sábado, 27 de julho de 2013

VIAGENS AO MUNDO DOS SONHOS


2 – VINTE ANOS

 

Do lugar da sala, onde agora de acoitara, tinha mais tempo para relembrar coisas que com o tempo acabara por esquecer. A aparelhagem de som, com leitores de cassetes áudio, de CD, rádio e sobretudo leitor de discos de vinil, sobressaía, desligada a um canto da sala. Perdera para as modernas tecnologias mas nem sempre fora uma luta justa. Lembrava o prazer que lhe dera ouvir com o som mais puro do vinil, as canções de Cat Stevens, Lou Reed, Neil Diamond, Chico Buarque e Maria Bethânia, Leo Ferré, e tantos mais discos que agora repousam ao lado da aparelhagem.

Vinte anos passados desde que escolheram viverem na casa que os enfeitiçara.

Mas como é que tudo começara?

Uma casa grande e diferente fora a razão principal. Da janela podiam avistar uma paisagem que por entre campos terminava no lugar onde a margem esquerda do Tejo abraçava o mar.

Pura ilusão. As promessas dos construtores as garantias da Câmara sobre a urbanização do espaço que estava livre depressa se alteraram. Da construção de três ou quatro lotes, com dois pisos acima do solo, para uma revisão para quatro e acabando em sete, sete pisos, que foram construídos a todo o vapor não fosse algum dos inquilinos entaipados pelos monstros, recorrer à Justiça.

Mas como ele sabia, a Justiça não era credível, não era o caminho. E sabia bem que uma doença endémica, um vírus que se propagava através de envelopes e malas com dinheiro acabado de lavar, havia contaminado um País em que tudo era possível desde que se pagasse a quem tinha poder.

Burro murmurava para si, enquanto se aproximava da janela e olhou mais uma vez para as promessas em que acreditara. Ali estava o resultado, e a revolta, a dor era maior pois ele sabia que a tal doença larvar, havia crescido nos departamentos das Câmaras e se havia propagado aos grandes negócios, aos grandes contratos. E o Povo limitou-se a assistir ao enriquecimento de tantos.

Mas na verdade não existe corrupção neste País. Que se saiba apenas o Vale e Azevedo foi criminalizado enquanto o perseguido Isaltino acabou por ter que passar alguns meses na prisão mais confortável, enquanto aguarda a oportunidade de voltar à Câmara, apenas para trabalhar a favor do bem comum.

Mas favores pagam favores, em dinheiro, em autorizações partilhadas, em votos, tudo é transacionável. E olhando para a minha rua essa pequena troca é evidente.

 Numa nesga de terreno que sobrava do terreno inicialmente livre, apareceu mais um lote, tipo caixote, candidato a um merecido prémio de arquitetura saloia, com autorização para a construção com dois andares acima do solo. Mas, com jeito e como um favor que tereia que ser pago, alguém autorizou a habilidade. Sim, os dois pisos aprovados mas com a altura de três. O terceiro passou a ser interior, disfarçado por paredes de vidro à prova de luz exterior e que servem para enganar o mais distraído.

 Um dos espaços do novo caixote é sede de um movimento, dito independente, constituído por autarcas da mesma Câmara, que não tendo sido escolhidos pela agência de emprego, vulgarmente chamada de Partido ou PSD, tentam voltar ao lugar que por direito lhes pertenceria. Afinal para quem servem os amigos?

Voltou ao sofá e deixou-se invadir por um estranho torpor. Despertou com a sensação de que alguém ligara o projetor imaginário e que na janela mágica via cenas de um filme que recordava ter visto nos finais dos anos cinquenta. Filme a preto e branco, o título escolhido pela distribuidora em Portugal fora Corrupção. Do filme guardara o tema, a direção de um dos seus realizadores preferidos, Fritz Lang, e os socos tão cheios de raiva que o Actor Glenn Ford, fez ficar na história do cinema como um dos momentos mais altos da sua vasta carreira.

E foi como se o som do soco do Glenn Ford o despertasse da letargia em que mergulhara. Nos anos cinquenta não havia corrupção em Portugal, era assunto proibido pelo fascismo, e para compreender a doença era preciso que o cinema nos informasse. E ele começara a lição vendo “The Big Heat”.

Entretanto mais desperto ouviu na Televisão alguém falar sobre o assunto da moda. Já não era o BPN, isto está esquecido, nem o BPP, pouco importante, nem as comissões com as PPP que tocaram a toda a gente. Não agora falava-se de “swaps”.

 Teve um momento de esperança. Quem sabe podia contratar um produto derivado no género e passar a viver longe, noutro País livre do vírus que o atormentava. Um País em que a corrupção fosse um crime e os corruptos e corruptores estivessem na prisão. Difícil? Só se for um “swap” tóxico.

Ai, eu que comecei nas recordações e acabei falando de política. Sai um soco para mim.

 

quinta-feira, 25 de julho de 2013

VIAGENS AO MUNDO DOS SONHOS


1 – A janela mágica

 

Foi um gesto sem explicação que ao entrar na sala grande, o levara a escolher outro lugar. Deixara o cadeirão do costume, onde se habituara a ler o jornal, olhar a televisão e esquecer os sonhos. Era o seu lugar de conforto, protegido por livros que queria reler e DVD de séries de culto que revia uma e outra vez.

Mas foi naquele dia de um princípio de verão algo tímido, onde o sol teimava em se esconder nas nuvens que passavam no horizonte, um dia sombrio e triste, que trocara de lugar e, sem saber porquê, se sentara num sofá virado para a janela.

Estava cansado, desanimado e vencido. Fechou os olhos, e sentiu que a aquela sala mudara. Ou fora ele que pela primeira vez a olhara com outros olhos? Algo o havia conduzido àquele sofá onde se sentou pela primeira vez depois de tantos anos.

De repente reabriu os olhos e ficou com eles fixados na janela. Afinal, apenas conseguia ver a copa de algumas árvores que baloiçavam ao sabor do vento, as nuvens que se dirigiam, apressadas para sul. Pouca coisa afinal, mas voltou a olhar mais longe, e esbarrou com os blocos de apartamentos do outro lado da avenida, belos exemplares da arquitetura nacional, idealizada por construtores civis e aprovada pelos técnicos Camarários a troco dos envelopes do costume, e que conseguiram destruir uma parte da cidade e dar corpo às cidades dormitórios da periferia, onde tudo ficara igualmente feio.

Fixou-se com mais atenção dos estendais de roupa que adornavam os apartamentos. Sim nas janelas e varandas não vira flores, apenas roupa estendida secando ao sol. Era um espetáculo pouco atraente que não justificava, sequer, um olhar. Todavia, naquele dia, por entre as nuvens fixou-se num estendal quase vazio. Nele só viu uma peça de roupa feminina, um vestido vermelho, assim lhe parecia, e que esvoaçava ao vento desafiando na outra extremidade umas calças de homem que lutavam para se libertarem e irem ao encontro do desafio mas, de tal modo estavam presas que se não conseguiam soltar.

De olhos fechados imaginou aquele bailado feito de promessas e de desejo que o vento dirigia. Era como se visse num espelho mágico um momento de paixão. Uma mulher atraente que com o seu vestido vermelho, prometia amor e logo fugia para desespero do homem que se não conseguia libertar.

 

Fora um momento belo que o abrir dos olhos depressa destruiria. Afinal fora apenas um breve sonho que se desvanecera.

NOVO CAPÍTULO


O meu amigo John Doe regressou.


Talvez sem a força de que em alguns momentos mostrara mas com uma sensibilidade mais apurada. Coisas que a vida nos ensina.


Fiz algumas  alterações, designadamente quando aos blogues que vou seguindo. E falando de sensibilidade e de sonhos nada mais me ocorreu que procurar na sétima arte a inspiração que me faltava. Fui atraído pelo “site” que recomendo: À Pala de Walsh. Um grupo de jovens entusiastas, cultos e sabedores  que me ensinaram a rever cinema.


E o cinema, a arte que tem andado tão perdida nas salas de espetáculo foi o tema que escolhi para procurar contar as histórias que, olhando o mundo através de uma janela e a mim mesmo através do espelho, fui escrevendo e guardando na memória.


Quem sabe, talvez consiga recordar.