quarta-feira, 1 de junho de 2011

O EXECUTOR

30 – À FLOR DA PELE

Mar de Prata era o refúgio ideal. Foi fácil chegar a essa conclusão desde que, vindo de Buenos Aires, parara o carro à porta de um hotel, Pedro ficara submerso pela vida intensa, pela multidão que enchia as avenidas bordejando a praia, grande a perder de vista. Como veio a notar, de dia e de noite, as pessoas viviam cada momento com um frémito de emoção à flor da pele. Todas tinham pressa de viver e cada minuto era bebido entre risos, abraços e beijos. A noite era para amar, tendo como testemunha o luar que iluminava os corações e a música sensual dum tango.
Passeou pelas esplanadas ao longo da praia, procurando um sinal que lhe fizesse lembrar a fotografia que tinha recebido. Desistiu, na realidade todas elas eram muito semelhantes e encontrar alguém, só por acaso.
Só, Pedro escolheu sentar-se num paredão recebendo o afago da brisa suave, enquanto concentrava o olhar longe, no outro lado do rio. Procurava localizar Punta del Este, famosa estância turística da costa do Uruguai, lá onde o rio abraça o oceano, e onde já estivera em férias.
Estava cansado, tinham sido muitas horas de viagem desde que deixara Lisboa, aqueles momentos tranquilos serviam para recuperar a energia.
Todavia, a cidade não era feita para descanso. Estava repleta de turistas, frenéticos e excitados, que enchiam os casinos e outros estabelecimentos de diversão nocturna, uns mais sofisticados e outros mais populares. Em qualquer deles, e Pedro visitara alguns, encontrara um traço comum. Gente que esbanjava dinheiro, na maior parte das vezes proveniente de negócios obscuros.
Num dos casinos sentou-se numa mesa de poker e foi jogando, ganhando e perdendo valores modestos. A dada altura arriscou mais e teve sorte. Abandonou a mesa deixando para o empregado, uma quantidade bem simpática de fichas.
Voltou outro dia, escolheu a mesma mesa, ainda não tinha jogadores. O croupier era o mesmo, reconheceu-o e falou em Português. Que era natural de S. Paulo, filho de Pai Português e Mãe Brasileira, trabalhava no casino há alguns anos e encontrara alguns Portugueses sim, mas normalmente muito distantes e pouco simpáticos. O senhor foi a excepção, concluiu Fábio o empregado do casino. No meio da conversa, Pedro tirou do bolso do casaco uma fotografia, mostrou e pediu para ele dar uma vista de olhos. Será que você se lembra de ter visto alguma dessas pessoas, perguntou?
Fábio pegou na fotografia, olhou com atenção, devolveu dizendo não reconhecer ninguém.
Continuaram a conversar e, como por acaso, Fábio perguntou em voz baixa o nome do hotel que escolhera. Pedro escreveu num guardanapo que recebera com a bebida, o nome o número de quarto e deixou sobre a mesa.
Depois saiu, não queria jogar e preferiu assistir a um espectáculo de tango. Era um baile com bailarinos profissionais, preparado para turistas. Havia muitos mas do grupo que ele procurava, nem sinal.
No outro dia, fim da manhã, sem ser uma surpresa, Fábio estava no hall do hotel. Foram almoçar a um restaurante fora do circuito turístico, e numa mesa discreta pediu:
- Não se importa de me mostrar de novo a fotografia pois não? Depois, olhando para ela confessou que conhecera o grupo, sabia que os dois que apontou, tinham sido encontrados, num beco escuro, abatidos com um tiro na cabeça. Os outros dois e a mulher desapareceram, mas ouvira um cliente dizer que os havia encontrado em Punta del Este, no Uruguai.
Se o senhor quiser saber mais pormenores, procure o Tenente Sepúlveda da Polícia Nacional e compre a informação. Pelo que julgo saber, será cara, mas digna de crédito. Pode referir o meu nome, ele deve-me favores por alguns truques que eu lhe ensinei, para ganhar no casino.
E foi o próprio Tenente, satisfeito com o punhado de dólares que Pedro lhe enfiara no bolso, a indicar o caminho, precisando o local para encontrar os três fugitivos. E recomendou para ter cuidado, ele sabia que havia mais gente à procura, e eram gente perigosa.
Pedro deixou o hotel, pegou no carro e, dando algumas voltas sem destino para testar se estava a ser seguido, meteu-se a caminho e, ao fim de algumas horas encontrou o local, graças à ajuda dum camponês. Era uma simples casa perdida, numa clareira da floresta, algures entre a fronteira do Uruguai e do Brasil. Pedro conduziu com precaução pelo carreiro de acesso, parou um pouco afastado e fez o resto do caminho a pé. A casa, que já vivera melhores dias, tinha a porta entreaberta e ouviu gemidos e uma voz de mulher, que reconheceu.
Empurrou a porta e entrou na sala. Anne, era ela, olhou para Pedro, dizendo:
- É tarde para o tango que te prometi, mas vieste e isso é o mais importante!
Pedro nada disse, ficara paralisado com o quadro que encontrara naquela velha casa. Anne não parecia a mulher que conhecera em Barcelona. Ela que fazia questão de fincar o seu porte altivo, era agora uma mulher triste e com ar amargurado. Só os olhos mantinham algum brilho, mas não o fogo de outrora.
Numa cama estreita, um homem gritava por ajuda; outro, sentado à janela, olhava para o vazio e nem a presença do intruso o fizera desviar o olhar. Anne murmurou:
- Ajuda-me, eles estão às portas da morte e num grande sofrimento. Eu não sou capaz de lhes dar o descanso que eles pedem. Perderam tudo, só me têm a mim e eu já não tenho a força da Jezabel. Fá-lo antes que os outros cheguem e os torturem. Os que morreram sabiam demais, foram eles que contrataram a Organização para roubarem o dinheiro da droga. Só eles conheciam o destino do dinheiro e a pessoa que negociou. Alguém exigiu a maior fatia do bolo, por isso fugiram e aqui foram apanhados e mortos. Nós ficamos sem amigos e sem dinheiro. Restou-nos este abrigo. A febre atacou-os e a morte é uma questão de dias. Não os posso levar a um hospital, é longe e perigoso e na povoação não existe médico. Eles pedem ajuda para morrer. Sabem o que os espera se forem apanhados. Eu não tenho coragem para os abandonar.
Pedro com as mãos suadas e o corpo tremendo, pegou numa almofada e sufocou até ao último suspiro, os dois infelizes. Depois saiu, respirou fundo mas não esqueceu o olhar de alguém indefeso e para quem a morte é a libertação. E ele, naquele ermo, olhou com horror para as mãos e jurou que nunca mais.
Pegou na mão de Anne levou-a para o carro e meteu-se ao caminho de volta.
Não tinha palavras para dizer,só perguntou, porquê?
Anne cerrou os olhos esteve assim por alguns momentos e pediu:
- Para o carro, preciso de apanhar ar. A ti, ainda te falta completar a missão. Fui eu que recebi ordens para te matar naquela curva da estrada. Falhei, não fui capaz e por isso também sou perseguida. Quem traiu não sei, mas alguém referiu um nome: Conti.
Aproximou-se mais e erguendo o rosto triste e sofrido, ofereceu os lábios na procura de um beijo. Foi um beijo salgado pelas lágrimas que corriam pela face da mulher.
Anne afastou-se, tremendo como um arbusto açoitado pelo vento. Deu uns passos trémulos, voltou-se, tinha uma pistola na mão, encostou a arma à cabeça, e escolheu o seu caminho.

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