sexta-feira, 19 de julho de 2019

QUATRO SONHOS - AMOR


 

                                         QUATRO SONHOS

                                             

                                             A  M  O  R

 

 

 

                                       A  CASA NA COLINA

 
9- UMA VIDA 

 

Luís regressou à casa da colina. Pela manhã, abrigado do sol que a amiga azinheira lhe dava, ficou, espreitando o movimento das máquinas ceifando o trigo. Viu homens e mulheres trabalhando desde o nascer até ao pôr- do- sol. E também, só nessa altura, regressava a casa.

Foram dias de melancolia e de angústia. Quase se dar por isso, o sol ia ficando mais fraco, sinal que o verão terminara e, também ele sentia que o Outono ia chegando.

Não conseguia dormir e começou e percorrer a casa restaurada mas que ainda guardara móveis antigos. Uma arca de madeira encostada no vão de uma janela chamou-lhe a atenção. Sentou-se, abriu a tampa e foi encontrar fotografias e cartas que representavam a história de amor e de desespero de que Joana lhe dera sinais e o Manuel lhe contara.

Encontrou muitas fotografias que foi percorrendo desde o primeiro álbum até a carta de despedida dos infelizes Elvira e Jorge.

Luís tremeu, compreendera a ligação de Joana com as ruínas da casa da colina e isso foi a mais um passo para uma noite perdida. Sem dormir e sem comer.

Quando as forças lhe começaram a faltar, deixou de fazer a peregrinação até à árvore e foi ficando sentado na beira da cama. Fechava os olhos e imaginava ver Joana a cuidar da Elvira e do Jorge, o casal que ali vivera os últimos anos de uma vida sofrida.

As sombras queriam contar a história de amor mas ele já a conhecera. Ela estava escrita em cada parede.

Sentiu que as mãos começaram a tremer e os olhos cansados. Era tempo de se despedir. O verão terminou, o Outono aproximou-se trazendo as nuvens em que se iria perder. Reunindo as últimas forças, arrastou-se para uma mesa, sentou-se e escreveu o seu fim.

 

 “ Meu amor,

Eu vivi os melhores dias da minha vida infeliz, partilhando os nossos corpos. Não esperava, nem nos meus raros momentos de esperança, poder sentir de novo o calor do corpo duma mulher, ardente e apaixonada.

Sofri com a tua partida que, todavia já receava.

O teu irmão contou-me histórias da tua vida. Depois, encontrei fotografias, tuas, da Dona Elvira e do Senhor Jorge. Agora percebo a história de amor que me quiseste fazer sentir. Amor e dor. Mas dor é algo que eu já carrego.

Mas eu quero acreditar que sou capaz de enganar a noite que se cerra sobre a minha vida, e ver-te abrindo os braços como uma promessa de amor. Um minuto basta-me!

Sonho meu, tu és a vida e eu ficarei esquecido no pó que o vento irá espalhar pela colina.

Mas fui feliz. Valeu a pena.

Eu acredito que, um dia, irás voltar à casa da colina. Nesse dia pensa em mim, naquele náufrago que um dia encontraste.

Meu amor, minha loucura, minha deusa, ADEUS.”

 

Num último esforça arrastou-se para debaixo da azinheira, da sua azinheira. Deixara de se alimentar, Para quê pensava? A morte já vem a caminho.

E foi no crepúsculo dum dia de Outono que sentiu que um vulto caminhava na sua direção.

No último gesto, reunindo as poucas forças que lhe restavam deu um passo em frente e gritou JOANA! As pernas não responderam ao seu grito e caiu. E foi o fim.

 


 

terça-feira, 16 de julho de 2019

QUATRO SONHOS- AMOR


 

 

                          QUATRO SONHOS

 

 

                                                        A M O R

 

                                     A CASA NA COLINA

 

8 – OUTONO

 

 

Entretanto ao cair da noite de Domingo o Joaquim levou-o a uma outra aldeia, onde Manuel o aguardava.

Comeram quase em silêncio depois saíram sentaram-se num cadeirão, encostado à parede e virado para o horizonte e começaram a fumar.

Luís experimentou acender o cigarro, sem resultado, mais outro e acabou por desistir. Aquele encontro poderia ajudar a perceber o caminho mas…

Foi o Manuel que, fixando o olhar no Luís começou a conversa.

 

- Eu acredito que tem sido difícil este momento. Sei que sentiu o prazer e a alegria do verão, mas agora é preciso ganhar forças para enfrentar o Outono. Digo isto porque não terá sido fácil enfrentar que Joana partiu. Confesso que para mim não foi uma surpresa. E vou contar uma estória que talvez o ajude a conhecer o drama que minha irmã tem vivido e, espero, essa história lhe dê forças para esperar.

A casa na colina, como já percebeu teve uma ligação muito forte à minha irmã. Foi uma ligação de entrega, amizade amor e dor. Admito que ela se escondeu e que ande, perdida no meio de pessoas, duma grande cidade, vivendo o medo do futuro. Medo por ela mesmo, por recear não ser capaz de esquecer o passado que tanto a feriu.

 O Luís trouxe-lhe um novo alento, talvez não se tenha apercebido, mas Joana apaixonou-se e não foi capaz de reconhecer o amor. Fugiu, quem sabe, um dia voltará.

E para entender o medo da minha irmã, deixe-me contar uma história de amor, que se transformou em dor e sofrimento.

“ Quando o nosso Pai morreu, tinha eu quinze e Joana dezoito anos de idade, foi um choque que mexeu na nossa vida. Joana, estava em Lisboa no primeiro ano da faculdade de medicina. Fora sempre uma aluna exemplar, orgulho dos Pais que tudo fizeram para que ela seguisse o sonho.

Mas a vida é, por vezes, madrasta. Ainda não refeitos da morte do nosso Pai, e num espaço de algumas semanas, a minha pobre Mãe seguiu o mesmo caminho.

De repente o destino entregou a Joana a responsabilidade de garantir o nosso sustento e o futuro seria o que Deus quisesse. Mas o sonho da universidade ficou por ali.

Eu perdi-me, deixei-me levar por caminhos ínvios e ela encontrou-me, deu-me carinho e salvou-me.

Joana namorava desde os bancos da escola, com um colega, filho único de uma família considerada e toda a gente acreditava no casamento.

Também ele, Duarte é o seu nome, seguira para Lisboa mas escolhera outro caminho.

O destino pode trazer felicidade e dor. E Joana recebeu, apenas, dor.

Duarte que conquistara o seu coração não era o homem certo. Joana regressou a casa e ele continuou em Lisboa, depois no Porto, a fazer ela não sabia o quê.

Os Pais do Duarte eram pessoas simples mas com algumas propriedades. Tinham a casa onde viviam, uma casa grande nos arredores de Beja e uma pequena casa, esquecida no cimo dum monte.

O filho regressou a casa, perseguido por credores de dinheiro que gastara no jogo e no consumo de droga. Pagar era uma questão de vida ou de morte. Obrigou o Pai a vender as melhores terras, a melhor casa e apenas lhes deixou a casa da colina. Entretanto desapareceu.

Joana tinha por hábito subir até a casa da colina. Para ela era o momento de fuga aos desgostos que a vida lhe reservara.

E foi numa dessas visitas que encontrou os Pais do Duarte que não lhe souberam esconder que com eles apenas tinha levado os desgostos, a pobreza e a doença.

Joana investiu algumas, pequenas, poupanças e assegurou condições de vida para aquele casal.

Entretanto a doença da Dona Elvira agravou-se e foi internada no Hospital de Beja. Numa das visitas o médico chamou Joana de parte, dizendo-lhe que o hospital pouco poderia fazer por uma doente, sofrendo de uma doença sem cura, apenas era sujeita a cuidados paliativo e que chorando pedia para voltar para casa. E eu, digo-lhe, não apenas como médico mas como ser humano, que ela terá um fim menos doloroso, em casa, junto das pessoas que ama.

 

O marido, o senhor Jorge, olhou para Joana e com os olhos rasos de lágrimas, pediu ajuda. Joana abriu os braços e disse sim. Para aquela pobre família destruída, passou a ocupar o lugar da filha que eles haviam sonhado.

Foi assim durante mais de cinco anos, até que um dia, a minha irmã foi a Beja levantar a medicação, e voltou a correr para a casa da Colina. Sentiu um pressentimento, lembrou-se do beijo que o Senhor Jorge lhe dera quando ela montara a motocicleta para ir a Beja. Sim o calor do beijo tinha um sabor de despedida.

Conduziu com a máxima velocidade que a motoreta lhe permitia, subiu a encosta e entrou na casa da colina.

E o pressentimento transformou-se em realidade. Na cama jazia a Dona Elvira e deitado a seu o marido que a decidira acompanhar na última viagem.

Na pequena mesa do quarto Joana encontrou a nota Jorge escrevera antes de pôr termo à vida e que dizia:

 

 

“ Joana:

Do fundo do coração obrigado por tudo o que nos deste. Foste a única alegria que vivemos depois do abandono a que por amor tivemos de enfrentar, Tu foste a luz, o riso e a alegria para dois velhos cansados. Mas tudo tem um fim. Vamos fazer a viajem com um ultimo pedido. Se o nosso filho, Duarte aparecer pedindo ajuda, em nome de Deus dá-lhe o teu abraço. Não chores, tu mereces ser feliz.

Adeus

Elvira e Jorge.”

Manuel acabara de contar a história da casa na colina. Uma história de amor que ficara gravada no coração de Joana e permanecia viva em qualquer canto daquela casa. Olhou para Luís e rematou:

- Luís percebe a razão por que Joana se escondeu?

Luís acenou o sim e afastou-se.

Ficou perdido entre a esperança do reencontro e a dor esquecimento.

Decidiu que a casa da colina seria o seu lugar. Talvez Joana voltasse com o Outono.

 

 

 

sábado, 6 de julho de 2019

QUATRO SONHOS - AMOR


                       QUATRO SONHOS

                              A M O R

                       A CASA NA COLINA

6 – ANGÚSTIA

 

Luís leu e releu a carta. A despedida não fora uma surpresa, ele já pressentia que o sonho morrera. Era o fim que receava pois com os seus problemas, o seu destino ligado a uma doença sem cura, nada poderia oferecer a alguém tão carente e desiludida da vida como Joana se mostrara.

Também porque percebera que Joana teria uma história de amor destruído, quase adivinhava, a Casa na Colina fora palco da angústia que a carta de Joana denunciava.

Joana partira deixando-o mais ferido do que alguma vez poderia pensar.

Nos momentos em que se entregou sentia que o corpo de Joana lhe despertava desejos de resistir. De lutar até ao fim.

A mensagem que Joana lhe deixara podia ser entendida como um convite a partir e deixar a casa.

Sentiu que o destino o empurrava de novo para a casa da colina. Era o lugar que escolhera para esconder as suas dores, as suas angústias e quase se esquecera no turbilhão de sentimentos em que se deixara cair.

Pois bem, iria continuar o sonho e, quem sabe, talvez viesse a encontrar a paz.

Vivera quase sempre só. O seu casamento fora um erro e durara pouco tempo. Depois o seu tempo passara-o entre o trabalho, solitário e sem futuro e um ou outro encontro ocasional, e o prazer de fumar, cigarro após cigarro enquanto sentado num banco de jardim, assistia ao movimento apressado de pessoas que não conhecia.

Agora era tempo de se olhar no espelho e ver um rosto magro, triste, respirando a angústia que o fim se aproximava.

Decidido, acertou os pormenores com o ajudante do Manuel, embalou as suas coisas e voltou a subir a colina. Enquanto caminhava sentia renascer a esperança. Afinal, fora lá que encontrara Joana, fora na colina que se deixara enfeitiçar. E pela primeira vez acreditou que seria lá que se encontrariam de novo ou se perderiam para sempre.

Cheio de energia começou a penosa subida. Foi descansando ao longo do caminho e já o sol estava no seu zénite quando chegou ao destino. Descansou um pouco e entrou em casa, ainda com alguma desconfiança.

Mas encontrou uma grande diferença. Não precisaria mais de dormir ao relento pois a casa estava limpa, pintada e até tinha meia dúzia de peças de mobiliário já antigo.

O Joaquim transmitiu-lhe o recado do Manuel:

- O meu patrão disse que os trabalhos que pediu já foram executados. A casa já tem luz e água canalizada. Também vai encontrar roupas de cama, móveis de cozinha que a Menina Joana já havia encomendado. Ele garante que o senhor irá gostar da sua nova casa.

 Ah e já me esquecia de lhe dizer, O senhor Manuel gostaria de jantar consigo na próxima noite de domingo. Eu virei buscá-lo se estiver de acordo.”

Luís concordou.

Ficou sentado a ver o sol que se punha no horizonte. Estava agitado e não conseguia fechar os olhos.

Pensava que se voltasse para a cidade poderia deixar que Joana continuasse a viver a sua vida. Afinal, pensava, “terei eu sido egoísta e pensar só em mim e trazer a inquietação a quem não a merecia?

Pela noite dentro, sentiu que estava perdido. Ou partia ou ficava?

 Não conseguiu dormir. Levantou-se para ver o nascer do sol e ficou admirando a cor das searas, prenúncio de que a época da ceifa se aproximava. E com ela, talvez Joana regressasse.

A colina seria do ponto de encontro. Ele esperaria porque, agora acreditava, o amor é uma coisa maravilhosa e um dia iria ver Joana subindo a colina.

 

terça-feira, 2 de julho de 2019

QUATRO SONHOS -AMOR


                       QUATRO SONHOS

                              A M O R

                       A CASA NA COLINA

 

 

6 – NÃO, NÃO É UM ADEUS

 

 

Durante alguns dias o relacionamento entre os dois passou a ser menos envolvente. Era uma situação confusa, parece que nenhum queria dar o passo em frente.

Luís começou a caminhar pelos campos, seguindo os carreiros que Joana lhe tinha ensinado. O livro que sempre o acompanhava ficava por abrir, o caminho por entre as árvores passou a ser o lenitivo para as suas mágoas. Abraçava as árvores, acariciava as flores campestres que encontrava no caminho, num momento de libertação e reconhecimento pela natureza.

Voltou à sombra que escolhera, sentou-se encostado ao velho tronco, e foi assaltado pela dúvida. Afinal o que se estaria a passar na sua vida, perguntava-se:

- Como é que tudo começara, e porque se encontrava, agora, só e perdido?

- Afinal ele queria encontrar um local, para viver só, com os seus medos e angústias. Mas o destino, quando nada esperava, levou-lhe ao encontro, uma mulher, ainda jovem mas com uma forma de estar na vida tão diferente, que o perturbava. Sentia que Joana escondia sentimentos de dor e a sua solidão teria alguma coisa a ver com um desgosto de amor. Porque percebera que ela era uma mulher que se dava e se escondia dum momento para o outro. Como se a paixão fosse qualquer coisa que lhe despertasse sensações, que queria esquecer. Joana vivera um sonho de amor, só podia ser, e algo correra mal e a fizera descrer. De repente deixara o sonho de amor e ficava com medo.

Estava perdido num labirinto de paixões. Desejava Joana com todas as forças de que ainda era capaz e estava disposto a enfrentar o futuro, mas seria justo prometer algo que não se tem a certeza de poder cumprir?

Mas, num dia igual a tantos outros, Luís encontrou Joana, despida e deitada na beira da represa coberta de flores, oferecendo o corpo ao calor do sol. Parou, ficou sem palavras mas… palavras para quê, perguntava-se?

Despiu-se e foi anichar-se junto ao corpo que se lhe oferecia.

E foi mais um momento em que a paixão os fez esquecer o passado e mais uma vez se entregarem.

Os corpos suados, esgotados naquele momento em que de novo esqueceram o mundo e sararam algumas feridas, deixaram a marca das unhas cravadas com raiva e desespero. 

Ficaram estendidos, em silêncio.

Regressaram a casa. Joana lembrou que as obras de recuperação da casa já estavam a decorrer e, talvez fosse aconselhável ver se tudo responde aos seus desejos. Entretanto, com a chegada do calor de Julho que já se aproxima, começarão os trabalhos nas searas. Também para mim.

Luís percebeu que Joana lhe dizia para partir. Mas, para ele, partir era morrer um pouco. Sentiu que estava a mais. Nunca mais se atreveria a sonhar. No fundo, sabia que uma vez terminados os trabalhos da sua casa, a sua vida e a sua relação com Joana teria um novo sentido.

Ao voltar de mais um passeio, encontrou a mensagem que Joana deixara sobre a mesa.

Hesitou, mas começou a ler.

 

“Luís o que vou escrever não é uma carta de despedida, nem um adeus.

Mas preciso de dizer.

Vivemos momentos em que o desejo, tanto tempo reprimido, venceu a razão. Mas acredita que me entreguei com toda a paixão que fui deixando crescer desde que te conheci. Mas não leves a mal o que eu disser, porque na verdade eu ainda não enfrentei os meus fantasmas. Fazer amor contigo, foi como um grito, que precisava soltar, mas continuar esta relação pode ser doloroso para ambos. E eu já sofri mais do que merecia.

Deixei morrer os meus sonhos, o amor foi uma ilusão passageira. Fiquei só.

 O nosso encontro pode ter sido uma partida da vida. Juntar duas pessoas em ruína física e mental é cruel. Mas também pode ter sido uma esperança.

Preciso de encontrar o meu caminho sem sombras, sem dúvidas, por isso decidi partir sem destino e sem prazo.

Não penses que eu fugi de ti, pensa antes que uma pausa poderá ser bálsamo para as minhas feridas.

Acredita como eu, talvez algum Deus me arraste de novo para os teus braços, pois eu sei que sempre te irei amar.

Adeus, não te esqueças de mim. Vai visitar a casa na colina, talvez numa sombra, num raio de sol, num recanto escondido, venhas a encontrar a alma daquela casa. E se sentires esse sentimento, vê bem, talvez a alma seja a minha.

Joana”