terça-feira, 26 de maio de 2015

A CASA NA COLINA








 


OUTONO


 


Num momento a inspiração voltou. Esqueceu tudo, a doença que voltara a dar sinais e a saudade que lhe feria o coração.


Escrevia, páginas sobre páginas, palavras que lhe saíam do peito sofrido. Percebera o que Joana lhe havia dito no primeiro encontro, Aquele casa tinha uma história de amor,


E era essa história que ele bebia do álbum de fotografias. E delas retirou a vida das personagens que fora o princípio, o meio e o fim de uma história de amor.


 


Mal se deu conta que o verão tinha acabado. Sentado e relendo o que havia escrito, os seus dias eram um suplício. Começara a ouvir a voz do vento e o cantar das andorinhas que tinham sido a sua companhia, deixara de se ouvir.


Tinha frio e começou a sentir que a cada dia que passava sentado junto à azinheira, a força o ia deixando.  


Espreitava, até onde a vista alcançava, procurando seguir qualquer movimento que fosse o anúncio de que Joana voltara.


Esperou e sofreu a agonia da morte que se aproximava.


Começou a deixar fugir a vontade de viver. Guardou o livro que escreve no mesmo local onde encontrara as fotografias que lhe haviam dado alento e o haviam ajudado a perceber o amor. Escreveu com as mãos trémulas uma carta de despedida, que regou com as lágrimas que lhe fugiam:


“ Meu amor,


Eu vivi os melhores dias da minha infeliz vida, partilhando os nossos momentos.


Sofri com a tua partida mas quero ser sincero, já a receava. Para quem, como tu, acompanhou o drama duma história de amor, seria o sacrifício final.


Mas eu ainda te espero e deixo-te o livro que me ensinaste a escrever.


Eu fui feliz. Tudo valeu a pena.


Eu acredito que, um dia, irás voltar à casa da colina. Afinal tu és como as andorinhas que voltam sempre ao mesmo beiral. E eu estarei sempre contigo. Tu és a vida e eu o pó que restou.


Adeus”


 


 


 


 


 

sexta-feira, 15 de maio de 2015

A CASA NA COLINA






O REGRESSO À CASA NA COLINA


 


Luís leu e releu a carta de amor que Joana lhe havia deixado.


Não fora uma surpresa, nos momentos mais lúcidos, ainda tinha alguns, já antevira que um dia Joana partiria evitando partilhar o caminho curto e pedregoso que ele se poderia oferecer.


Sentiu que o destino o empurrava de novo para a casa da colina. Era o lugar que escolhera para esconder as suas dores, as suas angústias e quase se esquecera no turbilhão de sentimentos em que se deixara cair.


Pois bem, iria continuar o sonho e, quem sabe, talvez viesse a encontrar a paz.


Vivera quase sempre só. O seu casamento fora um erro e durara pouco tempo. Depois o seu tempo passara-o entre o trabalho, solitário e sem futuro e um ou outro encontro ocasional, escolhido nos anúncios de encontros amorosos e o prazer de fumar, cigarro após cigarro enquanto sentado num banco de jardim, assistia ao movimento apressado de pessoas que não conhecia.


Agora era tempo de completar o único objetivo de vida que lhe restara. Escrever o livro.


Decidido, acertou os pormenores com o Manuel, embalou as suas coisas e voltou a subir a colina. Enquanto caminhava sentia renascer a esperança. Afinal, fora lá que encontrara Joana, foi na colina que se deixara enfeitiçar. Fora a primeira vez e acreditava que seria lá que se encontrariam de novo ou se perderiam para sempre.


Cheio de energia começou a penosa subida. Foi descansando ao longo do caminho e já o sol estava no seu zénite quando chegou ao destino. Descansou um pouco e entrou em casa, ainda com alguma desconfiança.


Mas encontrou uma grande diferença. Não precisaria mais de dormir ao relento pois a casa estava limpa, pintada e até tinha meia dúzia de peças de mobiliário.


O quarto era amplo com vistas para os montes onde o sol se punha. Sentado numa cadeira de braços, olhava para o vazio e sentiu a dor da ausência.


Não conseguiu dormir. Levantou-se para ver o nascer do sol e ficou admirando a cor das searas, prenúncio de que a época da ceifa se aproximava. E com ela, talvez Joana regressasse.


Espreitava a chegada das máquinas aos campos de trigo, acompanhava os trabalhos desde o nascer ao pôr-do-sol. O trabalho era feito por homens que manobravam as debulhadoras e mulheres que ceifavam os locais onde o acesso era mais difícil. O capataz era o Manuel mas da Joana nem sinal.


O livro continuava uma página em branco. Escrevera, apagara, voltara a escrever mas nada fazia sentido. A cabeça não estava ali.


Para esquecer começou a arrumar as coisas que trouxera, mais algumas que mandara comprara. A casa tinha no quarto com vista para o poente, um sólido armário de carvalho que não fora uma escolha sua. Foi com surpresa que abriu as portas e encontrou caixas de cartão arrudas no alto das prateleiras. Retirou uma delas que abriu e encontrou folhas manuscritas, numeradas e com o título. “O DIÁRIO DA NOSSA PAIXÃO”.


Ali estava uma história de amor. Com frenesi escolheu uma nova caixa e encontrou envelopes que guardavam fotografias.


Estavam organizadas por datas e por acontecimentos. Fora o começo da história de amor de que Joana lhe havia falado. Mas era duas pessoas que se olhavam com carinho sendo que a mulher estava numa cama do hospital.


Encontrou mais vezes fotografias do casal, por anos, tantos que o fizeram estremecer. É que Leonor estava deitada como na primeira fotografia numa cama de hospital mas instalada na casa na colina.


Sempre viu o olhar terno duma mulher prisioneira do destino.


Quase no final encontrou um álbum de fotografias. Ali pode ver fotografias da Leonor e de António o seu companheiro para a vida. Havia outra fotografia que lhe despertou a atenção. Era uma foto de uma jovem e, então, Luís, percebeu. Joana fora a amiga e testemunha de um grande amor.


Aqui estava o momento que ansiava. Conseguia escrever uma história de amor de uma jovem para com um casal que escolhera partilhar os bons e os maus momentos até ao fim dos dias. Seria sim, a HISTÓRIA DE JOANA.

domingo, 10 de maio de 2015

A CASA NA COLINA










PAUSA


 


Luís sentiu que estava a mais. Nunca mais se atreveria a sonhar.


No fundo, ele sabia que uma vez terminados os trabalhos da sua nova casa, a sua vida e a sua relação com Joana teriam um novo sentido. Mas deveria voltar para a casa que fora um sonho e um pesadelo e que, depois de uma desilusão seria o final que, nunca quisera reconhecer como provável. Joana sabia que a sua saúde era frágil, ele não lhe daria mais do que alguns meses de companhia e depois o triste fim que se adivinhava. Olhou para o espelho e não gostou da sua imagem. Brilho só nos olhos.


 Não queria reconhecer, mas romper com os hábitos a que se acostumara, deixar de sentir dia após dia um perfume de mulher, deixar de se mirar nos olhos de Joana seria o regresso a um passado de solidão que o apavorava.


  Todavia vivera momentos que valiam uma vida. Amara e sentira a paixão, ele que apenas procurava um lugar afastado para terminar os seus dias. Como tinha sido feliz, como se entregara, como vivera cada carícia, cada olhar.


Devia a Joana os meses em que partilhara as feridas e os silêncios. Aprendera com ela a viver os sons do campo, a inspirar o perfume das flores. Durante aquele tempo Luís sentira-se livre como um pássaro que encontrou a companheira com que vai partilhando momentos, olhares, silêncios e o gosto pela poesia. Já se habituara a passear pelos caminhos do campo, ouvindo o canto das aves e acabando sentado na sombra da árvore, onde Joana o iria encontrar pela tarde. Sentia-se feliz, Joana era um lenitivo para as suas dores e o despertar do desejo que já julgara perdido.


Agora sabia que mais tarde ou mais tarde voltaria e enfrentar o drama da solidão. Talvez esse momento lhe desse a inspiração para escrever o livro pensado e perdido, algures na voragem dos dias. Joana merecia lembrar-se do vagabundo que fizera tão feliz e que conseguira transpor para as páginas todas as emoções que ela, o fizera sentir.


Já tinha combinado com o Manuel que gostaria de ver os trabalhos e assim fez numa manhã luminosa de Julho. Gostou e nem nos seus melhores momentos se atreveria a imaginar a transformação da casa na colina.


Voltara para casa de Joana e ao entrar leu a carta que Joana lhe deixara:


 “Luís


- Vivemos momentos em que o desejo, tanto tempo reprimido, venceu a razão. Mas acredita que me entreguei com toda a paixão que fui deixando crescer desde que te conheci. Mas não me leves a mal o que eu disser, porque na verdade eu ainda não enfrentei os meus fantasmas. Fazer amor contigo, foi como um grito, que precisava soltar, mas continuar esta relação pode ser doloroso para ambos. E eu já sofri mais do que merecia.


O dia de ontem, não o esquecerei mais. Nem as palavras que disseste me saem do pensamento. O nosso encontro pode ter sido uma partida da vida. Juntar duas pessoas em ruína física e mental é cruel. Mas também pode ter sido uma esperança.


Preciso de me encontrar, enfrentar os meus fantasmas, e por isso decidi partir sem destino e sem prazo.


Não penses que eu fugi de ti, pensa antes que uma pausa poderá ser bálsamo para as minhas feridas.


Acredita como eu, talvez algum Deus me arraste de novo para os teus braços, pois eu sei que sempre te irei amar.


Adeus, não te esqueças de mim. Vai visitar a casa na colina, talvez numa sombra, num raio de sol, num recanto escondido, venhas a encontrar a alma daquela casa. E se sentires esse sentimento, vê bem, talvez a alma seja a minha.


 Joana”


 


 


 


 


 


 

quinta-feira, 7 de maio de 2015

A CASA NA COLINA












 


A CANÇÃO DESESPERADA


 


Os corpos suados, esgotados naquele momento em que esqueceram o mundo, os desgostos, as dúvidas, mostraram a força das mãos cravadas com desespero, quase raiva.


Quase sem se olharem, vestiram-se e estenderam na sombra da árvore que Luís havia transformado no se refúgio.


Joana viu o livro. 


 


- Luís não quer ler para mim? Gostaria de o ouvir dizer os versos da canção desesperada. Sim, porque uma canção desesperada, sobretudo dita depois da loucura em que nos deixamos envolver, representará os gritos de amargura que já soltei na minha vida.


- Luís leu o poema e a cada estrofe, sentiu um arrepio como se cada estrofe fosse uma ferida que teimava em não desaparecer.


 Acabou sem dizer uma palavra. A canção desesperada seria como um hino para duas vidas, desencontradas, cheias de incerteza e de dor e que aproveitavam cada momento em que se amavam com o estertor dos corpos e almas massacradas.


Sim, Luís deixara de ter dúvidas. Ele sabia que carregava uma morte anunciada mas Joana vivera o drama que a fizera esconder-se.


Ficaram em silêncio. Joana fixava os olhos no sol que se começava a esconder, levantou-se, deu uns pequenos passos, voltou-se e disse:


- Luís quando é que me mostra o que já escreveu sobre “a casa na colina”?


- É fácil, como pode ver apenas tenho o título e a dedicatória. Pode ler, não perde nem um segundo, respondeu estendendo-lhe o bloco-notas.


Joana hesitou mas acabou por rejeitar o caderno, dizendo-lhe com a voz sumida:


- Vamos esquecer este momento, temos mais em que pensar e não estou muito segura de vir a gostar da sua história. Eu não lhe vou contar os segredos escritos nas paredes naquela casa. Quem sabe o Luís consiga construir uma história alegre e que retrate momentos mágicos, com muito amor.


Já chega de mágoas e de gritos de dor. É tempo de esquecer os nossos dramas e viver a vida.


 - Eu não sei como contar essa história sem a sua ajuda. Quando me disse que aquela casa tinha alma, deixou-me a vontade enorme de a contar, mas talvez você tenha razão. Algo me diz que a alma daquela casa também será a sua. E isso apavora-me, concluiu Luís com a voz tremida.


Regressaram a casa. Joana lembrou que as obras de recuperação da casa já estavam a decorrer e, talvez fosse aconselhável ver com ele se tudo responde aos seus desejos. Entretanto, com a chegada do calor de Julho que já se aproxima, começarão os trabalhos nas searas. Também para mim.


Luís sentiu que Joana lhe dizia para partir. Mas, para ele, partir era morrer um pouco.