mas o caminho era a cada momento mais difícil, e foi com lágrimas que não conseguiram suster, que se sentaram debaixo duma árvore. No seu íntimo sentiam uma voz que lhes anunciava o fim da jornada mas, num repente, o irmão mais novo, reganhou forças, levantou-se e disse:

- Eu também estou esgotado para não vou desistir. É noite, está frio e temos fome, mas quantas vezes não vivemos dias iguais? Repara, até temos alguma sorte, a árvore que nos cobre é um castanheiro, se tu conseguires com a tua navalha cortar arbustos faremos uma cabana como aquela que fizeste na serra de S. Mamede onde começou a nossa aventura. Depois vamos acender uma pequena fogueira e as castanhas que eu vou procurar serão a nossa ceia. É noite cerrada, estamos no meio duma mata densa, ninguém nos vai encontrar e pela manhã, seguiremos o sol, ele indicará o nosso caminho. Vamos a isso?

Pela primeira vez dormiram, comeram castanhas assadas. Foi um banquete no final de uma aventura de dois dias para esquecer. Acordaram e viram a luz do sol. Ia começar um novo dia, o dia do regresso a casa. Todavia não era momento feliz. Tinham partido para salvar duas crianças e regressariam de mãos vazias.

 Foi um retomar do caminho, andando por uma vereda meio abandonada e que serpenteava pela serra acima.

Mas, a sua aventura não iria terminar sem mais um sobressalto. A meio da encosta foram mandados para por dois homens armados que os conduziram ao alto da serra, uma clareira entre rochas onde encontraram mais homens armados.

Não sentiram medo, já nada os admirava. Aquele grupo de pessoas só podia representar a resistência, a guerrilha.

Surpresa foi quando uma mulher se apresentou como comandante e quis saber o que faziam.

E António contou. Procuravam salvar duas crianças, e apenas sabiam o nome do homem que os iria guiar, Chama-se Alonso, e apenas sabemos que é um desertor.

A comandante sorriu e disse:

- Vieram ter ao sítio certo. Alonso é um dos guerrilheiros que me acompanha. As tropas do Franco estão a colocar-se na base da serra para o ataque. Mas nós estamos prontos e eles vão encontrar o caminho da fuga, mais depressa do que julgam.

Depois, falaremos sobre a ajuda para a vossa missão. Confiem em nós.

 

 

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

O DESERTOR


ABANDONADOS

E lá foram caminhando, por uma estrada em mau estado, instalados numa carroça que uma mula velha e cansada ia puxando.

Já tinha decorrido bastante tempo depois da partida, quando o condutor, olhando para o companheiro que seguia ao lado, resolveu dar os conselhos. Assim:

- Estamos a chegar a uma curva da estrada onde, normalmente, estará uma patrulha da Guarda Civil. Eles já me conhecem e provavelmente, irão perguntar quem é você. Finja que não entendeu e serei eu a falar. Percebeu?

Diogo, o irmão mais velho, acenou que sim. Não seria difícil, pensou com os seus botões, já que eu nem o que ele tem dito, tenho entendido, quanto mais conversa de polícia. Isto pode correr mal!

Não demorou muito tempo até que dois Guardas, saindo meio das árvores os mandaram parar.

- Então agora também faz o transporte de pessoas, pergunta um dos Guardas? 

- Não senhores guardas, este é um desgraçado sem eira nem beira que procura trabalho. Ajuda-me a troco de umas sopas. Eu não me esqueci de vocês, trago a lembrança do costume. E pegando num pequeno saco entregou-o ao guarda mais próximo que o aceitou, com um sorriso.

O outro guarda, mais graduado, dava uma volta pela carroça, espreitara a carga, nada viu e fez sinal ao colega para deixar seguir.

Foi o alívio para António, que escondido pelos fardos, sentiu que tinham retomado o caminho.

Continuaram a viajem, mas os dois irmãos agora juntos, olhavam entre si porque se tinham apercebido que o condutor ia ficando mais tenso e que as suas mãos lhe tremiam, até para acender o cigarro. Era um mau sinal, pensaram. 
Passadas mais umas centenas de metros, Manolo parou a carroça e virando-se para os dois irmãos disse:

- Chegámos ao local onde nos teremos de separar. Vocês seguem um carreiro que vão encontrar ali mais à frente, caminham o mais rápido possível até encontrarem as ruínas de uma casa. Saltem o muro e escondam-se até aparecer o homem que vos guiará até ao local que procuram, casa dos familiares do Doutor Gonzalez. O nome do homem é Alonso, é um desertor do exército franquista e que, naturalmente, tem que viver escondido.

A carroça retomou a marcha e numa curva mais adiante, Manolo disse:

- É aqui que acaba o meu trabalho. Corram, ali está o caminho que vos indiquei.

E eles lá foram correndo, por entre moitas e pinheiros até pararam junto a um muro em ruínas. Reganharam forças, saltaram o muro.

Aguardaram e ninguém apareceu.  Foras horas até ao fim do dia. Sem comida e cheios de frio, mas do Alonso nem sinal. António segredou ao irmão: 

- Não fiques assim Chico, o Alonso não era um desertor ?Então voltou a desertar e nós ficamos sós. Por isso, não é tarde nem é cedo, vamos correr na direção da fronteira e regressamos a casa.
- O irmão levantou-se num salto e ia começar a correr quando parou. Olha lá, estamos perdidos e de noite nunca mais vamos encontrar o caminho de regresso!
Tinhas razão esta história não começou bem e também eu começo a ter medo que tenhamos caído numa armadilha. Mas por isso, mesmo de noite temos que fugir, atravessar a estrada em que o Manolo nos deixou e quando estivermos longe deste lugar, pensaremos no melhor caminho para casa.
A nossa aventura começou tremida, agora se ninguém aparecer e nos ajudar pode ser o fim da viajem e da nossa vida.

 

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

POR TERRAS DE ESPANHA


CAMINHANDO

 

Cheios de frio e cansados os dois irmãos, largaram o saco que transportavam às costas e sentaram-se sem trocar palavras. Apetecia-lhes dormir mas, molhados até aos ossos, não conseguiam.

O irmão mais velho resmungou:

- Isto vai acabar mal, eu não sei se consigo fazer o que prometemos. Cada vez mais me arrependo de ter seguido. O cansaço eu sei o que isso é, o corpo molhado e o frio não é novidade, mas agora tenho receio do que nos espera. Não sei, não sei, por mim voltava para trás.

 António fixou os olhos no irmão, abanou a cabeça dizendo:

- Chico, para quem aqui chegou, o caminho só pode ser um. Seguir em frente. Acredito que estamos perto da casa que o Ernesto nos indicou. António, assumindo-se como chefe indicou a estratégia.

- Eu vou da frente e tu segues um pouco mais atrás, deixando sempre um espaço entre nós. Quando eu parar e me agachar tu fazes o mesmo. Eu só entrarei na casa se vir a luz da candeia na janela, o sinal que o caminho estará livre. Se apesar da luz a detetar algum movimento suspeito, faço-te sinal e tu ficas escondido. Espera uns minutos. Se eu entrar na casa e não sair para te chamar, foge e regressa a casa. Não esperes por mim, eu tentarei fugir mais tarde.

Pegaram nos sacos e foram-se aproximando da casa, pequena isolada na encosta da serra. António assinalou a luz que mal se via por entre as árvores e o nevoeiro da manhã de inverno. Que alívio, pensou, o sinal era de caminho livre. Parou, ficou atento a algum barulho, e nada lhe pareceu estranho. Antes de nela entrar sussurrou ao irmão:

- Parece tudo calmo, mas nunca fiando. Vou entrar e tu espera que eu te chame. Não te esqueças do que combinamos. Se eu não sair da casa, seja o que Deus quiser. 

Com todo o cuidado António empurrou a porta que estava entreaberta e entrou. Viu que no interior apenas estava um homem aquecendo-se à lareira. Perguntou:

- O senhor é o Manolo?

Foi com alívio que ouviu a confirmação e mais tranquilo ficou quando o camponês lhe apontou um banco junto da fogueira. António fez apenas um gesto a pedir um momento e foi à porta chamar o irmão.

Manolo pegou nos sacos, saiu da cozinha, desceu um degraus e voltou com um molho de notas que lhes entregou. E, de seguida, a mulher entrou com uma panela de sopa, colheres e pão e todos foram comendo em silêncio.

Depois de comerem em silêncio, Manolo avisou que ia preparar a carroça com os fardos de palha para se meterem a caminho da aldeia de La Jola, onde o Alonso que tem uma quinta, lhes entregaria as crianças.

- Vocês, disse, dividem-se, um vai comigo o outro esconde-se no meio dos fardos. É possível que encontremos desertores em fuga ou soldados da Guarda Civil. Eu levo prendas para os comprar. Mas tenham atenção, eu não posso aproximar-me da quinta do Alonso. Paro na estrada e indico-vos o local. O resto será entre vocês e o Alonso.

Vamos, o caminho, faz-se caminhando.