domingo, 27 de maio de 2012

SIMÃO & COMPANHIA


Museu do Azulejo
LISBOA

3 – Luís

- Não sejas assim tão pessimista, respondeu o Luís, para isso já me basta o meu irmão. Ele escolheu Psicologia mas, acabado o curso e sem emprego ou esperanças de futuro, ele é que está a precisar de consultar um bom Psicólogo. Está perdido e é uma preocupação que me atemoriza. Porque eu já me apercebi que ele sofre de dependências do álcool e talvez de uma outra droga coisa mais perigosa. Ela nada me diz mas eu sei ler a agonia nos seus olhos. E não sei o que fazer.
Apetece-me fugir, sair de casa, mas também não quero deixar a minha Mãe que tanto trabalha, dia e noite para que não nos falte a comida e dinheiro para uma cerveja.
O meu Pai, interrompeu a frase como se tivesse um nó na garganta, o meu Pai emigrou, na realidade fugiu e deixou de dar notícias. O meu irmão tinha dez anos e eu ia fazer quatro, quando de lágrimas nos olhos assistimos à sua partida. E foi mesmo de partida e para não voltar. Nem uma carta ou um telefonema. Muito menos se lembrou de enviar dinheiro.
A minha Mãe ficou assustada nos primeiros tempos, algo de mal lhe poderia ter acontecido. Mas acabou por saber a verdade, através de um amigo que voltara. O marido, o meu Pai, tinha esquecido a família que deixara chorando naquela manhã em que partira. Tinha escolhido uma nova vida!
Foi  um choque mas que não a derrubou, antes lhe deu forças para lutar e trabalhar. Na realidade ficámos órfãos de Pai desde tenra idade e nunca mais falámos no seu nome. Ainda hoje não lhe perdoei.
O meu irmão tinha uma recordação mais viva do Pai. Sofreu muito, é mais sensível, precisava de apoio e ele faltou-lhe quando mais era preciso. Ainda sonhava, dizia-me nas noites longas de inverno, que o nosso Pai iria regressar rico. E eu fingia acreditar. Pobres crianças.  
A Mãe nunca nos contou que o meu Pai havia optado por encontrar outra mulher, outros filhos, outra vida. Apenas assumiu a que a vida lhe dera um bem, os filhos, que ela assumiria.
Eu pressentia a sua dor, mas também reconheci a força que aquela mulher, a minha Mãe, nos transmitia.
O Alberto, o meu irmão, apesar de mais velho continuava a dizer na escola, que o Pai partira para muito longe e um dia iria regressar para nos levar para uma casa bonita numa cidade cheia de jardins. Era a sua resposta aos colegas que, como todas as crianças daquela idade, brincavam de forma cruel.
Da minha Mãe nunca ouvi lamentos, nem revolta nem recriminação. Apenas nunca mais voltou a falar no marido. A mão solteira arregaçou as mangas e trabalhou pelos dois. E conseguiu dar aos filhos o carinho de Mãe e a educação de Pai.
 É uma mulher extraordinária, tinha trinta anos quando a vida lhe exigiu uma responsabilidade nova. Não hesitou e foi à luta, sempre a trabalhar e quando está connosco, ao jantar tem sempre um sorriso que nos dá força. Eu tento falar do futuro e da vida, dos sacrifícios que uma Mãe solteira teve que enfrentar, mas olho para o lado e a pobre Mãe está de olhos fechados, como se dormisse, mas na realidade, eu já vi, ela está chorando, em silêncio.
Eu também não fugirei e irei assumir as minhas responsabilidades. Preciso de trabalhar para aliviar a minha Mãe e ajudar o meu irmão. Por isso, és a primeira pessoa a saber, eu não me inscrevi numa faculdade. Era mentira eu não teria dinheiro para tal.
Tenho uma promessa de um tio materno, o tio José Maria. Que arranjaria forma de eu ganhar algum dinheiro, trabalhando com ele na reconstrução e recuperação de casas. Aceitei, mas ele fez-me prometer que se um dia as coisas mudassem eu teria de tirar um curso superior. Mesmo que tal não fosse condição indispensável para ganhar o sustento da família, devia fazê-lo, pois o acto em si significava uma barreira vencida. Como o meu tio me diz, ele que não estudou, só trabalhou a vida inteira, ultrapassar uma barreira é como vencer uma batalha e subir a montanha mais alta para gritar: Vitória! Talvez o teu Pai oiça o teu grito.
- Frederico agora é que não vou mesmo conseguir dormir. Mas sinto alívio. Tu és um o meu amigo mais próximo, para os outros que continuam a dormir o sono dos justos, nós somos, como eles dizem, os intelectuais da treta.
Entretanto, vou buscar mas umas cervejas. Fiquei cheio de sede


José Malhoa
OS BÊBADOS
Museu das Caldas da Rainha

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