FOI POR ELA
O sol começava a brilhar dando outro colorido às ondas do
mar que, preguiçosamente, se estendiam sobre as dunas.
Havia muito
tráfico na estrada que acompanhava a costa. O táxi andava no ritmo de para e
arranca e Pedro começou a sentir a sonolência e uma sensação de fraqueza. Era
natural, pensou, depois do período que passara alimentado a soro e depois do
tratamento com tranquilizantes a que fora sujeito. Os braços mostravam nas
veias os sinais das seringas e dos cateteres. Agora tinha fome e ao passar num
café na marginal mandou o motorista parar e foi procurar o alento que lhe
começava a faltar.
Depois de comer retomou a viajem para o aeroporto.
Faltaria ainda uma hora se o trânsito ajudasse, avisou o motorista, que pelo espelho
olhava com curiosidade para aquele passageiro, pouco habitual.
Pedro lutou para se conservar desperto mas, acabou por se
render, cerrou os olhos e começou a visualizar por entre as brumas da memória,
a sua história, o começo da sua aventura que o havia levado ao mar das Caraíbas
e a Miami em particular.
- Tudo começara em Lisboa, num dia de Outono, cinzento e
chuvoso quando no seu escritório recebeu uma visita que lhe alterou os planos
de vida.
Fora, durante muitos anos analista financeiro ao serviço
de um Fundo de Investimento internacional, que lhe pedia relatórios sobre
oportunidades de negócio, normalmente especulativos. Agora, na beira dos
quarenta, estava cansado mas com bens suficientes para enfrentar o futuro sem
ter que colaborar em cenários, muitas vezes fabricados, sempre com o objetivo
de ganhar mais e mais dinheiro. E dinheiro significava poder.
Na realidade, nunca conhecera os acionistas do Fundo de
Investimento. Nem isso alguma vez o incomodara.
Era o tempo ideal para esquecer o passado. A energia que
ainda sentia libertava-a como instrutor de artes marciais. Fora uma paixão da
juventude que o levara a visitar e frequentar mestres da arte milenar chinesa.
Amigos, tivera alguns e bons, mas com o correr do tempo
os encontros foram-se espaçando e hoje eram apenas recordações.
Relações amorosas, tivera muitas, mas que nunca duraram o
tempo suficiente para se transformarem em amor.
O caminho da sua vida profissional, a destruição do seu
ambiente familiar com a trágica morte dos Pais com um intervalo de apenas
alguns meses, endurecera o coração, que se fechou.
Era um solitário, desconfiado e pouco comunicativo. Uma
vida sem horizontes. E foi por isso que, sentindo o vazio da sua vida, resolveu
aceitar o desafio que, o desconhecido lhe foi propor.
O visitante, homem de poucas palavras mas com um olhar
vivo, apesar da idade, apresentou-se.
- Era empresário e agora fora vítima do sucesso que foi
construindo ao longo da vida em negócios com Países da América Latina. E, sem muitas palavras apresentou a proposta:
- Alguém em quem confio, sugeriu-me o seu nome como a
pessoa certa para me ajudar. E aqui estou pedindo que aceite representar-me
numa missão difícil que, eu não posso realizar.
Comecei a investir no Brasil e de São Paulo estendi o
negócio para a Venezuela, tendo escolhido para Presidente da Companhia o meu
único filho. Tudo corria aparentemente bem, mas alguma inexperiência do meu
filho fê-lo beliscar interesses que não perdoaram. E Eduardo foi ameaçado, não
deu ouvidos aos conselhos de amigos comuns e acabou sendo raptado.
Recebi por um desconhecido a notícia de que o Eduardo
apenas seria libertado mediante o pagamento de um resgate de cinco milhões de
dólares dos EUA. O valor deveria ser entregue em dinheiro, no local e dia a
combinar. Claro, o emissário foi explícito, não devia recorrer as autoridades,
pois isso seria o fim do meu filho, e da família que ele entretanto havia
constituído.
O dinheiro não será um problema, mas o meu medo é que,
mesmo pagando o resgate, nunca mais possa abraçar o meu filho. Assim o desafio
que lhe proponho é que seja o senhor a conduzir as negociações, pagando o
resgate e salvaguardando a vida do Eduardo e da família.
O senhor fará o seu preço e eu dar-lhe-ei toda a
informação que irei receber, em mensagens que alguém me transmitirá no meu
escritório em São Paulo.
Pedro reconstituiu o começo da sua tormentosa aventura, mas
não conseguia perceber a razão por que tinha aceitado o desafio. Estava nesta
labuta, quando o motorista lhe anunciou que tinham chegado e lhe perguntava em
que terminal desejava ficar.
- Sem grande emoção respondeu:
-Deixe-me no terminal internacional, chegadas. A porta é
indiferente.
O Táxi deu mais uma volta, contornou uma rotunda e acabou
por se imobilizar junto da porta 16. Pedro pagou a corrida, foi uma quantia
importante, deu uma generosa gratificação ao motorista, pegou na sua reduzida
bagagem e entrou no átrio do terminal.
Ao caminhar, procurando o lugar dos cofres para bagagem,
cruzou-se com uma linda mulher cujos olhos não se desviaram e sentiu o desafio, uma promessa. E então percebeu.
Fora jantar ao hotel onde o empresário se tinha alojado e conhecera uma mulher de olhos negros, que, como aquela com que cruzara, lhe despertou emoções muito profundas. E foi por ela.
Fora jantar ao hotel onde o empresário se tinha alojado e conhecera uma mulher de olhos negros, que, como aquela com que cruzara, lhe despertou emoções muito profundas. E foi por ela.