terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

The Doors - The End (Apocalypse Now Remix)








 


Fui sempre, desde que me conheci, um ouvinte atento, embora muito cioso da minha independência. E foi assim que permaneci incólume aos acontecimentos mediáticos, aqueles que os jornais ou as televisões nos tentam vender, não os jornalistas que deixaram de exercer a sua imprescindível missão de informar e que se deixaram dominar pela máquina. Nem sei porque escrevo estas palavras mas desconfio que mesmo sem querer, acabei por me deixar infetar pelo vírus do espetáculo de alguns acontecimentos que, não sendo recentes ou sequer inabituais, ocuparam a primeira linha do dia-a-dia dos portugueses sempre ávidos de encontrar responsáveis pelo desencanto das suas vidas sem sentido.


Nem sempre foi assim esta mistura de revolta e mágoa que pode representar um cocktail á beira da explosão.


E ninguém pode ignorar que o mundo está louco, se perderam caminhos e que os valores da civilização que, supostamente, se julgavam adquiridos, foram espezinhados.


Por muito que custe, regredimos séculos e estamos de novo nos tempos da barbárie.


Quem duvidar, pode, com facilidade, confirmar os sinais que todos os dias nos são mostrados quer na TV, nos jornais e até nas conversas de café.


Foi na mesa do café que ouvi, de alguém que muito respeito uma frase, pronunciada num tom de raiva não contida e num gesto de desespero olhava para nós mostrando uma página do jornal que estivera a ler.


Dizia:  


“ Sou um professor reformado, tenho quase oitenta anos de idade, vivo só e todos os dias espero que a máquina que me trás ligado à vida, pare e assim possa, quem sabe, descansar. Eu que ensinei o respeito e a tolerância entre as ideias, que contei aos jovens alunos, os massacres a que assisti durante a Guerra de Espanha, e o horror dos campos de extermínio da Alemanha nazi, que lhes fui garantindo que a nova ordem mundial iria pôr fim a tanta barbaridade e desigualdade entre os homens, entre as nações, tenho agora que reconhecer que o meu trabalho e a minha entrega não serviram para nada, porque o poder financeiro que ninguém controla, a ganância que germinou e se multiplicou, destruiu a sociedade em que vivemos.


 


            Vejam:


O capitalista, dono de um nome respeitado que se transformou num ladrão foi meu colega desde os tempos do Liceu, ou o rapaz que nesta notícia de jornal é apontado como sendo parte de uma organização envolvida na tragédia que em nome fundamentalismo islâmico tem cometido crimes horripilantes, foi um dos meus melhores alunos. Estamos na beira do Apocalipse.”


E eu vi as lágrimas que o homem curvado à sua culpa, não escondeu.


Eu, apenas alguns anos mais novo, senti que também era responsável, por omissão, pelo desvario que corre nos tempos difíceis que vivemos. Pensei segui-lo e dizer-lhe que, talvez entre as muitas lições da sua vida, talvez algumas tenham sido exemplos. Mas no momento hesitei e fiquei calado.


Pensando bem, é verdade, todos somos culpados.


E eu, no meu corpo, senti o calor do fogo que alastra e ameaça destruir o mundo de ilusão  em que vivemos


 



quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

A MÁQUINA PAROU


Fui sempre, desde que me conheci, um ouvinte atento, embora muito cioso da minha independência. E foi assim que permaneci incólume aos acontecimentos mediáticos, aqueles que os jornais ou as televisões nos tentam vender, não os jornalistas que deixaram de exercer a sua imprescindível missão de informar e que se deixaram dominar pela máquina. Nem sei porque escrevo estas palavras mas desconfio que mesmo sem querer, acabei por me deixar infetar pelo vírus do espetáculo de alguns acontecimentos que, não sendo recentes ou sequer inabituais, ocuparam a primeira linha do dia-a-dia dos portugueses sempre ávidos de encontrar responsáveis pelo desencanto das suas vidas sem sentido.

Nem sempre foi assim esta mistura de revolta e mágoa que pode representar um cocktail á beira da explosão.

E ninguém pode ignorar que o mundo está louco, se perderam caminhos e que os valores da civilização que, supostamente, se julgavam adquiridos, foram espezinhados.

Por muito que custe, regredimos séculos e estamos de novo nos tempos da barbárie.

Isto mesmo dizia um homem solitário, sentado na mesa do lado, no café onde também eu tenho por hábito matar o tempo que me resta. E não posso esconder que, as palavras daquele homem, que eu não conhecia, calaram bem fundo na minha memória.

“ Fui professor, tenho quase noventa anos de idade, vivo só e todos os dias espero que a máquina que me trás ligado à vida, pare e assim possa, quem sabe, descansar. Eu que ensinei o respeito e a tolerância entre as ideias, que contei aos jovens alunos os massacres a que assisti durante a Guerra de Espanha, e o horror dos campos de extermínio da Alemanha nazi, que lhes fui garantindo que a nova ordem mundial iria por fim a tanta barbaridade e desigualdade entre os homens, entre as nações, que lhes garanti que o saber e a cultura eram peças essenciais na vida, tenho que reconhecer que o meu trabalho, a minha entrega, as minhas lições, não serviram para nada."

E o homem curvado à sua culpa, passou por mim e eu, sem surpresa, vi as lágrimas que lhe fugiam.

Apenas alguns anos mais novo, senti que também era responsável, por omissão, pelo desvario que corre nos tempos difíceis que vivemos. Pensei segui-lo e dizer-lhe que, talvez entre as muitas lições da sua vida, algumas tenham servido como exemplo. Mas no momento hesitei, fiquei calado.

Pensando bem, é verdade, todos somos culpados.

Não voltei a encontrar o velho professor. Quem sabe, a máquina parou.

 

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O CANTO DAS SEREIAS


Quase sem dar por isso, deixo-me levar até ao período da antiga Grécia, a Grécia dos mitos, berço da nossa civilização. Fui um devorador dos livros, necessariamente, li e reli a Ilídia e a Odisseia, Homero sempre me fascinou e hoje relembro a longa e aventurosa viagem de regresso de Ulisses, dez anos de viagem depois de outros dez anos de cerco e destruição da cidade de Troia. Nesse épica viagem pelo Mediterrâneo, ao largo da costa da Itália que hoje conhecemos, os marinheiros ouviram o canto das sereias, uns seres marinhos que como deusas de rosto e tronco de mulheres, utilizavam o seu canto melodioso, com voz doce e inebriante, para atrair os marinheiros que, fascinados, deixavam que os barcos naufragassem. Escreveu Homero, que Ulisses, para defender os seus homens do naufrágio e da morte, mandou tapar com mel os ouvidos dos marinheiros, evitando que eles se deixassem inebriar pelo canto das sereias, e pudessem continuar a procurar o caminho de regresso à sua ilha de Ítaca.
Quem diria que tantos séculos depois, o mesmo mar iria devorar milhares de homens, mulheres e crianças que, seduzidos pelo canto duma sereia quase venenosa, rica e anafada chamada Europa? Não eram marinheiros que regressassem duma batalha, eram sim os esquecidos que fugiam da pobreza e da morte. Eram e são vítimas do mais terrível dos negócios. O tráfico de homens, mulheres e crianças.


Mas a Europa que procuravam já não existe. O sonho morreu.


 Grécia?

 
Será que escrevo lembrando o seu papel na construção da nossa civilização ou fui induzido pelas notícias de que a Europa dos bárbaros, sedenta de dinheiro, ainda que obtido à custa da miséria das outras Nações, que não souberam resistir ao canto das sereias e se deixaram iludir pelas promessas de gente sem escrúpulos, sem moral que transformaram o sonho de uma Europa unida, no pesadelo que nos faz recuar no tempo, bateu à porta reclamando a sua vontade soberana?


Sim, os GREGOS, servirão de exemplo.
Eu, por mim, GRITO AO VENTO: EU  TAMBÉM SOU GREGO! 




 

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O IRMÃO DO MEIO


 
Foi no verão de 42 que nasceu o irmão do meio. Cresceu no seio de uma família pobre, vivendo no trabalho da pouca terra que trabalhavam regando-a com o suor do rosto. Era apenas mais uma, como quase todas neste País desgraçado. Mas que soube criar os laços e gerir os afetos. Nem as lágrimas que chorou, nem as privações ou as dificuldades dum dia de trabalho, feito de sol a sol quebraram a ternura dum olhar ou de um abraço. Nunca se deixaram vencer. O irmão do meio, nasceu num tempo de dores e tragédias. Algures, bem perto ou mais longe, morriam milhões de pessoas vítimas da guerra que varria a Europa e a Ásia. A loucura de uns, a indiferença de muitos e a comodidade de outros, ensanguentaram o mundo. Mas, nós por cá, todos bem. Pobres e alegretes, protegidos pelo chapéu de um ditador que se vendeu a uns a e outros, conforme era mais conveniente. Esse chapéu enquanto nos abrigava, manteve-nos na ignorância dos mais elementares direitos. O direito à justiça isenta e justa, o direito à educação que era um privilégio para alguns, á saúde pois para morrer não era preciso médicos nem hospitais, o direito a um trabalho pago sem depender da boa vontade dos senhores da terra. Foi nesse País que o irmão do meio ouviu os sinais da fome, os gritos sussurrados sinais de medo e desespero dos mais pobres entre os mais pobres. Mas tudo na paz do Senhor, pois gritar era meio caminho andado para a prisão ou para o degredo. Foi ouvindo as histórias dos mais velhos que o irmão do meio cresceu e se fez homem. E muitas histórias tristes o acompanharam pela vida mas, também muitos gestos de amor e de partilha que o ajudaram a crescer e a acreditar que a um dia o seu País iria ser diferente. Hoje, tantos anos passados, o irmão do meio teima em resistir, mais um dia que seja para olhar para o passado recordando os que já partiram e temer pelo futuro, sem esperança, para a geração que vai deixar. Foi o tempo de crescer, de lutar numa guerra e de crer que a liberdade iria passar e ficar por aqui. Foi mais um sonho que findou e hoje, velho e vencido o irmão do meio, chora.