sábado, 30 de abril de 2011

O EXECUTOR

10 – A ROTA DA SEDA

Pedro abriu o dossier que tinha aquele título. Continha informação abundante, distribuída por vários capítulos.
O primeiro historiava o que a história dissera sobre a rota da seda, caminhos que foram aproveitados e desdobrados para a criação das actuais rotas do narcotráfico, desde a produção até à refinação. Era um documento muito extenso completado com vários itinerários, que partindo do Oriente, atravessavam os diversos Países do Cáucaso até às portas de entrada nos mercados de consumo, sobretudo o Europeu.
O documento referia e enumerava as várias organizações envolvidas no processo de transporte e refinação, e indicava os países com ligação ao escoamento do produto já refinado para os mercados consumidores.
Relatava conexões com máfias sicilianas e calabresas orientadas para o abastecimento dos Estados Unidos.
Nada do que lia, era uma surpresa para Pedro. Ele estivera na Bósnia, no Kosovo e o puzzle tinha tantas ramificações que ninguém o conseguiria resolver.
Avançou com a leitura dos capítulos seguintes. A história que as primeiras páginas contavam era velha e sabida por qualquer sociedade bem informada.
As outras referiam detalhes ainda mais pormenorizados das operações e interligações. Também nada era novo.
Certamente, pensava para os seus botões, ninguém no seu perfeito juízo me vai pedir para bloquear os fluxos de droga e também, por maioria de razões, os movimentos do dinheiro.
Não percebia o secretismo daquela reunião só para lhe entregarem documentos, a que qualquer pessoa tinha acesso, bastando consultar os artigos muito detalhados, publicados na Internet.
Fechou o dossier, colocou-o de lado, semicerrou os olhos, abanando a cabeça em sinal de frustração. Deixou passar algum tempo, respirou fundo e olhando para a mensageira, calmamente sentada no sofá à sua frente, folheando uma revista cheia de imagens de gente famosa, perguntou:
- Estive a ler os documentos que me entregou, dos quais nada tirei com interesse. Presumo que é você que me vai dizer o que fazer, será assim?
- Certamente a minha mensagem não é entregar documentos vulgares. Há uma parte que lhe vou transmitir, de viva voz, nada está escrito e não o pode gravar, mas darei a senha que articulada com a sua e o seu código, lhe permitirá abrir o ficheiro que, estou certa, já terá recebido no seu computador e, então perceber o objectivo.
A Organização a que você está ligado e o escolheu para esta missão, foi contratada para neutralizar uma célula que, servindo-se do narcotráfico, financia actividades que põem em risco a segurança do País contratante.
Essa célula é dirigida por gente importante no mundo financeiro, pessoas que poderiam ser classificadas acima de qualquer suspeita.
Mas não é assim, são gente bem protegida, não aparecem nas revistas de economia e fazem, aparentemente uma vida normal.
Fixe o seguinte: “ Banco Antilhas e Caraíbas, SA ”, sede nas ilhas Cayman e escritórios em Marselha e em Monte Carlo. É um banco de investimento, e tão selectivo, que recusa operações até cinquenta milhões de Dólares e só fará negócio acima daquele mínimo, se o cliente lhe apresentar uma forte recomendação Financeira ou Política.
No que me diz respeito a minha mensagem acaba aqui. Todavia, ficarei ao seu dispor, incluindo colaboradores da minha inteira confiança, que podem se chamados a trabalhar na missão, se você como líder o entender necessário.
E já agora, porque não muda a sua bagagem para a nossa suite disse sorrindo? Não será mais cómodo?
O código é Jezabel mas o meu nome é Anne.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

O EXECUTOR

9 – JEZABEL

Seguindo regras de segurança que tentava cumprir, em 22 de Abril, Pedro procedeu à reserva de dois lugares no voo Lisboa/Barcelona/Lisboa partida a 24 e regresso a 28 de Abril e do alojamento no Olívia Plaza Hotel.
Todavia no final do dia 22 Informou Gabriela, que o programa teria de sofrer uma pequena alteração. Sabes, disse ele, surgiu um imprevisto eu vou ter de viajar por Madrid e só depois te encontrarei em Barcelona.
Não te preocupes, mas na realidade eu não sei quando te poderei encontrar.
Mas irei fazê-lo, só não posso garantir a hora.
Pedro viajou de carro que deixou parqueado em Madrid e tomou o comboio de alta velocidade para Barcelona.
Chegou na manhã do dia 23 e seguiu de táxi para o Hotel Palace onde se alojou utilizando o passaporte francês em nome de Vilar, Pierre.
Arranjou maneira de convencer a recepção a verificar se havia um registo para o dia 24 em nome dum amigo de Portugal, cujo nome não recordava. Simpaticamente a recepcionista encontrou um pedido de reserva para o dia 24, em nome do senhor e senhora Dias, que iriam ocupar a suite do último piso.
Agradeceu e subiu para o quarto para descansar.
No dia seguinte, depois do pequeno almoço, foi andar um pouco pelas ruas da cidade, misturando-se com as pessoas que apressadamente caminhavam para o seu trabalho.
Voltou ao hotel ao princípio da tarde, instalou-se num salão com vistas para a recepção, lendo o jornal da manhã e espreitando a chegada e registo de novos hóspedes.
Nada lhe pareceu estranho, mas num relance, viu uma mulher só, alta, elegante, cabelos negros caídos sobre os ombros, caminhando para os elevadores, enquanto um empregado do hotel lhe transportava uma mala de bom tamanho.
Levantou-se, caminhou pelo átrio e espreitou o mostrador do ascensor. Parara no quinto piso.
Perguntou na recepção se o casal Dias já se tinha registado, obteve a confirmação, mas só a esposa, que ficara instalada na suite número dois, quarto piso.
Pedro subiu ao seu quarto, abriu o computador e tinha recebido uma mensagem normal. Apenas dizia,” cheguei, suite 2, piso 4. Aguardo-te. J”
Respondeu, avisando que chegaria pela hora de jantar. Assinou P.
Voltou a sair e foi andando até ao hotel onde Gabriela já se encontrava.
Sim, estou aqui à tua espera só para entender se devo ir dar uma volta ou se vais precisar dos meus serviços, perguntou Gabriela.
Pedro sorriu respondendo:
- Quero ser claro contigo. Eu vim em serviço mas não me perguntes qual, para não te mentir. Convidei-te e tenho a certeza que vais gostar da cidade. Não te prendas comigo e desfruta o passeio.
Eu procurar-te-ei, só não sei quando e onde. Quando voltares ao nosso escritório e se alguém perguntar por mim, dizes que nada sabes da minha vida.
Claro Pedro entendo, na verdade se alguém me perguntar por ti eu só poderei dizer a verdade, que nada sei. Mas deixa que te diga, não me sinto bem nesse papel que me reservaste, algo descartável. Não é bonito. Se te posso pedir uma coisa, peço que não me procures mais, aqui e em Lisboa. Quando regressar pegarei nas minhas coisas e seguirei outro caminho.
Gabriela, responde Pedro, não estás a ser justa para comigo e, principalmente para contigo. Eu não me servi de ti, sei que tu tens uma personalidade forte e nunca irias aceitar um papel menor. Eu gosto de ti, gosto mesmo, mas para teu bem, só como amiga.
- Confesso que foi a conversa mais sem jeito que ouvi. Uma coisa é verdade, eu vim sem saber para quê e por isso, talvez não mereça mais do que as palavras de conforto. Mas Pedro, mesmo falando em amizade, há qualquer coisa que nos deve unir, caso contrário, significa nada.
- Dá-me uma oportunidade, peço-te. Em Lisboa, espera por mim e nesse dia entenderás.
Dito isto, Pedro voltou para o encontro no Palace Hotel.
Subiu, tocou a campainha da suite e a porta foi-lhe aberta pela mulher que vira de relance na recepção.
Entre, o meu nome é Jezabel, e sou a mensageira, disse num inglês fluente.
Pedro sentou-se num dos sofás enquanto a mulher retirava da mala um dossier e lhe entregava. Esteja à sua vontade, afinal passamos por ser um casal e assim devemos continuar para nossa segurança. Eu trabalhei o caso que se lhe vai ser apresentado e estarei disponível para qualquer esclarecimento. A chefia e coordenação da operação serão da sua responsabilidade.
Pedro recebeu o dossier e reparou que sobre um sofa estava uma cabeleira, cabelos longos e negros. Era a diferença que agora notava. A mensageira era uma mulher atraente de facto, mas com um olhar determinado.
Congratulou-se, imaginara encontrar uma mulher correio, frívola e vazia e reconhecia estar perante uma profissional.

terça-feira, 26 de abril de 2011

O EXECUTOR

8 – BARCELONA

No regresso a Lisboa, Pedro utilizou percursos diferentes dos que havia programado.
Saíra do Líbano, partilhando o avião com uma excursão de turistas Franceses de regresso a Paris, mas durante uma escala em Larnaca, Chipre, abandonou o grupo e ficou.
Aproveitou para descansar e acompanhar nos noticiários internacionais as notícias que relatavam o atentado perpetrado em Beirute, que vitimara um Banqueiro, muito conhecido no mundo da finança.
Saiu para Londres, permaneceu dois dias e depois viajou para Madrid. Por fim optou pela estrada para regressar a Lisboa.
Demorara quinze dias na preparação da operação, desenhara vários cenários, criara rotas de entrada e de saída, efectuara reservas de voo que nunca concretizara. Admitia que pudesse ser vigiado e estava certo que dificilmente alguém conseguiria acompanhar um percurso tão errático e descontinuado. A missão correra bem, achava que não deixara rastos o que só justificava a sua obsessão para o planeamento meticuloso, mas flexível, para ser alterado a qualquer momento, sem pôr em causa a missão que tinha de desempenhar.
Aprendera como deixar uma janela de oportunidade para o improviso, podia ser importante para despistar eventuais seguidores.
Regressara ao escritório sorridente e bronzeado surpreendendo a sua colaboradora.
Gabriela comentou apenas que o tinha tentado contactar via telemóvel mas que nada conseguira. Até pensei que estivesses doente, comentou, mas não sei sequer onde moras ou dormes. Nunca pensei em férias e de praia no mês de Abril!
Pedro reclinou-se, indolentemente, no cadeirão, dizendo:
- Não fiz planos mas precisava mesmo de descansar. Por outro lado, assim como tu não gostas de compromissos eu também não gosto de ser vigiado. Por isso a primeira coisa que faço é desligar o telemóvel. Quanto ao trabalho, tenho confiança em ti e isso me basta.
Gabriela entre um sorriso e um ar mais sério, salientou que ela também sabia guardar segredos. Podes ter as tuas aventuras, não serei eu a meter-me entre os teus lençóis, terminou voltando para o seu pequeno gabinete.
No dossier que Gabriela lhe deixara sobre a secretária, Pedro encontrou toda a documentação contabilística e financeira que Gabriela preparara.
Deu uma vista de olhos, chamou Gabriela e disse para rectificar a folha de vencimentos aumentando, substancialmente o salário da colaboradora.
Pedro não esperava agradecimentos e não os teve. Gabriela tomou nota, foi rectificar o documento que lhe levou para ser assinado, e regressou ao seu lugar. Estava zangada, pensou Pedro, o melhor é deixar passar em branco.
Esteve a abrir o computador, apagou o que não lhe interessava mas no meio dos contactos leu uma mensagem curta dizendo que acabara de ganhar um fim-de-semana, no El Palace Hotel de Barcelona.
O site era desconhecido, mas havia qualquer coisa que lhe despertara a atenção. Introduziu a sua chave e o nome de código e confirmou nova missão. A reserva no Hotel estava feita com entrada a 25 de Abril e saída em aberto. Operação Jezabel era o código.
Teve um impulso que não lhe era habitual. Convidou Gabriela para passar aquele fim-de-semana em Barcelona. O convite não é do patrão é do amigo, fico feliz se aceitares. As águas do Mediterrâneo vão fazer-te bem.
Gabriela aceitou sem mostrar, contudo, um entusiasmo excessivo.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

O EXECUTOR

7 – BEIRUTE

Com a definição da sua estrutura, Pedro passou a estar em condições de responder ao desafio.
Em Lisboa a sua base de apoio assentava numa Sociedade Unipessoal com sede no apartamento entretanto adaptado, com uma unidade de computadores instalados com os melhores programas de segurança disponíveis no mercado, e aos quais introduzira configurações e chaves de segurança, que lhe foram fornecidas por um especialista de primeira linha, já seu conhecido na Bósnia. Sabia por experiência própria que toda a segurança tem limites e por isso as ligações e acessos à Internet eram objecto de atenção redobrada.
Precisava de apoio. Encontrou-o contratando uma jovem economista recém licenciada à procura do primeiro emprego. O seu trabalho era fazer análise de projectos de investimento, baseados em pedidos de empresas de capital de risco, que contratavam o serviço.
Era a única actividade oficial da Sociedade, e a sua fonte de rendimento.
Tinha decorrido apenas três meses e Pedro já estava a abrir uma outra sociedade formal em Marselha, sediada numa pequena casa, sobriamente mobilada, num bairro discreto.
Com o nome “Fond d’Investiment Privé sa” abriu e operacionalizou uma conta bancária num Banco em Gibraltar.
Tinha, assim, assegurado um refúgio e a possibilidade de movimentar fundos sem controlo.
A colaboradora que escolhera, Gabriela Reis, tinha sido uma escolha acertada. Revelava competência, ambição e inspirava confiança. Pedro sentia que podia contar com ela.
Depois de voltar de Marselha, convidou-a para jantar. Foi um momento descontraído e falaram de tudo menos de trabalho.
Pedro mostrou surpresa por uma jovem inteligente e bonita, confessar ser descomprometida, mas por convicção.
- Gabriela explicou, sem qualquer pudor, que tinha amizades e vida sexual, mas não queria que uma ligação mais séria a impedisse de realizar uma carreira independente, fora dos padrões convencionais.
- Sabes, dizia ela a Pedro, comecei a trabalhar contigo porque prevejo qualquer coisa de desafiante. E eu gosto de desafios, todos, acentuou com um olhar cheio de promessas. E concluiu:
- Aqui para nós, o trabalho que fazemos é apenas uma capa, não é verdade?
Pedro sorriu, lembrou que os objectivos das Sociedade de Capital de Risco podem ser difíceis de entender, mesmo para nós. Contudo, o trabalho que fazemos é o que nos é pedido e para o qual nos pagam. Por agora nada mais te deve interessar, o resto esquece.
A qualquer momento, Pedro esperava receber a sua primeira missão.E ela chegou através de uma chamada de atenção para uma página do jornal "The New York Times".
Na página do jornal, assinalado com uma seta, um homem de óculos escuros,que se apresentava como Banqueiro e que visitava Beirute, como membro da comitiva de um Embaixador.
A mensagem, que recebeu apenas dizia, em linguagem cifrada e em sublinhado, executar.
Pedro, planeou o golpe, viajou com um passaporte falso que havia comprado em Marselha, e convenientemente disfarçado, aguardou pela saída do Hotel da numerosa comitiva, misturou-se com os seguranças e utilizando a arma com silenciador, executou o alvo assinalado e desapareceu no meio da confusão.

sábado, 23 de abril de 2011

O EXECUTOR

5 – O COMEÇO

O apartamento, ainda vazio, foi o lugar escolhido para Pedro abrir o volumoso envelope e começar a ler, cuidadosamente, os documentos.
Estes estavam agrupados em quatro dossiers, numerados e fechados com fita adesiva.
Pedro não evitou um leve tremor de mãos, sentindo que não ia abrir a arca de Pandora, soltando para o mundo os males que encerrava, mas sim abrir o caminho que teria de percorrer. Ele escolhera trilhar aquele carreiro, estreito e sinuoso, quiçá rodeado por muros altos e protegido com espinhos dolorosos, mas não era homem para resistir ao desafio que antevia.
Os dados estavam lançados, seguiria em frente.
Abriu o dossier número um.
O seu conteúdo, escrito em duas folhas de tamanho usual, descrevia em traços muito largos a Organização.
Não tinha endereços, nomes ou números de telefone. Apenas o nome que Pedro já conhecia: “Security Consulting Group, Inc.” Apresentava-se como uma organização não governamental, regida por princípios de extrema confidencialidade, orientada para prestar serviços em matéria de segurança, civil e militar.
A Organização tinha um pequeno núcleo coordenador, sem um lugar fixo e sem ter influência directa sobre os agentes ou colaboradores.
A Organização não é uma Empresa, sublinhava, os Agentes não terão qualquer vínculo nem podem invocar apoio para executarem as tarefas que lhe forem distribuídas;
Em jeito de conclusão e em palavras sublinhadas, a Organização deixava um aviso:
- Todos os colaboradores foram seleccionados ao longo de vários meses. Ao serem convidados, a Organização admita que qualquer um estava ciente da escolha;
- A Organização lembra que, no decorrer do trabalho para que for escolhido, poderá ter de enfrentar riscos e que para os suplantar terá de contar, apenas, com a sua inteligência e discernimento:
- A Organização não intervirá, salvo em condições extremas, não previstas no planeamento de cada acção;
- A Organização lembra que se o agente não se sentir preparado para enfrentar o desafio, deverá parar aqui, destruindo todo o material recebido.
Nada de novo, pensou Pedro, é a conversa do costume, estarás por tua conta e se algo correr mal ninguém te ajudará.
Abriu o envelope dois.
Era o texto do acordo entre as partes. Parco em palavras assinalava apenas que o Agente conhecia as suas obrigações e deveres, lealdade, confidencialidade e discrição.
Em contrapartida a Organização pagaria um valor anual até ao limite de duzentos mil dólares, devendo o agente particularizar o modo e o local de recebimento, que, recomendava, deveria ser fraccionado.
No valor estava englobada a sua avença pela prestação de serviços, num máximo de cinquenta por cento. O restante será destinado a despesas de organização e deslocações e estadias em serviço.
O envelope número três sugeria procedimentos de segurança.
O Agente teria uma ou mais bases escolhidas dando cobertura a uma actividade legalizada, cumprindo as obrigações fiscais ou outras inerentes;
Esse escritório iria receber Ordens de Compras, generalizadas para justificar a emissão dos débitos correspondentes. Essas facturas, deverão cumprir todas as regras legais em vigor no País;
O pagamento será efectuado até trinta dias da data do débito, por transferência bancária para uma conta a indicar pelo Agente.
O Agente deverá comunicar, através de carta enviada para um Caixa Postal em Nova Iorque, com o número que encontrará no último dossier, os detalhes de operacionalidade;
O Agente não poderá exercer qualquer actividade que configure ou caiba no âmbito deste acordo.
Finalmente o envelope número quadro continha chaves e cifras para enviar ou receber mensagens.
Pedro guardou as chaves e as cifras, dissimuladas em documentos irrelevantes, mas escritas de forma que apenas ele conseguiria decifrar.
Os restantes envelopes e o seu conteúdo foram queimados e as cinzas espalhadas na rede de esgotos.
Respirou fundo. Agora tenho de montar a estrutura de apoio para dar o sinal de partida.
Sentia-se na pele de um Agente Secreto, contratado por uma Organização desconhecida. Estava consciente de que o que passo que iria consumar era sem retorno, mas confiava nas suas capacidades.
Na memória apenas fixara um nome. DAVID seria o seu código, e como na história Bíblica, também ele estava preparado para vencer.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

O EXECUTOR

4 – LISBOA, 2002

Pedro regressou a casa. Tinha pedido ao Pai para lhe procurar um apartamento no centro, que pudesse comprar e recuperar a seu gosto. O Pai tinha conseguido três divisões em Campo de Ourique, comprara e mandara restaurar de acordo com o projecto dum Arquitecto amigo.
O apartamento estava pronto mas não mobilado. Patrícia dera umas sugestões mas Pedro tinha-a convencido a esperar pelo seu regresso para escolherem em conjunto.
Quando voltou percebeu não poderia ir viver com a namorada. Esta não quisera enfrentar a Mãe, que sonhava ver a filha vestida de branco e com um casamento celebrado na Igreja.
Pedro gostava de Patrícia mas não o suficiente para casar, com pompa e circunstância.
Era tempo de férias. Patrícia sugeriu que fossem passar uns dias ao apartamento que os Pais tinham comprado nos arredores de Tavira. Vamos ficar sós, a minha irmã convenceu os meus Pais a fazer um cruzeiro à Escandinávia. O cruzeiro é de 15 dias e esse tempo será nosso.
Pedro aceitou e durante aqueles dias de férias, reconheceram que havia qualquer coisa que os separava.
Um e outro tinham mudado. Pedro não esquecia os seus sonhos e Patrícia também não sentia por ele o mesmo entusiasmo de outros tempos.
Sentiam-se alegres, tinham sexo com entrega mas sem paixão, conversavam sobre o passado e o futuro, iam dançar e beber um copo mas, a barreira permanecia.
E foi Patrícia a tomar a decisão inevitável. Numa noite, confessou:
- Somos amigos há muito tempo, mas na realidade deixámos fugir a paixão. Quando, nestes dias, te ouvi falar do teu passado, apercebi-me da tua nostalgia. Eu sei que tu tens um projecto de vida que, na verdade te digo, não é compatível com o meu. Se ficarmos juntos eu não aceitarei menos do que tudo, corpo e coração. E sinceramente não acredito que tu sejas capaz de desistir dos teus sonhos por mim. Tenho pena, acredita que sim, esperei por ti, tu vieste mas, algures ficou o Pedro que eu provavelmente nunca conheci.
Pedro sentiu um sentimento incómodo. Ele gostava da Patrícia, como amiga e como mulher mas reconhecia verdade nas suas palavras.
Antevia que a sua vida seria um desafio constante, e entendia que ela não mereceria viver na sombra e na mentira. Ele teria de percorrer o caminho só, apenas pelos seus próprios meios.
Foi com emoção que se deu conta que, de verdade, ele tinha pouco para dar. A continuar, mais tarde ou mais cedo, iria sofrer e pior, fazer sofrer.
Não conseguiu evitar um gesto de carinho, e disse, em palavras magoadas:
-Tens razão Patrícia. Perdoa-me, segue o teu caminho e não olhes para trás. Eu não te mereço.
Não houve drama nem lágrimas, apenas duas pessoas tão diferentes que entenderam que, continuar juntos, seria um equívoco.
Regressariam a Lisboa, livres de compromissos.
E foi assim que uma noite, Pedro foi formalmente abordado por um desconhecido. Um carro negro e de vidros fumados, parou à sua porta, abriu a porta para ele entrar. Entrou e recebeu do condutor, única pessoa na viatura, um envelope fechado. Nele vai encontrar tudo o que vai precisar saber. Leia com atenção, se tiver dúvidas, encontrarás uma senha que lhe dará acesso à pessoa que será o seu contacto dentro da Organização. Cumpra o que estiver escrito, memorize e destrua.
Repare, eu sou apenas um mensageiro, não sei mais do que lhe disse e é pouco provável que nos venhamos e encontrar de novo. Adeus e boa sorte, disse parando o carro a meio da Avenida de Roma, noite dentro, para que Pedro saísse. Depois arrancou de luzes apagadas.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

O EXECUTOR

3 –PRISTINA - KOSOVO 2002

Pedro Dias, logo que terminou a sua graduação, decidiu integrar, enquanto oficial de operações especiais, as estruturas na Nato em Bruxelas. Viveu nesta cidade entre 1998e 2000 e depois de um treino intensivo e muito exigente, foi requisitado pelo comando Nato para responsável pelo controlo e análise da informação, durante a guerra do Kosovo. Foram dois anos muito intensamente vividos, viu cenas de horror, criou as suas próprias defesas e ultrapassou tudo, ganhando sangue frio e uma coragem e força mental que, ele próprio se admirou.
Tinha agora 27 anos e nos dois últimos anos no teatro de operações, tinha percebido a sua capacidade para enfrentar situações difíceis. E, apesar dos riscos que correra, não sentira medo, antes prazer.
Estava no final do contrato e livre de continuar ou sair.
A decisão não estava tomada.
Lutava entre o prazer que uma vida de aventuras, com os seus perigos e fracassos, e a monotonia duma vida encerrado num qualquer gabinete, com horário de trabalho, reuniões, conversas de circunstância, sem ter uma palavra a dizer. Seria ouvir, executar e calar.
Era uma decisão difícil, para quem desde sempre ambicionara ter uma vida diferente, feita de aventuras e de viagens, e o sonho juvenil de ter um amor em cada cidade.
Apesar das recomendações dos Pais e da Patrícia a sua namorada desde os bancos da Universidade, para parar, ganhar juízo, trocar o incerto pela tranquilidade duma vida conformável, constituir família e viver o futuro, ainda não se convencera. Pedro reconhecia a justeza dos conselhos mas, pensava que algum dia, poderia querer ir à procura dos sonhos e, tarde demais, todos teriam desaparecido.
O dia do regresso estava cada vez mais perto e Pedro continuava sem saber o seu caminho. À noite, enquanto tomava uma bebida ao balcão de um bar que conhecera na cidade, e fazia o balanço entre os sonhos e a realidade, reparou num estrangeiro que despejava copos de whisky e cerveja a um ritmo impressionante. Beber whisky e cerveja gelada ao mesmo tempo é um hábito que permitia, desde logo, identificar o bebedor como sendo de origem Americana.
O bebedor sequioso aproximou o banco e disse um nome, que Pedro não percebeu, e continuou dizendo que sabia quem ele era o que fazia e tinha uma proposta para fazer. Entregou um cartão de visita, dizendo que se estivesse interessado o podia procurar através do contacto telefónico que escrevera. Não tenha pressa em responder, pense bem e faça-me uma visita. Não se irá arrepender, concluiu enquanto pagava as bebidas e partia.
Pedro guardou o cartão no bolso, sem olhar sequer.
Mas pensou melhor e de repente ficou com a certeza que já teria tido um qualquer contacto com a pessoa que o convidara, mas não era capaz de precisar onde e a que título.
Aquele encontro, para ele fortuito, podia ser a resposta às suas dúvidas e hesitações. O desconhecido não o procurara para lhe oferecer trabalho num Banco ou algo de semelhante. Talvez o destino lhe tivesse batido à porta.
À noite do silêncio do seu pequeno quarto, pegou o cartão de apresentação, Que dizia:

Larry Collins
Senior Advisor
Security Consulting Group, INC.
LONDON
E então lembrou-se. Ainda em Bruxelas, tinha frequentado um curso intensivo de utilização das novas tecnologias para conseguir acesso a informação classificada, decifrar códigos e entrar no mundo das transferências electrónicas de fundos, o principal meio de financiamento de grupos ligados a operações de terrorismo. O curso fora completado com treino de técnicas de combate, dirigido por um especialista dos serviços secretos de Israel.
Havia gostado e tinha obtido uma das melhores classificações pelo que fora entrevistado para discutir resultados, precisamente pelo indivíduo que, agora, o tentara aliciar.
Estabeleceu o contacto, encontraram-se num lugar discreto e Pedro ouviu com atenção:
-Se é, como eu acredito que seja, uma pessoa inteligente e discreta, sem receios de desafios difíceis você vai ter sucesso, salientou Larry.
Alguém o irá contactar sobre as condições e regras impostas pela Companhia. Será no seu País. Lembre-se duma coisa muito importante, hoje e no futuro. Não sabe quem eu sou e eu já me esqueci quem você é. Há-de receber toda a informação que vai precisar, mas a partir desse dia, terá de contar, sobretudo com a sua inteligência, ânimo e coragem, concluiu Larry, dando por terminado o encontro.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

O EXECUTOR

2 – A VIAGEM
Londres era para Pedro a primeira paragem do seu regresso. Quando havia iniciado a sua aventura, tivera o cuidado de escolher duas residências, dois lugares de partida e de chegada.
Escolhera Londres, marquem esquerda do rio Tamisa, na pequena e pacata zona de “Newington”. Ali tinha alugado um pequeno apartamento, que utilizava também como escritório do consultor financeiro William A. Putman, a sua outra identidade. Prestava serviços de consultadoria para um único cliente, um Banco de Investimento, sediado em Singapura. Os serviços que prestava a um único cliente, eram o disfarce, a capa do seu verdadeiro trabalho.
Nas viagens que fazia, frequentemente para algumas praças financeiras do Médio Oriente, Dubai e Emiratos no Golfo, utilizava a sua identidade Britânica e respectivo passaporte. Londres, centro financeiro, era o ponto de partida. O pretexto era perfeito, tinha sido até agora.
O apartamento que utilizava era contratado por períodos curtos, nunca mais de seis meses. Era uma regra de segurança que cumpria escrupulosamente. Evitava a repetição de gestos, de hábitos, de encontros e assim era-lhe mais fácil preservar a sua independência e permanecer incógnito no meio de uma vida falsa.
Com todas as regras de segurança que a si mesmo impusera, e porque o estudo e preparação de uma missão era uma tarefa solitária e que não lhe ocupava muito tempo, tinha muito tempo livre que aproveitava para ler ou passear, mas em lugares sempre diferentes. Numa cidade como Londres, cheia de turistas mas com câmaras de vigilâncias estrategicamente distribuídas, passar desapercebido era um desafio.
Mas estava cansado de fugir à rotina e as mulheres da sua vida, e muitas tivera, nunca se haviam apercebido do seu comportamento esquivo e cauteloso. Na realidade eram amores de curta duração e isso, que começara por ser agradável e desafiante, tinha-o tornado um homem frio e distante. Não tinha amor, não tinha filhos e não tinha razão de viver.
O medo do vazio em que a sua vida se tornara, era um perigo que ele sentia poder tornar-se perigoso.
Regressava agora do outro lado do mundo. A missão, apesar de simples, fora realizada numa pobre e escura casa, algures na fronteira entre o Uruguai e o Brasil deixara-lhe um sabor amargo. O olhar de alguém indefeso, que não resistira, fez tremer a mão de Pedro que, pela primeira vez, sentira as mãos manchadas de sangue.
Tinha feito a ligação Lisboa, Rio de Janeiro e Porto Alegre e depois de carro alugado até ao destino. Para o regresso tinha reservado o sentido contrário. Mas sem saber porquê, talvez pelo hábito de alterar comportamentos e rotinas, ou impelido por qualquer sentimento que não soubera a razão, mudara o rumo e voara de Porto Alegre para S. Paulo e dali para Londres, via Nova Iorque.
A viagem para Londres, feita em classe executiva e de noite, daria tempo para ele descansar e acalmar as angústias que sentira.
Mas, por ironia do destino, a noite seria o começo de algo perigoso. O começo de um romance de amor.
A seu lado no avião, viajava uma mulher bonita, elegante e com o olhar intenso. E Pedro não resistiu.

sábado, 16 de abril de 2011

O EXECUTOR

1) – NOITE EM NOVA IORQUE

A noite fora um pesadelo, imagens desfocadas, sangue a correr dum corpo estendido no chão de uma casa imunda. Abriu os olhos e espreitou na janela a noite escura. Estava encharcado em suor, a cabeça quase rebentava. Reconhecia que não ia ser fácil abandonar o trabalho que vinha realizando há mais de dez anos. Durante os quais mentira, dissimulara, criara relações de amor que sempre acabara traindo. Uma vida, cheia de recordações que não queria relembrar. O que fizera durante aquele tempo fora muito duro, mas fora o caminho que escolhera. Agora lamentava o passado, os erros que cometera, as marcas que lhe deixaram feridas, noites de solidão e amanhãs de dor e arrependimento. Estava esgotado e, reconhecia agora, sem a tranquilidade que nunca procurara mas de que agora sentia falta. Lamentava as amizades perdidas ao longo do tempo, esquecidas na voragem duma vida feita de segredos que nunca pudera partilhar. Iria desistir, não sabia como, nem as consequências do abandono. Mas, mesmo assim estava na hora de fechar aquele capítulo da sua vida. Naquele dia, espreitando duma janela de hotel, as estrelas brilhando numa noite escura, sentiu-se, ainda mais só e sem vontade de continuar. Fumou um cigarro, procurou um cinzeiro que o quarto não tinha, acabou inspirando o fumo no quarto de banho, olhando-se no espelho. Olheiras marcadas num rosto barbado de uma semana, olhos pretos, cabelos brancos a espreitarem nas têmporas. Abriu a torneira de água fria, esfregou as mãos, de que cuidava com atenção, pois sabia que a sua vida estivera sempre dependente da força e agilidade daquelas mãos, treinadas para matar. Sim, tinha morto pessoas que nem conhecera, que outro havia escolhido como alvo a eliminar. E eram as imagens dessas mortes que lhe ensombravam os sonhos. O amanhecer tímido e silencioso deu-lhe algum descanso. Da janela olhava agora as águas cinzentas do Rio Hudson, as silhuetas de tantos edifícios, que por entre os alvores da manhã, apontavam o céu, lugares carregados de história e de mistérios. Estava num hotel na cidade de Nova Iorque, tinha reserva para o voo para Londres, com hora de partir ao fim da tarde. Era em Nova Iorque, a cidade de que mais gostava, que Pedro Dias, como um aventureiro solitário, utilizara como porto de abrigo, depois de cumprida a sua última cruzada. Esperava.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

TRISTEZA

Como se lembrarão, os textos que publiquei a 13 e 14 deste mês fugiram, e muito, ao meu género preferido.
Estava zangado comigo mesmo e com o mundo, e julgo que a melhor maneira de protestar é o “nonsense” e o ridículo daquilo que nos rodeia. A informação com que somos continuamente bombardeados, em vez de esclarecer transforma-se numa cacofonia de vozes, de gente medíocre. E se há coisa que eu, visceralmente odeio, è a mediocridade.
Confesso, humildemente, que por isso mesmo, também tenho os meus ódios de estimação e que às vezes serei injusto. Um dia sou capaz de escrever sobre o assunto, mas hoje não.
Como desisti de mudar o mundo, outros o tentaram fazer e ficou cada vez pior, tenciono fechar a porta ao ruído de fundo das lamúrias e desgraças e ganhar coragem para ousar escrever e contar-vos mais uma história. A coisa não tem sido fácil, podem crer. Tropeço nas palavras, e que tropeções, perco o fio condutor e acaba por sair uma coisa entre o pobre e o desinteressante. Mas com a vossa benevolência, eu conto sempre.Obrigado.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

WIKILEAKS

Nunca entrei no sítio que deu o nome a este pequeno texto. Deixo isso para os profissionais da informação e contra-informação, para os comentadores que ocupam o espaço televisivo, dizendo isto e aquilo ou não dizendo coisa alguma, que é o costume. Na realidade nem é preciso, porque há um sítio bem nosso conhecido, chamado “ouvi dizer”, que normalmente começa por informar que a novidade do dia, foi obtida de fonte credível, não identificada. Pois é, a esse sítio eu costumo ter acesso, quando vou tomar o café. A última informação que recebi, prende-se com a estadia dos representantes do FMI, quem vieram assistir ao circo e à tourada à Portuguesa. A tal fonte credível, não identificada, terá contado a um primo, que por sua vez comentou a fuga de informação com uma amiga especial, dele e demais alguns, incluindo o motorista do Ministro, e que acabou chegando aos ouvidos da cozinheira, que contou ao empregado de mesa e me segredou, pelo canto da boca, enquanto me servia a bica. A notícia configurava o seguinte cenário: “Parece que, desesperados com a qualidade do espectáculo, e a falta de talento dos actores, os senhores representante da “massa” terão sugerido que Portugal devia vender algumas ilhas. Falou-se que eles estariam interessados nas Berlengas e Farilhões, Desertas e Selvagens e até, imaginem, na Madeira, mas só o “offshore” e sem o Alberto João.” Confesso que fiquei para morrer, com o risco de alienação de parte do nosso império. Eu que não ando a bater bem na bola, sou do Sporting já se vê, até disse a um amigo, cunhado da secretária do Presidente da Junta de Freguesia, pessoa muito bem vista no corredor do poder, o verdadeiro, não aquela falsificação que nos é impingida pela RTP, que aquela ideia de vender o legado dos nossos Avós, nem lembraria àquele sujeito, colaborador de confiança, do assessor do consultor financeiro, do famoso banqueiro, cujo sócio, que não tinha onde cair morto, de repente ficou rico, por ter ganho a raspadinha. Vender parte do nosso império, nem pensar, ainda se fosse vender a EDP a CGD ou a Segurança Social, vá que não vá, mas a nossa história, essa não tem preço. E que o diga o Eça de Queiroz, que por no seu tempo, ter dito que Portugal deveria vender as colónias, salvaguardando por razões históricas, a Índia, que não seria vendida mas dada, nunca ganhou o prémio Camões.
Bem, eu já nem sei do que estou a falar, aliás a escrever, melhor dizendo, a pensar. Com o que se ouve dizer no nosso sítio, é melhor encomendar a missa de “Requiem”. É o que vou fazer.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

DIAS DIFÍCEIS

Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida.

Acordei, encharcado em suor, porque ontem terça-feira, foi de tal modo um dia agitado que me encheu a noite de pesadelos.
Calculem só o que eu me fui lembrar:
- Que no mesmo dia do ano de 1204, os cavaleiros da quarta cruzada tomaram, saquearam e incendiaram Constantinopla;
- E que em 1961 Yuri Gagarin se aventurou a viajar no espaço;
- Para compor o ramalhete, no mesmo dia no ano de 2011, os bárbaros cavaleiros do Apocalypse, vestidos com roupas “made in China”, tomaram de assalto este torrão do Paraíso á beira mar plantado.
Têm de compreender que tudo isto foi de mais, para um homem só.
Mas hoje, passado o primeiro choque, compreendi tudo e fiquei mais tranquilo.
É assim:
- Os cruzados só saquearam Constantinopla porque deixaram em troca, a palavra do Salvador.
- O Gagarin foi viajar no espaço, coisa de somenos importância, quando comparada com uma viajem, preferencialmente de noite, nos comboios suburbanos da nossa terra. Porque quando eles circulam, nem sempre estão parados por greves, a viajem pode ser mais perigosa que o espaço sideral. Ele fez a opção correcta.
-E os bárbaros que desembarcaram em Lisboa, afinal não vieram para destruir ou roubar mas sim para nos acenaram com os milhões, que bem precisos são para estes depauperados cofres. Menos mal, eu receei que eles que nos viessem tirar as únicas coisas de que nos orgulhamos, a nossa preguiça, o nosso desenrascanço, o nosso bacalhau com batatas e os nossos insignes políticos.
Deixe-nos ficar com essas glórias, porque também somos credores, dos sacrifícios que fizemos a descobrir meio mundo e a emprestar o José Mourinho e o Cristiano Ronaldo.
Finalmente, foi neste dia que entrei na página do “facebook” dum senhor, que não identifico, a pedir a restituição do meu voto, dado nas últimas eleições. Sim eu que era para votar no Coelho da Madeira, mudei para o independente, que afinal só estava à espera de tacho. Conseguiu, graças a parvos como eu. É bem feito, para não seres camelo!
Hoje é o dia treze de Abril, dia de Santo Ermenegildo, e dia de aniversário do Jerónimo de Sousa. Viva a festa, vamos à luta!

terça-feira, 12 de abril de 2011

O BANCO NO JARDIM

7 – ENTRE AS NUVENS

Luís não conseguiu dominar o sofrimento. A cabeça não respondia à vontade de esquecer o que já não tinha remédio.
Preocupada, a mulher falou com o médico assistente, contou o abalo que transtornara o marido. A opinião do médico foi de que o levasse a visitar o amigo. Dizia:
- D. Rosália, se o amigo ainda for vivo, isso poderá fazer bem a ambos. Se já cá não estiver, com muita paciência e ternura da sua parte, o seu marido poderá ultrapassar o desgosto. Como sabe, nestes casos, não há dor que o tempo não cure, mas é preciso vivê-la. Depois ligue-me a contar.
Depois de almoço, chamaram um táxi e seguiram para a morada indicada, uma vivenda nos arredores de Odivelas. Luís Alberto estava nervoso e impaciente. Temendo o pior a mulher recomendou ao motorista do táxi para aguardar pelo fim da visita que iam fazer.
Eram 15 horas, a porta do lar ainda estava fechada mas já havia familiares de internados aguardando a hora de entrada. Finalmente uma empregada, veio abrir a porta. Rosália perguntou onde podia encontrar o senhor Filipe Costa, dado que era a primeira vez que o iam visitar. A empregada acompanhou o casal até ao escritório, pedindo para aguardarem um pouco, enquanto ela ia buscar a Dona Teresa.
Esta, uma senhora de cabelos brancos, olhar vivo e bondoso, entrou no escritório, convidou o casal a sentar-se nas duas cadeiras que lá havia, enquanto ela se encostou à secretária, perguntando:
- Os senhores não são da família do Sr. Filipe, pois não?
- Não, de facto somos apenas amigos e antigos vizinhos, responderam.
- Desculpem, mas eu tenho instruções do responsável pelo internamento, que o Sr. Filipe só poderá receber visitas das pessoas de família que constam duma lista que nos deixou. Diga-se em abono da verdade que, salvo o Sr. Oliveira, a pessoa que assinou e cá vem pagar a mensalidade, nunca apareceu mais ninguém. E mesmo ele paga e sai de seguida.
A situação pareceu-me, e ainda parece, absurda e até consultei sobre o assunto a Médica que nos visita. A Doutora foi muito clara. Ela consultava o doente e nada encontrara que justificasse o isolamento. Admitia por isso que o Sr. Filipe fosse, na sua extrema debilidade física e mental, objecto de interesses e disputas familiares
Dona Teresa, acredite que a médica do lar tem razão. E se quiser poderei contar a história de ganância, insensibilidade e maldade que o Sr. Filipe foi vítima. Deixe-nos visitar, o meu marido talvez seja a único amigo que lhe resta.
- Vou deixar, mas devo dizer-vos, que apesar dos nossos cuidados, a vida dele está presa por um fio. Passa os dias sentado num cadeirão virado à janela, como esperando a morte.
Subiram ao primeiro andar e num quarto de duas camas, estava o amigo, deitado na cadeira, olhando o céu.
- Sr. Filipe olhe para nós, está aqui um amigo que o quer ver!
Com um movimento lento, o doente virou a cabeça e viu o companheiro do banco do jardim. Esboçou um sorriso de reconhecimento e estendeu a mão, que Luís segurou e soluçando disse ao ouvido:
- Meu amigo, tenho esperado por si, todos os dias, no nosso banco, atento ao movimento das pessoas, na esperança de ver chegar o eléctrico com a sua mulher e filha. Enquanto o senhor aqui estiver, prometo que não faltarei!
Com os olhos vítreos, onde a sombra da morte já se fazia anunciar, Filipe abanou a cabeça, apontou com a mão descarnada algumas nuvens que corriam pelo céu, e sussurrou:
Já não vale a pena. Agora, são elas que esperam por mim. Vê, elas estão voando!
Sim, brevemente estaremos juntos!
Meu amigo, ponha uma flor no nosso banco, para que nós, lá de cima, o possamos ver.
Deixou cair a cabeça. Suspirou e partiu.

Fim

segunda-feira, 11 de abril de 2011

O BANCO NO JARDIM

6 – CORAÇÃO FERIDO

Na hora combinada Rosália e Luís Gonçalves, encontraram, finalmente, quem lhes podia contar a história. Era um casal ainda jovem que os recebeu com simpatia.
Convidados para a sala, o marido sugeriu que fosse a esposa, Mariana, a falar sobre o Senhor Filipe.
- Tudo bem, eu vou contar o que sei, respondeu Mariana:
- O senhor Filipe Costa era o proprietário deste imóvel. Sofrera uma depressão que o obrigou a pedir a reforma no Banco onde era gerente. A esposa e a filha trabalhavam nos escritórios de uma companhia de seguros, na baixa da cidade.
Como não tinha nada para fazer, o Sr. Filipe habituou-se a levar e depois esperar a mulher e a filha, ao eléctrico que parava no Príncipe Real. Foram dois ou três anos a fazer esse caminho. Coitado, mal sabia ele o que o destino lhe reservava.
A filha, teria na altura cerca de trinta anos, contraiu uma doença, das que não perdoa. Morreu em grande sofrimento três meses depois do diagnóstico. Passados dois meses foi a Mãe a morrer com um problema cardíaco já antigo mas que o desgosto da morte da filha agravou. O Sr. Filipe, mesmo doente, tratou da filha e da mulher com todo o carinho e desvelo que era capaz. Foi ele que cuidou das suas doentes, com a orientação e ajuda periódica de uma enfermeira que os visitava. Foram seis meses de muito sofrimento. Primeiro perdera a filha logo depois a mulher, a sua mente perturbada e sofrida nunca compreendeu ou aceitou o facto. Na realidade ficara só, com as suas memórias.
Tinha uma empregada, que vinha todos os dias tomar conta da casa. Era quase uma pessoa de família, tinha a responsabilidade de cuidar da casa e do patrão e foi ela que não deixou que o Sr. Filipe se afundasse no desespero e na angústia. Fora ela a dar-lhe os cuidados e a força de continuar vivendo.
Por isso, ele continuou a fazer o mesmo percurso, levando nos seus olhos as imagens da Mulher e da Filha, esperava-as sentado no banco do jardim. Depois, voltava a casa falando, como se as tivesse a seu lado.
E foi percorrendo o caminho do sonho, durante mais alguns meses.
Depois apareceram os familiares, atraídos pelo cheiro do dinheiro. Um deles, mais esperto, conseguiu que o Sr. Filipe assinasse a doação em vida, de todos os seus bens. Ficou dono e senhor, é ele o actual administrador do prédio.
Porém, ganancioso como era, decidiu despedir a empregada, internar o Sr. Filipe num lar e alugar a casa livre.
Revoltados com este comportamento, em nosso nome e no de mais alguns vizinhos, decidimos consultar um Advogado, para se ver o que poderia ser feito para anular o roubo. O conselho foi de que, como o assunto fora tratado, nós nada poderíamos fazer.
É tudo o que sei, e que me é penoso recordar.
Tenho aqui, um cartão com o nome do lar, que um dia pedi e obtive da porteira, com a promessa que, não o daria a ninguém. Não vou, naturalmente, quebrar essa promessa, mas aqui o têm. Podem tomar nota dos dados que quiserem. Eu depois volto a guardá-lo.
Se tiverem coragem, para irem ver um homem que a vida maltratou, que morreu por dentro e que nada o mantém neste mundo, salvo a ilusão de que a mulher e a filha, um dia, hão-de voltar a descer do eléctrico, junto ao banco do jardim, façam-lhe uma visita.
Eu, pessoalmente, não serei capaz.
Luís nada dizia, o olhar estava toldado pelas lágrimas. O coração ferido sangrava de dor. Uma dor muito intensa, porque era, também, a dor do seu amigo.

domingo, 10 de abril de 2011

O BANCO NO JARDIM

5 – UMA LÁGRIMA DE FELICIDADE

Rosália começou por tentar a Junta de Freguesia. No guichet, encontrou uma moça nova e sorridente que a atendeu. Quando lhe contou a história, confirmou que havia muitas pessoas, idosas e sós a quem a Junta prestava auxílio. Na sua grande maioria eram mulheres viúvas ou casais de velhos, esquecidos pela família. A situação que ela relatara, não se encontrava nos registos. Haveria ainda pessoas não referenciadas, mas só o tempo ou a intervenção de familiares ou vizinhos poderiam completar o retrato daquela Freguesia tão envelhecida. A funcionária sugeriu-lhe que tentasse percorrer as ruas olhando para as janelas. Em algumas, em prédios velhos e pequenos, iria ver flores e almofadas, sinal que naquela casa habitava uma mulher, cuja distracção era ver passar as pessoas ou conversar com vizinhas do prédio em frente. Siga esse caminho, só assim terá resultados. Foi o conselho que seguiu. Já tinha percorrido algumas ruas sem sucesso. Quando, já cansada subia uma para regressar a casa, reparou numa janela de primeiro andar que tinha por detrás do vidro e dos cortinados de renda leve, o que lhe parecia ser uma almofada. Ora bem pensou, aqui está o sinal.Tocou a campainha, mas a porta permaneceu fechada. Porém, ouviu abrir-se a janela, e a voz duma mulher perguntar, o que queria. Sorriu para a velhota que assomava à janela, dizendo: - Desculpe-me, eu só quero fazer-lhe uma pergunta e não lhe quero vender nada. - Então diga lá, respondeu a velhota. - É que eu tenho um familiar amigo, um senhor já de certa idade e que não vejo há muito tempo. Eu sei que ele morava nesta rua, mas olhe, não me lembro do número da porta e lembrei-me que talvez a senhora o conhecesse. Ele costuma sair todos os dias, vai dar o seu passeio até ao jardim e depois volta para casa. Costuma vestir um sobretudo e anda sempre de chapéu. A Senhora, por acaso não se lembra de o ter visto? - Eu não tenho por hábito meter-me na vida dos outros, mas lembro-me de ter visto um homem como me disse. Ele vem ali quase do fim da rua, parece-me que do número cinco. É logo ali em baixo, mas já há bastante tempo que o não vejo. No rés-do-chão, mora a porteira do prédio. Ela não está autorizada a abrir a porta a quem não é conhecido, mas diga-lhe que vai da parte da Deolinda, é o meu nome. Ela conhece-me há muitos anos. - Muito obrigada, vou agora lá e pode ser que tenha sorte. Voltou a descer a rua, chegou em frente do número cinco e hesitou. Estava perante um prédio recentemente recuperado e que devia ser habitado por gente com posses. Não deve ser barato morar aqui, não me parece que o desconhecido que Luís, tão ansiosamente procura, possa habitar numa casa como esta, mas vou tentar. O vídeo abriu e uma voz masculina perguntou quem era. Colocou-se bem de frente para ser vista e dizendo que estava ali só para esclarecer uma questão e que tinha sido a Dona Deolinda a dar-lhe a indicação. - Eu logo vi que devia ser uma ideia dessa velha coscuvilheira, que, como não tem nada que fazer, se entretém a espiar a vida dos outros. Volte noutra altura, para que possa falar com o Administrador do prédio. E desligou o vídeo. Ao jantar contou ao marido o resultado das suas investigações. Penso que não vai dar em nada, mas devemos tentar antes de eliminar esta possibilidade. - Olha, diz Luís Alberto com um novo brilho no olhar, vou ligar para saber se pela morada conseguimos obter um número do telefone. Pode ser do Administrador ou de qualquer outro condómino. Á terceira tentativa tiveram sorte. O andar do quarto esquerdo tinha telefone da rede fixa e a PT deu-lhe o número e o nome do assinante, Mariana Vasconcelos. - Deixa-me falar a mim, pediu a mulher, será mais fácil entre mulheres. Pelas oito horas da noite, ligou e ouviu do outro lado uma voz de criança e pediu-lhe para falar com a Mãe. Aguardou e ouviu a mesma vozita chamar, Mãe é para ti, é uma senhora, não é o Pai. A dona da casa atendeu a chamada. - A senhora desculpe, o meu nome Rosália Gonçalves. Eu sei que o meu nome não lhe diz nada mas gostaria de lhe roubar uns minutos, e não é para lhe tentar vender nada. Dona Mariana, eu apenas lhe quero contar uma pequena história, não lhe roubo mais de dois ou três minutos. E contou o desespero do marido por não saber nada do amigo com que partilhava o banco no jardim. E deu-lhe os pormenores que sabia. Ouviu com surpresa. - Sim minha senhora, sei de quem me fala. Mas sabe não é assunto que queira tratar pelo telefone. Se amanhã por volta das seis horas da tarde quiser passar por minha casa, poderei contar-lhe a história de quem procura. Já agora o nome do senhor é Filipe Costa. Rosália amparou o marido. Estava prestes a conseguir encontrar o amigo, estava tão feliz que nem escondia uma lágrima furtiva

sábado, 9 de abril de 2011

O BANCO NO JARDIM

4 – O VAZIO Tomada a decisão de encontrar o amigo, Luís Alberto esbarrou com uma verdade de que não se apercebera. Na realidade ele não conhecia o nome, a casa ou a rua do companheiro, apenas conhecia o banco no jardim. Contava, contudo, que um homem que durante alguns meses permanecera sentado naquele lugar, não passaria despercebido e alguém o poderia conhecer, algum vizinho, ou transeunte habitual, já que o espaço físico em que ele se movimentava, não seria muito vasto. Tentou a Polícia, mas sem resultado, dos hospitais também não, porque se confrontou com o pedido de dados, nome e morada, a que ele não sabia responder. Não sabia a quem mais recorrer. Olhando para uma planta da cidade, traçou um círculo à volta do banco e do jardim. Nesse espaço, delimitado por ruas íngremes,ladeadas por casas antigas com muito pouco movimento,deveria encontrar alguém que conhecesse o amigo. Assim, todos os dias, depois de confirmar que o banco estava vazio e de mapa nas mãos, palmilhava as ruas procurando interrogar homens e mulheres, de preferência de idade. Os resultados foram uma série de respostas que o deixaram estupefacto. Desde “ não sei nem quero saber”, “a minha vida já chega para me preocupar com os outros”, eu não tenho por hábito espiar os vizinhos” até ao “vai trabalhar”. Nunca pensara que a indiferença fosse tão evidente, ele que sempre julgara que a existência de cumplicidade entre vizinhos, e disponibilidade para ajudar, eram comuns. Não, as pessoas a quem se dirigira pedindo ajuda, não eram os vizinhos de antigamente, que se conheciam e preocupavam uns com os outros. Hoje era cada por si. Andava já há alguns dias desta procura infrutífera e não sabia o que mais fazer. De repetente, olhou para o largo do Jardim onde grupo de homens assistia a um jogo de cartas. Eram certamente conhecidos de todos os dias e foi tentar pedir ajuda aos presentes. Alguns lembravam-se do homem do sobretudo, mas como ele nunca se juntara ao grupo, não sabiam nem o nome nem a morada. Regressava a casa de coração vazio, cansado de tantas voltas e desenganos. Acabou contando à Mulher a sua aventura e o seu fracasso. Sabia que era inútil a procura mas não conseguia esconder a tristeza. Perdera um amigo. Passou a ficar em casa, dizia que não se sentia bem e pedia à mulher para ficar a seu lado. Era estranho, não sabia porquê, mas tinha medo de ficar só. A Mulher preocupada sugeriu: - Deixa-me tentar ser eu a procurar, percebes que talvez uma mulher consiga obter alguma ajuda. Vai para a loja, sempre conversas e passas o tempo, em vez de ficares a definhar encafuado em casa. Entretanto eu me encarregarei da investigação. Dá-me três dias, propôs Dona Rosália.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

O BANCO NO JARDIM

3 – A FAMÍLIA

Este encontro no banco do jardim, o pequeno almoço tomado na mesma pastelaria e no mesmo lugar tornou-se um hábito. Luís recebia um olhar de ternura e gratidão que dizia mais que as poucas palavras que o desconhecido murmurava.
Passou a Primavera, o Verão chegou de mansinho e o encontro mantinha-se inalterado.
Luís guardava para si aquela estranha amizade. Estar sentado ao lado do amigo, por mais de uma hora, durante os dias de semana, fazia-o sentir-se em paz com a vida. Não se preocupava com as notícias, nem com o negócio, para ele eram momentos de tranquilidade e serenidade, partilhados em silêncio. Habituou-se a sentir que a amizade não era um jogo de palavras.
Os sentimentos mostram-se, nos pequenos gestos, olhares e silêncios, sem reservas
Só passados alguns meses contou à mulher aquele encontro que lhe fazia bem. Receara que contar uma amizade feita de silêncios fosse difícil de entender. Enganou-se, a Mulher com um sorriso e uma lágrima furtiva, compreendeu e encorajou-o a continuar. Não desistias de dar a tua amizade, lembra que só receberás o que deres. Olha para ele como o irmão que não tiveste ou o Pai que perdeste tão cedo. Afinal reinventa a tua família.
Luís confessou que sentia que o infeliz com quem partilhava o banco no jardim, teria uma história por contar e ele alimentava a esperança de um dia a conhecer.
Infeliz, pergunta a mulher, quem é que te disse que ele se sente infeliz?
- Ninguém, mas não me sai da cabeça, que aquele homem tem sofrido muito.
- Luís, tu tens tempo, porque é que não procuras ali na proximidade alguém que conheça o teu amigo? Podes ir á Junta de Freguesia por exemplo, ou então sais mais cedo e procura segui-lo para saber onde mora. Não deverá ser muito longe.
- É isso mesmo que vou fazer, decidiu.
Para sua surpresa ou por ironia do destino, no dia em que tinha decidido saber algo sobre a vida do amigo, chegou ao banco, que pela primeira vez, estava livre.
Esperou, viu passar as horas e do amigo nada. Sentiu-se triste e desamparado, aquele ritual já fazia parte do seu quotidiano e a falta do companheiro, sem saber o porquê, fazia-lhe mal.
Tenho de o encontrar ou quem fica doente sou eu.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

O BANCO NO JARDIM

2 – AMIGOS

Sentado no banco Luís Alberto, dirigiu-se ao desconhecido:
- O senhor desculpe, mas eu sinto que precisa de qualquer coisa e eu gostaria muito de o ajudar. Diga-me, não está a pedir esmola, então porque está aqui à chuva e ao frio? Não tem família ou anda perdido?
Para sua surpresa o desconhecido respondeu.
- Fico aqui sentado umas horas até ver regressar a minha mulher e a minha filha e depois vou para casa, respondeu.
- Não percebo, mas o senhor não vive em casa com elas?
O solitário, olhou-o fixamente, com uns olhos baços e mortiços e nada disse.
-Olhe, penso que a sua família ainda demora a chegar, por isso venha ali comigo, aquela pastelaria, tomar uma bebida quente. Parece-me que está a precisar e eu também.
O solitário levantou-se, e ia a iniciar os passos, quando voltou atrás e se sentou novamente. Eu ali não as vejo passar, disse em voz decidida.
-Vê, claro que vê, venha comigo, escolhemos uma mesa perto da porta e pelos vidros o senhor vê passar as pessoas, tão bem como agora. E é um pouco de companhia que partilhamos.
Pegou-lhe num braço, e acompanhou-o até à pastelaria. Na mesa o desconhecido ocupou logo, o lugar de frente para a rua.
Luís Alberto foi ao balcão, encomendar um galão e uma torrada e um café para si. Pagou e levou para a mesa.
O seu convidado, bebeu o galão comeu a torrada, era óbvio que era a sua primeira refeição, mas sem demonstrar prazer ou satisfação, pois não tirava os olhos do movimento que passava na rua.
Cada vez mais curioso, Luís Alberto perguntou ao dono do estabelecimento se, por acaso, conhecia ou sabia alguma coisa sobre aquele senhor que veio comigo e está ali sentado a olhar para a rua.
-Sim senhor, respondeu o dono da pastelaria, há cerca de três ou quatro meses que o vemos sentado naquele lugar. Não fala, não pede nada. Não sabemos o que faz e como se chama. A minha mulher tentou por mais de uma vez levar-lhe lá um prato com comida, que ele sempre rejeitou. Retirava apenas o pão, que ia distribuindo pelos pombos que já estavam à espera. Não falava, mas o olhar era tão triste e profundo que a minha mulher se sentia enternecida e voltava quase sempre de lágrima no canto do olho. Eu perguntava-lhe a razão, ela encolhia os ombros e respondia, não sei.
Ao entardecer, levanta-se e cambaleando vai-se embora pela rua acima, mas nunca conseguimos ver onde mora. Mas não é um sem abrigo.
Luís Alberto saiu, parou e sentou-se mais uns momentos junto do desconhecido, olhou-o nos olhos. Sentiu neles algum calor, um pequeno brilho e ficou feliz, dizendo:
- Amanhã estarei aqui ao pé de si, no mesmo banco, e iremos tomar o café juntos. Passarei todos os dias de segunda a sábado e se precisar de alguma coisa diga, saiba que tem aqui um amigo, que não lhe vai fazer perguntas e se contenta em ficar algum tempo na sua companhia. Faça isso por mim.
Um aceno afirmativo foi a resposta, que recebeu.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

O BANCO NO JARDIM

SOLIDÃO

Sentado, no banco do jardim público, um homem via passar os transeuntes que, apressadamente, se dirigiam para o seu trabalho.
Apresentava-se, vestido com um sobretudo que, não sendo novo, mostrava ainda assim ser de qualidade, e o protegia da chuva miúda que começara a cair. Na cabeça, um chapéu, que já fora preto, mas que apresentava manchas escuras, junto à fita, desbotada, que lhe dava a volta.
Não tinha um aspecto desleixado, tinha a cara muito bem barbeada, e as mãos entrelaçadas no colo, não apresentavam sinais de sujidade.
As pessoas passavam, ele segui-as com o olhar ausente, até as perder de vista, voltava a escolher outro caminhante e fazia o seu seguimento da mesma forma.
Luís Alberto, um homem na casa dos seus cinquenta anos, que tinha um estabelecimento comercial na zona do Chiado, decidira, naquele dia ir a pé. Afinal, morava na Avenida Álvares Cabral, e um passeio até à loja, tinha-lhe sido recomendado pelo médico. Todavia, tinha escolhido um mau dia para iniciar o percurso, pois caía uma chuva miúda, mas irritante. Abrigou-se no portal duma escada, em frente do jardim, e por isso assistiu, intrigado, àquele ritual.
Esteve mais de meia hora e a situação permanecia a mesma. Condoeu-se, e resolveu aproximar-se do solitário, convicto que o homem precisava de ajuda. Chegou-se à frente, parou um momento e perguntou se precisava de alguma coisa.
O homem interrompeu por momentos o movimento, olhou quem o interpelava e abanou a cabeça, a dizer não.
Já sei, pensou Luís Alberto, o homem está a pedir, mas de tal forma envergonhado, que nem estende a mão. Deve ser um dos novos pobres de que tanto se fala. Puxou do porta-moedas, tirou uma moeda de dois euros e ia dá-la, quando o desconhecido lhe afastou a mão, recusando a esmola. Sentiu-se incomodado pela sua atitude, afinal o homem não era um pedinte. Deixá-lo em paz, pensou para consigo mesmo. Guardou a moeda e recomeçou a andar, afastando-se do banco de jardim. De repente parou, voltou atrás e como entretanto deixara de chover, sentou-se no mesmo banco.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

UMA PAUSA

MUDAR DE RUMO

A velocidade com que quero escrevinhar, não se compadece com as lembranças perdidas, os lapsos e tudo o mais que sei, mas não digo.
Faltei ao “ENCONTRO COM UMA MULHER SÓ”, porque não sabia o que lhe dizer. Corria o risco de ficar olhando, lágrima no canto do olho, e assim fazer aumentar a tristeza que uma pessoa só, já carrega dentro de si.
Assim é melhor partir para outra, mais uma vez mudar de agulha, e ver onde me leva o comboio descontrolado em que viajo.
Desta vez vou embarcar numa aventura perigosa. Já o tentei em ensaios, mas parei porque recebi avisos em catadupa do John Doe, meu consultor literário. Como se terão apercebido, o meu consultor não é lá grande coisa, porque apesar dos avisos ainda não me proibiu de escrever, o que não abona muito do seu intelecto.
Entretanto, apercebi-me de que ele anda distraído a ler o que se escreve no “facebook” da Maria Sharapova, com atenção redobrada pelas fotografias e ainda por cima, a ler com toda a atenção e em voz alta e temerosa, o que é publicado num sítio muito em voga, que me pareceu ser, assim por cima do ombro, da Presidência da República.
Como ele vai ficar extasiado por algum tempo, eu vou aproveitar para escrever mais umas linhas no conto, em gestação.
Até lá, fazem o favor de SORRIR ou CHORAR, dependendo da sensibilidade de cada um, com o vídeo que aqui vos deixo. Ou como eu, coração mole, que rio e choro ao mesmo tempo.

domingo, 3 de abril de 2011

ENCONTRO COM UMA MULHER SÓ

6 – O meu Amor

Acordou com um homem deitado consigo. Estava na sua cama em sua casa. Não tinha que se esconder, pela primeira vez iria assumir aquele encontro. Era livre, sentia-se livre e feliz. Não a preocupava a diferença de idades, o futuro seria o que eles quisessem que fosse. Sem mentiras, sem compromissos escondidos.
A relação duraria enquanto ambos a desejassem, sem obrigações, apenas condicionada pelo querer.
Antes de adormecerem, passado o efeito afrodisíaco daquele momento e saciado o desejo, tinham conversado sobre o futuro.
O companheiro fazia juras de amor eterno. Maria Fernanda respondia que isso não existia e nem o exigia. Só continuariam juntos, partilhando o corpo e o espírito enquanto ambos estivessem felizes. Mentira não haveria, nem o hábito cómodo duma companhia, tampouco o amor fingido.
Foi Carlos Alberto quem lhe lembrou Ricardo. Olha, eu quero que saibas algo que não é simpático para que não quero esconder. Ricardo costuma exercitar os sues dotes de conquistador, perante toda e qualquer mulher que lhe apareça no caminho. Nós já o conhecíamos e sabíamos a razão porque a mulher o tinha abandonado. Ele é um conquistador compulsivo, mas é inconsequente. Percebes? Teria sido para ti uma grande desilusão, acredita.
Maria Fernanda não reagiu ao que acabara de ouvir. Desde o princípio, e apesar do encantamento, sentira qualquer coisa estranha, não imaginava o quê.
Agora só receava o comportamento da Mãe, tão imprevisível. Estava preparada para sair para um lugar seu, que pudesse compartilhar com o companheiro, sem constrangimentos.
Tomou um duche e foi à cozinha para tomar o habitual copo de leite. Encontrou a Mãe sentada da mesa da sala, tomando o pequeno almoço e lendo um romance, com um ar tão deliciado que a surpreendeu. Aproximou-se, a Mãe levantou os olhos, sorriu acariciou-lhe o rosto, fez sinal para se sentar e disse-lhe:
- Minha filha faz-me um pouco de companhia. Fala comigo, pensa que talvez eu não seja aquela velha impertinente e agarrada a preconceitos, como imaginas.
Maria Fernanda reclinou-se no ombro da Mãe e murmurou:
- Estou feliz, não quero esconder de ti este momento. Gostaria de ficar e ao mesmo tempo…
A Mãe fechou-lhe os lábios com um sinal prosseguindo:
- Tu és a minha companhia mas eu não ser a tua obrigação. Ficarás na tua casa, que é também a minha, enquanto quiseres. O teu companheiro será bem-vindo enquanto for o teu amigo, a tua escolha. Sabes, não quero que fiques assim surpreendida a olhar para mim. Quem sabe, talvez eu tenha mudado, mas acredita que o que te digo hoje poderia tê-lo dito há mais tempo, assim tu tivesses precisado do meu ombro. És feliz e eu também partilho da tua felicidade. Não fiques preocupada com o que as pessoas possam pensar. O teu companheiro é mais jovem, já percebi, mas não te importes, porque se alguém criticar só pode ser por inveja.
De agora em diante não continues a pensar como uma mulher só. Só, é quem não tem um amor na vida. Lembra o que teu Pai, tantas vezes te disse: vive a vida pois só se vive uma vez.

sábado, 2 de abril de 2011

ENCONTRO COM UMA MULHER SÓ

5 – Nunca dizer Adeus

A semana pareceu longa, os dias monótonos as noites agitadas.
O trabalho que antes era o seu lenitivo passou a ser fastidioso, repetitivo. Muito trabalhou, mas mal, a maior parte acabou no caixote do lixo.
Estava agitada, parecia uma jovem adolescente na véspera de um encontro de amor. Irritadiça e com pouca paciência para enfrentar o dia a dia.
Mas o sábado chegou. O dia nasceu com uma luz diferente, o sol um pouco tímido surgiu e acalmou a sua impaciência.
Era noite quando, finalmente, recebeu uma mensagem no telemóvel. Ricardo propunha passar dentro de meia hora.
Não ficou muito agradada, receber a mensagem daquele modo, com uma linguagem tão seca, para um encontro que Ricardo quase suplicara, uma semana atrás? Não acreditava ou era falta de atenção ou de sensibilidade. Ela investira muito de si mesma naquele encontro, preparara-se mentalmente para ele, mas iria dizer não.
E foi o seu primeiro impulso, respondendo à mensagem com um frio não, hoje não estou disponível.
Sem acrescentar nem mais uma palavra. Ficou abalada e revoltada consigo própria. Sentiu que Ricardo a convidara num impulso, aproveitando a fragilidade de uma mulher só e carente. Nem considerava ter sofrido uma desilusão, tanto entusiasmo é que tinha sido um erro. A voz interior bem a tinha avisado, tem cuidado.
O telefone voltou a tocar, Maria Fernanda reconheceu o número, era Natércia. Atendeu e ouviu.:
- Fernanda, o Rafael e o Carlos Alberto propuseram repetir o programa da semana passada. Eu estou de acordo, mas eles querem muito contar contigo. Vem daí, como percebeste eles são bons amigos, divertidos e sem compromissos. Sentem-se bem na nossa companhia e não o escondem.
Maria Fernanda nem pensou duas vezes, respondeu sim..
Na primeira noite, ainda tinham sentido algum constrangimento. Desta vez todos estavam mais descontraídos e a noite foi mais alegre e mais comunicativa. Riram com as desventuras amorosas do jovem Carlos Alberto, que se entregava com facilidade e acabava rejeitado. Como ele dizia, sentia-se descartável, usado e deitado fora.
No final da noite, música e calor, fundiram-se no momento de êxtase e desejo que não quiseram ou quiseram evitar.
Carlos Alberto parou o carro à porta e desligou o motor. Maria Fernanda, com a boca sequiosa e olhos inquietos, esqueceu o passado e quis viver o momento como se nunca tivesse de dizer adeus.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

ENCONTRO COM UMA MULHER SÓ

4 – Amor para sempre

No domingo e ao contrário do que era habitual, Maria Fernanda ficou a dormir até tarde. Todavia sentiu que a Mãe tinha espreitado e fechado cuidadosamente a porta, antes de sair para a habitual missa das dez horas. Todos os domingos eram assim, mas pela primeira vez Maria Fernanda ficara em casa.
Acordou com a Mãe junto à cabeceira e que com um gesto de carinho lhe acariciou os cabelos desalinhados, segredando:
- Então, ontem tiveste uma noite em cheio, nem me lembro de alguma vez ter reparado que a minha filha chegou a casa depois das sete horas da manhã. Não me atrevo a perguntar onde estiveste, és mulher e não mais uma jovem adolescente. Espero e estou a ser sincera, que te tenhas divertido. Vejo-te um ar feliz e isso faz-me bem.
Maria Fernanda nem queria acreditar no que ouvira. Manteve o sorriso e retribuiu a carícia que recebera.
A Mãe não lhe voltou a tocar no assunto e ela também não.
À noite, durante o jantar, a Mãe contou os desabafos e segredinhos que ouvira das três amigas, que tinham aceite o convite para tomar o chá. Calcula tu, acrescentou, que a D. Lurdes foi consultar um quiromante, parece que foi assim que ela lhe chamou, para confirmar se o Marido lhe era fiel. Claro a resposta foi óbvia, o Doutor Faustino, coitado, cheio de reumático e a fazer oitenta anos, era um marido exemplar. E a D. Lurdes ficou muito feliz.
Maria Fernando riu e com o ar mais sério de que foi capaz, respondeu:
- Claro que a Mãe nunca teve dúvidas que o Pai lhe era fiel, pois não?
- Agora que perguntas isso, ele vai-me perdoar, houve uns tempos em que o achei não feliz que suspeitei de algum devaneio, mas não pensei mais no assunto. O teu Pai não era muito exuberante e não mostrava tudo. E tu herdaste essa personalidade. Ontem à noite, tive a prova disso. Maria Fernanda riu mas não comentou.
Como sempre fazia,foi consultar o correio electrónico e a agenda para segunda feira.
No meio das mensagens recebeu uma que, logo identificou.
Dizia:
- Ontem eu fiquei devedor pelo seu trabalho e credor da sua companhia. Acertemos as contas, gostava de a convidar para jantar no próximo sábado e depois, conversar à roda de uma bebida. Faço já o convite pois quero ser o primeiro.
Sei que tiveram uma agradável noite e imagino que algum colega lhe contou porque eu não pude estar presente. Poderemos falar disso, se estiver interessada.
Os miúdos estão na cama, eu sinto-me só e pensei em si. Pense também um pouco em mim.
Ricardo R.
Ela já tinha tido reuniões de trabalho com Ricardo, homem de meia-idade, elegante, muito gentil e educado, que apesar do olhar esquivo, notara nele uma vontade de ir mais além. Mas qualquer coisa o inibira. Talvez medo duma situação sentimental mal resolvida ou algum segredo que guardava.
Ela sonhava amar e ser amada, para sempre, um amor feito de entrega e de renúncia. Partilhando o corpo e a alma. Mas, uma voz interior segredava, cuidado!
Encolheu os ombros, sorriu e aceitou o convite, como um desafio.