sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

LAMÚRIA


Quase sem dar por isso, e o ano 2012 terminou. Com alívio mas com o prenúncio assustador do que vem a seguir.
No mundo que eu conheci e em que acreditei ,via um céu azul, campos verdes matizados por flores campestres, ouvia o chilrear dos pássaros, o balido das ovelhas, admirava o luar de Agosto e aguardava com esperança, que melhores dias viriam.
Os anos passaram, alguns bem difíceis, e pouco a pouco as alegrias foram-se transformando em inquietações e a esperança perdeu brilho. E o mundo passou a ser cinzento.
Os receios do apocalipse anunciado pela civilização Maia, encheu alguns noticiários de televisões famintas de assunto bizarro ou dramático para atrair espectadores, mas não passaram disso mesmo. Matéria jornalística sem conteúdo, sem critério, mas tão ao gosto dos homens e mulheres capturados pela Televisão.
Para esses, os vencidos da vida, os velhos cada vez mais perdidos no nevoeiro da solidão, terreno fértil para os dramas do quotidiano, a Televisão passou a ser o seu elo de ligação com o mundo que pouco a pouco haviam esquecido. E eles beberam os crimes mais tenebrosos, as violações, a fome e a miséria, os infanticídios, os homicídios mais cruéis e fecharam-se no seu canto, aguardando a última viagem.
Deixaram de contar na sociedade que agora os olha como uma despesa desnecessária.
Afinal a profecia Maia tinha algo de premonitório. O mundo caminhava para o abismo, não por causas naturais mas por ambição humana.
Como é que se recuperam os direitos desses velhos espoliados de tudo, até da esperança?
Penso por mim, que tenho resistido ao canto das sereias, gosto de escolher a informação que me dá prazer e não ofende a minha, ainda que debilitada, inteligência. E agarro-me aos jornais, poucos que ainda resistem e que não desmerecem esse título. Prefiro as palavras escritas, gosto de percorrer as páginas, cheirar o papel, folhear as páginas, escolher valorizando o trabalho dos jornalistas que não se venderam e com os quais aprendi a ver o mundo e a sociedade.
Contudo sinto-me cada vez mais só. Ao longo da minha vida fui perdendo os meus jornais. Eram meus porque neles aprendi a formar opinião, a reclamar o direito a ser informado com inteligência e liberdade. Mas como um acto do apocalipse a imprensa livre está condenada a breve prazo. E as consequências serão Dantescas.
O mundo é agora dominado pelos medíocres, pelos espertalhões, pelos doutores feitos à pressa numa qualquer Universidade de Verão (Um fim de semana em que alguns futuros políticos medíocres vão bebendo as sábias palavras dos que conseguiram trepar aos lugares cimeiros) sem qualquer outra classificação para além da esperteza de se fazerem notados nas sessões de propaganda e nos comícios ou então comprando favores, porque do outro lado está sempre alguém disposto a retribuir a fidelidade.
E a sociedade é agora dominada pelo poder mais destruidor que se conhece. O poder financeiro, sem dono, sem nome, com ídolos a que se presta homenagem e com inúmeros serventuários para acalmar a sua sede de glória. O poder que corrompe, que compra e escolhe.
Não será este cataclismo, também um dos capítulos das previsões dos Maias?
Sim, este mundo onde se matam inocentes, se alimenta o conflito de gerações, se alimenta o racismo e a xenofobia e a intolerância religiosa, não é o mundo que eu conheci, ou que eu sonhei.
Mas é aquele em que viveremos os últimos dias. E que ajudamos a criar quando nos demitimos das nossas responsabilidades, entregando-nos nas mãos de um qualquer vendedor do Templo, que nunca questionámos no caminho, a não ser por algo que tivesse atrapalhado o nosso egoísmo.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  
Sim, é verdade eu sou culpado.
Nasci e cresci com o regime Salazarista. Fiz a guerra que me mandaram fazer, e mesmo sabendo que era uma luta inglória e injusta, não fugi.
Gritei com a liberdade quando os cravos floriram. Chorei quando eles murcharam e sem saber o que fazer entregamos o nosso destino colectivo a quem não tinha nada para nos dar.
Cometi a leviandade de votar e tantas vezes me enganei.
E agora deixo a lamúria em forma de poema:

            LAMÚRIA DO CEGO QUE ANTES O FOSSE

                        Quando era cego eu previa
                        (que freguesia!)
                        O que ia acontecer.
                        Era o que se dizia…

                        Mas agora, que bem vejo,
                        só agoiro do que vejo
                        e já ninguém me quer crer…

                        Porquê,
                        Se todos o podem ver!

                        Alexandre O’Neill
             

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