terça-feira, 12 de abril de 2011

O BANCO NO JARDIM

7 – ENTRE AS NUVENS

Luís não conseguiu dominar o sofrimento. A cabeça não respondia à vontade de esquecer o que já não tinha remédio.
Preocupada, a mulher falou com o médico assistente, contou o abalo que transtornara o marido. A opinião do médico foi de que o levasse a visitar o amigo. Dizia:
- D. Rosália, se o amigo ainda for vivo, isso poderá fazer bem a ambos. Se já cá não estiver, com muita paciência e ternura da sua parte, o seu marido poderá ultrapassar o desgosto. Como sabe, nestes casos, não há dor que o tempo não cure, mas é preciso vivê-la. Depois ligue-me a contar.
Depois de almoço, chamaram um táxi e seguiram para a morada indicada, uma vivenda nos arredores de Odivelas. Luís Alberto estava nervoso e impaciente. Temendo o pior a mulher recomendou ao motorista do táxi para aguardar pelo fim da visita que iam fazer.
Eram 15 horas, a porta do lar ainda estava fechada mas já havia familiares de internados aguardando a hora de entrada. Finalmente uma empregada, veio abrir a porta. Rosália perguntou onde podia encontrar o senhor Filipe Costa, dado que era a primeira vez que o iam visitar. A empregada acompanhou o casal até ao escritório, pedindo para aguardarem um pouco, enquanto ela ia buscar a Dona Teresa.
Esta, uma senhora de cabelos brancos, olhar vivo e bondoso, entrou no escritório, convidou o casal a sentar-se nas duas cadeiras que lá havia, enquanto ela se encostou à secretária, perguntando:
- Os senhores não são da família do Sr. Filipe, pois não?
- Não, de facto somos apenas amigos e antigos vizinhos, responderam.
- Desculpem, mas eu tenho instruções do responsável pelo internamento, que o Sr. Filipe só poderá receber visitas das pessoas de família que constam duma lista que nos deixou. Diga-se em abono da verdade que, salvo o Sr. Oliveira, a pessoa que assinou e cá vem pagar a mensalidade, nunca apareceu mais ninguém. E mesmo ele paga e sai de seguida.
A situação pareceu-me, e ainda parece, absurda e até consultei sobre o assunto a Médica que nos visita. A Doutora foi muito clara. Ela consultava o doente e nada encontrara que justificasse o isolamento. Admitia por isso que o Sr. Filipe fosse, na sua extrema debilidade física e mental, objecto de interesses e disputas familiares
Dona Teresa, acredite que a médica do lar tem razão. E se quiser poderei contar a história de ganância, insensibilidade e maldade que o Sr. Filipe foi vítima. Deixe-nos visitar, o meu marido talvez seja a único amigo que lhe resta.
- Vou deixar, mas devo dizer-vos, que apesar dos nossos cuidados, a vida dele está presa por um fio. Passa os dias sentado num cadeirão virado à janela, como esperando a morte.
Subiram ao primeiro andar e num quarto de duas camas, estava o amigo, deitado na cadeira, olhando o céu.
- Sr. Filipe olhe para nós, está aqui um amigo que o quer ver!
Com um movimento lento, o doente virou a cabeça e viu o companheiro do banco do jardim. Esboçou um sorriso de reconhecimento e estendeu a mão, que Luís segurou e soluçando disse ao ouvido:
- Meu amigo, tenho esperado por si, todos os dias, no nosso banco, atento ao movimento das pessoas, na esperança de ver chegar o eléctrico com a sua mulher e filha. Enquanto o senhor aqui estiver, prometo que não faltarei!
Com os olhos vítreos, onde a sombra da morte já se fazia anunciar, Filipe abanou a cabeça, apontou com a mão descarnada algumas nuvens que corriam pelo céu, e sussurrou:
Já não vale a pena. Agora, são elas que esperam por mim. Vê, elas estão voando!
Sim, brevemente estaremos juntos!
Meu amigo, ponha uma flor no nosso banco, para que nós, lá de cima, o possamos ver.
Deixou cair a cabeça. Suspirou e partiu.

Fim

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