quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

IN AMERICA


FOI POR ELA

O sol começava a brilhar dando outro colorido às ondas do mar que, preguiçosamente, se estendiam sobre as dunas.

 Havia muito tráfico na estrada que acompanhava a costa. O táxi andava no ritmo de para e arranca e Pedro começou a sentir a sonolência e uma sensação de fraqueza. Era natural, pensou, depois do período que passara alimentado a soro e depois do tratamento com tranquilizantes a que fora sujeito. Os braços mostravam nas veias os sinais das seringas e dos cateteres. Agora tinha fome e ao passar num café na marginal mandou o motorista parar e foi procurar o alento que lhe começava a faltar.

Depois de comer retomou a viajem para o aeroporto. Faltaria ainda uma hora se o trânsito ajudasse, avisou o motorista, que pelo espelho olhava com curiosidade para aquele passageiro, pouco habitual.

Pedro lutou para se conservar desperto mas, acabou por se render, cerrou os olhos e começou a visualizar por entre as brumas da memória, a sua história, o começo da sua aventura que o havia levado ao mar das Caraíbas e a Miami em particular.

- Tudo começara em Lisboa, num dia de Outono, cinzento e chuvoso quando no seu escritório recebeu uma visita que lhe alterou os planos de vida.

Fora, durante muitos anos analista financeiro ao serviço de um Fundo de Investimento internacional, que lhe pedia relatórios sobre oportunidades de negócio, normalmente especulativos. Agora, na beira dos quarenta, estava cansado mas com bens suficientes para enfrentar o futuro sem ter que colaborar em cenários, muitas vezes fabricados, sempre com o objetivo de ganhar mais e mais dinheiro. E dinheiro significava poder.

Na realidade, nunca conhecera os acionistas do Fundo de Investimento. Nem isso alguma vez o incomodara.

Era o tempo ideal para esquecer o passado. A energia que ainda sentia libertava-a como instrutor de artes marciais. Fora uma paixão da juventude que o levara a visitar e frequentar mestres da arte milenar chinesa. 

Amigos, tivera alguns e bons, mas com o correr do tempo os encontros foram-se espaçando e hoje eram apenas recordações.

Relações amorosas, tivera muitas, mas que nunca duraram o tempo suficiente para se transformarem em amor.

O caminho da sua vida profissional, a destruição do seu ambiente familiar com a trágica morte dos Pais com um intervalo de apenas alguns meses, endurecera o coração, que se fechou.

Era um solitário, desconfiado e pouco comunicativo. Uma vida sem horizontes. E foi por isso que, sentindo o vazio da sua vida, resolveu aceitar o desafio que, o desconhecido lhe foi propor.

O visitante, homem de poucas palavras mas com um olhar vivo, apesar da idade, apresentou-se.

- Era empresário e agora fora vítima do sucesso que foi construindo ao longo da vida em negócios com Países da América Latina.  E, sem muitas palavras apresentou a proposta:

- Alguém em quem confio, sugeriu-me o seu nome como a pessoa certa para me ajudar. E aqui estou pedindo que aceite representar-me numa missão difícil que, eu não posso realizar.

Comecei a investir no Brasil e de São Paulo estendi o negócio para a Venezuela, tendo escolhido para Presidente da Companhia o meu único filho. Tudo corria aparentemente bem, mas alguma inexperiência do meu filho fê-lo beliscar interesses que não perdoaram. E Eduardo foi ameaçado, não deu ouvidos aos conselhos de amigos comuns e acabou sendo raptado.

Recebi por um desconhecido a notícia de que o Eduardo apenas seria libertado mediante o pagamento de um resgate de cinco milhões de dólares dos EUA. O valor deveria ser entregue em dinheiro, no local e dia a combinar. Claro, o emissário foi explícito, não devia recorrer as autoridades, pois isso seria o fim do meu filho, e da família que ele entretanto havia constituído.

O dinheiro não será um problema, mas o meu medo é que, mesmo pagando o resgate, nunca mais possa abraçar o meu filho. Assim o desafio que lhe proponho é que seja o senhor a conduzir as negociações, pagando o resgate e salvaguardando a vida do Eduardo e da família.

O senhor fará o seu preço e eu dar-lhe-ei toda a informação que irei receber, em mensagens que alguém me transmitirá no meu escritório em São Paulo.

Pedro reconstituiu o começo da sua tormentosa aventura, mas não conseguia perceber a razão por que tinha aceitado o desafio. Estava nesta labuta, quando o motorista lhe anunciou que tinham chegado e lhe perguntava em que terminal desejava ficar.

- Sem grande emoção respondeu:

-Deixe-me no terminal internacional, chegadas. A porta é indiferente.

O Táxi deu mais uma volta, contornou uma rotunda e acabou por se imobilizar junto da porta 16. Pedro pagou a corrida, foi uma quantia importante, deu uma generosa gratificação ao motorista, pegou na sua reduzida bagagem e entrou no átrio do terminal.

Ao caminhar, procurando o lugar dos cofres para bagagem, cruzou-se com uma linda mulher cujos olhos não se desviaram e sentiu o desafio, uma promessa. E então percebeu.
Fora jantar ao hotel onde o empresário se tinha alojado e conhecera uma mulher de olhos negros, que, como aquela com que cruzara, lhe despertou emoções muito profundas. E foi por ela. 

 

 

 

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

IN AMERICA


FLORIDA

Fechou a caixa. Afinal fora mais simples de se encontrar, de recordar onde estava e qual a sua missão.

Arrumou a bagagem e preparou-se para sair. Barba feita, roupa lavada, olhando ao espelho Pedro percebeu que estava na posse das suas capacidades. Olhou as mãos, que sempre lhe tinham merecido especial atenção, não fora o facto de serem uma arma que muitas vezes lhe salvara a vida. Precisavam de cuidados e teria de procurar um salão com manicuras para lhe darem o aspeto a que sempre se habituara. Espreitou na janela, estava um dia de sol, prenúncio de um dia quente. Obviamente só poderia ser assim. Estava algures na Flórida, o sol brilhando e o azul do mar das Caraíbas eram a prova.

Desceu do quarto carregando a bagagem. No saco de viajem encontrara roupa nova que agora vestida, lhe davam o aspeto de turista endinheirado.

Foi o que certamente chamou a atenção do rececionista do apart-hotel que o olhou com um sorriso, talvez antecipando uma boa gratificação e ao receber a chave do apartamento lhe deu as notícias.

- É bom ter amigos e o senhor é a prova. Quando na semana passada ajudei a subir para o quarto, o homem cansado e ferido, que o senhor Alonzo, proprietário deste bloco de apartamentos aqui acompanhou, duvidei ser possível uma recuperação como a que, graças a Deus, hoje posso testemunhar.

 Pedro esboçou um sorriso, do bolso retirou dinheiro, separou uma nota de cinquenta Dólares e estendeu-a ao rececionista e ao pedir a fatura do alojamento, soube o resto da história que, aliás, já imaginara.

- As suas despesas foram asseguradas pelo senhor Alonzo, respondeu o rececionista enquanto aceitava a gorjeta. Ele foi muito claro, o senhor Morales seria tratado como um amigo e não um hóspede. E não se referia apenas ao alojamento, também garantiu que uma equipe médica do Hospital de” las Cruces”, faria o seu acompanhamento enquanto a sua saúde o justificasse. O meu patrão está de viajem, ficará feliz por o saber de boa saúde e certamente entrará em contacto com o senhor logo que tal lhe for possível. E com um sorriso estampado no rosto queimado pelo sol das Caraíbas e no sotaque naturalmente latino, o rececionista abriu uma gaveta, retirou um envelope fechado que estendeu ao hóspede, concluindo:

-O Senhor Alonzo antes de partir deixou-me este envelope que eu lhe deveria entregar logo que o senhor mostrasse disposição para partir. É este o momento.

Pedro agradeceu com um sorriso, abandonou o hotel, tomou um táxi que passava e deu como destino o aeroporto internacional de Miami.

Enquanto o táxi fazia o longo percurso entre o apartamento que ocupara em Daytona Beach e o aeroporto abriu o envelope. Sem surpresa encontrou um cartão bancário, uma licença de condução, uma chave solta, uma fotografia de um casal, com um número de telefone escrito no verso e, finalmente, um passaporte. Percebeu a mensagem, o casal seria o alvo a abater por Pedro Morales, agora a sua identidade. O passaporte fora emitido em Porto Rico, tinha averbado bastantes vistos, o último dos quais confirmava a sua entrada nos EUA, no terminal de cruzeiros de St. Augustine. Florida.