A LIBERTAÇÃO
Ruben ficou parado enquanto a figura caminhava, cambaleando, na direcção da porta. Antes de sair daquela sala virou-se dizendo:
- Atrás daquele painel com as imagens, encontras uma cama onde podes descansar. Amanhã terás de cumprir o teu destino, o que os espíritos da floresta da tua terra te reservaram, guardião dos segredos.
Sê forte e usa a tua coragem. Eu sou o espírito bom do velho feiticeiro índio navajo que vagueia pela terra até encontrar quem lhe dê o merecido descanso. Eu sou ainda a imagem do teu amigo que ousou penetrar na cidade perdida. Isso teve um custo, uma maldição que me atormenta nas noites de lua nova.
E hoje é o dia.
Fica atento e lembra-te das histórias que os camponeses da tua terra contavam ao redor duma fogueira.
Ruben deixou passar algum tempo, levantou-se e procurou o interruptor para acender a luz, estava a ficar mais escuro. Procurou mas não encontrou. Subiu para a cadeira, espreitou para um candeeiro suspenso do tecto mas lâmpada não havia.
- Aqui estou eu preso, condenado à escuridão e sem saber o que se espera de mim.
Teve um calafrio, as histórias que ouvira contar em criança, falavam de mortos vivos que em noites de lua nova, na escuridão mais profunda, saíam dos túmulos debaixo da terra e se transformavam em lobisomens e ou em vampiros. Seria esse o destino que lhe estava reservado?
Tem que haver uma maneira de fugir, não posso ficar parado à espera da lua nova.
Na sua memória percorria todos os momentos, desde que conhecera o amigo americano em quem confiara;
- Seria Robert, homem serpente, espírito maligno ou a miragem do ser que irradiara luz e tranquilidade, perguntava-se cheio de dúvidas?
Não conseguia perceber o seu papel naquela história, mas acreditava que toda a sua aventura até Nova Iorque e até à sala onde estava cativo, fora comandada por forças ocultas, para defender um segredo. Fora o que percebera da mensagem do velho feiticeiro. E o medo crescia, tremia só de pensar que o mais provável era ser atacado por um vampiro e como dizia a lenda, tornar-se também o ser da noite, alimentando-se do sangue humano.
Cansado sentou-se no chão com as costas encostadas a uma parede bem longe da porta que pouco a pouco iam deixando de ver.
Não conseguia fechar os olhos, via sombras de figuras estranhas que estendiam os braços, parecendo pedir ajuda. Eram os mortos vivos dos seus antepassados Maias.
Que pesadelo estava a viver, a luz e as trevas, a amizade e vingança, o medo e a paz, tudo se confundia no seu cérebro cada vez mais perturbado.
De olhos bem abertos conseguia afastar os medos e os fantasmas e ganhar a coragem para arriscar um caminho para tentar fugir.
A porta estava fechada e era tão forte que não reagia á força dos seus braços. Foi inspeccionar as janelas, afastando os cortinados pesados que cobriam uma parede.
Eram altas e entaipadas a tijolo. Apenas um pequeno espaço vazio, lá no alto do tapume deixava passar uma réstia de luz e um pouco de ar. Mas era tudo bem alto e não tinha como subir.
Foi ver o lugar reservado para dormir, tropeçou numa cama no chão com alguma roupa espalhada. Feriu-se, batera com a perna no estrado que suportava a cama. Sentiu que da ferida escorria um leve fio de sangue. Ficou em pânico, o cheiro do sangue fresco podia acordar o vampiro que ele imaginava estar escondido em qualquer lugar e despertar a sua sede.
Rasgou um pano que estava sobre a cama e com ele limpou a ferida, envolvendo a perna com o resto.
O medo aumentava, tentou gritar mas a voz não se ouviu. Não podia contar com ajuda de ninguém. Estava preso aguardando o sacrifício. Esteve quase a desistir de lutar, mas parecia ouvir uma voz que o incentivava. “Não desistas, procura, não tenhas medo, arma-te com a tua força”.
Era o seu subconsciente que não desistia. Arma-te e com o quê, murmurava?
Sentou-se no chão, estava prestes a desistir, estava tão cansado. De repente lembrou-se dos conselhos do Pai, quando explicava que para defender as irmãs dos espíritos maus da floresta, elas deveriam usar ao pescoço um colar com uma cruz de madeira. A madeira sim, era isso que ele precisava para se defender.
E de repente tudo se tornou claro, para fazer as armas e para se defender precisava de madeira e fora no estrado de madeira que suportava a cama, que ele se ferira.
Mesmo às escuras retirou o colchão e com tacteou o estrado. Ganhou novo alento, ele era construído por ripas de madeira, que tinha a certeza, não seriam difíceis de partir. Era daquelas ripas que iria fazer as armas para se defender.
Vasculhou os bolsos do casaco. Tinha por hábito trazer uma pequena navalha que sabia ser útil para quem se vê em perigo. E a sua navalha pequena mas afiada lá estava, escondida no forro do casaco.
Mesmo sem luz conseguiu retirar as ripas. Uma partiu em dois pedaços e ligou-os em forma de cruz, utilizando as tiras de um velho cobertor que encontrara na cama. As outras foram afiadas até se tornarem lanças afiadas.
E conseguiu descansar.
Sentou-se no canto longe da porta, segurando as suas armas.
Porém sentia um cansaço muito grande, lutava para não dormir. Mas parecia que alguém lhe fechava as pálpebras e acabou por deixar fechar os olhos. De repente ouviu uma respiração ofegante que se aproximava do seu rosto e sentiu o calor do bafo que estava prestes a atingir-lhe o pescoço.
Deu um salto e empunhando as lanças, golpeou uma, duas, três vezes, o vulto negro que adivinhara. O vulto desapareceu soltando um grito aterrador. Depois foi o silêncio.
A porta ficara aberta e a luz da madrugada começara a iluminar a sua cela.
Ruben hesitou, fugir era o mais aconselhável, mas resolveu ficar. Precisava de chegar ao fim ou nunca mais iria descansar em paz.
Afinal tudo o que vivera naquela noite que não mais esqueceria, não teria passado de um sonho, um pesadelo?
A dúvida era como uma ferida aberta e não podia viver com ela.
Com passos cautelosos e com todos os sentidos despertos, aproximou-se da porta aberta, seguiu por um corredor vazio, subiu algumas escadas empurrou uma porta entreaberta e viu a luz do sol.
Era um terraço e voltou a sentir um arrepio de medo. Uma figura enorme, vestida de negro carregava nos braços um corpo inanimado.
Era o Vampiro que surgia da escuridão. O sol despontou e ele dobrou os joelhos e lentamente deixou-se cair cobrindo o corpo inanimado que abraçara.
Depois com um grito sussurrado, que mais parecia um lamento, o vampiro rodou e ficou deitado de costas enfrentando a luz do sol.
Ruben ficou parado olhando para os dois corpos. Fora educado numa escola de Padres Missionários. Relembrou a oração dos mortos e com a voz sumida foi rezando. Depois lançou por sobre os dois cadáveres a cruz de madeira que trazia. E lentamente os corpos começaram a desfazer-se em pó, que um vento suave levava pelo ar. Era já Outono, aliás o verão Índio. Era o momento final.
As suas recordações iriam desaparecendo com o tempo. Mas iria guardar para si o dia em que a sua mão fora escolhida pelos Deuses da floresta para dar descanso a duas almas condenadas.
Ele enfrentara os medos e vencera o Vampiro.
Sim, o último Vampiro em Nova Iorque partira desfeito em pó, ele fora o instrumento da sua libertação.
FIM
Ruben ficou parado enquanto a figura caminhava, cambaleando, na direcção da porta. Antes de sair daquela sala virou-se dizendo:
- Atrás daquele painel com as imagens, encontras uma cama onde podes descansar. Amanhã terás de cumprir o teu destino, o que os espíritos da floresta da tua terra te reservaram, guardião dos segredos.
Sê forte e usa a tua coragem. Eu sou o espírito bom do velho feiticeiro índio navajo que vagueia pela terra até encontrar quem lhe dê o merecido descanso. Eu sou ainda a imagem do teu amigo que ousou penetrar na cidade perdida. Isso teve um custo, uma maldição que me atormenta nas noites de lua nova.
E hoje é o dia.
Fica atento e lembra-te das histórias que os camponeses da tua terra contavam ao redor duma fogueira.
- Aqui estou eu preso, condenado à escuridão e sem saber o que se espera de mim.
Teve um calafrio, as histórias que ouvira contar em criança, falavam de mortos vivos que em noites de lua nova, na escuridão mais profunda, saíam dos túmulos debaixo da terra e se transformavam em lobisomens e ou em vampiros. Seria esse o destino que lhe estava reservado?
Tem que haver uma maneira de fugir, não posso ficar parado à espera da lua nova.
Na sua memória percorria todos os momentos, desde que conhecera o amigo americano em quem confiara;
- Seria Robert, homem serpente, espírito maligno ou a miragem do ser que irradiara luz e tranquilidade, perguntava-se cheio de dúvidas?
Não conseguia perceber o seu papel naquela história, mas acreditava que toda a sua aventura até Nova Iorque e até à sala onde estava cativo, fora comandada por forças ocultas, para defender um segredo. Fora o que percebera da mensagem do velho feiticeiro. E o medo crescia, tremia só de pensar que o mais provável era ser atacado por um vampiro e como dizia a lenda, tornar-se também o ser da noite, alimentando-se do sangue humano.
Cansado sentou-se no chão com as costas encostadas a uma parede bem longe da porta que pouco a pouco iam deixando de ver.
Não conseguia fechar os olhos, via sombras de figuras estranhas que estendiam os braços, parecendo pedir ajuda. Eram os mortos vivos dos seus antepassados Maias.
Que pesadelo estava a viver, a luz e as trevas, a amizade e vingança, o medo e a paz, tudo se confundia no seu cérebro cada vez mais perturbado.
De olhos bem abertos conseguia afastar os medos e os fantasmas e ganhar a coragem para arriscar um caminho para tentar fugir.
A porta estava fechada e era tão forte que não reagia á força dos seus braços. Foi inspeccionar as janelas, afastando os cortinados pesados que cobriam uma parede.
Eram altas e entaipadas a tijolo. Apenas um pequeno espaço vazio, lá no alto do tapume deixava passar uma réstia de luz e um pouco de ar. Mas era tudo bem alto e não tinha como subir.
Foi ver o lugar reservado para dormir, tropeçou numa cama no chão com alguma roupa espalhada. Feriu-se, batera com a perna no estrado que suportava a cama. Sentiu que da ferida escorria um leve fio de sangue. Ficou em pânico, o cheiro do sangue fresco podia acordar o vampiro que ele imaginava estar escondido em qualquer lugar e despertar a sua sede.
Rasgou um pano que estava sobre a cama e com ele limpou a ferida, envolvendo a perna com o resto.
O medo aumentava, tentou gritar mas a voz não se ouviu. Não podia contar com ajuda de ninguém. Estava preso aguardando o sacrifício. Esteve quase a desistir de lutar, mas parecia ouvir uma voz que o incentivava. “Não desistas, procura, não tenhas medo, arma-te com a tua força”.
Era o seu subconsciente que não desistia. Arma-te e com o quê, murmurava?
Sentou-se no chão, estava prestes a desistir, estava tão cansado. De repente lembrou-se dos conselhos do Pai, quando explicava que para defender as irmãs dos espíritos maus da floresta, elas deveriam usar ao pescoço um colar com uma cruz de madeira. A madeira sim, era isso que ele precisava para se defender.
E de repente tudo se tornou claro, para fazer as armas e para se defender precisava de madeira e fora no estrado de madeira que suportava a cama, que ele se ferira.
Mesmo às escuras retirou o colchão e com tacteou o estrado. Ganhou novo alento, ele era construído por ripas de madeira, que tinha a certeza, não seriam difíceis de partir. Era daquelas ripas que iria fazer as armas para se defender.
Vasculhou os bolsos do casaco. Tinha por hábito trazer uma pequena navalha que sabia ser útil para quem se vê em perigo. E a sua navalha pequena mas afiada lá estava, escondida no forro do casaco.
Mesmo sem luz conseguiu retirar as ripas. Uma partiu em dois pedaços e ligou-os em forma de cruz, utilizando as tiras de um velho cobertor que encontrara na cama. As outras foram afiadas até se tornarem lanças afiadas.
E conseguiu descansar.
Sentou-se no canto longe da porta, segurando as suas armas.
Porém sentia um cansaço muito grande, lutava para não dormir. Mas parecia que alguém lhe fechava as pálpebras e acabou por deixar fechar os olhos. De repente ouviu uma respiração ofegante que se aproximava do seu rosto e sentiu o calor do bafo que estava prestes a atingir-lhe o pescoço.
Deu um salto e empunhando as lanças, golpeou uma, duas, três vezes, o vulto negro que adivinhara. O vulto desapareceu soltando um grito aterrador. Depois foi o silêncio.
A porta ficara aberta e a luz da madrugada começara a iluminar a sua cela.
Ruben hesitou, fugir era o mais aconselhável, mas resolveu ficar. Precisava de chegar ao fim ou nunca mais iria descansar em paz.
Afinal tudo o que vivera naquela noite que não mais esqueceria, não teria passado de um sonho, um pesadelo?
A dúvida era como uma ferida aberta e não podia viver com ela.
Com passos cautelosos e com todos os sentidos despertos, aproximou-se da porta aberta, seguiu por um corredor vazio, subiu algumas escadas empurrou uma porta entreaberta e viu a luz do sol.
Era um terraço e voltou a sentir um arrepio de medo. Uma figura enorme, vestida de negro carregava nos braços um corpo inanimado.
Era o Vampiro que surgia da escuridão. O sol despontou e ele dobrou os joelhos e lentamente deixou-se cair cobrindo o corpo inanimado que abraçara.
Depois com um grito sussurrado, que mais parecia um lamento, o vampiro rodou e ficou deitado de costas enfrentando a luz do sol.
Ruben ficou parado olhando para os dois corpos. Fora educado numa escola de Padres Missionários. Relembrou a oração dos mortos e com a voz sumida foi rezando. Depois lançou por sobre os dois cadáveres a cruz de madeira que trazia. E lentamente os corpos começaram a desfazer-se em pó, que um vento suave levava pelo ar. Era já Outono, aliás o verão Índio. Era o momento final.
As suas recordações iriam desaparecendo com o tempo. Mas iria guardar para si o dia em que a sua mão fora escolhida pelos Deuses da floresta para dar descanso a duas almas condenadas.
Ele enfrentara os medos e vencera o Vampiro.
Sim, o último Vampiro em Nova Iorque partira desfeito em pó, ele fora o instrumento da sua libertação.
FIM
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