sexta-feira, 10 de junho de 2011

O ESTRANHO CASO DO ESCRITOR FANTASMA

4º. Capítulo
Aquele grupo assemelhava-se a uma torre de babel em construção. Todos tinham opinião, o que era de esperar e positivo, mas todos falavam uma linguagem apaixonada, que se sobrepunha até à razão. Luís Miguel ouvia mas não participava. Pensou em intervir conciliando algumas posições mas hesitou, reflectiu e voltou ao silêncio. E, pensou que conciliar significava no fundamental, que alguém teria de transigir e de cedência em cedência o sonho seria breve.
Ele que nunca se havia comprometido, que nunca buscara razões para explicar o seu comportamento, não seria nunca o empecilho ao pensamento.
Sabia que a anarquia daquela primeira reunião iria ser uma constante, porque também pensava que tudo o que fosse semelhante ao já existente seria o fracasso. Deixar pensar, saltar obstáculos, fomentar a paixão, partilhar os seus fracassos os seu medos mas nunca limitar o entusiasmo. Sem paixão, as ideias acabariam por morrer na praia. Estivera ouvindo os outros e também se ouvira a si mesmo, interpretando o seu silêncio.
Era já noite avançada e estavam perdidos, sem rumo, sem direcção. Luísa olhou para ele como uma tábua de salvação.
E Luís Miguel que na sua vida, nunca levara nada a sério, sentiu que devia qualquer coisa aos presentes. Despiu a pele de boémio sem cura, esqueceu a sede do álcool com que alimentara as suas frustrações, dirigiu-se ao cavalete, colocado em local estratégico, onde cada um dos seus colegas antes procurara ilustrar as ideias, dobrou a última folha escrita e ficou olhando para a grande folha branca. Depois num frenesi começou a desenhar, página a página, o layout do futuro periódico. Em traços cada vez mais vincados e firmes, passou da sua concepção gráfica, para os conteúdos e respectivo alinhamento, atribuiu as responsabilidades individuais de cada um, reservando a primeira e a última páginas para a responsabilidade colectiva. Preencheu algumas folhas com esquemas e diagramas, foi completando o seu raciocínio e sem se dar conta, construíra um projecto que assimilara as ideias do grupo, as arrumara, cada uma no seu espaço.
Para si reservara um espaço no meio do jornal, para uma crónica cujo nome lhe surgiu, sem saber como. O Escritor Fantasma.
Parou, o suor escorria pelas fontes, a mão que dera expressão ao seu pensamento estava agora caída ao longo do corpo, como se de repente lhe tivesse faltado a energia.
Estava cansado mas sentira que estava a dar qualquer de si. Podia ou não ser importante, mas fizera-o comandado por uma força que não conhecia. Estava ausente, receou ficar só. Despertou com o aplauso unânime que ia crescendo de segundo a segundo até à ovação final.
E foi naquela noite, que um grupo tão heterogéneo, se juntou dando as mãos e desafiando o futuro.

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