Guilherme Camarinha
São Jorge
Tapeçarias de Portalegre
Portalegre/Portugal
4 – Carlos Alberto
O cansaço e a bebida venceram a resistência dos dois amigos que haviam partilhado o ar da noite e o vento, suave, como uma música que os embalou.
Finalmente dormiam, mas por pouco tempo. Frederico acordou com uma luz que lhe incidia sobre o rosto não o deixando ver nada em redor. Deu um salto, e quase instintivamente assumiu uma posição de defesa, que aprendera nas aulas de kung fu.
A luz deixou de o encandear e conseguiu ver um vulto, que ria enquanto apagava e acendia uma lanterna.
Carlos, era o amigo inoportuno, deixou-se cair no chão, ao mesmo tempo que se lamentava, outra das suas características:
- Eh pá que raio de noite. Não consegui dormir pois o Simão ressona como um porco.
Não sei porque é que tu e o Luís arranjam sempre de maneira de ficar juntos. Até dá para desconfiar. São namorados ou quê?
- Olha Carlos, dá graças pois a ti só o Simão tem paciência para de aturar.
Tens a mania que és diferente, por vezes és tão chato que é preciso ser santo para te ouvir. E nós de santos não temos nada, por isso tem lá cautela com o que dizes.
Vai brincando com o pobre do Simão até que ele um dia perca a cabeça e te dê uma lição. A paciência tem limites, concluiu Luís manifestamente zangado.
- Vocês também não aceitam uma brincadeira? Que raio de amigos são?
Eu fiquei na tenda do Simão, só eu sei o suplício que foi ouvir o ressonar dele enquanto eu não conseguia pregar olho. Tive que sair e fui dar uma volta e para não me perder levei a lanterna.
Andei até lá em baixo, perto daquela estrada por onde viemos. Encontrei uma pedra grande onde me sentei a dar contas à vida. Agora que, devido à transferência do trabalho de meu Pai para o Porto, não tive outra opção para continuar a estudar, comecei a ficar com dúvidas. Estou convicto que escolhi o melhor caminho mas, há sempre um mas nas nossas vidas, e se não foi?
Fiquei sentado perto da estrada, ouvindo o correr de um pequeno regato. Quando o sol despontar, podemos aproveitar para tomar banho. E as miúdas se não trouxeram fato de banho, podem banhar-se em cuecas o que dará gozo de ver.
- Oh Carlos vai dormir, não tês esqueças que a Mariana é irmã do Simão e que a Leonor e a Carla são nossas amigas, não andam no engate.
-Pronto, vocês não dormiram tudo. Adeus, vou até à tenda dos suplícios.
- Para mim o Carlos foi de todos os colegas o que soube sempre o que iria fazer. Nunca falou sobre problemas familiares, tem um irmão a estudar nos EUA, já disse que o Pai lhe prometeu um carro logo que entrasse na Universidade e agora aparece com insónias porque tem dúvidas sobre o caminho. Há aqui qualquer coisa que não bate certo, concluiu o Luís.
- Sabes, responde Frederico, ele está assim porque gosta da Leonor mas não tem a certeza de ser correspondido e sabe que ela vai ficar a estudar em Lisboa. O que ele tem é medo e ciúmes.
- Sim ciúmes de ti, pois eu já entendi que tu para ela não és apenas um colega e amigo. Os olhos dela dizem muito mais.
E já agora será que elas conseguem dormir na tenda? Para dois o espaço é pouco mas elas são três. Vou espiar.
Luís parou junto à tenda e não ouviu sequer a respiração. Suspeitou que elas teriam arranjado outra solução. Foi até à carrinha, espreitou e voltou para junto do amigo.
- Frederico, as raparigas foram mais espertas, estão deitadas na carrinha e parecem sossegadas. Como é uma carrinha de nove lugares, cada uma tem espaço suficiente. Eu vou tentar dormir mais um pouco. Daqui a pouco o sol nasce e teremos de arrancar para o destino. Tenta fazer o mesmo, propõe Luís.
Frederico não respondeu, para ele o presente era de solidão e o futuro uma grande incógnita.
E passados uns minutos de calma, recomeçou a falar.
Praia das Maçãs
Oleo de José Malhoa
Museu do Chiado
Lisboa/Portugal
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