sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

PORTUGAL , GUERRAS EM ÁFRICA




VINTE E OITO DEPOIS

Em Lisboa, no cais de embarque, uma multidão de pessoas acenava com lenços molhados de lágrimas. Eram esposas, mães e filhos que se despediam dos seus familiares que partiam para a guerra.

Os jovens partiam para a guerra, lá para os confins do continente Africano. Angola esperava por eles, os bravos soldados que haviam deixado as suas terras, donde muitos deles nunca haviam saído, e iam agora enfrentar todos os perigos duma guerra travada num lugar distante, porque essa era a vontade do ditador Salazar.

O paquete tinha sido transformado de modo a que havia beliches em qualquer sítio, incluindo os porões. Eram perto de quatro mil combatentes, três batalhões de infantaria, mais companhias de artilharia, enfim, era um mar de gente, que iriam, assim lhes disseram, defender a Pátria. Sete dias de viajem, passando o Equador, refazendo o caminho que os grandes navegadores haviam traçado, muitos séculos atrás.

Sim o mar sempre foi o nosso destino, o nosso fado, pensava o jovem oficial miliciano, encostado na amurada do paquete Vera Cruz.

Nascera perto da fronteira, ouvira contar e recontar histórias da guerra civil de Espanha. Esses relatos tantas vezes repetidos, haviam criado nele um sentimento de revolta mas também lhe despertaram o romantismo, que o acompanhava desde a adolescência.

E começando a ligar as histórias ouvidas à lareira, com os livros que lia, desde a poesia de Miguel Hernandez, Federico Garcia Lorca, de Pablo Neruda aos romances de Hemingway, Malraux, Orwell e outros mais reconhecera que as imagens daquela guerra o iriam acompanhar sempre.

E agora, anos depois, ali estava ele a caminho duma guerra.

Pensando bem talvez a guerra que iria combater não fosse tão trágica. Ou uma guerra pode, em alguma vez, não deixar marcas, interrogava-se?

Ouvira a história dos dois Portugueses que haviam percorrido o caminho na procura de salvar duas crianças vítimas inocentes daquela luta. Vira fotografias de crianças morrendo à fome e outras órfãs de guerra que foram levadas para bem longe e não mais voltaram. Agora, naquele momento de introspeção, não se lembrava no final da aventura dos dois irmãos. Teriam recuperado as crianças?

Que pena, como ele gostaria de pedir: “ Pai, conta-me outra vez”.

 

 

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

O CAMINHO


MADRID! TÃO LONGE!

Q grupo começou a retirada, carregando as mochilas, os sacos e as armas. Saíram sem palavras mas com sinais de cansaço espelhado nos olhos perdidos. E Dolores que tentava transmitir coragem aos companheiros, sabia que não podendo enfrentar de peito aberto os soldados do tércio, cada retirada minava o fervor dos guerrilheiros. Naquele dia em que dividira o grupo, sentira que o espírito de resistência enfraquecera. Olhava cada um dos companheiros que com ela ficaram e dizia-lhes e voz sumida:

 - Coragem camaradas, lutaremos até à vitória ou venderemos cara a derrota. Já nos tiraram quase tudo, os nossos Pais e Filhos, as nossas casas. Ficamos com a raiva e com a coragem de dizer, não.

Ganharam algum alento e começaram a descer dos montes, utilizando o caminho que Alonso já conhecia. Era um pequeno e perigoso trilho, que serpentava entre silvados e arvoredo, bordejando precipícios e penhascos. Enquanto se afastavam ouviam o estrondo do rebentamento dos morteiros e das granadas que a artilharia dos nacionalistas ia lançando sobre o acampamento. 

Era um caminhar em silêncio e só tiveram ordem para descansar quando o fragor dos rebentamentos ficou mais longe.

- Fizemos a parte mais difícil, disse Dolores, mas agora teremos que enfrentar desafios desconhecidos. Temos que atravessar terrenos abertos correndo o risco de sermos avistados por patrulhas do exército. Por muito que nos custe o mais acertado em marchar em grupo ainda mais reduzido. Vamos fazer assim:

- O Carlos e o Fadagosa seguem na frente evitando o contacto com o inimigo. Irão atravessar a estrada que vai até Albuquerque. Seguem pelo pinhal até encontrarem um carreiro quase abandonado e que segue até a uma casa em ruínas, Badajoz fica a uma hora de caminho. Esperam dois dias, apenas dois e sem sinais da nossa parte, metam-se ao caminho, procurem ajuda para chegar aos arredores de Madrid. É lá que estarão os nossos camaradas.

Sim tentem chegar a Madrid, é tão longe eu sei, mas é lá que ganharemos ou perderemos esta guerra.
Dolores abraçou os companheiros, dando-lhe forças mas estava sentindo a dor que nos resta no final duma história dura e cruel. Doía-lhe a alma.

 

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

ENCONTRO COM O INIMIGO


LÁGRIMAS E DOR

O exército fascista começou o ataque, avisou Dolores. Um avião ligeiro apareceu, sobrevoando o morro tentando localizar os combatentes escondidos nos abrigos. Passou mais do que uma vez, não deve ter sido grande ajuda porque terá recebido ordens para regressar à base.

Dolores do seu posto de comando confirmou que os soldados começaram a subir a encosta menos arborizada. Andaram alguns metros e foram ganhando a confiança dos fortes.

Era o que Dolores, a comandante, tinha previsto. Não se esqueçam, diz aos guerrilheiros, deixem que eles se sintam ainda mais confiantes e descurem a defesa.

É agora, fogo. Atirem sobre os oficiais.

 Os dois capitães que comandavam o assalto foram atingidos e sem comando os soldados fugiram encosta abaixo, detonando minas e armadilhas que os guerrilheiros haviam montado.

Eles vão voltar e com mais meios, garantiu Dolores, vamos executar o nosso plano de retirada.

Não foi fácil a despedidas dos guerrilheiros que formavam o primeiro grupo. Despediram-se com abraços e nos olhos de uns e de outros as lágrimas soltaram-se.

Dolores virando-se para os dois Portugueses explicou:

- Para vocês será um pouco estranho ver as lágrimas daqueles que já partiram. Mas percebam, somos camponeses que tudo perdemos. O guerrilha foi o único meio que nos restou para manter alguma esperança.

Vamos deixar que os soldados que se agrupam lá em baixo voltem a tentar chegar até nós. Serão recebidos não por nós, que também iremos partir, mas por todas as minas e armadilhas com que cercamos o nosso improvisado campo. É assim a guerra, lágrimas, gritos e morte.

Os dois irmãos ouviam os gritos de comando das tropas de assalto e não sentiram medo, afinal eles não eram diferentes dos guerrilheiros que haviam encontrado e dirigiram-se a Dolores antes da partida asseguraram:

- Se for necessário nós também lutamos, para isso dêem-nos armas porque coragem é uma palavra que também conhecemos na nossa língua.

 

 

sábado, 19 de novembro de 2016

DOLORES


AS PALAVRAS SÃO UMA ARMA

Finalmente, encontramos alguém que nos pode ajudar, segreda Diogo ao irmão, que como ele estava recostado e parecia estar dormindo.

Não estava, estava a relembrar todos os momentos que haviam passado, desde o dia em que se encontraram na serra, o encontro com o Ernesto e a história que ele lhes contou e o pedido que lhes fizera. Custava-lhe a aceitar que a aventura se encaminhava para o fim. Só não sabia se seria o salvamento das crianças ou a perda da própria vida. No íntimo sentia a dor de que nada lhes restou daquela aventura. Ficavam apenas as palavras.
Todavia não queria desmoralizar o irmão, era evidente o nervosismo dos guerrilheiros que corriam de um local para outro, montando minas, cavando trincheiras e distribuindo as tarefas de cada grupo. Não era um bom sinal!

Entretanto Dolores mandou que se justassem aos combatentes aguardavam a refeição da noite. Comeram em silêncio a sopa e o pão e ouviram com atenção as palavras de quem sempre assumira a responsabilidade de lutar.

- Camaradas:

- Temos connosco dois portugueses que aceitaram a salvar duas crianças que se encontram algures em Badajoz. São crianças que são o exemplo dos horrores desta guerra. Os Pais e o irmão foram assassinados na praça de touros. Escondidas junto de alguns familiares distantes foram perdendo um a um o refúgio.

Estes dois Portugueses apenas sabem que um homem os poderá ajudar. Alonso é o seu nome. Sim o Alonso é um companheiro e já me disse a casa onde as crianças se encontram. E eu também conheço a casa e a mulher viúva que as acolheu e serei eu a ajudar.

Este acampamento é capaz de ser o último refúgio onde poderemos enfrentar os militares. E vamos ter que o abandonar mas a tarefa dos soldados do tércio não irá ser fácil, porque, como vimos fazendo desde a Andaluzia, lutaremos, defendendo metro a metro. Mesmo que apenas nos restem as palavras, será com elas que gritaremos os horrores duma guerra injusta mas que o mundo faz por esquecer.

Quando for a hora de retirar, vamo-nos separar em dois grupos. O primeiro será comandado pelo camarada Manuel e com ele seguirão o Pablo, Juan, Diogo, Perez, Severino, Manolo, Alberto, Patchi mais a Mercedes e a Rosário. O Manuel conhece o caminho para descer a serra pela encosta mais difícil, e tem o mapa para chegar a Ciudad Rodrigo, onde se pensa ainda resistem soldados da República.

O Carlos, o Fadagosa e o Alonso ficarão comigo e com os Portugueses. Iremos a Badajoz salvar as duas crianças. E com o respeito que devemos aos mártires da matança da Praça de Touros, havemos de conseguir.

Agora vamos dormir, amanhã será o dia difícil. Mas digam lá, alguma vez, desde que começou o nosso calvário, tivemos outro dia?

 

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

ENCONTRO NA SERRA


A GUERRILHA

 

Correram enquanto as forças não os abandonaram. Tinham atravessado a estrada e confiavam que estavam a dirigir-se para a fronteira de Portugal. Mas o caminho era a cada momento mais difícil, e foi com lágrimas que não conseguiram suster, que se sentaram debaixo duma árvore. No seu íntimo sentiam uma voz que lhes anunciava o fim da jornada mas, num repente, o irmão mais novo, reganhou forças, levantou-se e disse:

- Eu também estou esgotado para não vou desistir. É noite, está frio e temos fome, mas quantas vezes não vivemos dias iguais? Repara, até temos alguma sorte, a árvore que nos cobre é um castanheiro, se tu conseguires com a tua navalha cortar arbustos faremos uma cabana como aquela que fizeste na serra de S. Mamede onde começou a nossa aventura. Depois vamos acender uma pequena fogueira e as castanhas que eu vou procurar serão a nossa ceia. É noite cerrada, estamos no meio duma mata densa, ninguém nos vai encontrar e pela manhã, seguiremos o sol, ele indicará o nosso caminho. Vamos a isso?

Pela primeira vez dormiram, comeram castanhas assadas. Foi um banquete no final de uma aventura de dois dias para esquecer. Acordaram e viram a luz do sol. Ia começar um novo dia, o dia do regresso a casa. Todavia não era momento feliz. Tinham partido para salvar duas crianças e regressariam de mãos vazias.

 Foi um retomar do caminho, andando por uma vereda meio abandonada e que serpenteava pela serra acima.

Mas, a sua aventura não iria terminar sem mais um sobressalto. A meio da encosta foram mandados para por dois homens armados que os conduziram ao alto da serra, uma clareira entre rochas onde encontraram mais homens armados.

Não sentiram medo, já nada os admirava. Aquele grupo de pessoas só podia representar a resistência, a guerrilha.

Surpresa foi quando uma mulher se apresentou como comandante e quis saber o que faziam.

E António contou. Procuravam salvar duas crianças, e apenas sabiam o nome do homem que os iria guiar, Chama-se Alonso, e apenas sabemos que é um desertor.

A comandante sorriu e disse:

- Vieram ter ao sítio certo. Alonso é um dos guerrilheiros que me acompanha. As tropas do Franco estão a colocar-se na base da serra para o ataque. Mas nós estamos prontos e eles vão encontrar o caminho da fuga, mais depressa do que julgam.

Depois, falaremos sobre a ajuda para a vossa missão. Confiem em nós.

 

 

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

O DESERTOR


ABANDONADOS

E lá foram caminhando, por uma estrada em mau estado, instalados numa carroça que uma mula velha e cansada ia puxando.

Já tinha decorrido bastante tempo depois da partida, quando o condutor, olhando para o companheiro que seguia ao lado, resolveu dar os conselhos. Assim:

- Estamos a chegar a uma curva da estrada onde, normalmente, estará uma patrulha da Guarda Civil. Eles já me conhecem e provavelmente, irão perguntar quem é você. Finja que não entendeu e serei eu a falar. Percebeu?

Diogo, o irmão mais velho, acenou que sim. Não seria difícil, pensou com os seus botões, já que eu nem o que ele tem dito, tenho entendido, quanto mais conversa de polícia. Isto pode correr mal!

Não demorou muito tempo até que dois Guardas, saindo meio das árvores os mandaram parar.

- Então agora também faz o transporte de pessoas, pergunta um dos Guardas? 

- Não senhores guardas, este é um desgraçado sem eira nem beira que procura trabalho. Ajuda-me a troco de umas sopas. Eu não me esqueci de vocês, trago a lembrança do costume. E pegando num pequeno saco entregou-o ao guarda mais próximo que o aceitou, com um sorriso.

O outro guarda, mais graduado, dava uma volta pela carroça, espreitara a carga, nada viu e fez sinal ao colega para deixar seguir.

Foi o alívio para António, que escondido pelos fardos, sentiu que tinham retomado o caminho.

Continuaram a viajem, mas os dois irmãos agora juntos, olhavam entre si porque se tinham apercebido que o condutor ia ficando mais tenso e que as suas mãos lhe tremiam, até para acender o cigarro. Era um mau sinal, pensaram. 
Passadas mais umas centenas de metros, Manolo parou a carroça e virando-se para os dois irmãos disse:

- Chegámos ao local onde nos teremos de separar. Vocês seguem um carreiro que vão encontrar ali mais à frente, caminham o mais rápido possível até encontrarem as ruínas de uma casa. Saltem o muro e escondam-se até aparecer o homem que vos guiará até ao local que procuram, casa dos familiares do Doutor Gonzalez. O nome do homem é Alonso, é um desertor do exército franquista e que, naturalmente, tem que viver escondido.

A carroça retomou a marcha e numa curva mais adiante, Manolo disse:

- É aqui que acaba o meu trabalho. Corram, ali está o caminho que vos indiquei.

E eles lá foram correndo, por entre moitas e pinheiros até pararam junto a um muro em ruínas. Reganharam forças, saltaram o muro.

Aguardaram e ninguém apareceu.  Foras horas até ao fim do dia. Sem comida e cheios de frio, mas do Alonso nem sinal. António segredou ao irmão: 

- Não fiques assim Chico, o Alonso não era um desertor ?Então voltou a desertar e nós ficamos sós. Por isso, não é tarde nem é cedo, vamos correr na direção da fronteira e regressamos a casa.
- O irmão levantou-se num salto e ia começar a correr quando parou. Olha lá, estamos perdidos e de noite nunca mais vamos encontrar o caminho de regresso!
Tinhas razão esta história não começou bem e também eu começo a ter medo que tenhamos caído numa armadilha. Mas por isso, mesmo de noite temos que fugir, atravessar a estrada em que o Manolo nos deixou e quando estivermos longe deste lugar, pensaremos no melhor caminho para casa.
A nossa aventura começou tremida, agora se ninguém aparecer e nos ajudar pode ser o fim da viajem e da nossa vida.

 

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

POR TERRAS DE ESPANHA


CAMINHANDO

 

Cheios de frio e cansados os dois irmãos, largaram o saco que transportavam às costas e sentaram-se sem trocar palavras. Apetecia-lhes dormir mas, molhados até aos ossos, não conseguiam.

O irmão mais velho resmungou:

- Isto vai acabar mal, eu não sei se consigo fazer o que prometemos. Cada vez mais me arrependo de ter seguido. O cansaço eu sei o que isso é, o corpo molhado e o frio não é novidade, mas agora tenho receio do que nos espera. Não sei, não sei, por mim voltava para trás.

 António fixou os olhos no irmão, abanou a cabeça dizendo:

- Chico, para quem aqui chegou, o caminho só pode ser um. Seguir em frente. Acredito que estamos perto da casa que o Ernesto nos indicou. António, assumindo-se como chefe indicou a estratégia.

- Eu vou da frente e tu segues um pouco mais atrás, deixando sempre um espaço entre nós. Quando eu parar e me agachar tu fazes o mesmo. Eu só entrarei na casa se vir a luz da candeia na janela, o sinal que o caminho estará livre. Se apesar da luz a detetar algum movimento suspeito, faço-te sinal e tu ficas escondido. Espera uns minutos. Se eu entrar na casa e não sair para te chamar, foge e regressa a casa. Não esperes por mim, eu tentarei fugir mais tarde.

Pegaram nos sacos e foram-se aproximando da casa, pequena isolada na encosta da serra. António assinalou a luz que mal se via por entre as árvores e o nevoeiro da manhã de inverno. Que alívio, pensou, o sinal era de caminho livre. Parou, ficou atento a algum barulho, e nada lhe pareceu estranho. Antes de nela entrar sussurrou ao irmão:

- Parece tudo calmo, mas nunca fiando. Vou entrar e tu espera que eu te chame. Não te esqueças do que combinamos. Se eu não sair da casa, seja o que Deus quiser. 

Com todo o cuidado António empurrou a porta que estava entreaberta e entrou. Viu que no interior apenas estava um homem aquecendo-se à lareira. Perguntou:

- O senhor é o Manolo?

Foi com alívio que ouviu a confirmação e mais tranquilo ficou quando o camponês lhe apontou um banco junto da fogueira. António fez apenas um gesto a pedir um momento e foi à porta chamar o irmão.

Manolo pegou nos sacos, saiu da cozinha, desceu um degraus e voltou com um molho de notas que lhes entregou. E, de seguida, a mulher entrou com uma panela de sopa, colheres e pão e todos foram comendo em silêncio.

Depois de comerem em silêncio, Manolo avisou que ia preparar a carroça com os fardos de palha para se meterem a caminho da aldeia de La Jola, onde o Alonso que tem uma quinta, lhes entregaria as crianças.

- Vocês, disse, dividem-se, um vai comigo o outro esconde-se no meio dos fardos. É possível que encontremos desertores em fuga ou soldados da Guarda Civil. Eu levo prendas para os comprar. Mas tenham atenção, eu não posso aproximar-me da quinta do Alonso. Paro na estrada e indico-vos o local. O resto será entre vocês e o Alonso.

Vamos, o caminho, faz-se caminhando.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

POR TERRAS DE ESPANHA


A PONTE

 

Escorregando aqui e ali na caruma dos pinheiros que cobriam a encosta da serra que tinham que subir, os dois irmãos, de sacos atados às costas onde carregavam pacotes de café e de tabaco, seguiam pelo caminho que conheciam e não era o mais utilizado pelos contrabandistas habituais.

Estava uma noite fria de chuva e vento e a jornada tornava-se, hora a hora mais difícil.

Abandonaram o caminho e decidiram parar e recuperar as forças encostados a um castanheiro grande, perdido no meio do pinhal.

O silêncio só era perturbado com o soprar do vento e pelo ruído da chuva que caía sem parar. O Diogo o mais velho e mais experiente, arriscou dizer:

- Oh Chico, assim se tratavam entre si os dois irmãos, tu não pensas que ao aceitar o trabalho fizemos mal?

- Não, ainda agora começou a nossa aventura, a chuva o frio não são nada a que não estejamos habituados, respondeu em voz baixa o irmão mais novo. Continuo a acreditar na história que o cocho nos contou. A aventura até poderá ser um risco, não digo que não, mas desistir? Nem quero pensar nisso.

- Claro, responde o Diogo, eu também não quero desistir, mas falta qualquer coisa na história. Então ele não tinha uma perna, vivia naquela casa perdida no meio dos campos, sem vizinhos e não nos disse como é que foi salvo e em que hospital foi tratado? É isto que me deixa um pouco receoso, porque cortar uma perna não é trabalho de madeireiro. Pronto, não percebo!

- Ficaram em silêncio por mais alguns momentos. Diogo foi o primeiro a pegar no saco e retomar o caminho. António seguiu-o pensando que o irmão tinha razão pois, reconhecia que Ernesto não tinha concluído a história mas, preferia seguir o seu sentir que o rosto do Ernesto, mostrava em cada palavra, a dor, a desilusão e o sofrimento.

Continuaram a marcha e nada lhes pareceu estranho. Não estavam habituados a fazer contrabando e não sabiam que o silêncio é, por vezes, sinal de perigo. Mas Diogo parou, faz um sinal com a mão e saíram do caminho, embrenhando-se no meio da vegetação. Pararam alguns metros a seguir e sentaram-se.

- Viste o vulto escondido atrás das rochas, fumando um cigarro, pergunta Diogo?

 - Sim, também vi. Deve ser um elemento de alguma brigada que está emboscada à espera da coluna dos contrabandistas. Temos de escolher outro caminho. O silêncio foi quebrado por tiros e gritos, não muito longe do lugar onde se esconderam e sem hesitar, começaram a correr pela encosta até que um muro coberto de silvas os fez parar.

Ofegantes respiraram com alívio porque não ouviram mais tiros.

- Chico, diz o Diogo, agora nem sabemos onde estamos e como é que vamos encontrar a casa que o Ernesto nos indicou. Não sei o que fazer!

- Para mim, responde o irmão mais novo, temos de caminhar ao longo da margem do ribeiro que ouço a correr entre os arbustos. Vamos subir e teremos de encontrar um local para passar para o outro lado. Vamos, não tarda faz dia e tudo ficará mais perigoso.

A sorte estava no seu caminho. Encontraram um pinheiro caído sobre o ribeiro e era aquele, só podia ser aquela a ponte que lhes iria permitir atravessar o ribeiro.

Nem hesitaram, começaram a atravessar mas a ponte era frágil e caíram.

Foi reunindo as forças que ainda tinham depois da corrida que conseguiram passar para o outro lado.

- Pronto, diz António, já estamos em Espanha e apesar da roupa encharcada, vamos ter de descansar e depois procurar o sinal de luz que nos indicará a casa onde nos esperam. Assim creio.
  

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

FERIDAS


EU SEI, VI, ESTIVE LÁ

 

Percebo o vosso pedido, mas acreditem, estou cansado.

É tempo de descansar porque o que falta contar será como reviver os momentos de dor, de voltar a ouvir os gritos de gente pedindo ajuda.

Sim eu sei, chorei, prometi continuar a lutar, porque o que eu vi não se apagará por muitos anos que viva.

Fugi de Badajoz, corri para a fronteira na esperança de chegar a Portugal. Na minha fuga encontrei um jovem miliciano espanhol ferido e abandonado numa valeta. Não hesitei, abandonei a espingarda e quis levar o jovem para o hospital de Elvas. Consegui-o mas, o enfermeiro que me ajudou, aconselhou-me que não ficasse por ali. Sabe, disse ele, as autoridades do nosso País, têm por hábito verificar se os nacionais que voltam, fugiram apenas com medo ou foram guerrilheiros que regressaram. E para o saber usam uma estratégia bem simples. No seu caso, obrigam-no a despir a camisa e se no ombro tiver marcas deixadas por uma espingarda de assalto, é um comunista e será metido nos camiões de todos os dias cruzam a fronteira, transportando munições e armas para os falangistas, que navios alemães descarregam, algures, na enseada do rio Sado, e por lá os deixarão ficar.

Sim, dizem que Salazar não gosta de Franco mas, ainda gosta menos dos comunistas e dos Portugueses que não o reconhecem com salvador da Pátria.  

O guerrilheiro ficou no hospital e eu tive que me esconder da Polícia. Foi uma semana, voltei ao hospital e soube que o jovem tinha sido enviado para o matadouro, quer dizer, para a praça de touros de Badajoz.

E então uma força me vez voltar, na esperança de salvar os filhos do médico. Entrei numa cidade quase deserta. Para me esconder, subi para a caixa de carga, duma camioneta com as lonas fechadas. E logo me arrependi. Acabara de entrar no inferno. A camioneta estava cheia de corpos das vítimas do massacre. Viajei escondido entre os corpos dos mortos que seriam enterrados numa vala no meio do campo. Quando o veículo parou, os soldados que iam na cabine, abriram a caixa e começaram a despejar a carga para a vala. Também fui despejado, dei por mim no meio de mortos, homens, mulheres e crianças. Consegui escalar a vala e fugir do inferno, um dos soldados apontou a metralhadora e disparou na minha direção.

Continuei fugindo esquecendo as dores e o sangue que me escorria pela perna. Passei a fronteira, atravessando um ribeiro. Cheguei a terra, caí e fiquei estendido num matagal. Sofri a dores físicas mas o que mais me doeu foi perceber que, afinal, eu tinha fugido.

 


 

 

sábado, 15 de outubro de 2016

CENAS DA GUERRA CIVIL EM ESPANHA


A MISSÃO

Ernesto respirou fundo. Ele precisava de contar a tragédia mas hesitou e enquanto acendia mais um cigarro olhou para os dois irmãos. E sentiu que não tinha o direito de os ferir.

Foi um dos irmãos, o mais velho, que fez questão de conhecer a missão, para a qual pressentia, Ernesto os iria propor. E fez  a pergunta!

 - Nós temos ouvido, com respeito, o que nos tem contado. Acreditamos, porque sabemos a miséria e a desgraça que apanhou os nossos vizinhos. E isso tem-nos sido contado pelos mais velhos que têm exposto a sua vida contrabandeando bens entre as aldeias da fronteira. Alguns foram presos pela guarda em Portugal, perderam tudo o que haviam conseguido na viajem mas outros, e não foram tão poucos assim, não regressaram e nunca mais soubemos do seu destino.

Nós temos filhos ainda crianças, que vão sobrevivendo do que a terra nos dá, sofrendo o frio das noites, aconchegados pelo calor das Mães que trabalham sem descanso. Nós caminhamos procurando trabalho, e quando o conseguimos, mesmo pago a preço de miséria, temos que, com o chapéu na mão,  pedir para que nos paguem. Isto é a nossa vida, a que nos querem convencer ser um milagre da Paz do Salazar.



Veja o senhor, daquele lado gente morta e torturada e deste lado, outros, porventura mais pobres e que, por isso mesmo, correm os riscos de atravessar a fronteira.

Sim, o que nos vai propor é fazer contrabando, não será assim?

 Ernesto acenou que sim e respondeu.
- Eu tenho contado o que sei e o que vi, para que os senhores saibam o que lhes pode acontecer. Sim, o que eu vos irei pedir é contrabando. Daqui levarão bens que eu próprio pagarei. O que receberem da venda será vosso. Mas no regresso, e espero muito que vão conseguir voltar, a contrapartida será a de trazerem duas crianças de 5 e 7 anos de idade, filhos do meu amigo médico e que estarão, assim penso, a salvo em casa de uma família, num pequena quinta, perdida nos arredores da cidade.

O Doutor Gonzalez tinha irmãos que fugiram a tempo e não querem partir para o México, onde têm mais família, sem as crianças. Quando recebi o pedido para salvar as duas crianças, preparei o caminho mas, como podem ver, aqui estou preso a uma cadeira de rodas. Então decidi pedir ajuda. E é o que vos peço.

Pensem bem, hoje é quarta-feira, e o melhor momento para atravessarem a fronteira será a noite de sábado.

Se quiserem podem voltar a casa e regressarem na manhã de sábado. Terei tudo à vossa espera, o mapa do caminho, os lugares a evitar, a aldeia para venderem a mercadoria, etc. Espero que aceitem, vocês são a única esperança que me resta.

- Vamos aceitar, diz o irmão mais novo. Salvar crianças merece correr riscos. 

Nós percebemos que a saúde, a perna amputada, lhe impedem que seja o senhor a ir buscar as crianças e por isso o seu pedido de ajuda. Mas temos tempo, gostaria de ouvir o resto da estória. Conte-nos, por favor.

 

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

ESPANHA . A GUERRA CIVIL


O MASSACRE

 

Tomei uma decisão cujas consequências, de que não me arrependo, ainda hoje as sinto. Foi uma decisão que tomei guiado, apenas, pela vontade de combater as tropas nacionalistas que invadiam pelo sul da Espanha, matando, violando e aterrorizando a população das vilas e mesmo das cidades. Eu ouvi relatos de pessoas que conseguiram fugir dizendo que oficiais relatavam na rádio de Sevilha as atrocidades que as suas tropas, mouras principalmente, haviam cometido durante a noite e que iriam continuar a praticar enquanto houvesse resistentes.

Juntei-lhe a outros e, armados com as poucas armas que nos deram, marchamos na direção ao sul, até encontrar terreno propício para emboscar os invasores. E foi na serra morena que começamos a receber a tiro os soldados bem armados, com carros de combate e metralhadoras. Passado o efeito surpresa tivemos de abandonar as posições. Tivemos de retirar, deixando para trás os mortos, as ilusões, a dor e a raiva e procurando salvar os feridos.

Eu carreguei sobre os meus ombros um jovem ferido que levei nos meus ombros, caminhando dia e noite por montes e carreiros desertos, procurando chegar à cidade e pedir a ajuda do meu amigo médico.

Entrei no consultório do médico e caí exausto. Mas foi depois que senti uma dor tão intensa e que permanece até hoje da minha memória. O jovem acabara de morrer.

 Tanto esforço e nem aquele jovem tinha conseguido salvar. Doeu muito, acreditem.

Ernesto contava aqueles episódios com o olhar fixo no lume que crepitava, de repente calou-se.

Foram alguns minutos. Depois olhou para os dois ouvintes, abanou a cabeça e comentou:

- Aquilo que eu vos irei pedir não será tarefa fácil e vocês correrão alguns riscos. Por isso eu faço questão de vos contar a história da matança na praça de touros de Badajoz. Depois me dirão.

- Eu sei que são homens, que já viveram as dores duma vida difícil e dura. Mas acreditem, não viram nada.

As tropas nacionalistas entraram em Badajoz, encerraram na praça de touros todos os habitantes que não tinham abandonado a cidade e chacinaram milhares de pessoas, homens, mulheres e crianças.

Entre as pessoas assassinadas naquela arena estava o meu amigo Dr. Gonzalez, a mulher e o filho mais velho, um jovem de quinze anos.

Ele que me tinha obrigado a regressar a Portugal, ficou. Pediu-me que se alguma coisa lhe acontecesse eu faria o possível por lhe salvar a família e, sabendo do meu interesse pela poesia ofereceu-me um livro de poemas de Federico Garcia Lorca. Não era um prémio, mas para mim, era mais do que isso.

Ernesto olhando para os dois irmãos e percebendo a inquietação e algumas lágrimas disse:

- Sim, é verdade, foi uma tragédia. Eu sei, eu vi, eu estive lá.

 

 

 

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

DOIS VIZINHOS - MESMO DESTINO


A REPÚBLICA ESPANHOLA

Os dois irmãos mataram a fome mas estavam fascinados com o Pintor e a sua história. Voltaram a lareira onde Ernesto acabava de encher o cachimbo. Aqui estamos desejosos de ouvir a sua estória de vida e nos dizer o que dois homens pobres e sem experiência, poderão fazer!

- Já agora, peço-vos me deixem continuar para melhor entenderem aquilo que vocês poderão ajudar, disse Ernesto.

Falar de mim é fácil. Também eu, um jovem que estudou porque os meus Pais puderam pagar, me deixei envolver nas lutas daqueles que acreditaram que era preciso mudar a sociedade. Fui preso, estive quatro anos encerrado numa prisão, nunca pude ver a família e, sem saber porquê, um dia fui libertado mas com aviso da Polícia política para ter cuidado.

Percebem agora porque eu vivo quase escondido e as pessoas me chamam de comunista.

Eu sabia, porque um guarda prisional mo disse, que o meu Pai tinha morrido de doença e que a minha Mãe, esperou mais alguns meses e fez o seu caminho, suicidando-se.

Vejam o que a vida me reservou.

Voltei a Elvas e comecei e ouvir os meus amigos a falarem sobre a República de Espanha.

Então fui procurar o Doutor Gonzalez, médico de Badajoz, e que tinha acompanhado a doença do meu Pai.

Passei a fronteira e encontrei um homem que me contava a esperança que a República Espanhola tinha trazido para um povo oprimido.

Ele conhecia bem ma história dos conflitos que já haviam começado a dividir os Espanhóis. Num lado os Republicanos, que mesmo entre si lutavam pelas reformas e do outro, os Nacionalistas comandados pelo General Franco defendiam a continuação de exploração nos pobres e dos privilégios da Igreja Católica e os interesses dos ricos.

O médico foi o único amigo, com quem aprendi a melhor perceber a política. Os outros antigos amigos ou apenas conhecidos escondiam-se de mim, por medo, eu compreendi.

E foi por acreditar no meu amigo que, quando se soube que a guerra se aproximava, peguei em armas e fui lutar.


 

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

O PRIMEIRO PASSO


PORTUGAL – A DITADURA DE SALAZAR

 

- O PINTOR

 

Numa casa perdida entre oliveiras e sobreiros, longe dos caminhos os dois irmãos, empurrados pela pobreza pela fome e tremendo de frio, bateram á porta de fechada, com hesitação e algum receio.

Esperaram minutos que lhes pareciam horas, olhando-se como quem hesita entre continuar ou desistir.

Foi então que, vindo das traseiras da casa, apareceu um homem de cabelos brancos, andando com esforço e só possível porque caminhava apoiado em duas bengalas.

- Olá, disse com voz rouca. Desculpem se esperaram muito tempo, mas eu não consigo dormir e passo as noites num anexo das traseiras onde me sento recordando o meu passado. Venham comigo, é mais confortável falar sentados à lareira e bebendo uns golos da aguardente que amigos me deram.

Os irmãos, candidatos à aventura, trocaram olhares e com um encolher de ombros lá se sentaram nos bancos junto ao lume e aceitaram o copo com a aguardente.

A bebida soube-lhe bem, e o calor até deu para se esquecerem do frio e da fome.

Passaram alguns momentos em silêncio, até que o dono da casa levantou os lhos e lhes disse:

- Antes de vos falar da proposta que fiz, creio que ao mais novo de vocês, gostava de fazer algumas perguntas. Por exemplo, vocês já ouviram falar de mim? Já alguém vos disse a razão que levou um homem sem uma perna, ter aceitado viver neste lugar esquecido?

- Eu sei, diz Diogo, que o ano passado quando colhia azeitona por estes lados alguém me disse que o senhor era um comunista fugido à Polícia e que não seria bom ser visto por estes lados, não vá o diabo...

- Sim é o que dizem de mim. E vocês, sabendo isso, aceitam fazer o trabalho que eu vos possa vir a encomendar?

- Acreditamos, diz o irmão mais novo, que não nos irá pedir para matar ou roubar alguém, e porque a vida tem sido madrasta, aceitaremos correr riscos.

- Muito bem, para fazerem o vosso próprio julgamento quero falar de mim, contar-vos a minha vida.

Então é assim:

Nasci há cerca de cinquenta anos, numa aldeia ali para os lados de Elvas. O meu Pai era professor e a minha mãe enfermeira. Tinham algumas posses e, filho único, fui estudar na Universidade de Lisboa, para o curso de direito. Mas o meu prazer era a pintura que foi a minha companheira até perceber que eu pintava e estudava outros lutavam pela vida. E acabei por me deixar influenciar pelas mudanças que se anunciavam e que prometiam uma sociedade nova.

- E o senhor só tem cinquenta anos? Pergunta Diogo, ninguém diria!

- Sim, tem razão, as feridas no corpo e na alma, as perseguições, as desventuras, a guerra, deixaram marcas de que os cabelos brancos são, apenas, um sinal. As marcas reais, essas são bem mais profundas.

Agora vão comer alguma coisa, pois a conversa pode ser longa. Ali em casa tenho pão, enchidos, conservas, fruta e podem escolher. Vão, aqui está a chave, eu fico à vossa espera.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

O PRIMEIRO PASSO


ESPANHA – GUERRA CIVIL

  1. ENCONTRO NO MEIO DO NADA

No entardecer dum dia cinzento e chuvoso do mês de Dezembro, no ano de 1936, um homem caminhava, penosamente, serra acima por entre um souto de castanheiros bravos, protegendo-se da chuva e do frio com um capote improvisado, que mais não era do que uma saca de serapilheira, tornada parcialmente impermeável, pelo azeite que corria do transporte da azeitona.

Caminhava apoiando-se em três varas secas de castanheiro bravo, o instrumento de trabalho para a vareja das oliveiras.

Estava cansado e parou sentindo o cheiro do fumo que, em pequenos novelos, se espraiava por entre as árvores. Estava a chegar ao encontro com o irmão mais velho. E tinha muito que contar.

Avançando guiado pelo fumo, encontrou no meio da mata, uma pequena cabana feita pela ramagem entrelaçada de giestas e ramos de pinheiro.

Esgueirou-se, curvado, por um pequeno espaço a descoberto e encontrou o irmão mais velho, o Diogo, sentado numa pedra, atiçando as brasas duma pequena fogueira enquanto enrolava, com cuidado e paciência, uma mortalha de papel que enchia com os restos da onça de tabaco que guardava no bolso do colete.

-Então como foi o teu trabalho perguntou  Diogo?

- Foi o costume, trabalho na colheita da azeitona para ganhar o que nem sequer cheque para conseguir para a conta da mercearia. Mas sabes, o que foi ainda mais doloroso?

É que no caminho para aqui chegar, encontrei uma casa perdida e o dono dessa casa, um homem de meia- idade que caminhava com uma grande bengala, pois só tinha uma perna, e disse-me que tinha perdido a perna ao fugir da matança na praça de touros de Badajoz. As tropas do General Franco haviam assassinado milhares de republicanos. Ele escapou quase por milagre. Depois disse-me que era capaz de nos ajudar a melhorar a nossa vida, com uma proposta para um trabalho que pagará de forma generosa.

- Não sei o que ele te desafiou a fazer, mas sei que será algo de perigoso. Nós nascemos pobres, mas vivemos. Pôr um pé na Espanha de hoje, poderá ser o nosso fim. Ainda assim, o melhor será ouvir o que ele nos vai propor e depois decidiremos.

- Esse é o bom caminho, diz António. Poderemos correr riscos mas ao menos tentamos dar um outro rumo à nossa triste vida. Descansamos e partimos pela manhã.



 

domingo, 25 de setembro de 2016

DOIS VIZINHOS – O MESMO DESTINO


1 - PORTUGAL

Nos finais do ano 1928 Portugal, este País pobre, e não um pobre País, começou a viver um longo período da sua história, onde sentiu as dores da esperança perdida.

 Tantos anos de uma governação de um só homem que soubera moldar os seus mais fiéis servidores, criando algumas oportunidades como prémio para esses e uma polícia política que se encarregava de prender, torturar, matar e deportar para campos de concentração nas colonias, aqueles que ousavam dizer não.

Foi uma década de ilusão e os problemas da sociedade multiplicaram-se. Neste pobre País sem esperança o caminho foi a partida para as américas, seguindo as pisadas dos nossos antepassados. A emigração deixou muitas famílias destroçadas, mães que tinham que criar os filhos alimentando-os com o que a terra dava, enquanto os maridos regavam com o seu suor as terras, quase virgens, do novo mundo.

E os Portugueses que, séculos atrás, tinham indicado novos caminhos ao, voltaram a embarcar no sonho de uma vida melhor.

Para trás deixaram a esperança que se veio a tornar um pesadelo, com fome, exploração, miséria e a guerra colonial que ceifara tantos jovens.

Acordaram em Abril de 1974, o mês das flores e a revolução dos cravos.

Desse período, talvez venha a encontrar nas minhas memórias histórias que, por terem sido dolorosas, não consegui a distância suficiente para as contar.






2 - ESPANHA

Sem esperança viviam também os nossos vizinhos, esquecidos pelo ditador que encheu a Espanha de dor e lágrimas. Fora ele o chefe da guerra civil Espanhola, comandando o massacre dos que pretendiam viver em democracia e defendiam a república.

A guerra civil Espanhola, com começou em 1936 foi, alguém disse e escreveu, a última guerra romântica. Contra a barbárie dos chamados nacionalistas, vieram juntar-se às forças republicanas milhares de sonhadores, de poetas e de escritores.

E será da guerra civil Espanhola que começarei a contar uma história envolvendo heróis acidentais.

 

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

INTERMEZZO


Confesso. A estória que acabei de escrever, deixou-me cansado e perdido.

 Na realidade os sonhos têm um preço e quem não sonha e não disser presente quando a conta lhe for apresentada, passará pela vida como um, entre milhões. Desiludido ou pior ainda, conformado.

Desiludido comigo mesmo é como me sinto. Ousei sonhar e escrever e a conta que vou ter que pagar é dura. Proíbo-me de reler o que escrevi. 

Mas também reconheço que muitos dos que o único sonho que tiveram na vida foi sobreviver, acabaram ricos, conhecidos, respeitados, figuras marcantes da sociedade medíocre em que vivemos.

Este não é o meu caso.

Aprendi, desde muito novo, e já lá vão muitos anos e não esqueci, que ser esperto é condição essencial e obrigatória para atingir um fim. Ser rico, conhecido e respeitado pelos aduladores que vivem na sombra aproveitando as migalhas que lhes são dadas.

Apesar do que aprendi, falhei. Nem riqueza nem reconhecimento público. Fiquei condenado a escrever as histórias sem revisão, sem preocupações de semântica ou até de ortografia. Escrever tem sido a terapia que me faz bem.

 Quero continuar a contar histórias mas preciso de um período de descanso. Entre uma história que se acaba e outra que se quer começar, existirá sempre, e isso só é válido no meu caso, um “INTERMEZZO”.

 

domingo, 18 de setembro de 2016

O PREÇO DOS SONHOS


7 – O CAPÍTULO FINAL

Em Londres, Íris teria uma carrinha do teatro à sua espera, isso lhe havia sido assegurado pelo agente. Depois teria lugar num apartamento, perto de Westminster mas que iria partilhar com outras colegas.
Que pena, murmurou para Pedro, vai ser difícil arranjar tempo e lugar para os nossos encontros. Porque não me vou esquecer desta viajem, trocando carinhos e paixões sob o céu de estrelas. Temos de continuar a viver e aprofundar o sonho. Para mim será um renascer e o Pedro?

- Eu, respondeu, irei ficar por Londres. Não regressarei ao meu País, na realidade sem família próxima, sem obrigações, apenas dele guardo o sol e a luz da minha cidade. Mas isso agrava a minha nostalgia.

Londres será o meu local de trabalho. Consultor de investimentos, nada de mais prosaico como calcula. Certamente que o destino que nos colocou lado a lado num avião cruzando o Oceano, será responsável por novos encontros. Eu farei por isso e esperarei pela Ísis, prometo.

Separaram-se no controlo de saídas no terminal. Pedro caminhou e juntou-se à fila dos passageiros aguardando táxi. Ísis saiu, leu o nome no cartão que uma senhora exibia e logo entrou numa carrinha. Acenou para Pedro, mandou-lhe um beijo e partiu.

Pedro hesitou mas viu no olhar de Iris um convite que não soube recusar. Saiu da fila correu para a carrinha e, num impulso comandado pelo coração, esquecendo a lição de vida, estendeu um cartão-de-visita, dizendo:

- Esperarei por ti!

Depois regressou à fila e retomou os cuidados de sempre. Um táxi que mandou parar perto duma estação de metro, que utilizou para uma viajem de três ou quatro estações, saiu, andou a pé até uma paragem de autocarro que servia a linha que usava quando regressava a casa, um apartamento num prédio discreto numa rua de Newington, subúrbio quase desconhecido da cidade de Londres.

Pedro sempre se habituara a mudar com frequência o seu domicílio. Nunca o usava por mais de seis meses. Este era o mais recente e dava-lhe o sossego que sempre procurara.

Aguardava um telefonema de Ísis e cada dia que passava mais desejo sentia de a reencontrar. Sem notícias, compreendia que ela estaria extenuada com os ensaios, lembrou-se que não sabia sequer o nome do teatro ou do espetáculo e resolveu fazer uma pesquisa, assistindo aos espetáculos em cena ou, quando não conseguia bilhete, aguardava a saída dos protagonistas.

Apesar de ter especial atenção à saída dos grupos de artistas, nunca mais a viu.

Desistiu, restava-lhe aguardar.

Uma noite fria e escura de Outono regressou a casa usando a precaução habitual. Evitou o ascensor, subiu as escadas para o quarto piso, desceu dois, abriu a porta do apartamento e, de repente, parou. Sentira um aviso de perigo, aquele instinto que tantas vezes o salvara. Não reagiu, estava cansado mas sentiu uma dor bem funda que lhe despedaçara a defesa. Sim, reconheceu, tinha chegado a sua hora.

Não queria morrer pelas costas, voltou-se lentamente e sorriu. Sem surpresa, reconheceu antes de receber o tiro final, o odor dum perfume que o capturara e os olhos outrora doces, agora frios, duma mulher de farta cabeleira loira. Ísis cumprira a sua missão.
F I M