OS DOIS LOBOS
Ruben ficou lívido e sentiu vontade de fugir.
Olhou para a porta por onde entrara e que agora estava fechada.
Caíra numa armadilha, pensou, ficou mais atento aos movimentos do homem serpente que todavia permanecia imóvel, afundado num cadeirão esquisito, parecia um trono revestido a panos bordados, com desenhos como os que ele já vira nos livros da Escola.
Sim o cenário que o assustava, e ao mesmo tempo o fascinava, parecia uma cópia do trono do Imperador do império Maia.
E no silêncio que caíra sobre a sala, Ruben lembrou o que o professor de História lhe havia ensinado.
- A civilização Maia que muitos séculos atrás dominara o que era agora o seu País fora uma civilização muito hierarquizada e muito desenvolvida para o seu tempo. Havia quem defendesse que os Maias teriam sido povos que teriam emigrado do antigo Egipto, trazendo com eles a figura do Faraó, dos sacerdotes, dos escravos e também o culto dos mortos.
O Professor falava com entusiasmo daqueles índios que, liderados por um Imperador dotado de poderes mágicos incendiaram com a lava dos vulcões os acessos ao seu território na floresta, fugindo da morte e da escravidão que os soldados do conquistador Espanhol Fernando Cortez os iriam submeter. Os sobreviventes refugiaram-se nas florestas mais profundas. Para trás deixaram os seus monumentos mas também sinais do seu poder e avisos para os invasores.
E o professor assegurava que, segundo a lenda, o fogo dos vulcões era uma manifestação do poder e da magia que os Maias tinham guardado, no fundo da terra.
Ruben parou de desfilar as suas memórias que reconhecia, eram apenas lendas que passaram de geração em geração e nas quais nunca acreditara.
Mas agora sentia-se preso naquele local, dentro de um cenário construído á maneira dos Maias e começou a duvidar das suas certezas.
Estremeceu quando o homem sentado, no que lhe parecera um trono, se levantou deu alguns passos trémulos na sua direcção e estendendo os braços, lhe disse:
- Ruben, meu bom amigo, vieste ter comigo, impelido por forças boas que te guiaram, por isso não tenhas medo. Antes de te contar a tua missão, ouve com atenção.
Puxou por duas cadeiras, sentou-se numa de costas viradas contra a luz fraca da janela e apontou a outra para o amigo.
Ruben sentou-se sem pronunciar uma só palavra. No seu íntimo sentia-se como alguém que estivesse a aguardar uma sentença. O homem sentado na sua frente já não tinha a cabeça de serpente, afinal era um adorno do trono improvisado, mas também não era o rosto do amigo americano, que um dia encontrara no seu País e graças ao qual estava em Nova Iorque, naquela cidade com que sonhara, a tentar construir uma vida com mais oportunidades.
E Robert começou a falar:
- Eu disse quando te encontrei na tua cidade, que a minha vida tinha sido a procura de sinais de civilizações perdidas. E era verdade, mas faltou contar uma parte importante.
Eu e a minha mulher partilhamos o mesmo gosto pela arqueologia e pelas ciências esotéricas. Percorremos as florestas das Honduras e chegamos às margens do largo Tikal, bem no interior do teu País.
Tanto eu como a Rosemary, a minha mulher, sentimos que a cidade perdida que procurávamos há mais de dez anos, ficaria perto daquele local, tantos eram os símbolos e sinais deixados pelo povo Maia.
E, acredita a cidade existe e nós estivemos lá.
Mas era uma cidade de mortos. No meio da excitação da nossa descoberta Rosemary escorregou e caiu num poço escuro e eu não mais a vi nem ouvi.
Percorri os túneis, desci às cavernas, espreitei todos os recantos para nada. Perdido e quase a enlouquecer, andei perdido do mundo e de mim até que, um dia regressei à tua cidade e te encontrei.
Foram anos, muitos anos percorrendo florestas, subindo montes, atravessando rios. Queria fugir, tive medo e tentei regressar a casa na tua companhia.
Depois foram os remorsos por ter abandonado a minha mulher, uma força qualquer que me impedia de partir e me forçou a voltar à cidade perdida.
Desta vez encontrei a minha mulher. Era uma mulher diferente. Tornara-se um ser que vivia de noite e não podia enfrentar o sol. Mas os olhos ainda brilhavam pedindo ajuda. E eu trouxe a Rosemary para aqui, para o nosso quarto onde repousa até que numa noite de Lua nova ela possa partir comigo para as montanhas dos índios nossos antepassados.
Será lá que iremos descansar, nos braços de uma árvore, expostos ao sol e às aves de rapina, até que tudo se transforme em pó e possamos descansar desta maldição que carregamos.
Ruben é contigo que eu conto para a viajem. Sei que posso contar com a tua amizade, mas não me desiludas.
O meu Avô disse um dia o que um velho da sua tribo, um dia lhe contara:
-“ Dentro de mim tenho dois lobos. Um é cruel e mau. O outro é muito bom. Os dois lobos estão sempre à briga.
Quando lhe perguntaram qual o lobo que ganhava a briga, o ancião respondeu:
Aquele que eu alimentar.”
Ruben percebeu e mesmo sem dizer uma só palavra, acenou um sim. Não arriscava ter de enfrentar o lobo cruel e mau.
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