Centro Arte Moderna - Fundação Gulbenkian
LISBOA
2 . Frederico
Nem todos tinham dúvidas. Mas entre os mais hesitantes estavam os dois amigos que estendidos no mesmo cobertor cobertos pelo céu estrelado. Partilhavam aquele momento mas, de forma diferente, também comungavam as incertezas.
Ainda assim, ou talvez por isso mesmo, eram os mais amadurecidos membros do grupo de quatro rapazes e três raparigas. Tinham em comum a amizade que vinha dos bancos da escola e que os unia, apesar de comportamentos diferentes, hábitos, ambições e objectivos de vida diferentes.
Frederico, um dos jovens deitado a contemplar as estrelas, era porventura o mais inquieto, o mais culto mas estava longe de ser o aluno exemplar. Era ombro para os outros mas ele mesmo cheio de dúvidas não pedia apoio e fora do círculo de amigos era considerado pedante e convencido. E como estavam enganados os que assim o julgavam. Na realidade Frederico era um rapaz dividido entre a realidade e o sonho.
O seu companheiro de tenda e amigo mais íntimo era o Luís, que estava de olhos fechados e com a respiração de quem dorme com tranquilidade. Mas não era assim.
Ouviu Frederico murmurar:
- Estás acordado?
- Se não estivesse agora ficaria. Mas não consigo dormir, fecho os olhos mas a cabeça não descansa. Sinto-me cansado do dia de ontem, o corpo pede repouso. Só dormi algumas, poucas horas. O resto do tempo estive acordado, pensando em coisas sem importância, tentando enganar o sono. Mas ele partiu e não voltou.
Tu queres conversa e, afinal, eu também não me importo.
A propósito, Frederico já te deste conta que começamos estas férias com o nosso grupo, que se conhece desde crianças, e que dentro de algum tempo cada um vai seguir o seu caminho? Será que alguma vez os nossos caminhos se cruzarão ou os sonhos, as alegrias e as tristezas que vivemos juntos, serão com o passar do tempo, meras recordações? Não sentes a angústia desta dúvida?
- Claro que sinto e foi por isso que não dormi, responde Frederico.
Eu sou a dúvida metódica. Não consigo olhar para o caminho, nem sei se o que escolhi foi uma opção certa, e confesso, estou naqueles momentos de calmaria que antecedem a tempestade. O meu Pai quer que eu siga o seu percurso mas eu olho à minha volta e interrogo-me: Será que valerá a pena? Tirar um curso de Direito como o meu Pai espera, ou não fosse ele Professor da Faculdade? Não me seduz, serei sempre olhado como o filho do professor e isso será um rótulo para a vida. E depois para que serve? Talvez trabalhar num supermercado como alguns que eu conheço! O meu Pai falou-me em seguir o caminho da Magistratura, mas nada me atrai menos do que julgar os outros interpretando códigos e leis feitas à medida. A minha noção de justiça vai para além dum ou de vários códigos. E seria, tenho a certeza um mau Juiz.
Entretanto ficou em silêncio, mergulhara de novo do sonho que o perseguia. Estava longe, na recta de uma estrada que se perdia de vista. Não havia como sair, andava em frente com a convicção que a estrada acabaria num precipício. Não sabia o que fazer, para onde ir, mas apenas sentia que o caminho não era aquele.
O mundo é tão grande, em algum lugar haveria espaço para o sonho, para a felicidade, para o amor. Mas onde?
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