quinta-feira, 2 de junho de 2011

O EXECUTOR

31 – O BRILHO DAS ESTRELAS

Escurecera, a noite foi-se iluminando pela luz das estrelas. Pedro sentia uma sensação de calma. Olhava, fascinado para o infinito, esquecendo os remorsos, os rancores e acima de tudo o horror em que a sua vida se tornara.
Esteve de olhos fixados no céu e tremia quando testemunhava uma estrela cadente. Enquanto jovem gostava de vigiar as estrelas e no seu íntimo sonhava que, um dia, uma estrela errante o levaria, para desvendar os segredos do céu.
Ele perdera a estrela e perdera também o norte. Percorrera distâncias sem nunca ter a certeza que voltaria. Estava cansado, tão cansado que nem forças tinha para fechar os olhos apagando os seus sentimentos.
Até esquecera que ao seu lado, no avião de Nova Iorque com destino a Londres, viajava uma mulher, que lhe prendera a atenção.
Olhou para ela e sobressaltou-se. A mulher jovem, cabelos loiros como o trigo, olhos verdes, parecia ter desvendado os seus pensamentos, porque lhe disse, com uma voz profunda:
- Quer dor ou que tristeza o persegue? Observo já algum tempo e parece estar ausente, distante, afogado em más recordações? Eu não quero ser intrometida mas, ainda agora o olho e vejo uma nuvem que o esconde. Empurre essa nuvem, esqueça o que o entristece, talvez precise apenas de um pouco de companhia.
Pedro esboçou um sorriso, teve um leve lampejo no olhar e respondeu:
- Vai perdoar se eu não conseguir ser uma companhia agradável. Vou tentar, acredite que vou tentar. O meu nome é Pedro, sou Português a trabalhar em Londres.
E já agora, sou solteiro e os meus compromissos são apenas com amigos, mas devo confessar com pesar, são poucos. Como vê sou natural dum País que inventou uma música, fado, que só nós sabemos interpretar, porque ela também significa destino. E que inventou uma palavra que não tem tradução, que sentimos muitas vezes, É a mais bonita palavra da língua Portuguesa, SAUDADE.
Ora aqui estou eu apresentado, Português errante, cumprindo o meu fado e sentindo a saudade, como uma dor profunda.
Enquanto procurava as palavras que acabara de proferir nem uma só vez encarou a sua vizinha de viagem. Quando acabou, sentiu que a mão da companheira lhe afagava a sua, tensa e presa como uma garra, ao braço da cadeira.
Descontraiu dizendo, obrigado, por me ter estendido a sua mão.
- Gostei muito de o ouvir. Porém confesso que qualquer coisa me dizia que, um homem, que certamente tem os seus segredos, tinha de ser um excelente actor para me dizer palavras tão bonitas. Acredito que você é tudo o que disse. E por isso, também vou falar de mim, mas não com a delicadeza que pôs nas suas palavras.
Chamo-me Íris, vivo em Brooklyn, partilhando o apartamento com uma amiga. A minha família, fugindo do frio, mudou-se para a Florida, vivendo numa pequena cidade perto de Tampa.
E é verdade, estou separada, o meu companheiro nunca aceitou o meu trabalho. Eu faço teatro musicado na Broadway, não sou uma estrela, tenho pena, mas trabalho para isso.
O meu agente conseguiu um lugar num musical que vai ser apresentado em Londres. E aqui vou eu à procura de dar mais um passo na minha carreira.
Pedro, Íris, conversaram, foram ganhando momento a momento mais intimidade e confiança. Os olhos pressentiam que algo os unia e estavam felizes por isso.
Tanto que, logo que as luzes de cabine foram reduzidas, se aninharam nos braços um do outro.
Em Londres, Íris tinha uma carrinha do teatro à sua espera. Iria ficar num apartamento perto de Westminster, que a companhia reservara para as actrizes.
Que pena, murmurou para Pedro, vai ser um apartamento com colegas e vai ser difícil arranjar lugar para as nossas longas noites.
Pedro hesitou, depois deu uma corrida e estendeu um papel com a morada do seu apartamento. Hoje, amanhã e sempre, esperarei por ti.
E uma noite, invulgarmente bela e repleta de estrelas fulgentes, Pedro regressou ao apartamento em Newington. Estivera na porta do teatro, assistira à saída dos actores mas não vira Íris.
Subiu as escadas, abriu a porta e, de repente parou. Ouvira uma respiração ofegante e sentiu o frio de uma pistola encostada à cabeça. Tinha chegado a sua hora. Não queria morrer pelas costas. Voltou-se, lentamente e sem surpresa, vislumbrou, antes de receber o tiro no peito, uma farta cabeleira loira.

FIM

Sem comentários:

Enviar um comentário