segunda-feira, 30 de maio de 2011

O EXECUTOR

29 – ÚLTIMO TANGO

Em Londres Pedro queria dar vida a uma personagem adormecida. Tudo iria ser meticulosamente estudado para que a sua estadia na grande cidade, passasse despercebida das autoridades e da legião de agências, mais ou menos suspeitas, que tinham a sua base em Londres.
Tinha decidido que era tempo de mudar. Já não sentia os apelos da aventura e a adrenalina das situações perigosas. Pagara um preço muito alto pelos anos que vivera de forma tão intensa.
Conhecera muitas histórias de extorsão, muita corrupção, muitas operações de branqueamentos de capitais, muitos crimes ligados a negócios com o tráfego de droga e de armas. Em algumas dessas histórias, ele fora o actor principal.
Era certo que ganhara muito dinheiro, conhecera muitos criminosos enriquecidos, que apareciam perante a Sociedade, como cidadãos acima de qualquer suspeita. E se isso funcionava como um seguro era ao mesmo tempo, um risco. Um dia, mais tarde ou mais cedo, alguém decidiria que ele sabia demais e, nessa altura Pedro iria encontrar o seu executor.
Por isso se embriagara na volúpia dos dias de perigo, escolhera viver só.
Até que num dia, um pequeno momento mudara a sua vida. O coração dominara os outros sentidos e quase sem dar por isso, sentira a magia do amor.
Esse dia fora o primeiro dia. Apaixonara-se e tudo o mais ficara esquecido.
Tudo o que a experiência se lhe ensinara, tudo o que o bom senso aconselhava, ficara refém dum olhos negros, dum olhar terno e transbordante de luz. Deu-se e recebeu, tudo fora partilha. E a mulher que lhe trouxera o sol, num triste fim de tarde partiu, dando-lhe a dádiva suprema, a vida.
Pudera ele ter voltado alguns anos atrás e o caminho teria sido outro. Mas este fora o seu fado, o seu destino, a sua sina.
Despertou para a realidade quando o avião tocou a pista. Tomou um táxi que o levou ao pequeno apartamento que tinha em Londres, longe do centro e na quietude de um subúrbio. Era um refúgio, talvez o último.
Resolveu sair, andar pelas ruas sempre atento a qualquer momento estranho. Passou pela estação de correios, onde alugara uma caixa postal. Tinha tanta correspondência acumulada que teve de recorrer a um saco de supermercado para recolher e transportar o amontoado de cartas. Voltou a casa, despejou o saco em cima da cama para poder seleccionar o que lhe poderia interessar.
Deu uma vista de olhos pela correspondência do Banco, oferecendo serviços enquanto acompanhava o envio do extracto da conta. Tinha também inúmeras ofertas de agências de viagens propondo férias em lugares para paradisíacos e mais publicidade sem interesse. Rasgou tudo. Para o final deixara três cartas, sem remetente.
Decidiu que também as iria destruir mas, no último instante, parou e experimentou abrir uma delas. Continha uma pequena mensagem escrita em letras distorcidas dizendo: “Obrigado pelo tango que não esqueci.”
A segunda tinha uma fotografia igual à que ele já tinha recebido via internet, com uma mulher e alguns homens sentados, numa esplanada à beira praia.
A última, um postal turístico, que já sabia ser de Mar de Prata.
Alguém o provocava. Seria “Anne” ou “Jezabel”?
Fez por esquecer, organizou a sua vida, publicando um anúncio no Financial Times oferendo serviços de consultadoria financeira. Era uma actividade que poderia seguir desde que soubesse escolher os clientes.
Alugou um escritório num prédio enorme junto da City. O nome do placard indicava, apenas, “Middle East Financial Advisor”.
Instalou-se naquele espaço préviamente equipado.
Começara tudo de novo, e queria ser diferente. Recebeu algumas consultas, fez recolha de informação, elaborou alguns relatórios e esse trabalho ocupava-lhe o tempo.
Pouco a pouco havia esquecido as três cartas que guardara no fundo da gaveta da nova secretária. Voltou a pensar nelas quando, procurando algo que não encontrava, abriu a gaveta, notou que a mesma tinha sido remexida e que alguém levara as cartas. Só as cartas, mais nada faltava. E fora no novo escritório sinal que alguém o havia localizado.
Foi uma surpresa, afinal aquelas pistas seriam importantes para outrem, que se dera ao trabalho de localizar e assaltar o seu escritório, apenas para levar as cartas.
A campainha soou dentro de si. Não se livrara do seu perseguidor e nem sabia quem ele era. Era um desafio, e ele queria responder. Nada tinha a perder.
Em conversa com o Administrador e de forma casual, disse-lhe que iria fazer um trabalho no Dubai. Estaria fora um mês.
Na primeira oportunidade, levou a bagagem para o escritório, pediu na recepção um táxi para o Aeroporto de Gatwick onde desceu, deu uma volta e voltou a sair para apanhar o Express para Heathrow, destino Lisboa.
O plano era voar para o Brasil, Belo Horizonte, via Rio de Janeiro, mas o seu destino era Mar de Prata na Argentina.
Qualquer coisa lhe dizia que alguém precisava de ajuda. Anne, claro, a referência ao tango era um segredo dos dois.

domingo, 29 de maio de 2011

O EXECUTOR

28 – UM DIA

Ao atravessar Milão em hora de ponta perdeu-se no caminho para o Lago Maggiore. Só deu pelo erro em plena auto-estrada e já rodava na direcção de Verona. Achou que passar algum tempo na cidade de Romeu e Julieta, era também uma forma de recordar o amor. A tragédia de Shakespeare tinha alguma semelhança com a sua. A obra era mais dramática, os dois amantes morreram por amor. Na sua história, ele ficara vivo, agarrado a um sonho que lhe doía mas não queria deixar morrer.
Afinal, Veneza fora uma desilusão. Já lhe tinham dito que isso poderia acontecer, mas Gabriela falara-lhe com tanto entusiasmo, que Pedro percorreu a Praça, navegou numa gôndola, com olhos bem despertos, mirava cada rua, cada palácio, cada ponte mas não sentiu o fascínio que esperava.
Para si, pensara que a cidade teria que ser vivida e partilhada entre dois amantes. Ele sentiu-se perdido e desencantado. Passou apenas uma noite num hotel, antigo, que lhe fizera lembrar o cenário do filme de Luchino Visconti, Morte em Veneza, filme que ele tanto apreciara, quando o vira numa retrospectiva do cinema do grande realizador.
E fora tudo o que guardara.
De volta a Mestre, pegou no automóvel, fez o caminho de regresso de maneira a que em Milão não deixasse fugir a direcção do Lago. Tinha a certeza que passar alguns dias admirando a paisagem bucólica seria mais reconfortante. Ainda, porque não sendo a época do turismo mais intenso, evitara a confusão das multidões, poderia passear e em comunhão com a natureza tão bela, cicatrizar as feridas que ainda permaneciam.
E assim aconteceu. Fez amizade com um casal Alemão, que ali passava uns dias comemorando as suas bodas de prata. Eram muito simpáticos, nunca impuseram a sua presença, nunca procuraram saber o que ali fazia um homem só e melancólico, mas Pedro sentiu que eles lhe estendiam, uma mão amiga. Foi bom, conversaram sobre a vida, a sua vida, os filhos e os netos que tinham começado a aparecer.
Foi uma semana em que Pedro esqueceu as suas penas e os amigos despediram-se com a promessa de um dia voltarem. Pedro sorriu, respondendo que aquela viagem era uma jornada que devia a alguém, que não a pudera fazer.
O tempo de percorrer caminhos sem direcção, fizera bem e mal ao mesmo tempo. Não queria continuar assim, precisava de encontrar qualquer coisa para ocupar o tempo e não se deixar dominar por aquela sensação de vazio e solidão que ele receava.
Regressou a Milão, já conhecia a cidade, foi para o Aeroporto principal, entregou o carro e comprou um bilhete para Londres.
Durante a viajem, cerrou os olhos e deixou desfilar o seu passado. As alegrias, tão poucas foram, a solidão dos dias que corriam sem destino, os momentos difíceis. Reconhecia que chegara a um cruzamento sem saber a direcção a tomar. Não tinha amigos, não tinha família próxima, não tinha objectivos, não tinha vida.
Contudo um dia, um simples dia trouxera-lhe a esperança, o amor e a magia. Nessas vinte e quatro horas, percebera que a vida só vale a pena ser vivida com amor. Tinha recebido o sol e a luz, o prazer dos pequenos gestos e a volúpia da paixão. Mas essa diferença, essa esperança, acabaram numa pequena rua, duma qualquer cidade. E com ele ficaram os dias escuros e sem destino.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

O EXECUTOR

27 – REVIVER

Marselha havia sido a primeira paragem que Pedro programara depois de encerrar os assuntos pendentes em Lisboa. Fora para encerrar o escritório do Fundo de Investimento Privado que ali domiciliara, não era difícil pois apesar do nome pomposo e da placa dourada na porta, o fundo apenas tinha tido um cliente, ele mesmo. Ainda assim e com a discrição aconselhável, procedeu à liquidação da firma, cumprindo as suas obrigações contabilísticas e fiscais. Depois transferiu o saldo da canta bancária que encerrou.
Estava à duas semanas na cidade, não lhe era um lugar muito simpático e partiria logo que tudo em ordem.
Ao fim duma tarde de sexta-feira foi até ao porto. Era a hora de mudança de turno dos operadores portuários e os bares nas redondezas, regurgitavam de gente barulhenta e sequiosa. Como fazia frio, os clientes bebiam calvados, uma aguardente de maçã que era muito apreciada naquela região e por cada rodada o barulho aumentava de intensidade. Pedro escolheu aleatoriamente um bar, conseguiu um lugar ao balcão para beber um cognac. Deu uma espreitadela pela clientela e reconheceu o antigo colega Albert. Custou-lhe muito olhar para aquele homem, que era uma sombra dorida. Bastou olhar para ele para perceber que ele havia deixado o álcool e se transferira para a heroína. E arranjar dinheiro para a droga era a sua exclusiva razão de viver.
Cirandava entre as mesas mendigando umas moedas para matar o vício e era escorraçado pelos antigos companheiros. Quando se encontrava perto, Pedro chamou-o pelo nome. Os olhos dele brilharam, finalmente alguém o reconhecera, olhou em redor cheio de esperança mas não percebeu quem o tinha chamado. Pedro fez um sinal e ele aproveitou para pedir ajuda. Não sabia com quem falava, mas nem isso lhe era importante. Segredou que estava doente, tinha frio e fome, estendeu a mão trémula e descarnada a pedir ajuda.
Pedro abriu a carteira tirou duas notas de cem euros e coloco-as na mão estendida.
Albert olhou para aquela fortuna, murmurou agradecimentos e desapareceu.
Ao sair do bar, Pedro não conseguia esquecer aquele momento. Ele sabia que o dinheiro que dera ao amigo não o iria ajudar. Ele compraria mais umas doses de droga e enquanto ela fizesse efeito, ele fugiria do mundo real e entraria no mundo imaginário. Pouco a pouco, dose a dose, chegaria ao fim, abandonado nalguma ruela escura e enrodilhado nos farrapos em que se tornara.
Sacudiu a cabeça, precisava de sair da cidade, respirar ar puro, ver outra gente mas não havia escolhido o caminho.
Tinha um automóvel alugado num rent-a-car internacional, pelo que podia seguir para onde o acaso o levasse. E partiria à aventura.
E de repente lembrou o fascínio de Gabriela pela Itália. Como ela lhe contara o desejo de percorrer e admirar o Lago Maggiore, a Isola Bela e passear nos canais de Veneza. Pedro decidiu reviver o sonho por ela e para ela.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

O EXECUTOR

26 – COMEÇAR DE NOVO

Ainda hesitou em seguir o desafio que alguém lhe enviara. A fotografia, a cidade balnear da Argentina.
No seu subconsciente percebia que alguém o continuava a manobrar, arrastando-o para um caminho onde poderia ter de enfrentar consequências imprevisíveis.
O que fizera, os trabalhos que prestara, as ligações que, no final, se tinham tornado evidentes, significavam para alguém que o seu papel na Organização estaria esgotado. Obrigara pessoas a dar a cara e isso teria um preço.
Mas, e Pedro sabia isso desde o início, que uma vez entrando aceitara as regras e isso significava que, sair poderia ser muito complicado, tão difícil e perigoso como tinham sido as suas missões.
Era por temer vir a transformar-se num obstáculo, que ele sempre se rodeara de precauções. Nunca quisera expor ninguém. Ele só decidira o caminho e só ele o teria de percorrer.
Por uma vez, transigiu. Apaixonou-se e o amor transformou-se em tragédia.
Só algum tempo depois de ter voltado, se decidiu a abrir o envelope que recebera no hotel. O dinheiro chegara à sua conta numerada, o nome do Director de Operações da Organização que montara a armadilha em que Gabriela dera a vida, estava indicado, mas nem perdeu tempo. Era de certeza um nome falso.
As explicações sobre o desenrolar da operação de sequestro dos dois traficantes, eram ainda mais vagas. Não teria havido conluio e o desfecho fora exactamente o que a Organização tinha decidido. Só lhe reafirmaram que ele, cumprira a sua missão, e o desenvolvimento posterior da mesma, fora confiado a um outro operacional, cujo nome, naturalmente, omitiram.
Ele tinha ainda trunfos da manga e que já pensara utilizar. Mandar para o Detective de Nova Iorque, cópia da correspondência relacionada com o crime ou transmitir o dossier para um jornal.
Sentia-se pressionado e sob vigilância. Sabia que alguém o estaria seguindo. Mudou todas as chaves de acesso ao computador, alterou passwords, mudou de fornecedor de internet e mesmo assim não estava tranquilo.
Eliminou mais uma pista, fechou a conta numerada nas Ilhas Cayman, mudando-a para outro Banco que foi escolher em Andorra.
E, na verdade, durante algum tempo não recebeu nenhuma mensagem, admitia que tivesse despistado o seu seguidor, muito embora, apenas temporáriamente.
Nunca conhecera a família de Gabriela. Sabia que tinha irmãos mais novos e que os Pais viviam algures na Beira Alta. Queria repartir o valor recebido, ele queimava-lhe as mãos, mas não foi capaz de enfrentar a família. Isso era superior às suas forças. Ao encontrar entre os papéis que Gabriela arrumara no escritório, correspondência com o Pai e uma cópia do extracto bancário duma conta conjunta, respirou de alívio. Foi para essa conta que transferiu uma avultada soma de dinheiro, enviando o comprovativo da operação para o endereço que conhecera, acompanhado por uma simples nota, não assinada, dizendo tratar-se duma ordem de alguém que muito amara Gabriela.
Pouco a pouco foi fechando aquele capítulo da sua vida. Queria distância, perder-se no caminho que tinha trilhado, começar de novo.
Antes de se mudar resolveu cumprir o que a sim mesmo impusera. A morte de Gabriela não devia ficar impune. Organizou um ficheiro com todos os dados que guardara, juntou-lhe cópia do documento da Organização, e aproveitando uma deslocação a Marselha para encerrar o pequeno escritório, fez o seu envio anónimo, para a NYCPD, Lower Manhattan, Chambers street, ao cuidado do Detective Francis Cole.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

O EXECUTOR

25 – ESTRANHA FORMA DE VIDA

Como é de prever, as duas partes estavam a fazer bluff. Todavia ninguém apostou. Pedro identificou o cadáver de Gabriela, na mesma altura recebeu a informação de que o Procurador autorizava a retirada do cadáver e fez andar o processo para o envio para a família em Portugal.
Quando à noite regressou ao hotel, Richard aguardava-o no vestíbulo.
Entraram no quarto, Pedro aceitou um envelope que o amigo transportava na sua mala de diplomata. Não abriu sequer, preferiu comentar que a entrega que acabara de lhe ser feita respeitava, estava certo disso, o seu pedido.
Acompanhou Richard à recepção levantou o disco de arquivo informático, que lá havia guardado, entregou-o garantindo que, desta vez está aí tudo o que eu sei, incluindo o meu contrato de prestação de serviços que, naturalmente ficará nulo, bem como toda a correspondência entre as partes. Como peça mais importante para a vossa Agência está também o correio que recebi a marcar o encontro para a morte.
Richard, aqui os nossos caminhos separam-se. Lamento que o pedido que te fiz, pensando estar na presença dum amigo, te tivesse causado algum embaraço. Mas, eu precisava de ajuda e tu não foste o amigo que eu supunha e esperava. Passa bem e muito sucesso no teu trabalho.
Ainda ficou mais uns dias em Nova Iorque, porque sem saber como, alguém lhe enviara para o seu computador uma fotografia. Nela Pedro reconheceu “Jezabel”, numa esplanada junto ao mar, tomando uma bebida na companhia de alguns amigos que não conhecia. Com a ajuda do especialista que contratou numa loja de reparação de computadores, discretamente instalada no meio da confusão da “Chinatown”, tentou saber donde teria sido enviada a foto. Mas de concreto nada conseguiu, salvo uma vaga opinião que o remetente estivesse sediado num País da América do Sul, talvez do Brasil.
Regressou a casa, mais velho, mais triste e decidido a terminar a sua aventura. Mas para isso tinha de mudar de País. O Portugal e a sua Lisboa traziam-lhe à memória muitas lembranças e nem todas eram boas. E o amor por Gabriela ainda estava instalado no coração.
Para continuar vivendo precisava de completar uma tarefa. A fotografia que lhe tinham anonimamente enviado mostrava uma “Anne” alegre na companhia dos seus amigos. Possivelmente rindo do golpe do qual ele fora um mero comparsa.
Mas que estranha forma de vida, Pedro queria esquecer o passado mas ele fizera questão de lhe aparecer. E duma forma inesperada. No seu correio encontrou um postal que lhe era dirigido, apenas o seu nome e morada. O postal tinha apenas, impresso “Bienvenido a Mar de Plata”.

terça-feira, 24 de maio de 2011

O EXECUTOR

24 – AJUSTE DE CONTAS

Pedro começou a preparar o jogo. Tinha que se preparar para mentir, dissimular, fazer bluff escondendo o que sabia, porque isso era a sua vantagem.
Arranjou maneira de copiar toda a informação que guardara no arquivo escondido e fazer o seu envio postal para o seu endereço, uma caixa postal em Lisboa. O arquivo original guardou no cofre da recepção do hotel.
Recebeu a chamada para o encontro. O local seria um restaurante francês na West 51 street e numa sala reservada para as 21horas. A reserva estava feita no nome de Mister Conti. Pedro declinou a oferta de transporte. Iria pelos seus próprios meios.
Como sempre fizera chegou bastante mais cedo. Escolheu um lugar para vigiar a entrada. Havia muito movimento e isso deixou-o tranquilo. Um restaurante onde via entrar tanta gente seria, certamente, mais seguro do que o local que havia custado a vida de Gabriela.
Deu pela chegada de Richard com um passageiro, pararam, entregaram as chaves do automóvel ao porteiro e entraram para o Restaurante. Pedro olhou para o relógio, faltavam poucos minutos para as 21 horas e calmamente também entrou.
Na entrada, numa sala bar, Richard e o companheiro aguardavam sentados ao balcão tomando uma bebida. Pedro aproximou-se, cumprimentou o amigo que lhe apresentou o companheiro, Bill Conti. Este era um homem de meia idade, alto, cabelos negros já a rarear o que contrastava com a juventude e cabelos ruivos do amigo.
Foram acompanhados pelo chefe de mesa para uma pequena sala reservada, com uma mesa para três pessoas e um empregado sorridente, pronto para os servir.
Durante a refeição, trocaram frases de conveniência e um ou outro sorriso forçado. Pedro sentia o ambiente tenso, já o esperava, mas não deu o primeiro passo. Aguardou.
Foi Richard que abriu a conversa, dizendo:
- Pedro, o senhor Conti é o Director da Agência, responsável pelas operações no estrangeiro. Ele conhece a tua intervenção e a tua ligação a uma Organização, que de facto nos tem prestado alguns serviços. Como podes perceber, o que me contaste e o triste acidente com a tua mulher, são muito importantes, podem consubstanciar uma falha, grave, com uma intrusão no nosso sistema informático.
Por isso, nós gostaríamos de te ouvir falar da tua experiência e saber se nos podes facultar provas ou indícios, que nos ajudem a localizar a intrusão e a identificar os seus autores.
-Sabes Richard, retorquiu Pedro, a minha companheira morreu porque desconfiou duma armadilha preparada para mim. Só três pessoas sabiam o local do encontro. Eu, a minha mulher e o Director de Operações da Organização. Foi tudo combinado num e-mail, que indicando a origem não tinha autentificação. Todavia para mim é claro que foi da Organização que partiu a ordem para me eliminarem.
Mas tu já sabias isto, quando clonaste o meu computador, acedeste à pasta da correspondência. Ou estarei enganado?
Foi o Senhor Conti que continuou a conversa.
- Senhor Pedro Dias, como deve imaginar eu aceitei vir a este encontro para entender e solucionar. Não sei nem quero saber se alguém teve acesso ao seu computador. Devo dizer que a Agência já localizou o intruso, ele foi despedido e irá responder em Tribunal. Eu entendi o que se passou e assumo a responsabilidade pela quebra de segurança. Agora quero solucionar e proponho:
- O senhor é autorizado a sair do País e levantar os restos mortais da sua mulher, sem enfrentar obstáculos por parte Polícia;
- Se entender que dinheiro é importante, podemos chegar a um valor simpático;
- Em contrapartida entrega-me a mim, directamente, todos os ficheiros relativos à sua participação nas operações encomendadas pela Organização. Quando digo todos é mesmo todos.
Pedro sorriu, comentando:
-Meu caro senhor Conti, parece-me que há uma inversão de que o senhor nem se deu conta. Sou eu que lhe posso oferecer uma solução. Porque eu sou a parte lesada; Eu perdi a minha mulher; Eu fui traído por um amigo; Eu corri riscos e sempre cumpri; Da minha parte não houve falhas. E o senhor pode dizer o mesmo?
Sinceramente não creio.
- A minha proposta inegociável Senhor Conti, é:
- Exijo receber um documento, assinado onde seja feita a identificação da pessoa responsável pelo assassínio da minha mulher;
- Exijo saber quem subverteu a operação do assalto ao barco, e porquê, e quem protege os traficantes que foram detidos durante a abordagem.
- Finalmente, e funcionando como uma indemnização por danos físicos e morais, reclamo o valor de cinco milhões de dólares, que deverão ser transferidos para a conta que já consta nos vossos ficheiros.
Quando tudo estiver cumprido, o senhor receberá, posso garantir, os ficheiros que procura.
E para evitar confusões, Richard explica ao teu patrão que eu não sou um amador.
Amanhã irei identificar na morgue o corpo da minha mulher, acompanhado pelo Detective Cole. E lembro que este Polícia é competente.
Depois, gostaria de sair até final da semana.
Gostei da conversa. Não creio que nos voltemos a encontrar, senhor Conti.
Salvo se…

segunda-feira, 23 de maio de 2011

O EXECUTOR

23 – JOGO SUJO
Pedro reagia como um autómato a todas as decisões do amigo. Estava num momento de descrença e desalento, como nunca antes tinha vivido.
Ele que tanto prezava a independência nos actos e sempre soubera decidir os caminhos, estava agora ausente e sem vontade.
Enquanto o amigo falava ao telemóvel, sentara-se no sofá, fechara os olhos e sentiu que de um modo, alguém o estava a guiar, afastando-o da realidade.
Gabriela rira-se quando ele falara da teoria da conspiração. Ela não acreditava mas Pedro racionava como um jogador de xadrez. Via o jogo como um desafio entre dois cérebros e era capaz de seguir uma estratégia complicada, feita de avanços e recuos até ao xeque-mate.
Lentamente foi recuperando o seu autodomínio. Estava desperto e atento mesmo simulando uma letargia profunda. O seu treino fazia com que, quase ouvisse o trabalhar das células do seu cérebro. Era um tic tac que, lentamente, lhe despertava os sentidos.
Percebera e compreendia as razões do amigo. E mais ainda a marcação dum encontro com alguém da NSA.
Entretanto o Advogado chegou ao hotel. Richard já lhe contara o principal e Pedro preparou-se para o acompanhar à esquadra de Polícia. O amigo ficava aguardando o contacto do amigo da NSA para acertar o encontro. Deixaria uma nota com o local e hora.
Pedro passou a noite na esquadra da Polícia. Foi, finalmente, ouvido pelo Detective de Homicídios, assinou o depoimento e saiu cercas das seis horas da manhã.
O corpo carbonizado de Gabriela já se encontrava na morgue e só poderia proceder à sua identificação, no final do dia. O Detective, negro, de meia idade com um olhar que inspirava confiança, acompanhou Pedro até ao Hotel para recolher roupa ou objectos da vítima, eventualmente necessários para exames de ADN.
O Detective, Francis Cole, entrou na suite que percorreu, e antes de recolher o que precisava, comentou:
- Pelo que me é dado verificar os senhores estavam preparados para sair. Nem desfizeram a bagagem. Quer acrescentar alguma coisa à sua declaração, perguntou enquanto espreitava a nota manuscrita deixada na mesa-de-cabeceira?
Pedro não desviou o olhar e respondeu:
-Como o senhor pode testemunhar no registo do hotel, nós só chegamos por volta das cinco da tarde e a reserva era para uma noite apenas. Parte das nossas férias, estivemos hospedados no hotel Mulberry. Ontem planeamos seguir de comboio para a São Francisco. Mas fora uma decisão repentina, pois quando chegamos à Central Station, percebemos que era um disparate e optamos por ficar mais uma noite em Nova Iorque, mas agora neste Hotel.
- Que pena não terem seguido o vosso impulso, talvez a sua mulher ainda estivesse viva, não lhe parece?
O senhor saberá o que é melhor para si, não é suspeito, por enquanto, mas aconselho-o a que não abandone a cidade sem o nosso acordo. E já agora um conselho. Eu conheço o seu Advogado, é pessoa muito influente, mas faça um esforço para se lembrar de alguma coisa que se esqueceu de dizer na sua declaração e que tenha algo a ver com a morte da senhora. E foi ainda mais explícito:
- Eu sei e o senhor também sabe, que a hipótese acidente, não é sustentável. A sua mulher foi assassinada. Admito que não saiba por quem, mas estou certo que saberá porquê. Não cometa o erro de subestimar a Polícia.
Amanhã espero-o pelas 9 horas, para me acompanhar à morgue.
Pedro renovou a reserva no hotel prolongando-a por mais uma semana. Não queria dar a entender que se recusava a cooperar com a Polícia. Mas isso iria acontecer um pouco mais tarde. Para já, não queria mostrar o jogo.
Abriu o computador e foi sem grande surpresa que constatou que o computador tinha sido mexido e possívelmente clonado. Havia sinais e marcas que só ele conhecia que confirmavam a suspeita. Não escondeu um esgar. O amigo jogava na outra equipe. Mas aprendera com especialistas como manter o computador defendido. Habituara-se a guardar toda a informação importante num disco rígido de tamanho reduzido e que transportava escondido dentro do estojo de barbear. O disco que ficava no computador só registava ficheiros sem importância. Quem se dera ao trabalho de clonar o pequeno laptoc, saíra-se mal.
A visita oportuna visita do Richard fora apenas uma farsa. Ele estaria ligado ao atentado. Custava-se a crer, mas na vida que levava tinha que ter muitas cautelas com amigos providenciais.
Iria utilizar a ajuda do amigo, teria o encontro com o responsável do NSA, mas apenas para libertar o corpo de Gabriela e resolver a sua situação com a Polícia. Fingiria não ter mais pedras para jogar.
Mas, logo que estivesse a salvo, faria chegar às mãos do Detective e dum jornal de grande tiragem, um dossier completo, com cópias do contrato, das mensagens, dos pagamentos recebidos e, para sua satisfação pessoal, as identificações de toda a gente que conhecera.
Isso seria o seu xeque-mate.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

O EXECUTOR

22 – FIREWORKS

O desespero era tão intenso que lhe toldava o cérebro. Agora por entre as lágrimas de dor, lembrava o que ele havia lutado para fugir do amor. As suas relações tinham sido sempre ocasionais, fugidias, encontros sem amor, apenas paixão carnal que uma vez vivida, logo esquecia.
Mas, finalmente, como um coração louco, deixara-se embalar nos braços de uma mulher que tudo lhe dera, mulher e companheira, e ele retribuíra vivendo aquele amor, duma forma tão intensa, que estava certo nunca iria esquecer. Gabriela dera-lhe o corpo e a alma e por fim, dera-lhe também a vida.
Pedro sabia que ela havia sido vítima da armadilha que lhe estava destinada. Ela não fora capaz de esperar e decidira ir à sua procura. Ficou assustada com o cenário, e como um anjo da guarda correu ao seu encontro. Correu e encontrou a morte.
Não sabia o que fazer mas não podia ficar encerrado no quarto do hotel.
No quarto sentia o odor, o perfume de Gabriela. Ela partira, mas a sua imagem não lhe saía do pensamento. Guardava os olhos apaixonados, os momentos de amor que lhe tinham incendiado o corpo e dominado o coração. E tudo acabara num mar de chamas.
E, pela vez em tantos anos de perigo, de loucura e de aventuras, sentia-se soçobrar e incapaz de reagir. Perdera a razão de viver, naquele quarto mergulhado na penumbra e no silêncio pensou em desistir e partir.
Tomou um banho, mudou de roupa e ia a sair para voltar ao local do crime.
Lá, conseguiria expiar a sua culpa, e a revolta e quem sabe, ganhar força para continuar o caminho. O passado tinha morrido naquela noite, no futuro nem queria pensar. Os olhos ganharam novo brilho, os músculos lassos pela dor, ganhavam de novo o vigor, mas precisava de ver o corpo destruído e sobre ele deitar as últimas lágrimas e dizer adeus.
Antes de sair verificou que o seu telemóvel estava sem bateria. Voltou atrás, ligou o carregador e o número de segurança e esperou que o aparelho tivesse alguma carga. Esteve esperando algum tempo, espreitando da janela a noite estrelada e as luzes da cidade.
Voltou a pegar no telemóvel, tinha uma chamada não atendida. Abriu, reconheceu o número de Richard. Foi à pasta das mensagens e tinha uma curta do amigo. Dizia:
- Pedro, também estou em NY. Liga-me, Dick.
Ele ligou, ouviu a voz do amigo e com a voz embargada, só conseguiu dizer:
- Dick preciso muito da tua ajuda. Estou no Millenium Hilton junto do“World Trade Center”. Vem depressa, por favor e desligou.
Sentou-se no sofá com a cabeça entre as mãos. O corpo tremia como açoitado por um vendaval, o suor frio corria pelo corpo, parecendo um vírus que lhe corroía a carne.
E foi assim que o amigo o foi encontrar.
Pedro ganhou um pouco de serenidade e contou toda a história que o levara a NY, e por fim o trágico fim da companheira.
Richard, olhou para o amigo desesperado e perdido e decidiu:
- Vais ter de procurar a Polícia, contando que admites que o corpo carbonizado seja o da tua companheira, que desapareceu do hotel. Eu vou já telefonar a um Advogado meu amigo para te acompanhar à Polícia. Ele virá aqui ao hotel, não tarda.
Não creio que venhas a ter qualquer problema, salvo teres de identificar o corpo. Vai doer mas tens que o fazer.
Mas não fales da tua história, da conspiração, da troca de correio, das ligações com uma Organização que não sabes sequer se existe, das suspeitas que alguém te quis eliminar. Isso não é assunto para a Polícia, tem que ser seguido a outro nível. Eu proponho um encontro com um colega da NSA, é de confiança e o teu testemunho pode ser a peça que ele procura para desmantelar uma rede. Além do mais é um amigo acima de qualquer suspeita. Ele fará o que tiver que ser feito.
Tudo vai correr bem, só nada poderemos fazer pela tua mulher, senão conseguir libertar o corpo, para que tu o leves e lhe dês o funeral, na tua terra. Isso é o que te prometo.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

O EXECUTOR

21 – MORRER EM NOVA IORQUE

Tinham decorrido quase 3 anos após a tragédia do atentado do 11 de Setembro. A cidade fervia de vida, como se procurasse esquecer mais depressa o medo e o sofrimento daquele dia negro. Todavia sentia-se ansiedade e nervosismo, as pessoas andavam mais depressa e ao mesmo tempo atentas às pessoas com que se cruzavam no caminho.
Gabriela que sentia pela primeira vez, a magia daquela cidade, de que se gosta ou não, mas a que ninguém fica indiferente, ficou fascinada.
Pedro, esse já conhecia bem a cidade. Já lá vivera alguns meses frequentando um curso de relações internacionais, integrada num programa de treino para prestar serviços na Nato em Bruxelas.
Levara Gabriela a conhecer Manhattan, visitar museus, galerias, lojas de luxo, e o Central Park de lindas flores, ouvindo o canto das aves e vendo as loucas correrias dos esquilos. Foram ao teatro, ouvir jazz num clube do Harlem, dançar em alguns clubes da moda e Gabriela estava tão feliz.
Durante o curso Pedro passara um semestre bem preenchido, fizera amigos e alguns, até os voltara a encontrar, durante o conflito dos Balcãs.
Com Richard, porventura o amigo mais chegado, tinha aprendido a conhecer a cidade que nunca dorme e com ele mantinha frequentes contactos. Sabia que trabalhava num Departamento em Washington, não sabia qual, mas tinha o telefone e foi para ele que ligou.
Não obteve resposta, foi remetido para a caixa de correio, deixou uma mensagem dizendo que estava em Nova Iorque e que gostaria de o encontrar.
Pedro havia escolhido um hotel fora dos circuitos turísticos, mesmo no meio da confusão da “Chinatown”. Sabia que era mais seguro percorrer as ruas e ruelas, cheias de pequenas lojas e fervilhando de gente. Também porque, quando, no Kosovo encontrara o “Larry Collins”, o seu primeiro contacto com a Organização, ele lhe falara que a Companhia teria a sua sede num discreto prédio de escritórios na zona da “Bowery” muito perto do acesso à Ponte de Brooklyn.
Assim, sem terem de fazer grandes deslocações, orientavam os passeios para a avenida e ruas que conduziam ao acesso à ponte, procurando sinais que os guiassem na busca que faziam. Durante dois ou três dias não saíram daquela zona e, na realidade a sua busca era como procurar uma agulha num palheiro.
Pedro teve que reconhecer que era tempo perdido. Assim é um disparate o que andamos a fazer, confessou.
Gabriela, com um sentido mais prático argumentou:
- Eu não te queria contrariar, mas porque é que tu não mandas um e-mail ao Director de Operações, dizendo que estando aqui, o gostarias de conhecer?
Depois logo vês a reacção!
- Eu já pensei nisso, mas tenho receio que o e-mail que recebi, não tenha sido emitido da Organização, e que o meu contacto vá alertar o emissor. Pode não ter importância, mas aposto que ninguém gostará de saber, que eu ando por aqui à procura duma explicação.
-Pedro, tu não estás a dar importância a uma vaga teoria da conspiração, pois não? Eu não creio que ela exista, mas estando contigo, não tenho medo. Vai em frente, tenta e logo se vê.
Pedro redigiu e enviou a mensagem.
A estratégia teve efeito, nessa mesma noite, o Director de Operações respondeu convidando-o para um encontro no seu gabinete, pelas 22 horas dessa mesma noite. A morada era “Wall Street”, 8 – 6º. F.
Pedro não gostou nem da prontidão da resposta nem da hora.
Vamos mudar de hotel, não podemos facilitar. Quem sabe, nós não vimos nada de suspeito, mas tiramos fotos a edifícios públicos e isso pode ter atraído a atenção de alguém.
Fizeram as malas e deixaram o hotel.
Tomaram um táxi, mandaram seguir para a Estação Central, não notaram nada de anormal durante o trajecto e antes do motorista parar, decidiram regressar à baixa escolhendo o “Millenium Hilton Hotel”, alugando uma suite por uma noite. Era um hotel mais conhecido e ficava bastante perto do local do encontro.
Depois de alojados, Pedro preparou-se o encontro.
Vestiu roupa mais adequada a um turista, blusa larga e colorida, calças de ganga e sapatos de ténis. Na cintura, por baixo da camisola interior, colocou o cinto com uma carteira recheada e o respectivo passaporte. Avisou Gabriela:
- Não quero que te preocupes, mas eu quero chegar ao local do encontro com bastante antecedência. Se vir algo de suspeito, fujo e venho ter ao hotel. Isso pode ser o sinal de que fui localizado e teremos de arranjar a melhor maneira de regressar a Portugal. Se eu não te der notícias até à meia-noite, pegas na nossa bagagem e foge. Muda de hotel, não esperas por mim e regressa a Portugal logo que tiveres ligação. Mais tarde ou mais cedo eu irei ter contigo, prometo.
Gabriela aguardou algum tempo depois da saída de Pedro, e foi também ela para perto do local do encontro. Escondeu-se numa escada de um edifício de onde podia vigiar a entrada de pessoas no endereço indicado.
Viu uma carrinha estacionada na esquina da rua, parecia abandonada, mas alguém estava ao volante, fumando um cigarro e teve medo.
De Pedro nem um sinal, por isso abandonou a correr o seu esconderijo, correu para a porta com o número 8, estava apenas encostada, empurrou e entrou, e accionou uma bomba incendiária que depressa a envolveu. De rastos como uma tocha ardendo, correu para a rua mas era tarde, muito tarde.
Pedro caminhava apressadamente em direcção do hotel quando ouviu o estrondo da explosão. Um pressentimento fê-lo voltar para trás. Chegara ao mesmo tempo que uma viatura dos bombeiros e uma ambulância mas o corpo já jazia inerte no meio da rua, tampado com um lençol branco. Aproximou-se e um Polícia disse-lhe para se afastar, pois a mulher estava carbonizada e nada era possível fazer.
Regressou como um louco ao hotel. O seu pressentimento confirmara-se. Ficou lívido e parado olhando para a camisa de noite estendida sobre a cama. Deitou-se ao lado da camisa vazia e na solidão do quarto, sentiu-se desarmado e vencido. Perdera uma parte de si e chorou de dor.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

O EXECUTOR

20 – TEORIA DA CONSPIRAÇÃO

Pela primeira vez Pedro tinha aberto o livro da sua vida. Gabriela não se mostrou surpreendida, pois há muito tempo sabia que o trabalho de análise financeira de projectos de investimento, a actividade que suportava a sociedade que Pedro montara e que ela ia gerindo, era a capa para outras actividades, pressupostamente ligadas ao combate do crime transnacional.
O que Pedro lhe contara era apenas a confirmação da sua suspeita.
Todavia, ele não lhe falara que a sua principal tarefa era eliminar pessoas incómodas. Era um mercenário, um executor por encomenda. Disso, ele guardara segredo. Na realidade, porque começara a conviver mal com esta situação. Dia após dia, estava mais longe do Pedro que, movido pelo espírito irrequieto, se deixara arrastar para um mundo de aventuras, cujo fascínio ia diminuindo.
Ao receber a disquete do Daniel, deixara de estar interessado na entrevista para que fora convocado e que teria lugar a 10 de Março próximo. O que procurava obter nessa entrevista, já o tinha conseguido, com as informações do antigo colaborador. Não fazia sentido continuar a correr riscos e relembrando o conselho do Daniel, alertando-o para a sua exposição, decidiram regressar a Lisboa.
Aqui, Pedro procurava rever todo o planeamento da operação “Swordfish”, relembrar as comunicações recebidas, analisar o seu encontro em Barcelona, porquê em Barcelona? Não entendia! Precisava de passar à lupa as pessoas que conhecera em Marselha, no Mónaco, a facilidade dos contactos com os traficantes, o modo tão rápido como fora convidado a entrar no grupo de jogadores com entrada no barco, enfim tudo o que pela facilidade, agora lhe parecia suspeito. Não era tarefa fácil entender os meandros, e alguma coisa teria havido, que lhe passara ao lado. Mas percebia que fora guiado para um determinado caminho, que a sua companheira “Anne” estivera envolvida, mas que na hora decisiva, o deixara vivo. Era mais um mistério.
Optou por tentar obter informação da fonte, recorrendo à Organização, o que só deveria fazer em caso de gravidade. E ele admitia que as suas dúvidas configuravam um caso a merecer atenção.
Utilizando a chave de acesso que tinha, escreveu a mensagem, em linguagem cifrada, que enviou para o endereço reservado. Nela lamentava não ter levado a bom termo o seu trabalho, pois deixara fugir os suspeitos capturados a bordo. Pedia autorização para retomar a missão, localizando e executando os dois alvos referenciados.
Era uma pergunta a não esperava obter resposta. Afinal, a Organização até tinha aprovado e pago o montante orçamentado!
Porém e para sua surpresa, recebeu a confirmação em correio normal, de que o Director de Operações considerara cumprida, com êxito, a operação e dava como encerrado o dossier.
Pedro ficou desorientado e tinha razões para tal. Pela primeira vez havia recebido uma mensagem que até indicava o cargo do remetente.
Das duas uma pensou, ou a Organização quebrara uma regra de segurança por engano ou falta de profissionalismo, ou fora vítima de uma intrusão no seu sistema informático. Qualquer das hipóteses era muito perigosa e ele não se sentia protegido, logo indisponível para continuar a aceitar missões.
Custava-lhe entender os equívocos como sendo o resultado duma teoria da conspiração. Mas assim parecia ser.
Não ficou parado e preparou-se para viajar para Nova Iorque. Iria trabalhar sem contactos, partir do zero, guiado apenas pelo seu instinto e pela sua experiência e apoiado nos dados que acumulara desde que tinha se tinha ligado à Organização, e que guardara entre as páginas de um inofensivo livro de viagens.
Convidou Gabriela. A sua presença era importante para desviar eventuais suspeitas e, reconhecia que se tinha habituado à companhia de uma mulher inteligente, perspicaz e apaixonada.
E Nova Iorque era uma cidade perfeita para dois amantes. Os riscos, Gabriela sabia existirem, mas não lhe faziam medo.
Trataram dos vistos de turismo e no início do mês de Junho aterraram em Newark.
E passado o deslumbramento dos dias e das noites, em que o mundo, os segredos e os perigos foram esquecidos, viveram a paixão duma cidade que iria marcar o seu destino.
Com dor e lágrimas.

sábado, 14 de maio de 2011

O EXECUTOR

19 – A PISTA AMERICANA

Seguiram para Londres em meados de Fevereiro. Pedro queria aprofundar algumas suspeitas e Gabriela queria revisitar a cidade. Escolheram um confortável e amplo apartamento, com vistas para o rio, muito perto da torre de Londres.
Pedro não perdeu muito tempo à procura dos seus contactos. Estava tão enamorado que nada mais era importante.
Era a continuação da lua de mel, tempo de amar e esquecer o passado, e assim passearam pela cidade, saíram para uma ou outra bebida, foram ao teatro, partilharam segredos e desejos, como qualquer casal de namorados.
Mas quando alguém pensa que o passado morreu, eis que ele volta, muitas vezes num rosto que se revê, numa figura que se vislumbra ou numa notícia que se lê.
E foi assim, quando menos se esperava!
Passeavam os dois no “Regent Park”, o dia estava cinzento e frio mas não chovia. Sentaram-se num banco, atirando migalhas de pão aos patos e gansos que deslizavam sobre as águas do pequeno lago. Muitas pessoas passeavam no local, a maioria eram turistas, equipados como a habitual câmara de vídeo. Um casal, asiático, mas falando num inglês quase perfeito, pediu que Pedro os filmasse, de mãos entrelaçadas e trocando um beijo. Compreenda disse o homem, esta é nossa primeira viajem e hoje o nosso último dia em Londres, pelo que gostaríamos de levar mais esta recordação.
Quando Pedro procurava o melhor ângulo para filmar, um homem passou na sua frente, e no mesmo instante ele reconheceu-o. Pediu a Gabriela para terminar a filmagem e para esperar por ele, deu uma pequena corrida, chegou junto do imprevidente passeante, pegou-lhe num braço, dizendo:
- Então Daniel já não conheces os amigos?
O interpelado encarou Pedro, olhou como se quisesse fugir, mas este com a mão férrea, tinha-lhe imobilizado o braço.
- Não fujas, penso que tu tens qualquer coisa para me dizer e vais contar agora.
Daniel encarou-o com surpresa, e murmurou:
- Tu aqui, disseram-me que tinhas sido morto em Génova! Abriu o casaco, retirou a carteira e pegou num cartão que entregou a Pedro. O que te posso contar, não o devo fazer aqui na rua. Acredita em mim, liga-me logo mais, bebemos umas cervejas e eu conto tudo. Confia, sabes que eu não tenho motivos para te trair.
Pedro aceitou a proposta, soltou o braço e voltou para se juntar a Gabriela. Contou o que soubera. Aquele indivíduo, explicou, tinha sido contratado para fazer parte da equipe da operação no Mónaco. Era o atirador que tinha como tarefa eliminar o segurança do “yacht”.
Vou falar com ele, espero perceber o que aconteceu, quem me traiu e porquê!
Gabriela olhou o rosto subitamente fechado do companheiro, percebeu que, no fundo, ele não esquecera.
Pena, tinham sido uns dias maravilhosos, julgava que o passado estivesse enterrado mas, afinal ele estava à superfície. Com ar triste mas decidido, pediu:
- Pedro, se a verdade é tão importante para ti, se isso contribuir para a tua paz interior, acho que deves ir e eu gostaria de estar contigo. Prometemos estar juntos no bem e no mal. Agora é a altura de o provar.
Encontraram-se num “Pub na zona de “Chelsea”. Conversaram sobre a operação. Em data altura, Daniel entrega a Pedro uma disquete de computador, dizendo:
- Olha o que eu sei, está nesse ficheiro. Eu estava no carro que te bloqueou a passagem e forçou o teu acidente na estrada a caminho Génova. Comigo iam mais dois homens que não conhecia. Em Génova eu fiquei, os outros, com os prisioneiros e a Júlia, embarcaram num barco de pesca e desapareceram.
Presta atenção, a Júlia disse que te tinha abatido. Mas alguém pode ter-te localizado e julgar que representas um perigo.
Há muita gente interessada em encontrar os dois mafiosos que retiraste do barco. Gente da Itália e da Turquia. Foram eles os enganados. Nas fotografias aparece gente que tu conheces, mas um eu nunca o vi. Sei que era o companheiro de Júlia, que tu conheceste sob o nome de “Anne” e que terão vivido em Nova Iorque, ligados a uma família importante, do tráfico de heroína.


sexta-feira, 13 de maio de 2011

O EXECUTOR

18 – LOUCA DE AMOR

Pedro ficou aturdido com a reacção. No seu egoísmo falara dos assuntos que o preocupavam, de vingança, de traição e desforra.
Abrira o coração mas deixara fechados os outros sentimentos. Coração louco e só, como Gabriela lhe chamou.
Deixou-se cair numa cadeira, perdido e assustado.
Estava só. Gabriela ausentara-se da saleta e fechou-se no quarto. Pedro pensou bater à porta mas hesitou, queria tanto pedir perdão mas não sabia como. Tinha de a voltar a ver, acreditava que talvez encontrasse uma réstia de esperança. Mas hoje não, amanhã.
Pegou nas chaves e saiu com os ombros vergados e sentiu uma lágrima rebelde.
Voltou ao escritório e começou a tarefa que se impunha. Precisava de documentos, de recuperar as chaves e os códigos do seu computador, os números das contas bancárias offshore. E tudo isso estava guardado num cofre alugado, na sede do Banco, com que trabalhava em Portugal.
Deu uma vista de olhos à correspondência, que Gabriela lhe deixara num dossier na secretária e no meio encontrou o relatório e as contas, no período em que estivera ausente.
Não tinha sequer paciência para olhar os números do relatório. Confiava que Gabriela soubera gerir a pequena sociedade.
Sentiu-se renascer quando teve acesso ao cofre. Retirou os seus documentos que precisava para refazer o seu caminho.
Pedro possuía um outro apartamento que nunca divulgara e que constituía o seu refúgio. Era um local tranquilo, instalara todos os meios de segurança existentes, equipara-o com uma sala de computadores, hermética e protegida. Instalara o mais moderno software contra a contaminação por vírus ou ataques por algum hacker mais curioso.
Entrou e como fazia em circunstância habituais, passou em revista o apartamento. Aparentemente tudo estava em ordem, salvo o pó acumulado por tantos meses de ausência. Foi um dia inteiro para tornar habitável o esconderijo, cuidar do seu aspecto, mudar de roupa, tinha um armário cheio, e depois, entrar no computador e consultar as diversas contas numeradas que possuía. De tudo o que gastara tinha sido ressarcido, e no meio da confusão havia qualquer coisa que estava bem. A sua situação financeira era excelente.
Era quase noite quando decidiu voltar ao escritório. Uma luz ainda estava acesa, desta vez arriscou e tocou a campainha. A porta abriu-se e Gabriela estava à espera. –
Tive medo, mas como sou louca, louca por ti, estou aqui. Não penso no dia de amanhã, hoje quero ser tua. O futuro será o que tiver que ser.
Espero que ainda tenhas a garrafa de vinho no teu apartamento, responde Pedro, e aceites receber este coração louco, que poderá não ter cura mas que te quer amar, hoje, amanhã e sempre.
Não precisaram de mais palavras. Entraram em casa e fizeram amor como se fora o último dia. Com fúria, com ternura e com entrega total.
No outro dia saíram para jantar, e enlaçados como dois jovens enamorados Pedro disse-lhe o local do seu refúgio. Vamos para lá, pediu Gabriela, não pode haver segredos entre nós.
Dia após dia, viajavam nos braços um do outro, como se quisessem recuperar o tempo perdido.
Foi com a ajuda de Gabriela que Pedro começou a pesquisar a internet. Tinha algumas pistas sobre como procurar dados sobre organizações não governamentais, seleccionou algumas e tentou entrar, sem resultado. Porém Gabriela encontrou um anúncio interessante, oferecia salários atraentes para antigos combatentes no Iraque e no Afeganistão, para trabalharem em empresas de segurança privada no Médio Oriente.
Aos candidatos era requerido o envio, via internet do seu currículo. Em caso de selecção seriam entrevistados no dia, hora e local a combinar.
Pedro apresentou a sua candidatura, alterando dados pessoais e esperou.
A resposta chegou no final do mês de Fevereiro. Tinha sido seleccionado e deveria estar em Londres no dia 10 de Março de 2004, alojado no Sara Hotel, em “Earls Court “onde seria recolhido por funcionários do centro de recrutamento.
Gabriela olhou para Pedro e viu que ele hesitava. Então disse:
- Meu amor vai ao encontro. Mas leva-me contigo, pois apesar de louca, não quero perder-te, logo agora depois de te ter encontrado.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

O EXECUTOR

17 – CORAÇÃO LOUCO

O homem que voltou estava diferente. Mais magro, deixara crescer a barba e o cabelo, vestido com roupas compradas num armazém muito popular em Paris, desde logo muito diferente do bom gosto que tanto prezava.
Até o rosto apresentava marcas de desalento, só os olhos se mantinham vivos por detrás dos óculos escuros com que se escondia.
Regressara de comboio, cansado duma viajem longa e pouco confortável e preferiu instalar-se numa pensão perto da gare, onde não faziam perguntas ou pediam documentos, que na realidade não tinha.
Chegara num domingo de meados do mês de Novembro, com chuva intensa e prolongada. Não tinha roupa apropriada para aquele tempo e o dinheiro estava quase esgotado. Sem cartões que destruíra, necessitava de ajuda.
Logo pela manhã de segunda-feira, carregando uma pequena maleta, deixou a pensão, tomou o autocarro da carreira nove para Campo de Ourique, saiu na Rua Ferreira Borges e foi caminhando até à proximidade do seu apartamento na Rua Almeida e Sousa. Sentou-se num café, escolheu uma mesa com vistas para a rua e saboreou uma bica bem quente. O pequeno café ficava perto da porta de entrada do edifício onde tinha o seu apartamento. O empregado que o atendeu olhou-o com um ar um pouco desconfiado, mas não deu sinal de o ter reconhecido. Pedro pagou, deixou a gratificação do costume e nessa altura o empregado sorriu, agradeceu e desejou-lhe um bom dia, pronunciando o seu nome. Apesar de tudo, soubera-lhe bem encontrar alguém que o reconhecera pelo seu verdadeiro nome.
Saiu para fumar um cigarro e viu chegar Gabriela. Esperou alguns minutos, não se apercebeu de nada de anormal, subiu o lanço de escadas, tocou a campainha, a porta abriu-se e sem mostrar qualquer surpresa Gabriela disse:
- Estava a ver que não aparecias, eu já te tinha visto a cirandar, mas receei que tivesses vergonha de aparecer assim, dum momento para o outro, sem que durante tantos meses te tivesses dignado dar-me notícias, nem um simples postal de férias. A tua paixão de Barcelona não correu bem, pois não?
Pedro estava feliz, o seu rosto abriu-se num largo sorriso e suspirando, pegou na mão que Gabriela lhe estendera, guiou-a numa carícia no rosto e segurou-a junto ao peito, confessando:
- Senti a tua falta e uma saudade imensa. Na madrugada em que te imaginei na janela iluminada dum quarto de hotel, tive medo de subir. Hoje, de volta, tive medo que a luz já não brilhasse.
Estiveram em contido silêncio. Não tinham palavras, só olhos se mostravam inquietos.
Gabriela tomou a decisão.:
- Pelo que julgo perceber, receias que alguém te esteja a seguir. Por isso, sai e espera por mim, ao virar da esquina. Eu irei ter contigo e depois vamos para minha casa. Até vamos a pé, não é longe daqui até ao Largo de Santa Isabel.
Tu ficas, toma um banho e descansa. Eu irei comprar roupas para te livrares desse ar de mendigo. Depois, pensa o que tencionas fazer e no que eu te possa ajudar.
Gabriela demorou mais de duas horas e Pedro estava preocupado.
Mas o seu rosto desanuviou quando, para além da roupa, verificou que Gabriela trazia também comida e uma garrafa de vinho. Assim, dizia ela, já não precisamos de sair e teremos todo o tempo para conversar.
Então Pedro, falou e contou tudo. O que fizera, a traição de que fora vítima, a sua inabalável decisão de descobrir os autores e se vingar. E só para isso voltara.
Aqui se iria preparar para voltar ao caminho. Alguém, um dia, iria pagar.
Parou, hesitou um momento, olhando para Gabriela que o fitava de olhos bem abertos, mas humedecidos por uma lágrima que ainda escorria.
Pedro aproximou-se num gesto de carinho, mas tão desajeitado que foi repelido.
Sabes, disse Gabriela, por um só momento, pequeno mas intenso, ousei pensar que tu terias voltado por mim e para mim. Lamento, segue o teu caminho e não te prendas com esta mulher que se deixou enredar nos teus mistérios.
O teu coração está enlouquecido e já não sabe o significado da palavra amor. Estás perdido e não mais te vais encontrar. Coração louco e só.
Abriu a mala de mão, tirou umas chaves que colocou em cima da mesa. Com estas te entrego o teu apartamento o teu escritório. Lá irás encontrar o que precisas. E agora sai, por favor sai da minha vida, não te quero ver mais.

terça-feira, 10 de maio de 2011

O EXECUTOR

16 – VOLTAR A LISBOA

Chegou a Paris, saiu do comboio no meio dos passageiros, caminhou numa rua de sentido único, atento aos carros que passavam, mudou de sentido mais do que uma vez e nunca se apercebeu que estivesse a ser seguido.
Conhecia bem a grande cidade e sabia o local onde iria encontrar um hotel pequeno, que tinha uma localização perfeita. Ficava numa transversal da Avenida dos Campos Elísios, trânsito moderado e de um só sentido. Já lá estivera hospedado mais do que uma vez e lembrava que uma das vantagens era que do último andar, onde gostava de se alojar, poderia saltar para os edifícios contíguos e dali atingir uma rua do lado oposto.
Eram precauções que, mais de uma vez se interrogara quanto à sua necessidade. Agora compreendia que a segurança nunca era demais. Tinha a sensação de que a sua má experiência anterior, fora o resultado de algum facilitismo da sua parte.
A carteira com os documentos e o “IPOD” que conservava no bolso, eram para destruir pois não acreditava que não tivesse sido mexidos e marcados enquanto estivera inconsciente. Retirou o dinheiro, rasgou todos os documentos incluindo cartões de débito e de crédito, que foi espalhando nos contentores de lixo que encontrava. A carteira e o “IPOD” foram lançados ao rio Sena, enquanto atravessava a “Pont Neuf”. Perto do hotel comprou uma mala fim-de-semana, alguns artigos de higiene e reservou um quarto.
Ficara sem documentos e um pouco perdido. Sentia que era em Londres que a traição que fora vítima, teria sido programada. Era ali que teria de começar a deslindar o mistério, começando por localizar e interrogar os operacionais que contratara. Também seria em Londres que poderia encontrar o rasto de “Jezabel”.
Mas voltar aquela cidade, ao seu antigo escritório era um risco. Tinha a certeza que estaria sob vigilância e sob escuta. Quanto mais pensava na operação, mais certeza adquirira que alguém o teria vendido. A própria Organização podia ter servido de capa para camuflar o verdadeiro objectivo. Friamente, recordava que o seu contacto com os supostos traficantes do “Yacht Soleil” tinha sido muito fácil. Diria mesmo que eles estariam à sua espera.
Teriam sido eles próprios a encomendar o trabalho à Organização, para desaparecerem da circulação, talvez por terem traído algum código de conduta ou terem desviado em proveito próprio os milhões da droga que transportavam? Na realidade quanto tentara controlar os movimentos do barco em Palermo, havia gente, muita gente, a vigiar a operação, quem sabe para confirmarem suspeitas?
Faz sentido, pensava Pedro, a Máfia Siciliana deve ter sido enganada e, mais tarde ou mais cedo, iria ajustar contas com quem os roubara. E eles simularam o rapto e, neste momento, escondidos num qualquer recanto longínquo, estariam a longe da vingança. E ele fora o instrumento para o sua tranquilidade.
Pedro tinha que definir o caminho,teria de ser refazendo os seus movimentos, recuperar a sua identidade e aguardar uma oportunidade. Para isso o mais aconselhável era voltar a Lisboa, ao seu escritório, quem sabe Gabriela estaria à sua espera, e recuperar as informações e as chaves de acesso ao seu dossier informático, que guardara no cofre alugado num Banco.
Depois, confirmar todas as coordenadas que possuía, analisar as comunicações e, na pacatez dum escritório incógnito, delinear a estratégia. Precisaria de ajuda, mas em Lisboa tinha amigos com quem poderia contar.
Já sentia saudades da sua velha Lisboa, ansiava por confirmar a espera de Gabriela e foi com o orgulho ferido, mas com o propósito de não desistir, que regressou.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O EXECUTOR

15 – TRAIÇÃO

O assalto foi o ponto de convergência entre dois poderes que Pedro desconhecia. Ele era, apenas, um executor, aprendera a matar mas não se sentia um criminoso. Ele como se fosse um soldado num campo de batalha. Matar para não morrer.
Mas o desenrolar daquela operação, tinha transformado a sua vida.
Como previsto Pedro e Anne tomaram o automóvel, encerraram na bagageira os dois suspeitos capturados e conduziam na direcção da fronteira Italiana. Seguiriam até Génova onde entregariam os prisioneiros e o espólio informático a uma outra equipa da Organização. Eram mais de duas de horas de condução mas, com um bom automóvel e pouco trânsito tudo parecia fácil.
Até que, numa das inúmeras curvas da estrada, o carro foi obrigado a parar por duas viaturas que bloqueavam o caminho. Pedro olhou para a companheira que não mostrou surpresa, e isso inquietou-o. Num segundo, inverteu a marcha para fugir à barragem, mas Anne agarrou-o pelo braço e o carro desgovernado, despenhou-se num pinhal, parando enfeixado numa árvore. O condutor perdeu o conhecimento. Recuperou a consciência já o sol rompia por entre as nuvens do horizonte. Não viu ninguém, nem a companheira. Arrastou-se até à bagageira do automóvel. Estava aberta e vazia. Conseguiu chegar à estrada, estava dorido mas não apresentava ferimentos visíveis, conseguiu uma boleia a um condutor de camião que regressava da Itália, e pediu para ficar na cidade mais próxima. O motorista deixou-o às portas da cidade de “Menton” e seguiu o seu caminho.
Pedro desceu, tomou um táxi e voltou a “Monte Carlo”. Mas não se aproximou do apartamento. Na realidade nada deixara em casa que o pudesse identificar mas, todavia receava que o apartamento estivesse a ser vigiado pela polícia.
Comprou o jornal, sentou-se na esplanada de um café, cheia de turistas e donde poderia ver qualquer movimento anormal.
Tomou o pequeno-almoço enquanto folheava o jornal. Na primeira página o matutino noticiava uma tentativa de assalto a um “yacht” e remetia o assunto para o desenvolvimento na última página.
O jornal ou não sabia tudo ou alguém filtrara a notícia. Porque a notícia apenas falava duma tentativa de assalto, eventualmente por gente do crime organizado. O assalto não teria tido êxito e apenas provocara alarme entre os passageiros que celebravam uma festa, sem que contudo, alguém tivesse sido molestado. Os assaltantes, em número de três, de acordo com os testemunhos obtidos pelo jornalista, haviam fugido numa lancha a motor posteriormente abandonada junto à costa.
A Polícia não prestara declarações e a Empresa proprietária do “yacht” não apresentara queixa. Depois da visita da Polícia científica, o barco fora autorizado a seguir viagem
Uma notícia assim tão sintética era um sinal preocupante. Ele estivera lá, vira dois seguranças abatidos, raptara dois passageiros e era como se nada tivesse acontecido.
Mas não havia dúvidas no seu espírito. Por qualquer razão ele fora apenas um instrumento, um meio para atingir um fim e por isso, a emboscada, o acidente, tudo teria sido pensado para o colocarem fora de circulação.
Fora manipulado e traído, mas não percebia por quem e porquê.
Ali não estava seguro, não sentiu confiança para alugar um carro e abandonar o Principado, pelo que escolheu utilizar um autocarro regular que fazia a carreira para Cannes. Mal chegou, alugou um automóvel, que entregaria em Paris.
Fugiu da auto-estrada e circulou por estradas secundárias até chegar a Lyon.
Entregou a viatura, descartou a hipótese avião ou o TGV para Paris e escolheu em alternativa um comboio regular que circularia durante a noite.
Comprou um bilhete em cabine individual, queria descansar e por ordem nas ideias.
Precisava de chegar a Paris e numa cidade a abarrotar de visitantes, encontrar um lugar sossegado para rever todos os contactos que fizera, encontrar uma brecha, um sinal para entender a armadilha em que tinha caído. Durante a viajem de comboio só um nome lhe vinha à cabeça, “Jezabel”, teria de ser o ponto de partida.
E ao mesmo tempo que se ia recompondo do choque ia, friamente, alimentando a sede de vingança. Fora utilizado e traído. Deixara de acreditar em tudo, na Organização, nos contactos que tinha mantido. Partiria do zero mas haveria de chegar lá, ao centro, à cabeça ao polvo que o envolvera nos seus tentáculos e, nesse dia seria um executor.

sábado, 7 de maio de 2011

O EXECUTOR

14 – O DIA “D”- SÁBADO

Em Londres escolheu da sua agenda de contactos, quatro operacionais, que já conhecia e nos quais depositava confiança.
Entrevistou um por um em dias e locais diferentes. A missão era objecto de notas separadas e cada um tinha a sua.
Todos sabiam o que fazer, fizeram o seu preço e ficaram aguardando a ordem de partida.
Seguiriam para o sul de França, como turistas a passar duas semanas de férias em Nice. Na altura entregou as chaves de um apartamento que alugara, sob um nome falso, nos arredores da cidade.
Era naquela morada que seriam entregues as armas, os explosivos, os telemóveis descaracterizados, os óculos para visão nocturna e fatos de mergulho, erc. que Pedro havia encomendado a um fornecedor de confiança.
O dia D e a hora H seriam comunicados com uma antecedência máxima de duas horas, pelo que teriam de estar em alerta, preparados para responder com a eficácia de um comando. Erros ou atrasos não, o incumprimento de uma tarefa individual, poria em risco a missão e a vida dos camaradas.
Pedro aproveitou a sua estadia em Londres para rever a planificação e contratar mais um outro elemento para a equipa. Deveria ser uma mulher vistosa, que surpreendesse e despertasse o interesse dos suspeitos.
Optou por chamar “Jezabel”, convidando-a para passar alguns dias de férias no Mónaco, mas preparada para festas e outras actividades… O alojamento estava escolhido, era o apartamento de “Monte Carlo” e o dia 18 de Setembro a data recomendada para se apresentar.
Nas entrevistas que tivera, todos ficaram a saber o objectivo. Tomar de assalto um “yacht” de luxo, fundeado ao largo do Mónaco, em data a confirmar.
Pedro tenha consciência das dificuldades mas, sabia, que com uma coordenação eficaz, a operação decorreria sem problemas. Por isso, reviu mais uma vez o plano e monitorizou as operações de segurança em torno da embarcação, identificando todas as pessoas que circulavam no convés. Para além do dono e do seu assessor, alvos a neutralizar, identificara um piloto e um co-piloto, dois tripulantes efectivos e três seguranças armados que se revezavam, dia e noite, movendo-se entre a proa e a popa do barco.
Quando havia festas a bordo e como segurança, o barco lançava âncora ao largo. Os convidados eram transportados em lanchas de e para o cais.
Foi com base do conhecimento das rotinas que Pedro elaborara o plano individual de intervenção, que mais uma vez passava em memória:
- No dia marcado, o operacional número 1, atirador de elite, armado com uma carabina de longo alcance, visão nocturna, e silenciador, devia ocupar o local assinalado no mapa, um edifício de escritórios sobranceiro à baía. Após receber um sinal no seu auscultador, teria de eliminar o segurança que se deslocava ao longo da amurada.
- Os operacionais 2, 3 e 4, alugariam duas viaturas com vidros fumados que esconderiam na costa, próximo da localidade de “Saint Jean de Cap Ferrat” e uma lancha sem piloto para fazerem pesca submarina.
Andariam a navegar nas imediações do alvo e na hora H, tomariam o controlo do barco, executando quem resistisse. Os outros tripulantes e os convidados seriam fechados no salão e guardados à vista. Assaltariam a cabine de comando, destruindo todos os instrumentos de comunicação e de navegação.
- Pedro e “Anne” estariam a bordo, no grupo de convidados. Na altura do assalto, assumiriam a condução da operação, com a captura dos principais suspeitos e a recuperação dos meios informáticos que presumiam existir.
Todo o grupo mais os dois prisioneiros, seria transportado para a lancha de ataque e dali para o local das viaturas.
Ali, Pedro e Anne, seguiriam para o seu destino, escoltando os dois suspeitos e os equipamentos apreendidos. Os outros três operacionais regressariam como em regresso de férias.
O cronograma estava feito e os tempos de actuação definidos ao minuto.
No dia 24 de Setembro de 2004, sexta-feira, Pedro foi convidado para a festa no “yacht”.
Era a oportunidade que esperava, compareceu acompanhando pela amiga.
O “yacht”, como habitualmente deslocou-se para fora das águas do porto e fundeou.
A festa começou, muita bebida e muita animação e uma mesa de poker para a desforra prometida. Pedro começou a perder, fez algumas jogadas arriscadas e correram mal. Pediu um minuto para se recuperar, foi fumar um cigarro para a amurada e lançou o aviso. Dia D, sábado, Hora H, duas da manhã. Voltou ao jogo.
A festa continuou e o assalto consumou-se como planeado.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

O EXECUTOR

13 – CASINO

A montagem da operação custou-lhe muitas horas de trabalho, muita colheita de informação e análise cuidada das fotografias que ele próprio tirou.
Assistiu de longe às manobras de atracagem do navio num lugar afastado na doca do porto de Marselha. Repetiu a observação, sempre de lugar diferente, filmando com tele objectiva todos os momentos da entrada e saída de pessoas.
Durante quatro meses, havia centrado a sua pesquisa no porto de Marselha, e ficou com a certeza que a passagem do “yacht” suspeito obedecia a critérios de periodicidade bem definidos e que as pessoas se movimentavam sem grande preocupação, em termos de segurança.
Veio, quase por acaso, a descobrir porquê.Encontrou um antigo camarada de operações, que trabalhava em Marselha, agora como operador portuário.
Lembrava-se bem daquele companheiro, já na altura viciado na droga e no álcool, razão porque havia sido expulso do exército Francês. Albert, assim se chamava o antigo colega, também reconheceu Pedro e pouco a pouco, copo atrás de copo, foi desfiando a sua memória.
E desatou a língua, comentando que ter sido expulso tinha sido o melhor que lhe tinha acontecido. Arranjara aquele trabalho no porto, era um trabalho leve e sem riscos e com muitas regalias. Aqui, dizia ele depois de bem bebido, o dinheiro enche os bolsos de muita gente, operadores, fiscais, encarregados e muitos Polícias. Toda a gente desviava o olhar para não assistir às movimentações de embarcações ligadas ao narcotráfico. Mesmo a descarga de pequenos contentores, transportados num barco de luxo, para lanchas muito rápidas que rapidamente desapareciam, eram comuns. Depois é só receber o respectivo envelope e gastar nas loucas festas nos cabarets junto ao Porto.
Desiludido com o ambiente em Marselha, Pedro viajou para Palermo para repetir a vigilância. Perdeu tempo e assumiu um risco, pois suspeitou que alguém o teria fotografado e como medida de precaução, regressou no próprio dia, via Roma e dali para o Mónaco, onde decidiu ficar.
Pedro ficara sem dúvidas. Se tentar entrar no “yacht” em Marselha, no meio de tanta gente envolvida era arriscado, Palermo onde admitia ter sido identificado, o risco seria ainda maior.
Restava o Mónaco e era ali que devia centrar a sua atenção.
Alugara um pequeno mas dispendioso apartamento em Monte Carlo, alterou o seu visual e a forma de vestir, apresentando-se por um “playboy”, enriquecido pelos negócios que intermediara no Dubai.
Passou a frequentar os eventos e festas da Sociedade local, onde as pessoas só se reconheciam pelo volume da carteira. E Pedro depressa foi conhecido, procurado com mulheres à procura de aconchego material, ou por investidores bolsistas acenando com o segredo dum grande negócio.
Assistiu à apresentação de um bailado que vira num filme e depois decidiu-se pelo salão de jogos do Casino.
E foi numa mesa de “poker” que viu, pela primeira vez ao vivo, um velho conhecido. Era uma das pessoas fotografadas pela Organização, como sendo o cabecilha da célula e que ele também já apanhara, por mais de uma vez, a desembarcar e embarcar no “yacht Soleil”.
Ganhando e perdendo Pedro investiu tempo e dinheiro para captar a atenção do alvo. E conseguiu. Ele apresentou-se com o nome de “Ali K.”, residente no “Koweit”, e que viajava, quase exclusivamente, para combater o tédio.
Pedro sentia estar no bom caminho. O seu recente amigo simpatizara com ele e convidara-o para uma festa a bordo, com jogo e mulheres. Pedro aceitou e ganhou uma quantia bem interessante, jogando com um jogo fraco, mas com um bluff perfeito. De tal modo que o seu anfitrião o fez prometer uma desforra na próxima oportunidade.
Pedro sorriu, dizendo que jogar com um adversário daquele calibre seria sempre um desafio a que não poderia fugir. Mas, acrescentou, teriam de esperar algum tempo, pois ia viajar para Londres, onde os negócios lhe tomariam cerca de um mês. Olhou para o olhar desagradado do interlocutor, sorriu assegurando que voltaria para lhe dar a prometida desforra. Mas, lembrou que só sabia jogar para ganhar. Perder era palavra que desconhecia.

terça-feira, 3 de maio de 2011

O EXECUTOR

12 – OPERAÇÃO SWORDFISH

Tinha sido uma noite agradável, desfrutando o tempo e a companhia. Entre uma conversa de circunstância, Anne falou a seu respeito. Nascera na Alemanha, estudara em Londres onde encontrara o homem com quem passara a viver. A relação durara apenas alguns meses. Fora o tempo que precisara para se convencer que tinha cometido um erro. Nada tinham em comum, salvo uma atracção física que, com o tempo tinha desaparecido. Além do mais e por acidente, ela veio a descobrir que o companheiro lhe mentira todo aquele tempo, era casado e tinha família constituída na Austrália, donde fugira a contas com a justiça. Acabou detido e enviado para a Austrália para ser julgado por fraude.
Num fundo, confessava, foi uma separação que não deixara marcas mas a deixara prisioneira de dívidas.
Os documentos não correspondiam a financiamento bancário, mas sim a dívidas de jogo e empréstimos de agiotas. Sem trabalho, viveu algum tempo com a ajuda da família da Alemanha, até que, pressionada pelas ameaças, aceitou fazer o trabalho de correio de droga e servir de acompanhante a personagens pouco recomendáveis do submundo do crime organizado.
Foi apanhada pelas autoridades e foi-lhe oferecida a liberdade, em troca de prestar informações sobre os seus contactos, que deveria transmitir a um Departamento dos Serviços Secretos Ingleses.
A sua colaboração permitiu o desmantelamento de uma rede de tráfico de mulheres oriundas dos Países de Leste.
Fora, dizia, o seu passaporte para o trabalho que agora fazia para a Organização.
Pedro não questionou, mas entendeu que a confissão da companheira, tinha sido um pouco espontânea e ele fora habituado a desconfiar, mesmo dos mais pequenos detalhes.
Sobre ele, disse o indispensável e pouco mais, solteiro, analista financeiro, especialista em operações financeiras internacionais, que geria a partir do escritório de Lisboa, avesso a compromissos mas prezando muito, e frisou muito, a confiança.
Tinham escolhido um restaurante, brindaram em silêncio e foram dançar a um clube de nocturno.
Foram momentos agradáveis, Anne adorava dançar e deixava que o seu corpo fosse comandado pelo ritmo e magia da música, enquanto os lábios se entreabriam na busca de um beijo.
Sem palavras regressaram ao hotel. Pedro pediu a chave da suite, subiram, despediu-se dela com um olhar que dizia mais do que mil palavras.
Voltou a sair e no silêncio da madrugada foi andando até encontrar ao hotel onde deixara Gabriela. Sentia desejo de a ver, de procurar no seu olhar, porventura magoado, o alento que precisava, para juntar as peças do esquema que ia desenhando no seu consciente, estratégias isoladas que precisava de articular e consolidar. E para isso precisava de companhia e de um gesto de carinho. Um gesto, nada mais.
De frente para o hotel olhou para a frontaria e viu que uma janela tinha a luz acesa. Sentiu que aquela janela com a luz acesa era um sinal de que Gabriela estava à sua espera. Mas não teve coragem de confirmar. Ficou parado no passeio oposto, olhando para o sinal até que a luz se apagou. Eram quase cinco horas da manhã.
Regressou ao seu hotel, subiu ao quarto, estendeu-se na cama mas não conseguiu dormir. Sentou-se à mesa e escreveu duas breves notas.
Uma para Anne a dizer que seguiria para Montecarlo e depois daria notícias. Outra para Gabriela, mais intimista, dizia:
“- Estive uma hora, na rua do teu hotel, vendo uma janela que mantinha a luz acesa. Era já madrugada e eu senti que poderias ser tu à minha espera.
Mas, hesitei e não tive coragem para te procurar. Eu esperava tanto que aquela luz fosse um sinal teu, porque me senti só e perdido naquela rua deserta.
Vou partir, não sei quanto vou voltar. Até lá ficarei na ilusão de que, naquela madrugada cinzenta, a luz era para mim. E é com ela que eu vou ficar.Adeus
Pedro”.
Pouco depois arrumou a sua bagagem, subiu à suite e por baixo da porta, deitou a pequena mensagem para Anne.
Passou no hotel Plaza e deixou o envelope com a mensagem para Gabriela.
Tomou um táxi para o Aeroporto, alugou um automóvel cómodo que conduziu até Marselha.
Como queria, era já noite quando parou o carro no parque perto do seu escritório. Andou pela rua, prestando atenção ao movimento e num ápice entregou para um edifício, subiu as escadas e abriu uma porta que tinha uma discreta placa dizendo: “Fond d’Investiment Privé sa”.
Estava em casa. Era ali o local para preparar a operação.
Durante a viajem desenhara o esquema. Queria controlar os movimentos do iate suspeito deste Istambul, a sua passagem por Marselha e atacar durante a sua permanência nas águas do Mónaco.
Para a intervenção precisaria de quatro colaboradores, que seriam escolhidos por si. Sem qualquer interferência da Organização. Anne, poderia ser uma excepção, mas teria de a testar.
Orçamentou os custos da operação e mandou uma mensagem para obter o acordo. Era uma verba muito importante e não arriscaria avançar sem ter luz verde. A luz verde chegou sem objecções.

domingo, 1 de maio de 2011

O EXECUTOR

11 – TANGO

Pedro voltou ao seu quarto, pegou na mala do computador e regressou à suite. Anne esperava-o com uma “penn” salientando que era naquele ficheiro que estava definida a missão ou seus contornos e eventuais ajudas.
Eu não conheço o conteúdo, precisou, e para que você não se sinta vigiado vou aguardar no quarto, com a porta fechada. Fique à vontade nesta saleta e chame-me quando terminar.
Como era de esperar o ficheiro estava protegido com senha que requeria o seu código de utilizador, mais a senha que só ele sabia por estar ligada ao seu código, escrito em palavras e números interligados.
Conseguiu entrar no ficheiro e a primeira informação que obteve foi, um aviso. O ficheiro seria automaticamente destruído à segunda tentativa falhada para o decifrar.
Enfim, pensou Pedro, tanta segurança que pretendem mostrar, quando qualquer curioso pode refazer o ficheiro ou copiar os dados do computador que o gravou ou o abriu.
A missão era raptar, uma personagem assinalado numa fotografia de satélite. A Organização não sabia a identidade nem a nacionalidade do homem suspeito de gerir o Banco virtual, a partir de um yacht que navegava quase em permanência entre Istambul, Palermo, Córsega e Marselha. Quando ancorava para reabastecimento num dos portos, terminava rapidamente a operação e depressa se fazia ao largo. O barco seria manobrado por cinco tripulantes e já tinham sido identificados seis seguranças armados.
Sabiam que os seguranças tinham sido recrutados nos Países da Europa de Leste, mercenários contratados entre ex-combatentes e eram dirigidos por um assessor do banqueiro suspeito.
No ficheiro estava identificado o barco “SOLEIL”, navegando sob a bandeira do Chipre.
As fotos fornecidas eram agora mais nítidas, tiradas por teleobjectiva, enquanto o barco fizera uma escala de reabastecimento em Marselha. Os vigias eram bem visíveis.
Noutra fotografia, via-se o barco ancorado na baía de Montecarlo e na amurada, vultos de mulheres.
Pedro sorriu, mulheres, significava festas e pode ser esse o ponto fraco.
Fez apenas cópia das fotografias, destruiu o ficheiro, queimando-o e lançando as cinzas na rede de esgotos.
Acabara de fechar o seu laptop e deu pela presença da mensageira encostada à porta do quarto, num gesto de desafio que sublinhava com um ousado vestido de noite.
Pensei, podíamos sair, jantar fora e dançar, como um casal em lua de mel. Eu adoro dançar Tango, propôs Anne. E você?
Pedro ia acrescentar qualquer coisa ao convite. Mas lembrou-se de Gabriela e recuou, dizendo:
- Sim acho uma boa ideia, mas não nos precipitemos, a noite vou reservar para, na tranquilidade do meu quarto, analisar o cenário e esquematizar a operação. Lamento, mas fiquemos pelo jantar e pelo tango. A lua de mel terá de esperar por outra ocasião.