domingo, 30 de outubro de 2011

ENCONTRO COM O DESTINO






                                       Mário Cesariny


4 – A NOITE

Na véspera da data da consulta, Bárbara estivera de serviço de urgência e chegou a casa pelas nove horas da manhã. Tinha acordado que a Mãe estaria pronta e tomariam um táxi para o Hospital.
Mas chegou tarde, muito tarde, encontrou a Mãe deitada desiludida e vencida. A sua respiração tão fraca e entrecortada parecia um fino raio de luz, prestes a fechar. Ao seu lado na cama, uma caixa de cartão entreaberta mostrava fotografias, cartas, recortes de jornais e percebeu que aquela caixa guardava os segredos duma vida.
A Mãe tinha os sinais vitais muito débeis e não regia aos estímulos que ela, desesperadamente, aplicava. Por entre lágrimas e desespero chamou o INEM e a ambulância com uma unidade de suporte de vida e técnicos competentes seguiram para as Urgências Hospitalares. Quando deu entrada no Hospital já estava em coma.
Esteve assim durante uma semana, sem registar qualquer sinal de esperança. Bárbara sentada junto à cama, acariciava o rosto da Mãe enquanto se perguntava como era possível que ela soubesse tão pouco sobre o passado?
A Mãe fora a companheira mas apenas lhe falara do presente e com os olhos brilhando sobre o futuro. O passado não existia, parara quando Bárbara passara a ser o presente. Agora com a Mãe ausente dava-se conta de que pouco ou nada sabia sobre a mulher que lhe dera a vida. Nem familiares, nem amigos, a Mãe apagara tudo da memória. Durante as férias passavam mais tempo juntas e Bárbara ainda criança interrogava a Mãe sobre coisas tão simples como simples era o que ouvia contar aos colegas. A Mãe ficava absorta e respondia que um dia ela iria perceber. Mas não valia a pena conhecer o que nem sequer era importante.
 Da vida, dizia ela, devemos guardar tudo o que nos toca, todas as alegrias, todas as certezas e sobretudo guardar o Amor de quem nos quer bem. O resto são pedaços, imagens e vagas recordações que se perderão ao longo do caminho. Olha para o sol como brilha, a beleza da chuva quando responde aos gritos da terra ressequida, o brilho das estrelas nas noites de lua nova, o canto das aves anunciando a Primavera, o desabrochar das flores, os campos verdes e as árvores oferecendo os seus frutos. Essas imagens são a vida que a Natureza nos dá e é disso que devemos encher o nosso coração. O resto é como uma nuvem que o vento acabará por dissipar.
E foi com estas imagens bem presentes que Bárbara deu acordo a que a máquina fosse desligada. Cumpria o pedido que a Mãe lhe fizera, muitos anos atrás, deixá-la partir como um sopro que se apaga. Madalena Lopes fora vítima, bem antes dos cinquenta anos de idade, de uma doença fatal e para a qual não havia cura.
Com a máquina desligada, Bárbara ficou só, como se esperasse um milagre. Caminhou uns passos até à janela do quarto, viu uma estrela isolada, perdida na imensidão do céu.  Esteve assim até que o corpo da Mãe fosse transportado para a casa mortuária. Depois foi executar as últimas vontades. A cremação e as cinzas deitadas no campo, debaixo de uma oliveira ou de um sobreiro.
Voltou à casa vazia, fria despida de recordações. Guardou a caixa onde a Mãe fechara os seus segredos. Um dia, iria abrir e como na Caixa de Pandora tinha a convicção que só encontraria dor, sofrimento e quem sabe uma réstia de Esperança.
 Ficou perdida e tomou então a decisão que iria mudar toda a sua vida. Nada a prendia ao lugar onde nascera. Precisava de partir. Mas, para onde fosse, teria que cumprir o sonho e agora já não tinha dúvidas, iria dedicar-se à Investigação Médica.
Andou á procura e passados seis meses recebeu uma proposta que respondia aos seus desejos. Fora admitida como bolseira no Instituto de Investigação em Seatle, na costa do Pacífico dos EUA. Aceitou, iria seguir o seu caminho de coração vazio e levando como bagagem principal a caixa onde a Mãe guardara as suas memórias e que ainda não tivera coragem para abrir.
  Tinha vinte e cinco anos de idade, e estava só. Era tempo de começar a viver.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

ENCONTRO COM O DESTINO






                                                 Maria Helena Vieira da Silva

      
3 – TEMPO DE TEMPESTADE

Madalena regressou a casa com a alma em pedaços. Parou na esquina da rua para poder limpar as lágrimas e recuperar um pouco do sangue frio. Sabia que Bárbara já estava em casa e não queria partilhar com ela a dor que a consumia. Acalmou os nervos, entrou e seguiu logo para a cozinha. Começou logo a preparar uma sopa e como era habitual descascou uma cebola para juntar aos restantes legumes. Só depois foi ao quarto da filha para lhe dar o beijo habitual.
Bárbara estava sentada estudando, deu pela Mãe, levantou os olhos e perguntou:
- Mãe porque choras?
Madalena cheia de coragem respondeu: - Chorar filha? Que ideia, tenho os olhos vermelhos porque a cebola que estive a preparar para a sopa era muito ácida e olha, o que me fez. Vá quando o jantar estiver pronto eu chamo.
Voltava para a cozinha quando ouviu a filha perguntar;
- Mãe diz o que se passa, hoje nem me perguntaste como correu o meu dia, e eu acho isso muito estranho?
- Nada, não se passou nada apenas tenho que ir vigiar o fogão pois deixei a sopa ao lume e tu sabes, os legumes não devem ser muito cozinhados. Depois falamos.
Com determinação lavou o rosto apagando os sinais das lágrimas e disfarçando as rugas de preocupação. Quando entrou na cozinha encontrou a filha sentada olhando-a com ar angustiado.
Não podia deitar tudo a perder, agora que a filha se aproximava do final do curso. Acreditava que conseguiria esconder o segredo ainda que tivesse que mentir. E foi o que fez.
Sentou-se junto da filha e contou:
- Tu percebeste, eu estava transtornada. Hoje o trabalho não correu bem e o chefe foi muito duro nas críticas que me fez. Ele está habituado que as mulheres lhe dêem atenção e eu não o fiz. Como represália transferiu-me de secção e isso significa ganhar um pouco menos.
- Mãe fez bem e eu orgulho-me ainda mais de ti. Uma mulher não tem que se sujeitar, tem de afirmar os seus direitos. Quando ao dinheiro, como eu irei começar a tirar a especialidade, terei algum tempo disponível e poderei dar explicações aos novos alunos. Portanto nós, como tu dizes, vamos conseguir.
Todavia no ar ficou a pairar uma nuvem. Bárbara não acreditava na versão que a Mãe lhe contara e começara a ficar preocupada. Olhava cada gesto, os sorrisos forçados, a falta da alegria que a Mãe sempre lhe demonstrara. Havia qualquer coisa mas não sabia a razão duma alteração tão profunda do temperamento de uma mulher lutadora, alegre e destemida que conhecera para uma mulher frágil, triste e abatida que agora via.
Foi-lhe difícil convencer a Mãe a ir ao Centro de Saúde para ser consultada. Havia sempre algum impedimento, porque o trabalho na fábrica estava atrasado, porque não podia faltar e porque se sentia bem, apenas um leve mal-estar pela mudança da idade.
Mas Bárbara não precisou de ouvir mais desculpas esfarrapadas. A Mãe estava doente e andava a trabalhar onde e em que condições ela não sabia. Mas ela já percebera  que a fábrica tinha fechado.
 Todavia a ida à consulta acabou por ser tempo perdido. A Médica, uma estagiária inexperiente, fez uma auscultação apressada, diagnosticou cansaço e stress e recomendou descanso e umas vitaminas. Madalena saiu do gabinete médico e comentou com a filha:
- Vês como eu te disse a Médica acha que eu estou bem. Só preciso de tomar umas vitaminas e marcou nova consulta para daqui a três meses, antes do início do Outono.
Bárbara sofreu uma desilusão. Afinal ser médico não era o que pensava. A colega que vira a Mãe não passava de uma funcionária que pouco importância dera ao doente e nem identificara os sinais que até ela reconhecia preocupantes.
A Mãe não contara à Médica toda a verdade mas esta também não quisera sequer perder tempo a pedir exames e análises laboratoriais.
Bárbara passou a vigiar a Mãe e assustou-se. Via a perda de peso, a cor baça dos olhos, mãos trementes e descarnadas, não eram um bom sinal. Algo de grave estava a consumir vertiginosamente a vida da Mãe.
Conversou com um professor em quem confiava e marcaram nova consulta, agora no Serviço do Hospital Central. Até lá Bárbara olhava com apreensão, as nuvens que anunciavam uma tempestade.


quarta-feira, 26 de outubro de 2011

ENCONTRO COM O DESTINO

                                    Claude Monet

2 – TEMPO DE BONANÇA

 A Mãe fora empregada doméstica, mulher-a-dias, trabalhara na limpeza dum Hospital e por fim, conseguira após muita persistência, muita energia e alguma sorte, um lugar de operária numa fábrica de componentes electrónicos que havia começado a laborar perto de casa. Estava finalmente feliz, fazia um trabalho rotineiro mas muito exigente em concentração e destreza manual. O salário não sendo muito elevado, era compensado com as inúmeras horas extraordinárias que, perante encomendas urgentes todas as funcionárias tinham de fazer. E ela que sempre se habituara a dar o máximo do seu esforço encarava o facto com satisfação.
Terminado o último ano do Liceu, sempre com as mais elevadas notas, Bárbara só se candidatara à Faculdade de Medicina, por imposição da Mãe. Ela que assistira à luta, ao trabalho duro que a Mãe sempre enfrentara, achava que era tempo de ajudar. Queria trabalhar de dia e inscrever-se num curso nocturno que lhe desse  uma oportunidade de trabalho. O sonho de cursar medicina, que a acompanhava desde as brincadeiras de criança, seria esquecido.
Mas a Mãe recusara e dissera,com a voz embargada, que a filha não tinha o direito de lhe roubar a esperança e a razão de viver. Toda a vida trabalhara para garantir que o futuro de Bárbara seria a concretização do sonho de criança. Nem mais nem menos frisara, pois enquanto eu tiver força e tu a vontade, conseguiremos.
A habituação de Bárbara à vida na Universidade não foi fácil. Morava longe, tinha que apanhar três transportes públicos antes de chegar ao Hospital de Santa Maria.  Saía pela manhã ainda escura e voltava pela noite dentro. Todo o tempo livre que tinha durante o dia, era tempo de estudar até os minutos para uma parca refeição. Só a sua força de vontade e a sua grande capacidade de concentração e trabalho lhe permitiam manter um  excelente comportamento escolar. As horas que passava nos transportes, era o único período em que se olhava a si mesmo, pensando no presente e imaginando o futuro. 
Concorrera a uma bolsa de estudo, tinha manifesta debilidade económica e, em contrapartida era uma excelente aluna. E a bolsa foi-lhe concedida. Foi com mal contida alegria que contou à Mãe, o valor da bolsa era uma ajuda importante e Bárbara pediu que a Mãe aliviasse o seu trabalho, contratando ajuda para as limpezas semanais e tratamento da roupa. Mas a Mãe rejeitou a sugestão. E foi muito determinada na resposta.
Foi um período em que tudo se conjugara para que Mãe e Filha estivessem no caminho certo. Bárbara entretanto fizera amigos com quem estudava e com eles, só muito ocasionalmente saía para a noite, nunca escondera da Mãe as amizades mas, sem perceber porquê, nunca passaram disso mesmo, amizades.  
Os anos iam passando, Bárbara mantinha o mesmo empenho e dedicação ao estudo e depois de muitas horas mal dormidas, de muito trabalho o objectivo estava à vista. Tinha vinte e quatro anos de idade, sentia-se realizada e o entusiasmo era tanto que nem dera que a Mãe tinha voltado a viver tempos difíceis.
A Indústria Automóvel, principal cliente dos componentes electrónicos foi-se deslocalizando para o Oriente. Salários ainda mais baixos, horários de trabalho sem controlo e a proximidade dos mercados consumidores, levaram ao progressivo encerramento das fábricas em Portugal e consequentemente ao declínio da actividade da fabricação de componentes.
E assim, após cinco anos de trabalho na fábrica, Madalena Lopes, fora chamada ao serviço de Pessoal.
Ela sabia o que isso representava, já se tinha passado com outras colegas, mas tinha uma ténue esperança, fosse apenas um período de acalmia por diminuição de encomendas. Afinal era mais grave. A Empresa ia encerrar.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

ENCONTRO COM O DESTINO

                                                        Amadeo de Souza-Cardoso



1 – O DIA SONHADO

Era um dia diferente, um daqueles que marca uma vida e nunca mais se esquece. Barbara, tremendo de emoção conseguiu chegar à primeira fila para consultar a lista com as candidaturas aceites para o ingresso na Faculdade de Medicina. Ficou parada, sem reacção. O seu nome, simplesmente Bárbara Lopes, era o primeiro de uma lista com nomes mais sonantes, que cheiravam a dinheiro e a poder. Ela fora apenas a primeira classificada e tinha um nome tão plebeu como na realidade era.
Tinha dezoito anos de idade e transportava todos os sonhos de uma jovem. Conseguira, valera a pena tantas horas de estudo porque o caminho que sempre almejara estava agora aberto, e ela não podia deixar de o percorrer. Era o sonho da sua vida e o presente que devia à Mãe.
Correu para casa, precisava de abraçar a Mãe, compartilhar a alegria e o sentimento era tão forte que não cabia numa mensagem ou numa conversa de telemóvel. Ela sabia que aquele momento teria que ser vivido nos braços de quem lhe dera ânimo e força para lutar.
Era filha de Mãe solteira, nunca conhecera o Pai e também nunca procurara saber do seu paradeiro. Para ela bastava o olhar da Mãe, olhar sofrido e determinado mas que lhe dava todo o carinho. Era Mãe, confidente e a sua melhor amiga.
No caminho para casa foi revivendo alguns passos da sua vida. Bem que precisara da força da Mãe, porque na escola pública que frequentara era alvo da crítica das colegas e muitas vezes vítima de brincadeiras que deixavam marcas. Mas a Mãe sentia o seu estado de espírito, muitas vezes de revolta, mas sempre a encorajara e enfrentar os desafios.
Dizia-lhe que as brincadeiras de mau gosto só a atingiriam se ela lhes desse importância. Teria que ser forte deveria enfrentar os colegas de olhos nos olhos.
Bárbara nunca se julgara uma rapariga muito bonita, quando se comparava com colegas da mesma idade. Apenas porque não cativava os rapazes. Envergonhada, escondia-se atrás de uns óculos fora de moda e era muito conservadora no vestir. Todavia, sendo tímida e discreta, um olhar mais atento descobriria nela uns olhos verdes da cor do mar, o cabelo negro e longo preso por um laço fora de moda e um rosto bem desenhado. Ela fazia tudo para ser uma pessoa vulgar, passar despercebida mas na realidade era uma jovem muito bela.
Nascera e vivia numa urbanização perdida no meio do mundo de cimento, que a ganância dos construtores, apoiada na corrupção dos técnicos das Câmaras, haviam transformado a margem sul do rio. A sua casa, um modesto apartamento de três assoalhadas, que a Mãe comprara com as suas parcas economias e alguma ajuda que recebera da herança, aquando do desaparecimento dos pais, modestos agricultores no distrito de Beja, era o seu refúgio. Ali compartilhava com a Mãe as alegrias e dava luz ao sonho da sua vida. Ser médica.
Num bloco impessoal de apartamentos, onde os vizinhos mal se conheciam, se evitavam até, aquele pequeno espaço era quente e cheio de afectos e era nele que Bárbara queria abraçar a Mãe e murmurar, obrigada.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A RENDIÇÃO








Ai como me dói.
Esmagado pela realidade só me resta uma opção. Em vez da bravata, do grito de dor ou de revolta, tenho de reconhecer que o inimigo é muito poderoso, tem servidores cegos e é implacável.
Eu não soube ser o D. Quixote, faltou-me talento e bravura e por isso rendo-me, iço a Bandeira Branca. Quebrei lanças, atirei pedras mas acabei perdido.




Junto da bandeira da rendição entrego as armas pesadas, onde fui buscar, talvez desajeitadamente, a estratégia que segui.


John M. Keynes










                                                                                                                           Paul D.Krugman
                                                                                                       
                                                                 
E assim acabou um capítulo da minha vida, com mais uma derrota que deixou marcas.
Dei por mim só, cada dia mais só e olhando para o meu futuro que é já ali amanhã. Quero esquecer os sonhos de um mundo melhor, aquela utopia cada vez mais longínqua e apagar todos sinais de esperança que ainda traga agarrados ao corpo. Vou esfregar tudo para que nada reste.
No final ficarei despido e serei apenas o que restou de mim depois de lutar e ter perdido a guerra.
Não, não voltarei a falar de política, fez-me mal, fiquei agoniado e pior que tudo, desiludido. Deixei que a esperança morresse, apunhalada dia após dia por esbirros com armas afiadas e sem compaixão. Deixei de acreditar, até em mim e por isso hoje, desisto.
Será com a cabeça limpa, que tentarei retomar um percurso interrompido. Escrever uma história, outras histórias, de amor, de desamor, de paixão, de memórias.
 Apenas escrevi em rascunho a primeira página, as outras, bem as outras serão o que este corpo derrotado, esta mente esmagada, conseguirem salvar da hecatombe.






terça-feira, 18 de outubro de 2011

PIGS

Nem dei muita atenção a classificação que o mercado, essa coisa que nunca vi, até admito seja um Vírus fabricado nos Laboratórios de um centro financeiro em qualquer sítio, atribuiu aos Países do sul da Europa.
Não me senti ofendido porque, em contrapartida fui buscar exemplos de pessoas geniais e que, felizmente, nunca estudaram finanças, mas deixaram um legado que perdura, ao contrário dos analistas financeiros, das agências de rating, dos ministros das finanças sabichões, dos comissários europeus feitos à pressa, das sentenças da Senhora Merkel e do Senhor Sarkozy, etc. que apenas deixarão como testemunho da sua passagem por este mundo, uma pedra assinalando o local onde cometeram os crimes e enterraram os PIGS.
Estes serão apenas alguns dos que sobreviverão ao massacre.
E com eles nós estaremos sempre em boa companhia.




 ALEXANDRE                                         PLATÃO



 
ARISTÓTELES

                                                     SÓCRATES
GALILEU

                                                           DANTE

LEONARDO

MIGUEL ANGELO








CALDERON DE LA BARCA






CERVANTES
                        PICASSO                                                                                  LORCA




CAMÕES


VASCO DA GAMA
PADRE ANTONIO VIEIRA





FERNANDO PESSOA

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O DIA DO JULGAMENTO

Por vezes, mesmo sem querer, olho para o ecrã da Televisão, e dou com pessoas que presumo serão muito importantes, não sei porquê, mas alguém mais instruído do que eu, porque lhes deu a palavra, certamente saberá.
Ainda há dias vi e ouvi, um desses cavalheiros importantes, sem gravata, percebe-se agora que é para poupar energia, com uma cara que não sei se é de riso ou se é de gozo, a propor que todos os governantes que tomaram decisões erradas, que manipularam as contas e fizeram favores que agora temos de pagar, deviam ser chamados a prestar contas.



Naturalmente que esta ideia não deixa de me entusiasmar e por duas razões, a primeira e a segunda.
Mas se a ideia é de prestarem contas na Justiça, todos os presumíveis culpados esfregam as mãos, porque lá para o fim do século os eventuais danos terão, como é habitual, prescrito e os processos encerram mesmo antes de começarem.
Se tiverem que prestar contas no Parlamento, o lugar adequado para uma cena de circo, sendo que os elementos do Corpo de Intervenção, estariam distribuídos pelas bancadas para separar os contendores. Cheira-me até que, pelos exemplos que já vimos,  que voltaremos a assistir aos julgamentos feitos nos Tribunais da Santa Inquisição ou, mais atrás ainda, feitos na arena do Coliseu de Roma.

O Imperador para levantar ou baixar o polegar, absolvendo ou condenando, já existe no nosso ordenamento Constitucional, pelo que não haverá acréscimo de despesas.
Se eu fosse Ministro das Finanças aproveitava esta ideia, vendendo bilhetes para as sessões e negociando com as Televisões os direitos de transmissão. Presumo que a receita apurada daria para dar uma folga a um qualquer Ministério, porque não o da Cultura? (parece que não é Ministério mas também não sei o que é).
Mas atenção, o tal senhor com um sorriso ou riso esquisito, deve esquecer depressa o que disse ou atribuir a ideia a uma fuga de informação do SIED. É que com a sanha persecutória ao Sócrates ele se esqueceu de quanta gente conhecida teria de ser chamada a prestar contas. Por exemplo teria que ouvir o antigo Primeiro-Ministro Aníbal Silva, que governou durante dez anos, dez anos de fartote como se sabe; E o homem da Madeira, o nome já me foge; E o Portas para nos explicar quem ganhou com o negócio dos submarinos, nós não fomos estou certo; E o Soares que cometeu o disparate de nos levar para a União Europeia, quando nós devíamos estar integrados com os outros PIGS,



 na segunda divisão, juntamente com as democracias do Norte de África.
Com jeitinho e um programa adequado, tipo casa dos segredos, ainda iremos ver a prestar declarações, um velhinho de longas barbas, talvez mais de oitocentos anos de idade e que dava pelo nome de Portugal.
Mas descansem, “ Não havia necessidade” como dizia um conhecido comediante pois isto “ É SÓ FUMAÇA”, como disse ou outro artista.


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sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A SOCIEDADE PERFEITA

Não, este título não foi baseado em qualquer acontecimento mais ou menos mediático e recente que tivesse ocupado o espaço Televisivo entre uma e outra novela. Ou mesmo que tenha atirado alguma novela para fora do horário nobre, o que seria, praticamente uma manobra de contra-informação. Quero fazer essa declaração prévia, pois não quero ser acusado de ser um detractor da sociedade justa, que um rapaz, simpático e com boa voz, nos veio anunciar para o resto das nossas vidas.
Aliás, se eu tivesse tido conhecimento prévio do acontecimento, teria adiado a história que me traz hoje à vossa presença.
Os Deuses que presidiram à criação do mundo como o conhecemos deixaram alguns exemplos, que ninguém seguiu, incluindo a vida maravilhosa de uma Sociedade Perfeita.
Mas eles sabiam que uma Sociedade assim, não poderia ser deixada ao livre arbítrio do homem, sob pena de se transformar num paraíso para alguns e um inferno para a maioria. Se alguma coisa os Deuses sabiam era que não podiam confiar no homem. E como se vê no dia a dia, e ao longo dos anos eles tinham razão.
Mas onde é que eu vou nesta lengalenga, quando a Sociedade que eu quero dar como exemplo é a dos Insectos, mais concretamente a Sociedade das Abelhas.


Esta sim é uma Sociedade Perfeita e eu conheci muito bem.
Não é sequer preciso procurar na Internet ou consultar os sítios do Ministério da Agricultura, ou ir ao facebook do Portas quando era agricultor. Qualquer dos camponeses que ainda restam, perdidos nos confins deste interior cada vez mais distante de São Bento ou de Belém, sabe a vida das abelhas.
Sabem, por exemplo que são um exemplo de uma extraordinária organização. Em cada colmeia existem mais de 80  000 abelhas operárias e uma só chefe, a Rainha.
A Rainha é a mãe de todas as abelhas e é a única fértil. Pode coabitar com os machos que não trabalham, só se dedicam a colaborar na procriação. Findo o seu trabalho fogem ou são mortos pelas abelhas operárias.
Eu na casa onde nasci e vivi tinha algumas colmeias e assisti à operação de retirar o mel. Ela preciso abrir o cortiço, tirar alguns favos de mel que depois eram espremidos até se encontrar o mel, há quem diga, o mais completo dos alimentos, o alimento dos Deuses.
Eu aprendi a fazer essas operações, mas ia com máscara de rede, lenços amarrados ao pescoço, luvas que encontrasse e mesmo assim acabava por fugir, chorando com as picadas dos insectos, que me iriam transformar o corpo em chagas dolorosas.
O meu Pai não utilizava qualquer protecção e nunca me lembro de o ver picado. Dizia-me que as abelhas sabiam distinguir os amigos e os inimigos. E dava-me outro exemplo, do seu compadre, também António, que tratava das colmeias  e retirava o mel, com os braços e o rosto coberto de abelhas e nenhuma o picava.
Que o meu Pai pertencia ao grupo dos amigos eu não tinha dúvidas, desde que o vi, certa vez, pegar numa abelha quase afogada na água do tanque e com carinho, lhe dizer algumas palavras que não recordo, esperar que secassem as asas e ela pudesse voar.
Foi uma extraordinária prova de amor pelas abelhas o ser perfeito, duma sociedade perfeita.
Ele sabia que as abelhas operárias que faziam a polinização das árvores de fruto, que ajudavam a criar riqueza, viviam pouco mais de um mês, sempre a trabalhar e que na hora de morte iam morrer longe do cortiço, para não prejudicarem a cadeia de produção. Mas mesmo assim não ousou quebrar o ciclo da vida.
Oxalá os falsos profetas que mandam no mundo, não tenham informação sobre a organização da Sociedade Perfeita das Abelhas, caso contrário, lá teremos de ir morrer bem longe, para endireitar as contas do orçamento da saúde.
 As abelhas morrem ao fim de quarenta dias de trabalho, e nós? Quem é que quer viver para sempre?

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A FESTA

Contar uma história não é coisa fácil. E muito mais complicado quando se comete o erro de anunciar o que se quer fazer. E logo falando em aniversário toda a gente esfrega as mãos a pensar, temos festa.
Já deviam ter aprendido, pois ouviram ao longo da vossa vida anunciar tantas histórias de sucesso, tantas promessas de amanhãs risonhas, que se vieram a transformar em pesadelos, que deviam desconfiar.
 Eu vou contar uma história, bem antiga, que quase perdi nos caminhos da vida. Será uma história de crianças e será o meu contributo para a festa. Acredito nessas histórias, nas nossas histórias, porque nelas, nunca fomos traídos.
A casa onde nasci e vivi, era uma casarão no meio de uma encosta da serra, com vistas deslumbrantes para o vale e ao longe, o horizonte que escondia promessas dum mundo melhor. A casa tinha um terreiro, que foi palco de festas e casa de visitas de tantos amigos e por isso é o elemento central das minhas memórias. Ali, pequeno e descalço, aprendi a puxar uma carrocita que o meu Pai fizera com um caixote e umas rodas de madeira, e onde a minha irmã mais nova, agarrada a um gato marelo e branco com um nome invulgar, chiribiri, tinha o privilégio de se sentar e conduzir o irmão que a devia puxar, feito burro. Mas teimoso como era, o irmão, o burrito, não cumpria as ordens e ficava parado ou então corria tão depressa que o caixote se virava e a pobre miúda ficava estendida a chorar, com quanta força tinha, porque sabia que a vingança não tardaria. E o irmão acabava por levar umas valentes palmadas.
 Alguns anos depois, não muito, o meu universo ficou mais reduzido. A minha companheira de diabruras e brincadeiras foi para a cidade, para uma casa melhor, moderna, com todas as condições, coisas da vida, mas partira com lágrimas e deixando a saudade do irmão, seu companheiro de tropelias.
 Aquele terreiro que me traz tantas memórias foi onde aprendi a jogar à bola com um primo que já partiu, acabando os jogos sempre em discussão pois ele era mais forte, ganhava e eu não gostava de perder Aparecia o árbitro, normalmente a minha Mãe e dava o jogo por terminado. Pelo menos naquele dia.
Era bonito o terreiro onde cresci e brinquei. Num canteiro acompanhando uma das paredes da casa, cresciam rosas bravas, vermelhas como o sangue. Em cada uma das extremidades, num outro canteiro redondo, havia violetas em flor rodeando bonitas oliveiras. Por cima da porta de entrada, uma armação de madeira construída pelo meu Pai, onde se espraiavam as vides, as folhas e os cachos de uvas e nos dava a sombra nos dias de verão.
Eu recordo ainda hoje, as noites quentes do Alentejo, em que, apesar do cansaço, o calor não convidava ao leito. O meu Pai que se estirava num muro, olhando as estrelas e, penso, pensando as suas histórias; a minha Mãe cansada de tanto trabalho, ela que foi sempre a âncora da família, que albergou na nossa casa todos os que dela precisaram e a quem nunca soube dizer não; a minha irmã mais velha, que por isso foi a mais sacrificada a trabalhar, e apesar disso nunca perdeu a alegria a beleza e os sonhos; e eu que me imaginava conquistando o mundo a golpes de espada, desafiando inimigos e cortejando donzelas em perigo.
 A minha ideia para o texto de hoje era convidar para a festa todos os que naquele terreiro, brincaram, descansaram ou sonharam olhando o horizonte ou mirando as estrelas. Mas para além das recordações dos que já partiram, e esses estão sempre presentes, já só posso convidar dois que viveram aquele terreiro, naqueles dias tão distantes. A minha Irmã mais velha, mas só na idade, é por isso a guardadora das nossas histórias, a Irmã mais nova, a quem já perdoei as corridas que dei a puxar a sua carrocita. E o Irmão do meio, que chorou a escrever este convite.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

HISTÓRIAS ANTIGAS E DE SEMPRE

O tempo passa a correr. Quase não se dá por isso mas quando me olho no espelho, vejo os sinais que não deixam mentir.
Hoje, já esqueci o dia de ontem, e o de anteontem, descansei da novela Jardim, a ópera bufa nunca foi um dos meus géneros preferidos, retirei o som da Televisão e dei por mim deliciado a ver um desfilar de políticos, aspirantes, marionetes, fazedores de opinião, professores de economia, todos ou quase todos leram pelo mesmo livro, onde se falava de finanças e nunca de economia e assim estive divertido.






Voltei ao cinema mudo. É certo que nenhum dos actores tinha o talento do Charlie Chaplin ou do Buster Keaton, mas para um País pouco exigente como sempre fomos, qualquer palhaço de feira serve. Os verdadeiros palhaços, cuja profissão está em vias de extinção pois não podem competir com tantos momos desajeitados mas que se ajeitaram na vida, é que ficaram a perder. Nós já nem demos por isso.
Mas foi interessante, acreditem que foi. O que eles diziam não interessava mas os rostos, os meneios, o cenho franzido, o revirar dos olhos mostraram quão vazias eram as palavras e o que ficou foi uma radiografia completa. A nudez que ofende mais do que um filme hardcore. Eram bonecos articulados, comandados à distância por um trio de sabichões, que utilizando cada um o tradicional ponteiro, punham aquela fantochada toda a mexer, mas sem fazerem nada. A receita estava passada e agora eles, os figurantes, só decidiam se o acompanhamento seria ao som da viola ou com adufe. O acompanhamento fúnebre, bem entendido.
Com a cara tingida de preto, porque ainda tenho um pingo de vergonha, vou acabar esta incursão do universo do Animal Farm do Orwell.



No próximo dia treze de Outubro, faz um ano que publiquei o primeiro post, como agora se diz. Por isso, um ano, 260 textos e mais de 3 500 visitas depois, é tempo de pensar.
Quero continuar mas a fazer aquilo que mais gosto. Contar histórias.


sábado, 8 de outubro de 2011

HISTÓRIAS ANTIGAS E DE SEMPRE




Há dias em da alegria à tristeza basta um pequeno passo. E esse momento pode ser um relâmpago, um grito suprimido, uma criança com fome, um velho e remexer no contentor do lixo, um carro de alta cilindrada que passa quase atingindo o pobre homem, enfim coisas do dia a dia, cada vez mais do quotidiano de quem observa o mundo à sua volta.
Mas se é assim e afinal os dias continuam a ter 24 horas, o sol continua a nascer e a esconder-se, as pessoas continuam a sua lufa-lufa, correndo para o comboio ou fintando alguns condutores mais distraídos, para lhe passarem à frente, ganhando alguns metros do longo caminho que têm ainda de percorrer, o que é que mudou?
Parece tudo igual mas não é. São menos os carros a entupirem o IC19, mais gente a ocupar os comboios, mas as pessoas de olhos tristes e ausentes, não são deste mundo. Pelo menos do mundo que ontem viviam.
Hoje parecem zombies atordoados e vencidos. A vida roubou-lhes algo que nunca mais irão ter, a Esperança.
E não adianta olhar para os jornais, cada vez lêem menos e em casa quando regressam do trabalho, aqueles que ainda o conservam, deixam-se envolver pelas novelas onde as pessoas são bonitas, vivem amores e traições, prometem beijos e futuros radiosos.
Os serões são passados em silêncio, os Pais estão vergados às dificuldades, perderam a capacidade de lutar e entregaram-se. Os filhos, pequenos e grandes, crescem devorando jogos de computador e cada vez mais ficam sós, presas fáceis para desafios perigosos ou aventuras que não sabem como acabam.
E eu, que nasci e cresci pobre, numa casa sem água, electricidade, comendo do que a terra nos dava, as favas com a casca, as batatas cozidas só com sal, a açorda feita com pão duro e com poejos e um pequeno fio de azeite, que andei descalço, que assisti ao trabalho de sol a sol dos meus Pais e da minha Irmã mais velha, que com eles tremi de frio e suei de calor, o que é que tive diferente, ou melhor o que era diferente?
Não, o que era diferente daqueles anos do Estado Corporativo do Salazar e da Santa Madre Igreja, que condenou à miséria e à ignorância os pobres deste País, e este Estado Democrático em que vivemos, com eleições, com Deputados a defenderem o Povo, até, imagine-se, com um Provedor do Cidadão, que às vezes fala mas ninguém presta atenção pois ele não é nem nunca foi isento, agora que vivemos numa Sociedade nova, instruída mas com dezenas de milhares de jovens licenciados desesperando por uma oportunidade, que temos Bancos falidos, Bancos fantasma que encheram os bolsos a muita gente, que temos Hospitais, por enquanto, onde se circula por boas estradas, pontes, onde as pessoas têm uma duas ou mais casas, passam férias na praia ou na neve, que têm televisão e automóveis, a diferença resume-se a uma palavra, tão simples que só agora  lembrei. VERGONHA.
Quando eu era criança e mesmo adolescente, a palavra tinha todo o sentido, porque naquele tempo, ser pobre não era VERGONHA mas:
Ter VERGONHA era não cumprir os seus compromissos;
Ter VERGONHA era não querer ajudar outros mais necessitados;
Ter VERGONHA era pagar o que se devia e olhar os outros sem baixar os olhos:
Ter VERGONHA era entrar de cabeça levantada, numa loja de penhores, entregando alguns bens para arranjar dinheiro para solver os compromissos, quantas vezes para o pagamento aos trabalhadores;
Ter VERGONHA era dizer que éramos Portugueses, aos quais só era permitido viver de Futebol, Fado e Fátima.
E hoje, tantos anos passados qual o significado da palavra vergonha? Sim, mesmo assim em letra minúscula?
Será que é uma palavra conjugada só pela negativa? Acredito, é essa a grande diferença. Porque:
-Hoje o que é Lei é não ter vergonha;
- Não ter vergonha de roubar o que é de todos:
- Não ter vergonha de mentir e enganar;
- Não ter vergonha de aparecer como paladino da verdade e da honestidade quem tem muitas histórias por explicar;
- Não ter vergonha de enriquecer vendendo favores;
- Não ter vergonha de deixar que os ladrões de colarinho branco continuem a acumular fortunas aparecendo sempre que lhes cheire a banquete e prudentemente se refugiem numa qualquer offshore;
- Não ter vergonha de ser acusado de um crime de corrupção e sair em ombros e sob aplausos;
- Não ter vergonha de deixar proliferar tantas lojas a comprar ouro, a maior parte roubado e com cumplicidades nunca esclarecidas;
- Finalmente não ter vergonha é não ter escrúpulos de ressuscitar a caridade institucional.
Porque vivemos em Democracia, temos afinal tudo, Governo, Tribunais, empresários e ainda restam alguns trabalhadores,  mas não temos é um pingo de VERGONHA.
Ai quanto me dói ter memória!


quarta-feira, 5 de outubro de 2011

UM DIA COMO AQUELE DIA



De repente senti um impulso forte para escrever algumas palavras sobre o dia de hoje. E quis que o momento fosse partilhado. Fomos dois a viver e seremos dois a reviver. Foi assim, sem programa, mas logo reconhecemos que o que queríamos transmitir eram sentimentos, como a alegria, uma lágrima, um abraço, uma carícia, um brilho nos olhos que iluminou aquele dia, e não conseguimos encontrar as palavras adequadas. Apenas uma ficou, saudade.
Em vez de palavras, sentimos um perpassar em jeito de slide contínuo, de imagens daquelas pessoas que já partiram. Mas também as imagens ainda estavam gravadas na nossa memória. Voltámos a ver tantas pessoas que fizeram parte da nossa vida e que ainda guardamos no nosso coração.
Estava também um dia bonito, mas com alguma chuva leve e agradável, o dia 5 de Outubro de 1969. Era um daqueles dias que não se esquece, ainda o é, tantos anos passados.
Nesse dia, Victória e Joaquim decidiram juntar os seus caminhos, dando as mãos para percorrerem lado a lado o destino.
Quarenta e dois anos depois, enriquecidos apenas com os afectos que a vida nos deu, continuamos juntos por entre algumas nuvens e relâmpagos. E juntos decidimos celebrar.
Porque a vida é feita de partidas e de chegadas, hoje vivemos a beleza do Outono, a estação da serenidade e da sabedoria.
E somos felizes porque sentimos a presença e o amor dos nossos filhos.
E não nos esquecemos do carinho da família tão próxima. Todos cabem no nosso abraço.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

HISTÓRIAS ANTIGAS E DE SEMPRE



Fumar foi um vício que aprendi, às escondidas, e sem precisar de professores.
Admito que, teria sido por volta dos doze anos, numa altura em que olhamos para nós e nos vimos imberbes e desinteressantes. Era preciso dar um troque mascarando a realidade
Não eram tempos fáceis, o dinheiro era escasso e fumar, por uma questão de respeito tinha de ser às escondidas. Comprávamos cigarros à unidade, recordo ainda as marcas, Provisórios, ou cigarros em pijama, assim chamados na gíria, porque os maços tinham umas riscas verticais encarnadas e brancas, ou os Definitivos, uns cigarros muito magrinhos que eu chamava de saídos dos campos de concentração. Passados tantos anos, eu próprio me envergonho por ter sido tão ignorante e insensato a brincar com a tragédia do holocausto. Mas enfim, estávamos naquela idade em que tentamos ter graça e nada mais.
Estive algum tempo sem fumar, porque um Tio me ofereceu às escondidas, um cigarro dos que ele fumava, daqueles que, com as mãos nodosos pelo trabalho nos campos, conseguia enrolar em papel de mortalha. O cigarro a que chamava mata-ratos, não posso jurar mas creio que a marca do tabaco de onça era Kentucky, provocou-me um ataque de tosse tão violento que vomitei o que tinha e o que não tinha no estômago.
Foi uma lição que o meu Tio Carlos me deu. Durou algum tempo, mas pouco.
Na altura os filmes “ To have or have not” com Humphrey Bogart com a linda Lauren Bacall e o “Casablanca” com o Bogart e a inesquecível Ingrid Bergman, onde o actor fumava que se farta, mais me entusiasmaram a voltar ao cigarro. Ele era um exemplo para um adolescente como eu, idealista e sonhador e o cigarro fazia parte do mito.
A guerra, no meu tempo, foi um sorvedouro de cigarros. O tempo, as dificuldades, os sonhos desfeitos, os que se perderam, tudo se tentava esquecer, fumando e bebendo o que se arranjava, quase sempre cerveja tão quente como os dias que se viviam.
Já adulto o stress de uma vida profissional muito exigente, com viagens através de meio mundo, passei do consumo de um para dois maços diários de tabaco e pouco a pouco fui reconhecendo a necessidade de reduzir.
Resolvi tentar o cachimbo, dava um ar intelectual mas não resultou, não tinha sequer jeito para o cerimonial. Depois lembrei-me que muitas figuras que admirava fumavam charuto. Experimentei sem sucesso.


















Certo dia, já nos anos 80, alguém me ofertou uma caixa de charutos cubanos de uma qualidade superior. Como já tinha ensaiado e me tinha dado mal, levei e caixa a dois colegas que eu sabia serem apreciadores.
Foi uma festa para eles, eu sem saber havia oferecido o que de melhor havia no mercado e que custava muito dinheiro.
Enquanto se deliciavam com um dos charutos que eu oferecera, dizia-me esses amigos: “- Fumar um charuto é um acto de cultura e só acessível a quem tem poder financeiro. Fumar um charuto é uma demonstração de poder, mas sempre que vires um político a exibir-se de charuto na boca, desconfia.”
Eu sabia que os meus amigos conheciam o mundo dos negócios e registei o conselho.
Devia ter lançado um alerta. Vejam alguns dos exemplos. Tudo gente especial.













E onde estão os outros, perguntarão os meus leitores?
- E eu dou a mesma resposta que os dois amigos me deram:
- O charuto é um indício mas os tubarões ou não fumam em público ou fazem-no em clubes privados. Alguns deixaram o vício do tabaco, mas só esse, o do dinheiro e do poder, bem mais lucrativos e secretos, para esses refinaram a estratégia.
Pensei que melhor final deste texto poderia ser, por exemplo, A Quadrilha Selvagem. Mas o grande realizador apresenta um filme muito duro mas que, ficou aquém da realidade de outras quadrilhas.
Assim opto por mais uma cena para desanuviar.

domingo, 2 de outubro de 2011

HISTÓRIAS ANTIGAS E DE SEMPRE



Há dias passei de carro numa rua de Campo de Ourique, cheia de trânsito como sempre e senti nostalgia.
Não nasci naquele Bairro mas a ele me ligaram muitos afectos. Já ouvi alguém dizer que se um homem é produto do meio onde nasceu, os nascidos daquele Bairro são os mais genuínos. Não acredito na teoria, mas reconheço que mesmo olhando de relance, me vieram as recordações.
Passei ao lado de um prédio antigo onde vivera um colega e amigo. Era uma casa velha, quase paredes-meias com o que viria a ser a zona moderna das Amoreiras.
O meu amigo era um habitante típico daquele bairro. Ele e a casa resistiram ao desenfreado e controverso modernismo do Arquitecto Taveira, de que são símbolo as torres das Amoreiras.
Compartilhava a casa e as recordações com uma irmã solteira como ele. Todas as noites saía para percorrer as ruas do bairro, sempre em sentido contrário ao dos que procuravam a zona da moda. Normalmente escolhia o mesmo lugar para tomar o café, beber dois ou três copos de brandy ou bagaço e fumar os habituais cigarros
Todavia nunca ninguém o vira só. Debaixo do braço levava o seu amigo mais íntimo, o seu companheiro, um livro, um dos diários do Miguel Torga.
Algumas vezes o encontrei nas temporadas de Ópera que, depois da apresentação em São Carlos, perante um público bem vestido, mulheres feias e velhas, mas carregadas de jóias, onde o cheiro do perfume não escondia o odor da naftalina, e homens sérios e importantes, que aproveitavam os intervalos para se pavoneavam exibindo os seus pertences, mulheres incluídas, passavam para o velho e desconfortável Coliseu. Mas era ali, no meio de gente anónima mas conhecedora, que passara horas para entrar e ter tempo de escolher o melhor lugar, quantas vezes de pé ou pendurados nas grades do galinheiro do último piso, que os cantores sentiam de forma diferente o calor e a verdade dos aplausos.




Foi também por ele que ouvi contar pequenas histórias do Almirante Gago Coutinho, pequeno grande homem, de boina na cabeça, habitual visita do Parque Mayer, onde se conheceram namoriscando as coristas no fim dos espectáculos de revista.
Do Parque daquele tempo, naturalmente, antes da revolução conduzida pelo Santana Lopes e consequente implantação do projecto arquitectónico do Frank Gehry, que são hoje o exemplo do que sei mas não digo.
E a minha história de hoje apenas tem um ponto em comum como o que atrás escrevi.
Eu não conheci o Almirante Gago Coutinho, mas no meio da floresta tropical, num lugar onde se não vislumbrava sequer a luz do sol fui encontrar o marco mandado colocar pelo Almirante, no início do século vinte, assinalando a fronteira geográfica entre o antigo Congo Belga e Angola, mais precisamente no enclave de Cabinda.

E aqui está, como uma passagem rápida por um Bairro de Lisboa, me lembrou um amigo já desaparecido, e me trouxe à memória o sentimento que guardei, do dia em que no meio da África profunda, encontrei o marco delimitando fronteiras, colocado sob as ordens do Almirante.
E esta lembrança perdura porque, quando por entre uma floresta considerada a mais densa do mundo, O Maiombe, debaixo de uma tempestade tropical que infundia respeito aos mais valentes, e até silenciava os habituais e assustadores gritos e sinais dos gorilas e outros símios de grande porte, depois de meia dúzia de dias e muitas horas de marcha, alimentados a latas de sardinha em conserva e duras bolachas marca MM, bebendo a água da chuva, percorrendo trilhos abertos por elefantes, fui com os meus camaradas, encontrar aquela marca deixada pelo destemido Almirante. Fiquei, ficamos felizes, esquecemos o cansaço e a fome. Tínhamos alcançado, sem o saber, uma fronteira, que mais ninguém conhecera e que, para nós, representava mais do que uma grande pedra, coberta de ervas e musgos que raspamos encontrando gravadas as palavras: Portugal, o ano de 1901.
E nós, um pequeno grupo de combate que comandei nos anos de chumbo da guerra colonial, fomos naquele ano de 1964 confirmar no mapa o lugar exacto da fronteira. No meio do nada, longe de tudo sentimos, que apesar do esforço, tinha valido a pena aquela penosa marcha.
Por fim recordo as palavras do Almirante quando lhe perguntaram como tinha a atravessado a pé o Continente? “ «Como havia de ser? Com as botas rotas, para a água sair mais à vontade, porque, para entrar, entrava sempre.»”
Sim, foi quase descalços que os soldados fizeram aquela difícil patrulha e foi assim, de pé descalço, que fizeram a guerra.