terça-feira, 7 de junho de 2011

O ESTRANHO CASO DO ESCRITOR FANTASMA

1º. Capítulo
Luís Miguel Passos de Sousa Aguiar era herdeiro de uma família com algumas pretensões de nobreza, dizia-se até que seu Tetravô, Senhor D. Pedro de Sousa Aguiar, Visconde de Vale dos Milhafres, teria sido um leal combatente ao lado do Rei D. Miguel, e que após a derrota dos seus ideais, abandonara a capital e se exilara para uma quinta no interior da Beira Alta, donde nunca mais saíra.
Não conhecera o Pai, morrera era ele ainda uma criança de colo, e toda a sua educação foi assegurada pela Avó, matriarca da família, e por quatro tias paternas, solteironas, que o sonhavam ao serviço da Igreja. A Mãe vivia num mundo à parte. Filha de gente do Povo, fora obrigada ao casamento com o senhor D. Diogo para abafar o escândalo de um filho ilegítimo, e esse pecado nunca lhe fora perdoado. O filho que gerara fora-lhe retirado e entregue à senhora Viscondessa, sua Avó.
Não frequentara a escola da aldeia, porque um Visconde não se podia misturar com os camponeses ou pequenos burgueses da região. As aulas eram dadas por professores e padres escolhidos pelo Conselho das Tias, que se comprometiam a obter a sua aprovação aos exames que a tivesse que se submeter.
E foi no ambiente rural de uma quinta com alguns resquícios de grandeza, sinais que os anos tinham apagado pouco a pouco, escondida nos contrafortes da serra da Estrela, que Luís Miguel viveu até à idade de ir estudar para Coimbra.
Não fora uma decisão fácil. A família dividiu-se mas acabou por prevalecer a decisão da Avó, senhora de mais de setenta anos, que entendeu que Luís Miguel teria que ser médico e por isso era para Coimbra que deveria ir estudar.
E foi. Quando nas férias voltava à velha casa toda a vizinhança o recebia com respeito, pois estava ali, o Doutor que todos esperavam.
Luís Miguel aprendera com boas companhias a viver enganando a vida e as suas extremosas tias. O curso de Medicina era muito trabalhoso e ao fim de seis árduos anos de estudo, ele já tinha completado duas cadeiras do primeiro ano e estava quase a terminar uma outra do segundo ano. E com notas brilhantes, como está bem de ver.
Em contrapartida aprendera a viver, convivera com poetas, escritores, músicos, boémios e mulheres da vida e de tudo guardara ensinamentos.
Todavia já não conseguia, e na verdade também não queria, continuar a inventar histórias sobre os seus progressos no campo das ciências médicas, que enchiam de esperanças a idosa tribo familiar. Tinha decidido que seguiria o seu caminho.
Encheu-se de coragem e numa noite, durante o período das férias de Natal, confessou a verdade. Não tinha cursado Medicina, aliás não tinha tirado qualquer curso universitário, apesar dos mais de oito anos que passara em Coimbra.
A sua confissão fora um choque. Ele era o único varão da família e o seu fracasso significava o ruir das esperanças que aquelas mulheres tinham depositado nele.
E não lhe perdoaram. Olhando o neto e o sobrinho, o conselho de família apontou a porta da rua, como saída e sem entrada. A Mãe, como sempre, nem se dera conta de nada.
Luís Miguel regressou a Coimbra sem pesar, encerrou o capítulo da sua vida fingida e assumiu o seu destino e a firme determinação de não mais voltar à aldeia.

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